XXII

Hino á Beleza


Desces do azul do ceu, ou surjes do abismo?
Beleza, o teu olhar, de fogo e de carinho,
Géra alternadamente o crime e o heroísmo,
E por isso, talvez, és comparada ao vinho.

Encerra o teu olhar a aurora e o pôr do sol,
Perfumes infernaes de noite procelosa;
Teus beijos são um filtro, e os teus lábios crisol
Que torna o heroe covarde e a creança corajosa.

Vens do fundo da treva, ou desceste dos astros?
O Diabo, com amor, persegue-te, chorando;
Fazes subir ao ceu, e caminhar de rastros;
A dominar em tudo, e nada te importando!

Nem aos mortos, sequer, tu poupas com remoques!
Entre as joias que tens, o Horror é a mais fulgente,
E o Crime, esse primor dos teus gentis berloques,
No teu ventre orgulhoso anda a valsar, contente.

O insecto, deslumbrado, a procurar-te a chama,
Vae encontrar a morte, e bemdiz teu clarão
O amante, enlanguescido, aos pés da sua dama,
Parece um moribundo a afagar o caixão.

Mas que venhas do ceu ou do inferno, que importa,
Beleza! monstro enorme, horroroso e travesso!
Se teus pés, teu olhar, teu riso, abrem a porta
D’um infinito ideal, que eu amo e não conheço?

De Satanaz ou Deus, que importa? Anjo ou Sereia,
Tu consegues tornar — ó fada de azas leves,
Alvinitente luz que a minha alma clareia! —
O universo melhor e os momentos mais breves!