LVIII
A uma Madona
Madona, minha amante, eu quero te elevar,
No melhor do meu ser, um subterráneo altar;
Abrir no coração, recatado, escondido,
Longe dos maus, do olhar do mundo pervertido,
Um lindo nicho azul de cúpula doirada,
E ali hei de erigir-te, Imágem, deslumbrada!
Com meus Versos subtis, do mais puro metal,
N’um paciente labor, com rimas de cristal,
Formarei um Diadema enorme p’ra toucar-te;
E com meu próprio ciume hei de saber talhar-te,
Ó Madona terrestre, um Manto inegualado,
Sóbrio e farto burel de Suspeitas forrado,
Que, como uma guarita, encerre o teu encanto;
Bordá-lo-ei depois co’as perlas do meu Pranto!
Teu Vestido será meu Desejo fremente,
Que ora sobe ora desce, inquieto, impaciente,
A baloiçar no monte, a repoisar no prado,
De beijos a vestir teu corpo albi-rosado.
Farei do meu Respeito os Chapins pequeninos
Com que heide preservar-te os pèsinhos divinos,
E onde se ha de imprimir, como em cera ou em neve,
A fórma do teu pé, tam pequeno e tam leve.
Mau grado o meu esforço e toda a minha arte,
Não podendo uma Lua argêntea colocar-te
Á laia de Escabelo, hei de a teus pés depor
A Serpente infernal, o monstro roedor
Que me lacera o peito, e tu has de-a pisar,
Como um verme soez, sob o teu calcanhar.
Verás então fulgir a luz dos Sonhos meus,
Como Círios no altar da Virgem mãe de Deus,
Iluminando o fundo azul do teu abrigo,
O teu vulto a envolver n’um doce olhar amigo!
E como te estremece o que ha de bom em mim,
Tudo transformarei em Nardo e Benjoim.
E em ondas de vapor, branca Serra nevada,
Ha de elevar-se a ti, minh’Alma atormentada.
E para completar teu papel de Maria,
E para conjugar o amor co’a barbaria,
Ó negra embriaguez! dos Pecados mortaes,
Carrasco bestial, farei sete Punhaes,
Cortantes a valer, e a um por um, a eito,
A todos cravarei, ó Virgem, no teu peito,
Em pleno Coração, no teu peito anhelante,
Em teu peito a sangrar, Madona, minha amante!