LV
Irreparável
1
¿Podemos nós banir o remorso implacavel,
Que em nosso peito faz ninho,
E se nutre de nós como um verme insaciavel,
Como o caruncho daninho?
Podemos nós banir o remorso implacavel?
¿Em que filtro ou licor, em que vinho ou tisana,
Afogar quem nos fatiga,
Guloso e destruidor qual frivola mundana,
Paciente como a formiga?
Em que filtro ou licor? — em que vinho ou tisana?
Ó feiticeira ideal, dize-m’o tu, oh! di-lo
Á minh’alma timorata,
Que lembra um moribundo ao ver a contundi-lo
D’um cavalo a férrea pata!
Ó feiticeira ideal, dize-m’o tu, oh! di-lo
Ao ente a agonizar que o lobo já fareja,
E a quem o corvo procura,
Ao soldado infeliz que, suspirando, almeja
Pela paz da sepultura;
Ao ente a agonizar que o lobo já fareja!
Póde alguem colorir um ceu negro e lodoso?
¿Rasgar a treva sombria,
Mais negra que o carvão, sem astro luminoso,
Sem uma luz fugidia?
Pode alguem colorir um ceu negro e lodoso?
A Esp’rança que brilhava outrora na Pousada
Extinguiu-se, morreu já!
Sem uma luz que a oriente, a alma transviada
Onde é que se albergará?
Satanaz apagou as luzes da Pousada!
Feiticeira gentil, amas os condenados
Que não logram remissão?
Conheces do Remorso os tiros disparados
Ao alvo do coração?
Feiticeira gentil, amas os condenados?
O Irreparável róe co’a dentuça maldita
Nossa alma, piedoso hospício.
E por vezes ataca, assim como a termita,
Pela base o edifício.
O Irreparável róe co’a dentuça maldita!
2
Algumas vezes vi, nas mágicas banaes,
Ao som de orquestras sonoras,
A fadas converter negros ceus infernaes
Em deslumbrantes auroras;
Algumas vezes vi, nas mágicas banaes,
Um pequenito ser, a espargir claridade,
Satanaz afugentar;
Mas o meu pobre peito, em negra soledade,
Cansa-se em vão a esperar
O pequenino ser a espargir claridade!