XXI

A Máscara



Estátua alegórica no gosto da Renascença



Reparae. Que primor de graças florentinas!
Na suave ondulação do corpo musculoso,
A Força e a Elegância ostentam-se divinas.
Essa esbelta mulher, — bloco maravilhoso,
Divinamente forte, e docemente guapa,
Destinada parece a um leito sumptuoso,
A ser a distracção d’um rei ou de algum papa.

Olhae aquele rir fino e voluptuoso,
Num éxtase ideal de fátua garridice;
O escarninho olhar, lànguido e mentiroso;
O rosto peregrino, a transluzir meiguice,
Que parece dizer, vencedor e orgulhoso:
«Chama por mim o Amor; a Volupia sorri-me!...»
A este ser gentil, cheio de majestade,
Vede que seduções a gentileza imprime!
Mas vejamos melhor o vulto da beldade.

Ó surpresa fatal! blasfemia que a arte gera!
A divina mulher de rosto sedutor
Duas cabeças tem, como infernal quimera!

Mas não! É simples másc’ra, o rosto enganador,
A face que apresenta um riso triunfal.
Como vēdes, lá está, crispado horrivelmente,
O verdadeiro rosto, a cabeça real,
Que se esconde, a chorar, na máscara ridente.
— Ó misera beleza I o esplendoroso rio
Do teu pranto vem dar á foz dos meus abrolhos;
A tua falsidade embriaga.me, e eu sorrio
Com os caudaes que a Dôr faz brotar dos teus olhos!

– Mas porque ha de chorar a beleza correcta
Que a seus pés pode ver todo o homem vencido?
Que misterioso mal faz carpir essa atléta?

— Ela chora, sabel, porque já tem vivido,

E ainda viva está!... Mas o que mais deplora,
O que mais exacerba a sua mágoa atroz,
É que ainda amanhan viverá, como agora...
A’manhan, e depois, e sempre! — como nós!