As biografias dos homens notáveis e eminentes de um país são páginas soltas do grande livro da história dele. Nas relações dos feitos e dos trabalhos dos estadistas, dos diplomatas, dos generais, dos administradores, dos sábios, dos poetas e dos artistas de uma nação está encerrado o segredo dos grandes acontecimentos políticos, do progresso moral e material, das provações, dos triunfos, da glória, e também às vezes da decadência dela. Além da importância imensa que debaixo deste ponto de vista apresentam as biografias, acresce que todos os povos naturalmente se ufanam de ver perpetuada a memória de seus heróis e varões beneméritos, ou nos cantos dos poetas, ou nos momentos que a gratidão nacional lhes consagra, ou enfim, e, principalmente, nos escritos de biógrafos e conscienciosos, que são ao mesmo tempo uma justa satisfação para os contemporâneos, e um tesouro precioso reservado para a posteridade; um tributo de gratidão devido aos beneméritos, e, o que não importa menos, um incentivo poderoso, que convida os filhos a seguir os exemplos dos pais, e que faz suceder por novos os antigos beneméritos.
Mas a simples relação dos feitos dos grandes homens ainda não é tudo: a Nação, como a família, se apraz de conservar indelével a imagem e a figura de seus membros mais distintos. A Pátria, como a mais extremosa das mães, se extasia ante os retratos de seus filhos: os contemporâneos, que nem todos conhecem de perto os seus concidãos mais assinalados, e a posteridade, que é apenas herdeira de sua fama, folgam de procurar na fronte do sábio os cálculos profundos de sua vasta inteligência, nos olhos do guerreiro o fogo marcial que brilhara nos campos de batalha. Encontra-se finalmente um encanto indizível em ter junto da história do herói, ou do homem eminente, a imagem de seu rosto: então parece que se renova o passado, ou que se testemunha cenas brilhantes, de que se esteve longe: então como que se vê o estadista meditando no seu gabinete, como que se admira o orador na tribuna, e o poeta exaltando-se em suas horas da mais feliz e ardente inspiração.
Foi levado por estas considerações e pelo suave empenho de demonstrar de algum modo o nosso reconhecimento à hospitalidade amiga e generosa que viemos encontrar no seio do Império do Brasil, que empreendemos e tomamos sobre os ombros a difícil e trabalhosa tarefa da obra a que damos o título de Galeria dos Brasileiros Ilustres. O título da nossa obra indica bem claramente que tomamos por ponto de partida a época gloriosa da Independência do Brasil; mas por certo que não desconhecemos quanto se enriqueceria a nossa galeria com um grande número de varões ilustres, que se assinalaram nos séculos anteriores, e ainda nos primeiros anos do atual.
Desde o Padre José de Anchieta, que embora nascido no Velho Mundo, foi o apóstolo do novo, e tornou-se brasileiro por uma vida inteira consagrada ao Brasil, desde o Padre José de Anchieta, dizemos, até o Padre Caldas, o ilustre poeta e famoso orador fluminense, poderíamos contar uma insigne falange de beneméritos, que se libertaram da lei da morte pelos serviços mais relevantes. Mas assim compreendida e dilatando-se pelo espaço imenso de mais de três séculos, a nossa tarefa tornava-se pesada demais para nossas mesquinhas forças, e não poderia ser completamente desempenhada conforme o programa que os impusemos, principalmente porque pediríamos debalde ao passado os retratos de muitos dos seus nomes célebres.
Começando porém da época da Independência do Brasil, nós partimos do berço do Império, começamos a nossa marcha ao grito do Ipiranga, e contemplamos ainda vivos muitos dos ilustres cidadãos, que devem enriquecer a nossa galeria, ou sentimos ainda frescas e recentes as recordações daqueles que já desceram ao túmulo. Assim, pois, fica bem determinado, bem explícito o pensamento da obra, que tomamos a peito realizar. Foi e é nossa idéia bosquejar somente, sob o ponto de vista histórico, a vida e o caráter dos homens que se têm ilustrado no belo Império americano; desenhar as principais figuras, que têm deixado vestígios de sua passagem neste país e em sua cena política desde a Independência até os nossos dias; em uma palavra, apresentar os quadros e a história do Brasil neste período, expondo, a par dos retratos, os feitos dos seus varões que mais se têm distinguido.
Podemos ufanar-nos de que o nosso empenho fosse bem recebido e acoroçoado pelos brasileiros, e muito nos honra a distinção com que S. M. o Imperador o Sr. D. Pedro II se dignou de tomar debaixo de sua imediata proteção especial a Galeria dos Brasileiros Ilustres. É uma glória imensa para o Brasil, e que a posteridade aquilatará devidamente, o fato de se sentir sempre a influência benéfica e protetora do imperador, onde quer que se trate de dar impulso às ciências, às letras, às artes e à indústria no seio do país cujos destinos lhe foram confiados pela Providência.
Animados por este majestoso incentivo, e certos da continuação do favor do público, a nossa obra progredirá esperançosa e constantemente dirigida pelo mesmo pensamento. Em nossos trabalhos biográficos, esmerilhando cuidadosamente a vida pública do homem, suspenderemos nossos passos diante do lar doméstico e cerraremos os olhos ao proceder particular; não pertence ao escritor a vida íntima do cidadão, somente à tradição cabe revelar esses detalhes para completar o caráter dos homens célebres. Nossa missão, pois, se resume exclusivamente em transmitir à posteridade os traços dos principais personagens do heróico drama da Independência do Brasil, e daqueles outros que, herdeiros desse legado glorioso, dirigem o país em sua marcha regular. Dos primeiros, a maior parte já pagou o tributo à morte, e não são mais que sombras ilustres do panteão histórico do Brasil; alguns porém restam ainda, como venerandos monumentos do passado, e com seu exemplo, seus conselhos e sua experiência animam aqueles que, jovens ainda, e cheios de vigor e de esperanças, continuam a obra grandiosa de seus pais.
Para estes últimos, representantes das novas idéias, nossas biografias serão apenas a primeira parte de suas vidas, parte sem dúvida a mais difícil, porém ao mesmo tempo a mais gloriosa; porque é ela o laço, o anel, a cadeia que prende duas épocas da história do Brasil, o passado, época de lutas tremendas, e de organização depois da vitória; e a atualidade, período de progresso e de civilização. Tal é o fim a que se propõe a Galeria dos Brasileiros Ilustres: praza ao céu que ela corresponda aos nossos desejos, às nossas esperanças e aos trabalhos a que não nos poupamos, e que possa concorrer no presente e no futuro para a glória deste portentoso país que Deus acumulou de favores e de riquezas, e a quem deu filhos tão dignos e cidadãos tão dedicados.
S. A. Sisson