Galeria dos Brasileiros Ilustres/Sebastião do Rego Barros
O conselheiro Sebastião do Rego Barros nasceu em 18 de agosto de 1803, em Pernambuco, sendo seu pai o coronel Francisco do Rego Barros, e sua mãe a Exma. Sra. D. Maria Ana Francisca de Paula Cavalcanti de Albuquerque.
Destinado à carreira militar, sentou praça de cadete em setembro de 1817 depois da revolução que naquela província anunciou os primeiros impulsos da independência nacional e da liberdade, que em breve teriam de triunfar.
Foram eles porém então, por prematuros e mal dirigidos, facilmente abafados, e o jovem militar teve logo em 1818 de marchar para o interior da província acompanhando a força que ia restabelecer a ordem aí perturbada. Nessa ocasião teve o seu valor a consagração do sangue; foi ferido.
Em 1819 passou a servir às ordens do tenente-coronel Francisco de Albuquerque Melo, ocupado nas obras públicas. Partidário da Constituição, então proclamada em Portugal e já concebendo o movimento da liberdade e de engrandecimento da pátria que dela tinha de sair, o jovem brasileiro incorreu no desagrado do governo suspeitoso daquelas eras, e foi pelo capitão-general Luís do Rego Barreto preso e mandado para Lisboa em 1821.
Depois de ficar algum tempo no Castelo, foi solto e obteve licença para seguir, na Univerdade de Coimbra, o curso de ciências matemáticas e filosóficas. Mas em 1823 as contestações e rixas entre os estudantes portugueses e brasileiros, repercussão necessária da independência proclamada nos campos do Ipiranga, obrigaram-no a interromper os seus estudos, indo então pedir à França o complemento deles. Em 1825 fez uma viagem à Alemanha, e na universidade de Gottingem em 1826 recebeu o grau de barechal em matemáticas; na universidade de Paris freqüenta a escola do estado-maior, e completados assim seus estudos acadêmicos, volta à pátria para trazer-lhe o tributo de sua aplicação.
De Pernambuco, a que chega em dezembro de 1826, parte logo para o Rio de Janeiro, obtém passagem do corpo de caçadores para o de engenheiros, e na patente de capitão vai servir em sua província. Jovem de 26 anos, é por ela eleito deputado, e vem em abril de 1830 tomar assento no Parlamento.
Era época de luta renhida entre o poder que não conhecia a liberdade e dela se arreceava, e a liberdade que não conhecia o poder, e o via hostil ao país. Os espíritos se agitavam: jovem, e votado à liberdade, Sebastião do Rego Barros tomou posição entre os adversários do poder, e por seu esforço conseguiu que fossem dissolvidos os batalhões estrangeiros, que inconstitucionalmente existiam.
Percebendo a aproximação da crise necessária dessa luta, o jovem deputado pressente que seus serviços talvez sejam necessários na corte; aqui fica pois no intervalo das sessões. A revolução aparece: D. Pedro I vai à Europa; está no trono o Sr. D. Pedro II... Mas a ordem fortemente abalada ameaça a ruína social; cumpre restabelecer, enquanto não se restabelece a paz nos espíritos, pelo menos a ordem nas ruas, a segurança pessoal e de propriedade.
O exército, indisciplinado pela cooperação na revolta vencedora, havia sido licenciado; a lei ainda não havia criado a guarda nacional; foi necessário improvisar uma força pública. Sebastião do Rego Barros, que não havia querido aceitar a pasta da Marinha, é nomeado pela regência comandante-geral dos guardas municipais da corte; mas logo que o primeiro perigo, o que impõe todos os sacrifícios, estava passado, por desinteligências com o ministro da Justiça, pediu a sua exoneração.
Então começou para ele uma vida tão excepcional entre nós, que ainda não tem nome na nossa língua; os franceses lhe chamam vida de touriste. Sempre reeleito, até os dias fatais do predomínio da autoridade reactora, Sebastião do Rego Barros, ao passo que no Parlamento ocupava a posição de honra de deputado independente, amigo da liberdade que é liberdade, isto é, que se consorcia com a ordem, e considera a autoridade sua aliada, coibindo-lhe todavia os desregramentos, aproveitava o intervalo das sessões para viajar. Montevidéu o viu em 1822, Buenos Aires em 1834; de volta, vê e estuda as províncias do Rio Grande e de Santa Catarina, para onde havia seguido por terra.
No fim da sessão volta para sua província; desembarca porém na da Bahia, e segue por terra, atravessando as de Sergipe e de Alagoas.
O intervalo da seguinte sessão é aproveitado para viajar nas províncias de Minas, de São Paulo e do Rio de Janeiro. No fim da sessão de 1836, voltando por mar para Pernambuco, sofre uma péssima viagem depois de sessenta dias de perigos e de privações, arribando o barco no rio São Francisco, desembarca ele, e segue por terra.
No fim da sessão de 1837 graves acontecimentos políticos o chamam ao Ministério. A luta entre o poder executivo e o poder parlamentar, luta das mais brilhantes dos nossos anais, chegara ao seu termo, o regente Feijó deixara o poder; os homens da reorganização e do futuro foram com o Sr. Pedro de Araújo Lima, hoje marquês de Olinda, regente interino, chamados ao governo, o Sebastião do Rego Barros estreou aí a sua carreira administrativa, tomando conta da pasta da Guerra no sempre lembrado Gabinete de 19 de setembro.
Não pequena era sua tarefa: todos os serviços militares estavam desorganizados, não havia exército, nem armas, nem provisões bélicas, especialmente não havia soldados, e o recrutamento tão antipático ao gênio brasileiro, tão difícil em época de lutas de partidos encarniçados, embaraçado aliás pela prerrogativa assegurada à guarda nacional, e que com razão receava-se que quisesse ela sustentar, mesmo pela sedição armada, contra o decreto do Poder Legislativo, só morosos resultados poderia dar. Ora, as circunstâncias não consentiam morosidade. Rio Grande via essa fatal revolta que durou dez anos talar-lhe os campos; Bahia via a sua capital proclamar a república, e armar-se. O novo Ministro da Guerra achou recursos na sua atividade; a Bahia foi logo restituída ao império da lei; outro tanto aconteceu ao Maranhão, onde o espírito da revolta havia erguido a cabeça nos últimos tempos do Ministério de 19 de setembro, e se no Rio Grande igual fortuna não coroou os esforços da legalidade, não lhe foram eles poupados: o próprio ministro quis ver por seus olhos, dar oportunamente e com a necessária presteza as necessárias providências; foi pois pessoalmente ao Rio Grande; sua presença animou o exército, que ele acompanhou até além do rio Piratinim.
De volta para a corte, por aproximar-se a abertura do Parlamento, achou dissolvido o Ministério, e por mais instâncias que lhe fossem feitas para continuar na sua pasta, nada o pôde demover de acompanhar os seus colegas, logo depois de apresentar às câmaras o relatório da sua repartição.
No fim da sessão, enfermo e cansado, volta à sua província; aí recebe do regente, com o hábito da Ordem de Aviz, a efetividade do posto de capitão, em que até então tinha graduado.
Agravando-se as suas enfermidades, parte em princípio de 1840 para a Europa: as duas grandes capitais, Londres e Paris; a Escócia, a Irlanda, a Itália, não menos que a França e a Inglaterra, são por ele visitadas. Tendo percorrido toda a Itália sem faltar-lhe nem mesmo essa amostrinha de república de San Marino, atravessa os Alpes pelo Monte Genis, vê a Sabóia, máxima parte dos cantões suíços; admira a famosa queda do Reno em Schaffouse; embarca em Basiléia para descer o Reno, vê todas as lindas cidades das suas margens, atravessa-o em Colônia, chega à Bélgica, aí demora-se algum tempo em Bruxelas, segue para a Holanda, onde chega a tempo de assistir à grande patriótica solenidade da inauguração da estátua do célebre almirante Ruiter.
Essa longa digressão, vem-na ele terminar em Paris; daí, em março de 1842, vai a Liverpool, e volta para Pernambuco.
Aí sabe da dissolução da câmara que havia sido eleita no meio das reações e violências de 1840: na pátria, pois, descansa até que a nova eleição o mande outra vez ao Rio de Janeiro para a sessão de 1843.
Em fevereiro de 1844 há uma mudança ministerial: em Pernambuco recebe o Sr. Sebastião do Rego Barros convite e instância para aceitar uma pasta. O novo Gabinete ainda não se havia desenhado em sentido reator contra os princípios a que aderia, e os homens a que andara unido o Sr. Rego Barros, recusa ele porém mais uma vez a pasta, e embora declarasse explicitamente não ser a isso levado por vistas de antagonismo político, o novo Ministério atribui a recusa à malquerença ou à desconfiança.
Os fatos se precipitam. Instalada a câmara, o Ministério divor-cia-se da sua maioria, e a dissolve: a reação prevista realiza-se. Pernambuco é uma das províncias em que mais implacável se faz ela sentir.
Todavia não tem ela tempo de executar tão completamente a sua obra, que a eleição não dê triunfo ao Sr. Sebastião do Rego Barros e aos seus amigos. Mas contra esses enganos da urna aí estava a ação e o voto da câmara na verificação de poderes. Quando chegou à corte, o deputado pernambucano achou-se, com os seus colegas, excluído do Parlamento.
Deixemos debaixo de um véu os tempos que correram desde esse dia até setembro de 1848. Apenas digamos que, sendo já tenente-coronel, o Sr. Rego Barros não quis continuar no Exército, e pediu a sua reforma.
O partido que estivera no poder até setembro de 1848 não quis abandoná-lo, sem tentar os recursos extremos e as armas da revolta: Pernambuco viu correr o nobre sangue de seus filhos. O Sr. Rego Barros não podia negar então à pátria os seus serviços. Nomeado pelo presidente da província comandante de um corpo de voluntários, reuniu-se aos bravos que em 2 de fevereiro de 1849 salvaram, com a cidade do Recife, talvez as instituições do Império.
Uma nova eleição manda o Sr. Sebastião do Rego Barros à Câmara, e em outubro de 1850 o governo que se preparava para a gloriosa guerra contra Rosas confia-lhe comissão delicada e importante na Europa.
As câmaras tinham autorizado o contrato de tropas estrangeiras: o Sr. Sebastião do Rego Barros foi encarregado de realizá-lo.
Então percorre ele diversos estados, entende-se com seus governos, e em julho de 1851 já estavam contratados, já remetidos para o Brasil, e dirigidos para o Rio Grande dois mil homens de boa tropa, infantaria, artilharia, e pontoneiros, prontos para entrar em ação.
O sr. Rego Barros aproveita a sua estada na Europa para visitar o Norte dela; Suécia, Noruega, Rússia são, depois dos ducados da Alemanha setentrional, por ele visitadas. A mísera capital da Polônia não podia deixar de chamar a atenção do viajante brasileiro.
Era a esse tempo a exposição universal de Londres; o Sr. Rego Barros não podia perder essa ocasião de admirar, reunidos pelo gênio da indústria, os primores da riqueza e trabalho de todos os povos. Partiu pois para Londres, e teve a fortuna de lá chegar oito dias antes do encerramento da grandiosa solenidade.
Daí vai a Paris querendo lá passar o inverno, e assiste ao famoso golpe de estado de 2 de dezembro que mudou as condições do regime parlamentar na França e no mundo.
Em fevereiro seguiu por terra à Espanha, demora-se algum tempo em Madri, visita as mais belas cidades desse reino, Granada, Sevilha, Cádiz, onde embarca e segue para Lisboa.
Em agosto estava de volta ao Rio de Janeiro, onde se demora para dar conta de sua comissão.
Reeleito para a câmara de 1853, faz parte da fração da antiga maioria, que tomou o nome de partido parlamentar, e trouxe o enfraquecimento e a modificação do gabinete, subida ao poder do Ministério Paraná, e esse regime político que de então até hoje se tem desenvolvido.
Convidado para tomar parte nesse Ministério, não anuiu ao convite, mas em prova da sua adesão ao gabinete, aceitou a presidência da província da Pará, de que tomou posse a 16 de outubro.
Ativo e diligente, em província que tanto carece da ação do governo que auxilie e provoque o seu desenvolvimento, o Sr. Rego Barros visitou esses imensos rios, Amazonas, Tocantins, cujos segredos de opulência mal podem hoje ser calculados, e só o futuro revelará. Não lhe faltaram amarguras na sua administração, não que lhas predispusesse a opinião provincial, mas sim de um lado os flibusteiros americanos, sequiosos da invasão do Amazonas, do outro as pretensões arrogantes e a ignorância dos cônsules inglês e francês com quem teve de lutar.
Estava de volta ao Rio de Janeiro, e preparava-se para, no intervalo das sessões, seguir viagem para os Estados Unidos, quando o Ministério exigiu dele que aceitasse a delicadíssima presidência do Rio Grande do Sul. Repelindo o convite, mas querendo provar que a repulsa não era ditada por má vontade, aceitou voltar ao Pará, e continuar na sua administração.
Era o tempo em que o cólera-morbo assolava a população, sabe-se que de cuidados, que de atividade, que de providências sanitárias foram indispensáveis nesses dias fatais.
Enfim, em maio de 1856 entrega a presidência ao sucessor que lhe é dado, o tenente-coronel Baurepaire-Rohan.
Uma última excursão em 1857 o leva primeiro aos Estados Unidos, depois ao mundo asiático. Chega a Nova Iorque em 30 de dezembro, demora-se em Washington, onde tem ocasião, achando reunido o Congresso, de poder conhecer todos os homens notáveis dessa república-prodígio; percorre as margens do Mississípi e os recentes estados que aí florescem. Em fevereiro de 1858 está em Cuba: filho de província cuja indústria é essencialmente a produção do açúcar, não perde essa ocasião de estudar o seu fabrico na opulenta rainha das Antilhas.
Volta aos Estados Unidos; segue pelos do Norte estendendo as suas excursões até o Canadá, achando a cada momento ocasião de admirar a atividade, o arrojo do espírio humano, lançado desimpedida-mente nas vias de prosperidade material.
Volta então à Europa, quer seguir caminho da Terra Santa; vai à Baviera, único estado alemão que ainda não tinha visitado. Desce o Danúbio: em setembro estava em Constantinopla.
Esmirna, Rodes, Chipre, Beirute, Damasco, ruínas de Balbeck, cedros do Líbano, Jafa, Jerusalém, Jordão, Belém, tudo isso que a história, a tradição, a poesia tanto nos têm feito admirar, tudo isso a que se prendem tantas recordações, umas de grandeza humana, outras de bondade e majestade divina, o viajante brasileiro visitou. De volta ao Egito, à cidade de Alexandre, o Cairo, todas as maravilhas da terra dos faraós e dos Ptolomeus, pôde-as ele admirar. Atravessa o istmo de Suez em estrada de ferro, chega ao mar Vermelho, e pode ver o lugar em que Moisés com os descendentes de Jacó atravessou esse mar, aberto miraculosamente na sua presença.
De Alexandria a Malta, daí a Grécia. O Pireu, Atenas, Salamina, Maratona.
Daí vai às ilhas Jônias, e em Corfu reconhece a reação do povo contra a opressora proteção inglesa.
Não se esquece da bela Sicília. Daí a Nápoles: na sua primeira viagem a essa cidade o Vesúvio estava coberto de neve, agora o acha vomitando fogo.
Nenhum brasileiro viu mais terras, sentiu pois mais fortes e mais variadas impressões do que o Sr. Rego Barros. De tudo quanto viu
achamos notícia em livros de viajantes, de políticos, de historiadores, de poetas; são porém todos eles estrangeiros.
As impressões de um brasileiro, de um filho de nossa América meridional devem ser curiosíssimas, sendo tão diversos os pontos de partida e os termos de comparação.
Para terminar a sua vida de viajante havia o Sr. Rego Barros assentado visitar no fim da sessão de 1859 algumas províncias do Brasil, ver a famosa catarata de Paulo Afonso, compará-la com a tão gabada do Niágara. Mas, nos fins da sessão, uma mudança ministerial o obriga a tomar conta dessa pasta da Guerra que tantas vezes havia rejeitado. Às exigências da política cede a sua resolução: hoje S. Exª é ministro, e assim ao cabo de 21 anos prende o seu presente ao seu passado.