Galeria dos Brasileiros Ilustres/Sérgio Teixeira de Macedo

Sérgio Teixeira de Macedo nasceu no Rio de Janeiro em setembro de 1809. Seu pai, o major Diogo Teixeira de Macedo, retirando-se do serviço militar nesse posto, tinha vindo estabelecer-se em Pernambuco, e depois nesta cidade.

Sérgio, o quinto de seus filhos, foi o primeiro dos dois que aqui nasceram.

Nas diversas aulas então aqui existentes, e que de melhor conceito gozavam, estudou ele os rudimentos das letras, e as doutrinas preparatórias, sempre benquisto dos seus professores, e especialmente dos seus condiscípulos.

Sua compleição delicada, seu tardio desenvolvimento físico davam-lhe uma aparência de idade inferior à que tinha, e assim concorriam para que sobressaísse entre os seus companheiros, que devidamente apreciavam o seu gênio jovial, e o seu comércio fácil e ameno.

Resolvido a estudar as ciências jurídicas, partiu em 1827 para Coimbra e tendo-se matriculado em outubro, estava em junho de 1828, à espera de sua vez de fazer exame, quando, em conseqüência dos sucessos políticos que então agitavam o reino de Portugal, foi fechada a Universidade.

A esse tempo porém já estavam fundados os cursos jurídicos no Brasil. Pai desvelado, querendo melhor e mais economicamente promover a educação dos seus três últimos filhos, o major Diogo Teixeira de Macedo foi residir em Pernambuco, e o curso jurídico de Olinda viu em seus bancos o jovem Sérgio com os seus irmãos Álvaro e Diogo.

Os filhos correspondiam ao desvelo do pai: tendo por companheiros de aula moços distintos, cujo talento posteriormente primou em maior teatro, como fossem seu primo Eusébio, Sousa Martins, Franco de Sá e outros, Sérgio sempre com eles foi proposto para prêmio.

No seu viver de estudante aplicado, sentiu que não bastavam as aulas para ocupar a atividade do seu espírito: era tempo de efervescência política, e um jornal do formato e dimensões dos melhores de então, O Olindense, apareceu em 1831, e Sérgio achou-se em breve re-dator exclusivo dele.

Eram difíceis os tempos. A abdicação de D. Pedro I havia trazido a crise, que, como lição, ficou na memória de todos.

O Olindense viu-se a braços com os propaladores de idéias destruidoras de toda a ordem social. Em Pernambuco os ressentimentos e as pretensões da luta de 1824 davam talvez às paixões de 1831 caráter mais acerbo e violento do que no resto do Brasil.

O Olindense porém não se desmentiu; firme na sua linha de sustentador das sãs doutrinas, nunca esqueceu a decência, a moderação e a energia que lhes dão realce; e seus artigos, reproduzidos no Aurora, no Astréia, no Diário Fluminense, no Independente davam testemunho do merecimento prematuro do jovem escritor.

Formado em outubro de 1832, o Sr. Sérgio de Macedo, quando se apresentou no Rio de Janeiro, achou já sancionado o código do processo. Exigia este um ano de prática de advocacia para poder ser juiz; alguns de seus colegas que, favorecidos pela letra inicial dos seus nomes, se haviam formado alguns dias antes, tinham sido imediatamente despachados juízes de fora, e como tais haviam entrado na organização da nova magistratura. Não podendo empregá-lo o Ministro da Justiça, Honório Hermeto Carneiro Leão, o fez eleger promotor público, in-cumbiu-lhe diversos trabalhos, e o tratou com aquela amizade que sempre lhe conservou, distinguindo-o com alguma comissão importante em todas as ocasiões em que entrava para o ministério. Enquanto praticava no escritório do Dr. Saturnino de Sousa e Oliveira, e exercia o emprego de promotor, escrevia alguns artigos para o Verdade e para o Aurora, de cujo redator, Evaristo Ferreira da Veiga, foi sempre amigo.

Ao cabo porém de alguns meses, o Dr. Sérgio de Macedo resolveu solicitar e obteve o lugar de secretário de legação em Paris, que por meses esteve vago.

Pouco tempo esteve na posição subalterna de secretário; a mudança do chefe da legação deu-lhe a oportunidade de servir como encarregado de negócios desde junho até novembro de 1834. Poucas questões havia então que tratar, todavia uma pequena dificuldade, que ocorrera no serviço, foi vencida com bom êxito.

Apenas um mês continuou secretário; em princípio de dezembro lhe chegou a nomeação de encarregado de negócios em Lisboa.

As circunstâncias eram melindrosas. O Sr. D. Pedro I governava Portugal como regente. As relações dos dois países se azedavam com os movimentos anárquicos aqui ocorridos, em que a perseguição aos portugueses era o grito de guerra. O partido restaurador havia comprometido o nome do Imperador, regente de Portugal; uma lei de banimento contra ele fora infelizmente votada na Câmara dos Deputados. O diplomata brasileiro tinha, pois, de ir achar em Lisboa uma posição delicadíssima.

O governo brasileiro limitado na sua escolha a homens que não tivessem sido favorecidos pelo governo do Sr. D. Pedro I, nem lhe houvessem sido infensos, depois de se haver dirigido a vários caracteres conspícuos, que todos recusaram, determinou-se a ordenar àquele que devia obedecer.

Era uma verdadeira loteria incumbir a um moço de menos de 25 anos a legação mais trabalhosa, pelas muitas relações dos dois países, e mais melindrosa, por amor daquelas circunstâncias.

Antes de partir para esse destino, o jovem diplomata casou-se com uma senhora de família muito distinta e abastada do pariato irlandês, família a que pertencera o celebre deão Swift, tão famoso nas letras e na política inglesa.

Na opinião de muitos, a morte do Sr. D. Pedro I tirava à legação brasileira em Lisboa grande parte das suas dificuldades. Era um engano. Não era no ressentimento de um príncipe dequela têmpera que o negociador brasileiro havia de achar embaraços. O poder estava em Portugal nas mãos dos últimos entusiásticos amigos do falecido Impera-dor-regente. Havia paixões; até mesmo palavras desagradáveis tinham sido trocadas entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o nosso cônsul.

O Sr. Sérgio de Macedo, porém, teve a fortuna de entender-se com o Duque de Palmela, então encarregado da pasta dos Negócios Estrangeiros. Homem superior e amigo do Brasil, o duque desde logo estabeleceu as relações com o diplomata brasileiro no tom de agradável cortesia, que ao depois, com a estima progressiva que lhe inspiravam o trato e o caráter do Sr. Macedo, foi perfeita cordialidade.

O digno brasileiro estudava, entretanto, as relações comerciais dos dois países, segurava a posição dos brasileiros ali residentes, dava instruções aos cônsules, e transmitia ao seu governo informações cuja exa-tidão, denotando estudo e critério, foram apreciadas pelo Ministro Alves Branco, sucessor do Sr. Aureliano de Sousa e Oliveira que o havia nomeado.

Entretanto, no Brasil realizava-se, pela morte do Sr. D. Pedro I, importante mudança política. Acabavam as esperanças do partido que desejava aquele príncipe no trono, ou na regência; inutilizava-se o sistema cuja importância estava na luta com esse partido; surgiam novos sistemas, novas pretensões, novos partidos.

A nomeação de uma criança (como diziam os influentes da nova situação) para a espinhosa legação de Lisboa, não era explicada como uma necessidade, mas como um ato de nepotismo. Alves Branco, porém, que não conhecia pessoalmente a criança, estava tão satisfeito com as suas comunicações, que o sustentou com toda a sua influência, resistindo às pretensões dos muitos candidatos, que julgavam cômoda uma missão diplomática em terra da nossa língua.

É difícil escrever a biografia de um diplomata ainda vivo, e em tempo tão próximo às negociações em que teve parte. Tudo quanto se começou não foi ultimado, muitas questões devem estar ainda pendentes, até mesmo das concluídas nem todas se podem revelar; só a posteridade talvez possa inteirar-se de todos os segredos. Cumpre-nos unicamente falar daquilo que de algum modo tem chegado ao conhecimento do público, ou daquilo que nunca foi secreto.

O tráfego de escravos se fazia licitamente nas colônias portuguesas. Entendiam as autoridades dessas colônias, entendia o governo que só uma lei nova podia tornar ilícito esse tráfego.

Ao Sr. Macedo era recomendado representar contra essa tolerância, contra essa animação a um comércio que era no Brasil contrabando.

O governo brasileiro desde então queria sinceramente a abolição do tráfego, e fiel às suas instruções, o Sr. Macedo insistia perante o gabinete português, alegando, que por virtude do tratado com a Inglaterra, o tráfego era ilegal nos domínios portugueses, pois desde que, pela Independência do Brasil, deixara Portugal de ter colônias na América, caducara a exceção feita no tratado de 1817 a bem da continuação do tráfego ao sul do Equador, em consideração às necessidades da grande colônia portuguesa. Esse proceder do Sr. Macedo em Lisboa granjeou-lhe da parte do governo britânico a reputação de adverso ao tráfego, que ao depois tão útil veio a ser nas suas negociações em Londres.

Bem depressa dissipou-se a serenidade em que Portugal parecia entrar depois de tão devastadora luta e tão destruidor despotismo.

A guerra civil e a desordem vieram dificultar a posição do nosso diplomata. No meio dos perigos e angústias que cercavam a Rainha, o corpo diplomático estrangeiro havia tomado uma atitude, que os partidos pareciam aceitar.

O representante do Brasil manteve até o fim a posição que lhe competia, com tanta prudência e dignidade, que nunca deixou comprometido o seu governo na luta dos partidos portugueses, e que, longe de perder a amizade e consideração dos chefes de todos esses partidos, foi, pelo contrário, cada vez mais benquisto e considerado, e seu procedimento tanto agradou à rainha, que, sentindo-se próxima a ser mãe, convidou seu augusto irmão a ser padrinho do futuro príncipe, e lhe rogou mandasse a procuração ao Sr. Macedo, apesar da sua inferior categoria diplomática.

Na ocasião do batizado ordenou que fosse tratado como embaixador, e o condecorou com a grã-cruz da sua Ordem de Cristo, dignidade que, pela primeira e até hoje última vez, foi conferida a simples encarregado de negócios.

Foi este o último ato da sua missão em Lisboa. As discussões com a Santa Sé, suscitadas pela questão do bispo eleito do Rio de Janeiro, aconselharam a remoção do ministro brasileiro daquela corte; foi ele mandado para Lisboa, e o Sr. Macedo teve de ir para Roma e Turim.

Retirou-se deixando saudades em todos os brasileiros residentes em Portugal, deixando a paz e a boa inteligência entre os dois governos, deixando apontados em sua correspondência com a secretaria de estado os negócios que careciam de ser atendidos.

Estava em viagem quando lhe foi ordenado que, ao invés de seguir para a Itália, ficasse em Paris, e ali substituísse o ministro, que obtivera uma licença.

Entretanto ocorreu a mudança de regente, Feijó foi substituído pelo Sr. Araújo Lima. Outras deliberações foram tomadas quanto à ligação de Paris, e em abril de 1838 seguiu o Sr. Macedo para Roma.

Na Cúria Romana eram conhecidas algumas opiniões que ele emitira oficialmente sobre as relações com a Santa Sé, e por isso foi recebido com distinção pelo papa Gregório XVI.

Sua missão em Roma, além do reconhecimento da independência do Chile, por ele obtido da Santa Sé, nada mais apresenta do que a expedição dos negócios ordinários, que sempre foram concluídos com felicidade, até mesmo esse da confirmação do bispo eleito do Rio de Janeiro, que foi enfim levado a termo decoroso.

Em fevereiro de 1842 partiu ele de Roma para Turim, aparentemente para levar ao Rei Carlos Alberto as insígnias da Ordem do Cruzeiro, mas realmente para entrar em negociações que oficialmente ficaram secretas, mas cuja existência se divulgou logo pela imprensa. Respeitamos o segredo oficial, bastando asseverar que o nosso negociador foi louvado e galardoado.

Foi então elevado à categoria de ministro residente na corte de Turim, e dispensado da missão de Roma, continuando todavia acreditado em Parma.

O Santo Padre, por ocasião da sua despedida, enviou ao Sr. Macedo as insígnias de comendador da sua ordem de S. Gregório Magno, acompanhadas de um breve pontifício concebido nos termos os mais lisonjeiros.

Apenas estabelecido em Turim, teve o Sr. Macedo, em meados de 1843, ordem de ir a Paris substituir interinamente o ministro daquela corte, incumbido de uma missão especial em Londres. Essa interinidade terminou com o ano de 1843.

Nela o Sr. Sérgio de Macedo parece ter sido incumbido de transações diretas com o rei Luís Filipe, e este, bem como toda a família real, em cujo grêmio acabava de entrar a nossa princesa, a Srª D. Francisca, sempre o tratou com especial benevolência.

Voltou o nosso ministro ao seu posto de Turim. Pouco tempo porém lhe foi dado continuar nessa sua quieta residência; porquanto foi logo removido para a corte de Viena no mesmo caráter de ministro residente.

O rei Carlos Alberto, que já havia dado ao Sr. Macedo a comenda da sua ordem de S. Maurício e S. Lázaro, presenteou-o na sua despedida com uma magnífica boceta de rapé, de ouro, ornada com o seu retrato guarnecido de brilhantes.

Em Viena o nosso ministro teve de ocupar-se das relações comerciais, que iam avultando com aquela potência pelo porto de Trieste.

Obteve do príncipe de Metternich o reconhecimento das repúblicas do Chile e do Paraguai; esse reconhecimento que tanto amargurou a existência de Rosas, e sobre o qual tanto escreveu e representou; esse reconhecimento que todas as outras grandes potências nos recusaram.

Em 1847 foi o Sr. Sérgio elevado à categoria de enviado extraordinário e ministro plenipotenciário, chegando assim, depois de 14 anos de serviço, ao grau mais elevado da nossa diplomacia.

Seguiram-se em 1848 as cenas da estrondosa revolução européia, que produziu a queda do rei Luís Felipe.

Viu o Sr. Sérgio a desorganização completa da monarquia austríaca, e manteve sempre a sua posição, com o corpo diplomático, ao lado do Imperador.

No meio destes acontecimentos o nosso ministro foi removido para os Estados Unidos, onde ocorriam sérias dificuldades.

Quando lá chegou o ministro brasileiro, caía a administração democrática pela eleição do general Taylor, representante do partido whig ou conservador. A pendência com aquele governo teve a solução mais satisfatória e decorosa que podia ter.

As relações de ambos os governos continuaram nos termos da mais perfeita cordialidade, todos os negócios que foram aparecendo, ficaram decididos sem quebra dessa boa inteligência.

O que de mais importante ocorreu foi a proposta feita pelo secretário de Estado americano ao nosso ministro para a abertura da navegação do Amazonas a todas as bandeiras.

A resposta do Sr. Macedo colocou logo a questão no ponto em que continuou sempre a ser considerada. O direito do Brasil, de franquear, ou limitar, ou de todo fechar aquele rio, foi estabelecido, e a conveniência de tomar qualquer daquelas decisões deixada ao seu juízo e discrição.

Ausente do Brasil desde 1833, alcançou enfim, em 1851 o Sr. Macedo uma licença para vir a esta corte. Ao chegar achou-se designado para a legação de Paris, que acabava de vagar. Dispunha-se a ir para o seu novo posto, quando pelo Sr. Visconde de Itaboraí, então Ministro da Fazenda, lhe foi pedido um trabalho acerca do que conviria fizesse o governo para solver os empenhos em que se achava, tendo de pagar em 1853 o empréstimo português de 1823, que, pelo tratado do reconhecimento da independência, ficara a nosso cargo, em 1854 os empréstimos de 1824. O primeiro importava um milhão de esterlinos, ou nove mil contos, e os outros em três milhões de esterlinos, ou vinte e sete mil contos.

À vista da exposição apresentada pelo Conselheiro Sérgio, o visconde resolveu incumbi-lo das operações de créditos para isso necessárias: foi pois removido de Paris para Londres.

Depois de 18 anos de ausência da pátria, dos parentes, dos amigos, apenas quatro meses foram dados ao distinto brasileiro para saciar as saudades que o deviam pungir. Logo em outubro partiu para seu novo destino.

Ia cheio de cuidados, pois a sua missão era mais árdua; as questões políticas sobrepujavam a dificuldade das questões financeiras: salvar os comprometimentos do Tesouro, por maiores que fossem, era muito menos do que vindicar o decoro nacional. Era, pois, esse o momento em que os cruzeiros ingleses queimavam nossos navios nos nossos portos e ancoradouros.

Se porém era árdua a missão, o acerto da escolha ou a fortuna do nomeado para logo a modificou: os mais prósperos resultados foram obtidos. Em conseqüência de suas laboriosas e hábeis negociações, e da boa aceitação que ao governo britânico merecia o antigo inimigo do tráfego de africanos, em fins de abril ordem era dada aos cruzadores ingleses de se absterem de violências, expressões de sincero pesar pelo passado eram dirigidas ao negociador brasileiro, em atenciosa franqueza se lhe explicavam as razões que obstavam a que o governo desde logo propusesse a revogação do bill que autorizava tais violências, passando este a ser letra morta.

Ao tempo que salvava a honra do país, seriamente se ocupava o ministro brasileiro com os interesses materiais. Então apresentava-se em Londres uma pessoa munida de títulos, que supunha válidos, para organizar uma companhia que construísse a estrada de ferro de D. Pedro II. Eram princípios de 1852; no mercado abundava dinheiro; nenhuma empresa considerável aparecia; ferro, mão-de-obra, fretes, engenheiros hábeis, empreiteiros os mais sagazes e poderosos, tudo havia em abundância e por preços baixos. O nosso ministro devia impedir que a primeira empresa do Brasil se transformasse em uma especulação de agiotas. Semelhante risco foi desde logo desviado; a mesa de diretores, que mais poderosa se podia desejar, achou-se prontamente formada.

Questões que se levantaram nesta corte adiaram, primeiro, a adoção da lei que dava a garantia do juro de 5 por cento, e depois, a escolha da pessoa a quem devia ser outorgada a concessão do privilégio. A ocasião fugiu com o ano de 1852. Organizaram-se diversas empresas na Índia, na Itália, no Canadá; todas iam a Londres buscar capitais, elevaram portanto todos os preços, empregaram muitos engenheiros e empresários. Com o ano de 1853 deviam começar dificuldades onde até então tudo havia sido facilidade.

Naquilo, porém, que só dependia da vontade do nosso negociador, as vantagens do ano de 1852 não foram perdidas. Ao chegar a Londres em fins de 1851, achara no mercado os fundos brasileiros de 5 por cento ao preço de 86. E o governo tinha obrigação de pagá-los ao par em abril de 1854. Esses fundos porém foram ganhando rápida marcha ascendente; chegaram ao par.

Certa cláusula do contrato do governo com os agentes financeiros atava as mãos do ministro. O contrato foi inovado com economia nas comissões, e com eliminação daquela cláusula. Livre em suas deliberações, o negociador anunciava, paquete por paquete, ao governo imperial o que esperava para o mês seguinte: os resultados confirmavam suas previsões.

Segundo as cláusulas do contrato para o empréstimo português, era permitido resgatá-lo, quando o governo quisesse, pagando as apólices ao par. Em julho de 1852 concluiu o nosso negociador um empréstimo ao juro de 4.1/2 por cento e ao preço de 95, com o qual remiu aquele outro, que era de 5 por cento. Assim o ônus tornou-se uma fonte de economia.

Era essa a base da grande operação meditada. Só em abril de 1854 podiam ser pagos os empréstimos de 1824. Como as apólices de 4.1/2 por cento rastejavam pelo par, estava certo o Sr. Sérgio de resgatar esses empréstimos por meio de outro a juro de 4 por cento negociado a 94 ou 95.

A guerra européia porém veio transtornar estas combinações. O ano de 1854 veio achar as apólices brasileiras em um preço elevado relativamente às das outras nações; mas, como as de todas, tinham descido. As de 5 por cento estavam a 96 e 97. O 1º de abril, termo fatal do empréstimo, batia à porta, o plenipotenciário brasileiro em Londres, obrigado a proceder antes de ter recebido a última decisão do governo às ponderações que fizera, desenvolveu, para a operação que única podia fazer, um sistema tão completo de cautelas e de facilidades, que o resultado veio surpreender a ele próprio, e mais ainda ao governo.

Os empréstimos de 1824 foram pura e simplesmente renovados por mais dez anos. Não pesou sobre o tesouro do Brasil ônus algum.

Toda a imprensa inglesa sustentou a medida, e a justiça dela. Todos os possuidores de apólices a aceitaram. Uma insignificante comissão de 1/2 por cento aos contratadores dos empréstimos pelo trabalho da emissão das novas apólices de dez anos, postas em todas as praças da Europa, por onde se tinham espalhado as apólices brasileiras, foi a única despesa do Tesouro.

A satisfação do Marquês de Paraná, ministro da Fazenda, manifestou-se no aviso endereçado ao Conselheiro Sérgio, aviso o mais honroso que um funcionário pode receber. O Sr. Macedo foi então agraciado com a grã-cruz da Ordem da Rosa, em que era simplesmente oficial.

Temos agora de voltar às estradas de ferro, e ao ano de 1853.

O governo imperial para desembaraçar-se das incertezas de uma concessão de empresa de estrada de ferro feita aqui, tão longe do mercado em que devia ser levantado o dinheiro, e querendo livrar-se de outras dificuldades autorizou o ministro em Londres a outorgar essa concessão a quem lhe parecesse oferecer melhores garantias.

Reunida esta autorização, que equivalia a 38 mil contos, aos empréstimos, às encomendas de vasos de guerra, e muitos outras, e às despesas regulares que fazemos anualmente pela Legação de Londres, vê-se logo que à discrição do Sr. Sérgio de Macedo colocado a duas mil léguas do governo, estiveram entregues mais de oitenta mil contos. À poucos homens talvez se tenha confiada a gestão de capitais tão avultados.

O ano de 1853 devia porém ser para o feliz negociador um ano de provação. No meio dele perdeu o Sr. Macedo sua esposa, modelo de virtudes, mãe extremosa, notável pelo espírito de ordem e economia com que dirigia sua casa. Compreende-se quão sensível lhe seria essa perda que o deixara com cinco filhos menores: compreende-se que ela fortemente o impelisse na resolução, em que de há muito estava, de recolher-se à pátria, de deixar enfim uma carreira em que ele e seus filhos se tornavam como que desligados dessas afeições íntimas de família, dessas amizades e simpatias da infância, tão poderosas para a felicidade humana, e até como que ficava ele posto em olvido dessa pátria que com tanta fidelidade estava servindo.

Seguiram-se os receios da guerra européia, a conseqüente falta de confiança e o retraimento dos capitais. Desapareceram todas as facilidades de formar uma companhia para construir e custear a estrada de ferro de D. Pedro II. Essa concessão, até ali por tantos disputada, agora nem um homem sisudo a queria sem reservas que tirassem toda a obrigação de levantar logo os capitais.

Sendo porém necessário decidir este negócio, assim mesmo com essas reservas indeclináveis foi em novembro de 1853 feita a concessão a uma poderosa reunião de capitalistas. Seguiu-se a guerra, e a inação, claúsula expressa do contrato da concessão de que naturalmente se prevaleceram os concessionários.

Entretanto no mercado de Londres a empresa de Pernambuco procurava seu caminho sem a menor intervenção do ministro brasileiro. Aparece, porém, a empresa da Bahia com a claúsula fatal de uma garantia de juros adicionais de 2 por cento, votada pela sofreguidão e pelo irrefletido patriotismo da Assembléia Provincial.

Antes de ser concedida essa garantia, logo que apareceu a idéia dela, o Sr. Macedo a tinha combatido. Cassandra inútil, não foi ouvido, ou não foi acreditado. Hoje todos conhecem o mal dessa concessão tão elevada; mas naquele tempo a impaciência e o entusiasmo não quiseram atender à voz que aconselhava prudência.

Forçoso foi às Assembléias Provinciais de Pernambuco e Rio e Janeiro imitarem o exemplo da Bahia. O governo provincial de Pernambuco autorizou o ministro em Londres a dispor dos 2 por cento adicionais da província para obter logo sua estrada de ferro. Ele os outorgou aos concessionários, limitando a duração a 20 anos, e procurou obter que para a Bahia também a 20 anos se limitasse a concessão: mas já estava feita por 90; baldados foram pois os seus esforços.

Para a estrada de ferro de D. Pedro II outro sistema, que exigia maior coragem, foi adotado. Os concessionários desta empresa renunciaram à concessão. Se porém com a simples garantia de 5 por cento ninguém queria obrigar-se a levá-la a efeito, com a garantia de 7 por cento todos a queriam, e o nosso ministro era importunado por homens que já não pediam, mas ofereciam comprar por grossas somas uma tão vantajosa concessão.

O Sr. Sérgio de Macedo entendeu que, a fazer o Brasil o sacrifício de tão grande garantia de juros, devia livrar-se dos inconvenientes de uma companhia estrangeira.

Aproveitando os menos incompletos dos planos levantados pelos pretendentes que aqui haviam aparecido, fez ele em fevereiro de 1855 um contrato para a execução das obras da primeira secção da estrada de ferro de D. Pedro II. Obtida essa base essencial para a formação de uma companhia, deixou ao governo a opção entre a formação de uma companhia nacional, ou de uma companhia estrangeira, pedindo somente que apressasse a sua decisão. Aconselhava ele fortemente a formação da companhia nacional, e respondia à objeção da falta de capitais com recurso ao crédito, com o qual se podia obter o empréstimo desses capitais com o juro de 4.1/2 por cento em lugar de conceder a garantia de 7 por cento unida a tantas probabilidades de questões, de lutas, de encontros de interesses, que nunca se dariam nos empréstimos.

Na adoção deste sistema o Sr. Macedo afastava-se da lei. A responsabilidade deste passo entendeu o governo que devia deixar-lha: decidiu pois transferi-lo para os Estados Unidos: se fosse argüido por essa falta de pontual execução da lei, poderia declarar que a não tinha aprovado, e com aquela remoção o mostraria.

Vencidas as dificuldades que pensou encontrar na formação da companhia e no levantamento dos capitais, passada a sessão legislativa sem que a menor censura lhe houvesse sido feita no parlamento, o governo reconheceu o serviço que o Sr. Macedo havia feito ao país.

Por uma carta em que tudo isto lhe era comunicado lhe foi ordenado que não partisse para os Estados Unidos, mas se recolhesse a esta corte, pois aqui seria útil ao governo.

Ao chegar aqui o Sr. Macedo, consultado sobre o emprego de presidente da diretoria da estrada de ferro, respondeu que o seu decoro não lhe permitia aceitar semelhante posição. Outros empregos foram-lhe oferecidos nesta corte; recusou-os, assim como a missão para os Estados Unidos, e duas outras diplomáticas, dizendo que lhe era preciso estar o país algum tempo, e requerendo simplesmente ser posto em disponibilidade ativa. Isto lhe foi concedido.

Entenderam seus amigos que convinha responder às censuras que alguns jornais haviam feito ao contrato relativo à execução da 1ª seção da estrada de ferro. Ele o fez numa série de artigos publicados no Jornal do Comércio, e depois coligidos em um folheto. A clareza da exposição, a força da verdade, e o tom de convicção que distinguem este escrito calaram em todos os ânimos desapaixonados. Nem uma resposta lhe foi dada. O espírito de partido tem por vezes renovado asserções refutadas, e insinuações absurdas; o Sr. Macedo nunca mais respondeu. A sua vida aí está para responder.

Ao marquês de Paraná, que sempre fora seu amigo, que sempre confiara em suas luzes e probidade, parecia incomodar a falta de aproveitamento de pessoa capaz de prestar tão bons serviços; ofereceu-lhe diversas presidências de províncias de 1ª ordem, que foram recusadas. Por fim a dificuldade de achar um presidente para Pernambuco o fez insistir de modo que o Sr. Macedo não pôde recusar.

A 21 de maio partiu para Pernambuco no vapor de guerra Viamão.

Chegou à província a 27, e tomou posse no dia seguinte.

Demoramo-nos na exposição dos serviços prestados no exterior pelo conselheiro Macedo, porquanto, pela sua natureza mesma, são dos que mais fáceis se esquecem, e menos são sabidos.

Presidente de Pernambuco, aí temos o antigo fundador do Olindense de volta à política interna, à frente da alta administração do país.

Para a época em que foi empregado, para a importantíssima província que lhe fora confiada, o Sr. conselheiro Sérgio tinha uma grande vantagem: havia conservado todas as suas relações da mocidade, e de aula, sem que nas nossas lutas internas se houvesse comprometido; suas idéias o faziam conservador; mas ninguém dos adversários desse partido tinha contra ele represálias que exercer.

Compreende-se, pois, como haviam de ser acolhidos na província a que era mandado o nome e a pessoa do novo presidente.

Entretanto, acervava-se o período fatal das eleições, período sempre incandescente, e que em Pernambuco, onde os velhos partidos não tinham deposto as suas inimizades, envolvia sérios perigos.

A presença da cólera-morbo na ocasião em que se haviam feito as qualificações, a abstenção do Partido Liberal nas precedentes eleições, impunham ao presidente a obrigação de providenciar contra os vícios da qualificação. Ele o faz com tanto acerto, que de todos é louvado; as medidas que então adota, as soluções que então e, posteriormente, dá a inúmeras dúvidas sobre a inteligência da legislação, não têm sido até hoje combatidas, nem censuradas.

Em uma das freguesias da capital aparece na eleição municipal alguma desordem, medidas de prudente vigor, por todos os contendores a princípio aceitas e aplaudidas, mantêm a ordem e restauram a regularidade do processo eleitoral.

Segue-se a essa eleição a dos eleitores; corre pacificamente. Então porém cessa para uma fração do partido liberal o período de louvores e de justiça ao presidente; a sorte das urnas havia sido contrária a suas pretensões.

Impassível às agressões, o presidente continua no seu zelo pela prosperidade da província, e em 1º de março de 1857 instaura a sua assembléia com um relatório em que até os adversários admiraram tantos estudos feitos em tão pouco tempo e no meio de tantos cuidados.

Entretanto, o fim da presidência do Sr. Sérgio estava chegado: os seus amigos e patrícios do Rio de Janeiro haviam-se lembrado dele; e os votos do 1º círculo eleitoral da corte o mandavam à Câmara.

Para vir tomar assento, deixou ele a presidência no meio das maiores demonstrações de estima e de consideração dos pernambucanos, e no intervalo da primeira e segunda sessão legislativa, embora não se houvesse até então pronunciado em oposição, não pôde anuir às reiteradas instâncias do marquês de Olinda que lhe pedia reassumisse aquele encargo.

Tomou assento na Câmara em 7 de maio. Se tem sido curta a vida parlamentar do conselheiro Macedo, pois apenas consta de duas sessões, se ainda é tão recente que está na memória de todos, ninguém nos contestará quando dissermos que com seu proceder, com a sua palavra, justificou ele o conceito de que goza, conquistou simpatias que justamente o colocam na mais elevada posição.

Todavia, se não pôde anuir ao convite do marquês de Olinda para voltar a Pernambuco, não podia negar-lhe o auxílio de suas luzes e experiência para o serviço do país nas suas relações exteriores.

Nomeado plenipotenciário para aqui tratar com o ministro inglês, concluiu a convenção que sujeita a uma comissão mista a decisão e julgamento de todas as reclamações pendentes entre os governos brasileiro e britânico. Um só tribunal tinha até aqui decidido todas as questões: a vontade do governo inglês. Só ele declarava admissíveis as suas reclamações, só ele repelia as dos brasileiros. Pela convenção, o governo poderoso e o governo fraco se sujeitam ao mesmo tribunal, composto de súditos de cada um deles com voto igual.

Chamado em 12 de dezembro a tomar a pasta do Império, no gabinete atual, o Sr. Conselheiro Sérgio saberá desempenhar essa nova missão, como tem desempenhado todas as que lhe têm sido confiadas.

Membro de diversas sociedades sábias, nacionais e estrangeiras, condecorado com a mais alta mercê da Ordem da Rosa, apresenta em diversas condecorações estrangeiras, o autêntico testemunho dos seus serviços diplomáticos, e da consideração em que é tido pelos soberanos das nações perante as quais teve de representar o Governo brasileiro.