Galeria dos Brasileiros Ilustres/Januário da Cunha Barbosa

Januário da Cunha Barbosa nasceu na cidade do Rio de Janeiro, a 10 de julho de 1780. Foram seus pais Leonardo José da Cunha Barbosa e Bernarda Maria de Jesus, aquele natural de Lisboa, esta do Rio de Janeiro. Perdendo sua mãe, quando apenas contava nove anos, e pouco tempo depois seu pai, ficou a sua educação, assim como a de seus irmãos ainda mais moços do que ele, a cargo de um tio paterno, que o sustentou nos estudos preparatórios ao estado eclesiástico, que ele abraçara no ano de 1801 pela ordem de subdiácono, entrando no sacerdócio em 1803, logo que completou a idade para isso requerida. Em 1804 fez duas viagens a Lisboa, e voltando em junho de 1805 entregou-se ao ministério do púlpito, em que adquiriu crédito.

Estabelecendo-se a capela real no Rio de Janeiro, no ano de 1808, teve Januário da Cunha Barbosa carta de pregador régio. Des-velou-se no desempenho deste encargo, do qual colheu o hábito de Cristo, os aplausos dos cortesãos e a estima de seus patrícios. Em setembro desse mesmo ano, foi Januário admitido a substituir a cadeira de filosofia racional e moral, habilitando-se para isso na Mesa do Desembargo do Paço, e começou também em janeiro seguinte a servir o lugar de pró-comissário da ordem terceira dos Mínimos. Em dezembro de 1814, teve a propriedade da cadeira, vaga por jubilação de seu proprietário.

Em 1821, o grito de liberdade soltado em Portugal achou eco no coração de Januário da Cunha Barbosa, que, como visse se desenvolverem os destinos do Brasil a esse brado, que retumbou prontamente em todas as suas províncias, quis logo, associado a um amigo e colega em seus estudos, Joaquim Gonçalves Ledo, concorrer com um contingente necessário em tal ensejo. O Revérbero Constitucional Fluminense, periódico semanal que apareceu pela primeira vez em 15 de setembro desse ano, encaminhou os brasileiros à Independência, fortificou-lhes a opinião contra os disfarçados acometimentos das Cortes em Lisboa, acendeu-lhes o entusiasmo daquela época, dispondo os ânimos para a emancipação do Brasil, proclamada em setembro de 1822, mas começada verdadeiramente em maio pela representação redigida pelos redatores do Revérbero, lembrada pelo então Presidente da Câmara Municipal, José Clemente Pereira, e discutida por estes e mais dois patrícios, José Mariano d’Azevedo e José Joaquim da Rocha, que assim lançaram a pedra angular no alicerce da independência do Brasil.

Quando em setembro desse ano os negócios do país chegavam ao ponto de seu maior desenvolvimento, Januário da Cunha Barbosa marchou à província de Minas Gerais para coadjuvar os mineiros na aclamação do Príncipe, então escolhido para reger os destinos da nação. Apesar de que os sentimentos de quase todos os mineiros estivessem acordes para este ato, contudo a presença de um fidalgo português, que ali governava com algum partido, fez necessária a sua ida à capital de Minas. D. Manuel da Câmara nem se pôde opor ao ato da aclamação que poucos dias antes havia desaprovado, nem se demorou ali depois desse ato, que fora celebrado na melhor ordem e com entusiasmo impossível de se descrever. Januário da Cunha Barbosa tratou então em Vila Rica, Mariana, Caeté e Sabará, de temperar algumas paixões irritadas pelos acontecimentos anteriores; trabalhou por si e por seus amigos em ordem a fazer chegar ao centro da opinião nacional os que erradamente divergiam, ou que achavam graves embaraços na indignação dos escandalizados por seus primeiros atos; e conseguiu gloriosamente fazer muitas reconciliações. Mas quando Januário da Cunha Barbosa acabava a inteira conversão dos dissidentes, um mês depois da aclamação do Imperador constitucional na capital de Minas, em que tivera não pequena parte, ele foi preso em seu regresso ao Rio de Janeiro, recolhido à fortaleza de Santa Cruz em 7 de dezembro, no mesmo instante da sua chegada à corte, e no dia 19 posto a bordo de um bergantim francês, e deportado para o Havre, sem processo, sem se atender a um só de seus requerimentos, e sem subsídio para manter-se em terra estrangeira!

Januário da Cunha Barbosa teve muitos outros companheiros de desgraça, e de tão inqualificável deportação. Julgado improcedente o processo contra todos eles, e na ausência de todos instaurado, teve ele bem depressa em Paris as provas de que sua inocência havia plenamente triunfado, sendo-lhe restituída a liberdade de voltar ao seu país.

Em 1823, deixando a capital da França, dirigiu-se ao Havre, donde regressou ao Império, chegando ao Rio de Janeiro em dezembro do mesmo ano. O exílio só serviu para fazer avultar a consideração de que por todos os seus atos e serviços feitos à pátria tornara-se tão credor. Todo o tempo de sua imerecida deportação foi pelo ilustre brasileiro aproveitado em ilustrar a sua inteligência, habilitando-a com os frutos da experiência e a lição dos homens para melhor servir ao seu país, cuja prosperidade constituía o constante objeto de sua solicitude e anelo.

Não era possível que os acrisolados serviços, tão desinteressadamente prestados à pátria e ao Império por Januário da Cunha Barbosa, ficassem eternamente deslembrados na consciência pública e nos arquivos da administração suprema.

Restituído à pátria, foi o digno fluminense recebido pelo Sr. D. Pedro I com todos os sinais de benevolência, sendo logo em seguida honrado com o oficialato do Cruzeiro, em abril de 1824, e com o lugar de cônego da capela imperial, em setembro do mesmo ano.

Tão significativos atos de distinção da parte do monarca foram por parte dos povos correspondidos por demonstrações não menos nobres e honrosas. Os mineiros, recordando os preciosos serviços que lhes prestara o cônego Januário, e os fluminenses dispu-tando-lhes a glória de os retribuir, conjuntamente elevaram o cônego Januário ao alto cargo de representante da nação na primeira legislatura, que teve lugar em maio de 1826, na qual, em respeito à lei, tomou parte pela província do Rio de Janeiro, por ser a do seu nascimento.

Concluídos os trabalhos do quatriênio, o governo, querendo aproveitar as luzes e reconhecida a aptidão do cônego Januário, encarre-gou-o, não só da direção da tipografia nacional, como também da re-dação do Diário do Governo.

Como era natural, não poderia deixar o cônego Januário, nessa sua nova posição, de incorrer no desagrado daqueles que, por qualquer modo, hostilizassem os atos da administração a cuja defesa se prestava. Não há ministério que não tenha adeptos detratores. Dessa origem procedeu o resfriamento das afeições de alguns de seus amigos e admiradores, sem que jamais lhe pudessem fazer carga de ser menos extremoso defensor dos verdadeiros sentimentos liberais que professava, ou de olhar com menos horror para quanto podia alimentar a anarquia ou a revolução.

Por essas vicissitudes, tão naturais no regime da política ado-tada, facilmente explica-se a dispensa do cônego Januário da redação da folha oficial, em abril de 1831, bem como também a sua reintegração, logo em junho do mesmo ano, sob a administração da regência permanente, que soube fazer justiça aos sentimentos e à ilustração de um cidadão tão distinto. Novas provas de consideração do governo ainda se observam em suas nomeações de examinador sinodal, de cronista do Império e de diretor da Biblioteca Nacional.

Nos últimos anos de sua existência, não se descuidava um só momento o cônego Januário de dedicar-se com o mais desvelado zelo ao serviço do seu país. As letras receberam de sua cultura e constantes estudos os mais benéficos impulsos.

O periódico Auxiliador da Indústria Nacional, o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, a Revista Trimensal do mesmo Instituto, o poema "Niterói" a coleção das poesias mais estimadas dos poetas brasileiros, com a vida de alguns deles, lhes devem a sua existência. Se se juntarem a esses títulos de glória os serviços prestados ao ensino da filosofia por espaço de vinte e sete anos, que lhe valeram por fim a sua jubilação, e os aturados trabalhos de uma ativa correspondência entretida com as principais sociedades literárias da Europa e da América do Norte, atinar-se-á com a razão por que em seus últimos anos tantas provas de distinção pública, nacional e estrangeira, procuravam como que à porfia honrar o benemérito literato. A tão distintos incentivos deveu o cônego Januário o ser secretário perpétuo das duas mais úteis sociedades da capital do Império, como sejam a Sociedade Auxiliadora e o Instituto Histórico, o ser membro do Conservatório Dramático, correspondente de catorze associações literárias estrangeiras. As comendas do Cruzeiro e Cristo foram unidas às da Rosa, da Conceição de Vila Viçosa, em Portugal, e de Francisco I, em Nápoles.

Ainda no último quartel de sua vida, e quando os fluminenses o haviam novamente elevado ao lugar de deputado à assembléia geral legislativa, seus amigos o viram dedicar-se com a solicitude que tanto o distinguia ao estudo da reforma da instrução pública.

Orador sagrado, seus inúmeros sermões e orações de graças atestam a sua profunda erudição, colhida nas melhores obras da literatura religiosa, publicadas nas línguas latina, portuguesa, espanhola e francesa. Seus próprios desafetos nunca deixaram de admirar o talento e a superioridade com que nessa qualidade honrava as letras e a pátria.

Escritor público, era dotado de rara fecundidade, de recursos variadíssimos e de um estilo lúcido, algumas vezes caloroso, sempre insinuante, agradável e interessante. Era um dos principais de sua época, digno companheiro dos Cairus e Ferreiras da Veiga.

Professor de filosofia, por mais de um quarto de século, instruía a mocidade nos sãos princípios da ciência, extremando-os dos abusos e inconvenientes excessos. Inúmeros cidadãos, que por mais de um título hoje realçam nas cadeiras dos legisladores da pátria, entre a ilustrada classe médica, na honrosa profissão das armas, e em outras não menos dignas posições, atestam os serviços importantes e verdadeiramente reais com que procurava o cônego Januário desenvolver e ilustrar a inteligência pública.

Poeta, diferentes escritos seus o colocam na ordem dos primeiros épicos, satíricos e epigramáticos da sua época.

Jornalista, foi um dos mais conspícuos colaboradores do tempo, e devendo-se, como acima fica dito, à força de seus escritos, cheios de energia, cabedal e independência, as causas produtoras dos principais sucessos do país.

O cônego Januário arrebatava no púlpito pela sua presença nobre, por sua larga fronte, seu olhar vivo e brilhante, seus gestos regulares e sua voz acentuada e sonora.

Em sua organização sanguínea, móvel e suscetível, achava-se como que encarnado o espírito do jornalismo.

Era constante e aturado no trabalho, incansável em produzir, inexaurível no improvisar. Seus trabalhos apenas se afrouxaram quando na idade de sessenta e dois anos, uma paralisia lhe veio suspender a ação da mão direita.

A morte o arrebatou na idade de sessenta e seis anos e meio, aos 22 de fevereiro de 1846, assistindo-lhe aos seus derradeiros instantes os seus melhores amigos.

O país deplorou a perda do homem distinto, que por mais de um título se havia ilustrado e o havia honrado.

O cônego Januário da Cunha Barbosa teria colhido melhores louros em sua afanosa vida, e veria melhor recompensados os seus eminentes serviços, se a ingratidão dos homens e as tormentas políticas tanto o não houvessem contrariado.