Galeria dos Brasileiros Ilustres/Marquês de Paranaguá

Francisco Vilela Barbosa, natural da província do Rio de Janeiro, filho de Francisco Vilela Barbosa, tendo terminado os estudos preparatórios, seguiu para Portugal, a fim de estudar matemática na universidade de Coimbra. Depois de formado nessa faculdade, assentou praça na armada nacional, no posto de 2º tenente, em 1797, na idade de 25 anos, onde prestou bons serviços, principalmente no cerco da praça de Túnis, e na tomada dos piratas argelinos, no Mediterrâneo.

De volta a Lisboa foi nomeado lente da Real Academia de Marinha, por proposta da congregação dos lentes da universidade de Coimbra, segundo a lei; passando para o real corpo de engenheiros, em agosto de 1802, no posto de 1º tenente, sendo em dezembro do mesmo ano promovido a capitão e a major em julho de 1810.

Sendo já membro da Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica de Lisboa, foi eleito sócio da Academia Real das Ciências na classe das ciências exatas, em dezembro de 1814, sendo em 1818 eleito vice-secretário, com exercício de secretário, que serviu até demitir-se, em 1823.

Além dos trabalhos acadêmicos, F. V. Barbosa procurou dotar as ciências com alguns de seus escritos.

Escreveu para a Real Academia Elementos de Geometria com um tratado de geometria esférica, 1 vol. em 8º, do qual a academia tem feito quatro edições, já extintas. O 6º tomo, part. 1ª das memórias, e história da Academia Real das Ciências de Lisboa, traz a Primavera, sublime cantata, feita por V. Barbosa. Assim como o tomo 8º das mesmas memórias contém os discursos recitados pelo vice-secretário V. Barbosa na sessão pública da academia, a 24 de junho de 1821, e no paço de Queluz a el-rei o Sr. D. João VI, em 9 de julho do mesmo ano, por ocasião da sua chegada a Lisboa.

A mudança de sistema de governo facilitou aos fluminenses a ocasião de distinguirem ao seu comprovinciano, que em Portugal tantas provas dava de seu talento; F. V. Barbosa foi eleito deputado às Cortes constituintes, pela sua província natal.

Porém, apenas os deputados portugueses justificaram a independência do Brasil, com a sua conduta imprudente e provocadora, V. Barbosa provou que tinha um coração brasileiro; que o amor da pátria que nele palpitava, não tolerava a menor idéia de opressão para o Brasil; e unido à falange dos Andradas, dos Linos Coutinhos e de todos os outros brasileiros, reconheceram que as vistas do congresso eram hostis ao Brasil; que o Brasil, que principiara a ser livre em 1808, não podia mais voltar às cadeias coloniais; e com eles assinou, a 18 de setembro de 1822, a declaração proposta pelo digno paulista Fernandes Pinheiro, depois Visconde de S. Leopoldo, de que não jurariam a Constituição, porque na sua discussão haviam votado contra ela; e também porque entendiam ter cessado os seus poderes; pedindo V. Barbosa em sessão do congresso, a urgência para a discussão dessa declaração.

Porém, apresentando a comissão de Constituição do Congresso o famoso projeto de decreto, que não só cassava os poderes delegados ao príncipe real no Brasil, como anulava seus atos, lhe marcava o prazo de quatro meses para voltar a Portugal, prazo que na discussão foi reduzido a um mês, depois da intimação; ordenando a el-rei, que no caso de recusa do princípe, fosse ele desautorado! e constando em Portugal o decreto do príncipe real o Sr. D. Pedro, para a convocação das cortes constituintes no Brasil, F. V. Barbosa, depois de declarar ao Congresso português, que voava ao Brasil, para tomar parte na sua independência, atravessando, se possível fosse, o oceano com a sua espada na boca, requereu ao governo português a demissão de todos os seus empregos e postos; o que só lhe foi concedido por decreto de 17 de maio de 1823, quando regressou para o Brasil.

Sem nos fazermos cargo de historiar os dias da nossa Constituinte, diremos, como coevo imparcial, como brasileiro desinteressado, que tem acompanhado todos os partidos políticos desde 1822, sem nunca haver a eles pertencido, que não tardou em mostrar a Constituinte que não havia compreendido a sua alta missão; a Constituinte, cujos membros haviam sido feitos pela única eleição vestal, que o Brasil tem tido, desde a sua emancipação!

No seio da Constituinte manifestou-se um grupo, que eivado da demagogia, parecia querer lutar com o poder. Essa luta era, sem dúvida, funesta ao país; a existência da Constituinte era pois um mal!

Ao chefe do estado foi indicado o corretivo; porém, generoso como era, a ponto de ser tolerante, entendeu que o remédio era violento; e então procurou em ocasião oportuna, com palavras sinceras, como amigo fanático do Brasil, que ele emancipara! neutralizar as idéias que pareciam exageradas de um dos membros mais preeminentes desse grupo; mas a decepção foi completa! A resposta dessa capacidade foi audaz, chegou a parecer insultuosa! E foi então, que o imperador o Sr. D. Pedro I, ciente dessa opinião, e recebendo aviso de um dos caracteres mais distintos da Assem-bléia Constituinte, em saber e moderação, de que, se o remédio fosse demorado, produziria o efeito inverso, resolveu dissolvê-la, com o decreto de 12 de novembro de 1823. F. Vilela Barbosa, recém-chegado de Portugal, defensor corajoso da monarquia, e da liberdade legal, não desejava ver reproduzidas no seu país as cenas da constituinte francesa de 1789 e 90: aceitando a responsabilidade moral do ato da dissolução, com ela aceitou no dia 10 desse mesmo mês a nomeação de ministro e secretário de Estado dos negócios do império; passando para ministro da Guerra a 14, e a 17 para ministro da Marinha, cujo ministério serviu até 16 de janeiro de 1827, data em que talvez a firmeza de seu caráter o fez solicitar e obter a sua demissão; tendo sido durante esse espaço novamente ministro da Guerra, de 26 de julho de 1824 a 3 de agosto do mesmo ano e dos Negócios Estrangeiros, de 4 de agosto de 1825 a 21 de novembro desse ano.

Novamente ministro da Marinha, a 4 de dezembro de 1829, deixou essa pasta a 19 de março de 1831, tendo estado também com a pasta de Estrangeiros desde 29 de setembro a 9 de outubro de 1830.

Deixou, dissemos nós, a pasta da Marinha a 19 de março de 1831, porque tendo-se violentamente manifestado o partido revolucionário, pretextava, para as suas iras, a existência do Ministério Paranaguá (F. Vilela Barbosa havia sido nomeado por seus bons serviços visconde de Paranguá, e depois marquês).

Sem dúvida, o marquês de Paranaguá não transigia com revolucionários, e portanto ele era um obstáculo para seus fins!... O marquês de Paranaguá deixou pois o poder a 19 de março de 1831, aconselhando porém à Coroa a nomeação de um Ministério liberal; e esse Ministério composto em parte de capacidades, e no todo, de pessoas que o seu partido indicava como as mais aptas para satisfazer as suas exigências, ou não tinha força moral para obstar o progresso do mal, que ostentava o seu poder ou traía a coroa e nada fazia. A exoneração desse Ministério foi decretada a 5 de abril seguinte, e chamado o marquês de Paranaguá.

Mas, o dano estava feito. Só medidas enérgicas podiam salvar o país. Porém, o Imperador o Sr. D. Pedro I temia o derramamento do sangue brasileiro, no emprego dessas medidas; e generoso e magnânimo, como era, preferiu sacrificar-se, abdicando à coroa em seu excelso filho. Manifestada a vontade do Imperador, o marquês de Paranaguá retirou-se no dia seguinte ao da sua entrada, a 6 de abril de 1831.

Dada a abdicação no dia 7 seguinte, ficou o nobre marquês exposto à sanha do partido revolucionário, que a não ser a lealdade de um amigo, que a tempo o preveniu, para abrigar-se na legação francesa, e depois a bordo do Almirante Grivel, ele teria sido vítima dos facciosos, que duas vezes, depois de quebrarem as janelas da sua casa, a invadiram; tendo em uma dessas invasões penetrado, em alta noite, até ao aposento da desolada consorte, que como heroína lhes bradava pela Constituição, lançando-lhes em rosto a sua ferocidade contra uma senhora! No dia seguinte, a nobre marquesa teve também de exilar-se, para fugir à sanha dos revolucionários do 7 de Abril!

O marquês de Paranaguá era criminoso, por ser amigo do Sr. D. Pedro I, como tantos outros!

Amigo da sua pátria, que tantas vezes cantou na lira sublime, que com encanto tangia, só queria para ela o verdadeiro sistema constitucional representativo; e era por isso que os demagogos o tinham como o seu maior antagonista!... E a tal ponto chegou a sua sanha, que além de outras afrontosas calúnias, lhe assacaram haver ele mandado buscar ao estrangeiro, e conservar ocultas no Arsenal da Marinha, forcas de ferro, para com elas punir aos liberais. Não é um romance que escrevemos; essas acusações foram tantas vezes repetidas pela imprensa revolucionária que brasileiros respeitáveis as acreditaram. Não há muitas semanas que ouvimos a uma alta personagem a confissão a mais sincera dessa fraqueza:

"Eu cheguei a crer", disse ela, "que de fato existiam no Arsenal da Marinha as tais forcas de ferro, mandadas vir pelo marquês de Paranaguá."

O marquês de Paranaguá, exilado meses, até cessar o vulcão revolucionário, pois que ainda depois exigiram a sua deportação, entre-gou-se à vida privada, limitando-se a comparecer às sessões do Senado, do qual era membro desde a sua criação.

Conselheiro de estado, pela lei de 20 de outubro de 1823, foi ele um dos dignos brasileiros a quem o Sr. D. Pedro I incumbiu a revisão do projeto da Constituição, por ele redigido, e que por isso teve a glória de ser um dos seus referendatários, por cujo motivo foi condecorado com a dignitária da Imperial Ordem do Cruzeiro.

Em janeiro de 1826 foi o plenipotenciário do Tratado de Amizade e Comércio que o Brasil fez com a França.

Habituados a julgarmos os fatos pelos resultados, entendem hoje alguns dos nossos políticos que os artigos permanentes desse tratado foram um erro, pois que ligaram o Brasil a condições onerosas! Não entraremos no exame da conveniência ou desconveniência desses artigos, mas é nossa convicção que se na sua estipulação houve sacrifício, era ele necessário naquela época. Emancipado o Brasil em 1822, ainda em agosto de 1825 não havia sido a sua independência reconhecida pela mãe-pátria, nem por nenhuma nação estrangeira; mesmo a Inglaterra, que maior comércio tinha com Brasil. O Brasil solicitava esse direito da França, o reconhecimento da sua Independência. A França, conquanto não receasse comprometer-se com Portugal dando esse passo, todavia queria tirar vantagem dessa primazia; com o ato pois do reconhecimento da Independência exigia um tratado de comércio, com tais artigos permanentes: convinha ao Brasil, naquelas circunstâncias, recusar o pedido? Que nos responda o bom senso dos nossos políticos imparciais.

É, porém, verdade que às boas relações entre os plenipotenciários brasileiros e os da França, deve o Brasil as condições favoráveis que lhe vieram do tratado, as quais custaram a destituição dos da França, e com ela a sua desgraça!

Uma outra circunstância colocou a França em posição vantajosa para com o Brasil; a sua aquiescência à exigência do Brasil demoveu a mãe-pátria a reconhecer a independência do Brasil, antes que aquela o fizesse; e tendo chegado a esta corte, como medianeiro para aquele fim, Sir Carlos Stuart, em princípios de agosto de 1825, a 29 do mesmo mês e ano estava assinado o tratado do reconhecimento da sua independência, cabendo ainda a Francisco Vilela Barbosa a glória de ser ele um dos seus plenipotenciários.

No Ministério da Marinha prestou o nobre marquês relevantes serviços, com os recursos que lhe dava um orçamento sempre mesquinho, como permitiram então as finanças do país. Aos seus esforços, secundados pelo digno fluminense Francisco Bibiano de Castro, e o honrado José Maria de Almeida, apesar do limitado orçamento de 1.200 e 1.600 contos de réis, nos anos de 1825 e 1826, conseguiu mandar para o rio da Prata uma esquadra respeitável de mais de quarenta vasos, entre os quais três fragatas de linha, que a não ser a proteção oculta da grande potência marítima às Repúblicas contendoras, o Brasil teria evitado a vergonha de fazer um tratado preliminar de paz, quando as forças imperiais triunfavam dos revoltosos. Os bons serviços prestados pelo nobre marquês de Paranaguá à Marinha de Guerra foram galardoados pelo imperador, o Sr. D. Pedro I, com a Grã-Cruz da Imperial Ordem do Cruzeiro.

O homem que tantos serviços havia prestado no reinado do primeiro imperador não podia ser indiferente ao do Sr. D. Pedro II. Convencido que nada podia fazer durante o governo fraco da minori-dade, tão semelhante dos governos interinos, o marquês de Paranaguá aguardava a maioridade do Sr. D. Pedro II para oferecer-lhe seus serviços, que eram recomendados por um autógrafo do Sr. D. Pedro I, que o nobre marquês só devia entregar depois que o Sr. D. Pedro II tomasse as rédeas do poder.

O marquês de Paranaguá, assim como tantos outros distintos brasileiros, tinha visto a insuficiência dos governos regenciais para proverem ao bem do país, talvez pela razão já dada, da franqueza que traz a interinidade; nem a regência provisória, nem a trina, reduzida a um membro que menos fez, só com o seu prestígio militar; e finalmente a de um único regente, que apesar do prestígio ganho pelos seus bons serviços prestados nas grandes crises por que passou a capital do Império, e com todo o sufrágio do país, teve de abandonar o posto, reconhecendo essa impotência, e então aspiravam o momento feliz em que o jovem monarca assumisse o poder. Esse momento apresentou-se a 23 de julho de 1840.

Os partidos políticos reconhecendo a deficiência de suas forças, que o golpe de estado de 22 de julho desse ano acabou de aniquilar, viram na maioridade a sua redenção; e sendo ela aclamada pela assembléia geral, foi o nobre marquês de Paranaguá, panegirista dessa aclamação, não quis marear a sua glória com uma idéia de interesse pessoal; ele pediu e obteve a declinação dessa honra. Porém, a 23 de março do ano seguinte, 1841, teve de obedecer ao Imperador, entrando para o poder, na pasta da Marinha, que por força de circunstâncias deixou a 26 de agosto de 1842, tornando porém a entrar para o mesmo ministério a 13 de setembro desse ano, que deixou a 20 de janeiro de 1843.

Além de outras provas de distinção que aprouve a S. M. I. o Sr. D. Pedro II, conceder ao nobre marquês como justiça a seu mérito, dignou-se S. M. determinar que o marquês de Paranaguá exercesse as funções de condestável, no glorioso ato de sua coroação. No quadro histórico que existe no imperial paço da cidade, representando esse ato solene, figura o nobre marquês no exercício de tão altas funções.

O nobre marquês renunciou ao poder em 1843, para não mais voltar a ele. Reconhecia que suas forças físicas eram apenas sustidas pelo espírito de seu caráter; que 75 anos de idade, dos quais 50 haviam sido passados no bulício de uma vida toda intelectual, que muitas vezes era exacerbada pela sublimidade de suas idéias poéticas, não lhe permitiam outro trabalho que o da revisão de seus escritos. Entregue a ela, não era todavia indiferente às discussões do Senado; em todas tomava o interesse a que levava o zelo da causa pública, principalmente naquelas questões que lhe eram peculiares.

Depois de tenaz enfermidade, de mais de ano, e quando parecia completamente restabelecido, findou-se o nobre marquês de Paranaguá, quase repentinamente, a 11 de setembro de 1846, deixando desolada a nobre marquesa, esposa em segundas núpcias, da ilustre casa de Brancamps de Portugal, e sem sucessão; sendo suas cinzas depositadas em modesto mausoléu, que a piedade de sua consorte lhe dedicou, na ordem 3ª dos mínimos.

Se algum dia a história do Brasil for imparcialmente escrita, serão nela devidamente avaliados os serviços do marquês de Paranaguá, de caráter firme, independente e probo a toda a prova.

A não ser a fatal resolução do nobre marquês, de entregar às chamas todos os seus escritos, meses antes do seu falecimento, teríamos para admirar, não só a sua coleção de poemas épicos como as interessantes notas para a história do Brasil, que com todo o esmero as havia escrito, para quatro volumes, e que algumas vezes nos honrou com a sua leitura.

Mandou porém imprimir o seu Tratado de Geometria, que também havia escrito, e que hoje faz parte dos compêndios das nossas escolas militares.

O marquês de Paranaguá havia sido reintegrado nos postos militares de engenharia, de que fora demitido em Portugal, tendo depois acesso até ao de brigadeiro, em que se reformou. O marquês de Paranaguá honrou a pátria e o nome de brasileiro.

Rio de Janeiro, 24 de setembro de 1858.