XXIV

O Cabelo


Ó tranças em aneis afagando-te a alvura
Do colo juvenil! Ó perfume sem par!
Éxtase! Vou povoar a minha alcova escura
Com as recordações que dormem na espessura
Do teu cabelo, amor, fazendo-o destrançar!

A África abrasadora e a Ásia langorosa,
Todo um mundo distante, ausente, evocador,
Vive na solidão d’essa grenha olorosa!
Como vogam mortaes na onda harmoniosa,
Eu gosto de nadar no teu divino olor.

Quero ver as regiões tropicaes, luxuriantes;
Negras tranças, servi-me de vagas veleiras.
Transportae-me no dorso aos países distantes!
Mar de azeviche, mar de sonhos deslumbrantes,
Com corvetas reaes, com mastros e bandeiras!

O’porto sem egual onde a minh’alma inglória
Pode á larga absorver sons, perfumes e côr;
Onde as grandiosas naus, na sua trajectòria,
As velas colossaes desfraldam para a glória

D’um céu puro onde esplende o eterno calor.
Eu quero mergulhar a lânguida cabeça
Nesse soturno mar que encerra o proprio mar,
E o espírito subtil, sobre a vaga travessa,
Fará, ó meu amor, com que eu me desvaneca
Num éxtase ideal, perfumes a aspirar!

Ó cabelos azues, tranças ebanizadas,
Viva imagem do ceu azul na escuridão;
Nos lindos caracoes, nas mechas desgrenhadas,
Consigo distinguir as essências variadas
Do coco, do ananaz, do musgo e do alcatrão.

Hoje, à manhan, e sempre l ó grenha estremecida,
Com per’las, com rubins e com safiras hade
Toucar-te com amor minh’alma agradecida,
Para que sejas sempre a taça apetecida
Por onde bebo, a flux, o vinho da saudade!