Galeria dos Brasileiros Ilustres/Visconde de Sapucaí

Cândido José de Araújo Viana, visconde de Sapucaí, nasceu em 15 de setembro de 1793 no arraial de Congonhas, termo da Vila Real (hoje cidade) do Sabará, da Província de Minas Gerais; foram seus pais o capitão-mor Manuel de Araújo da Cunha e D. Mariana Clara Viana, ambos naturais da mesma Província de Minas.

Com decidida propensão para as letras desde os primeiros anos, preparou-se na terra natal com os estudos necessários para graduar-se em direito na Universidade de Coimbra, valendo-lhe então os conhecimentos variados de seu amigo o Dr. José Teixeira da Fonseca Vasconcelos, depois visconde de Caeté, que servia em Sabará o lugar de juiz de fora, e de seu mestre de latim, e tio, o exímio latinista, orador sagrado e poeta, padre Joaquim Machado Ribeiro, porque faltavam ali nesse tempo professores públicos que não fossem de gramática latina e de primeiras letras.

Depois de pacificada a Europa e quase extintos os vestígios da invasão francesa em Portugal, partiu para Coimbra em 1816, e ma-triculou-se na faculdade de direito em 16 de outubro. Fez a sua formatura em 9 de junho de 1821, tendo merecido em todo curso a estima de seus mestres, contemporâneos e condiscípulos, entre os quais João Batista Leitão, depois visconde de Almeida Garrett, que se comprazia de ouvir sua opinião a respeito das primeiras produções com que aquela águia se ensaiava para tão arrojados vôos; levou a condescendência ao ponto de aceitar sua crítica severa, à qual se devem cortes e modificações consideráveis no retrato de Vênus.

Voltando ao Brasil em outubro de 1821 com o intuito de exercer a profissão de advogado, obteve a nomeação de promotor dos resíduos do termo e comarca de Vila do Sabará, por provisão da Mesa da Consciência e Ordens de 17 de novembro daquele ano; mas não chegou a ter exercício por se lhe facilitar a entrada na carreira da magistratura, sendo nomeado juiz de fora da cidade de Mariana por decreto de 19 de dezembro do mesmo ano.

Durante a sua estada na corte, resolveu-se a tomar estado, casando em 22 de maio de 1822 com a Exma Srª D. Ana Ifigênia de Siqueira Ramalho, filha de Luís de Siqueira Ramalho e de D. Ana Angélica de Castro Ramalho.

Em 5 de outubro do dito ano, tomou posse do lugar de juiz de fora de Mariana, porque só então findava o triênio de seu antecessor o Exmº Conselheiro Agostinho Marques Perdigão Malheiros, e teve logo de tomar, como presidente da Câmara Municipal, parte ativa na solene aclamação do Sr. D. Pedro I, o que se efetuou no dia 12 daquele mês.

Reconduzido ao mesmo lugar por decreto de 26 de agosto de 1825, não preencheu o triênio, porque foi nomeado desembargador da Relação de Pernambuco, onde teve posse por procurador, por estar no exercício de membro do Corpo Legislativo, no 1º de setembro de 1827.

Despachado em 1832 para a Relação da Bahia, aí tomou posse também por procurador, estando no ministério da Fazenda em 12 de março de 1833; e, por virtude da reforma judiciária verificada neste ano, passou para a Relação do Rio de Janeiro, onde permaneceu até outubro de 1849. Nesse período, serviu interinamente de procurador da Coroa e fiscal do Tesouro no impedimento do conselheiro Maia, por decretos de 4 e 7 de novembro de 1837.

Promovido por antiguidade na forma da lei ao Supremo Tribunal de Justiça, na vaga trazida pela aposentadoria do Conselheiro José Bernardo de Figueiredo, que presidia ao mesmo tribunal, entrou em exercício no dia 30 do referido mês de outubro, servindo aí até o dia 12 de setembro de 1850, em que foi aposentado com metade do ordenado. Assim terminou a carreira de magistrado.

Na carreira meramente administrativa, foi nomeado presidente da Província das Alagoas por carta imperial de 13 de novembro de 1826; mas tomou posse somente em 14 de fevereiro de 1828, por exigir do Governo a sua presença em 1827 na Câmara dos Deputados, de que era membro. O exercício das respectivas funções fez cessar o estado desagradável e perigoso em que se achava a província, devido às desavenças existentes entre as principais autoridades — vice-presidente, comandante das armas e ouvidor da comarca. Reintegrando no emprego o hábil escrivão da Junta da Fazenda Joaquim da Silva Freire, que fora suspenso pelo vice-presidente, conseguiu, à custa de vigílias daquele inteligente funcionário, enviar para o Tesouro, como lhe fora especialmente recomendado pelo ministro da Fazenda, Exmo Miguel Calmon du Pin e Almeida, hoje marquês de Abrantes, os orçamentos e balanços que estavam em atraso e regularizou em todos os ramos a repartição da Fazenda, que pela desinteligência, ou antes, guerra aberta entre o vice-presidente e escrivão da junta, não se achava em boa ordem.

Pouco mais pôde fazer no curto espaço de seis meses de sua administração, tendo de voltar à Câmara dos Deputados, onde era com o Governo acremente censurado por um distinto parlamentar mineiro, que imaginava a presidência das Alagoas, uma posição deliciosa que desfrutava o seu colega, enquanto ele se mortificava na vida afanosa da oposição.

De volta à Corte, onde chegou em 7 de setembro, achou já encerrada a sessão legislativa, tendo-se demorado na cidade da Bahia por falta de navios. Mal repousava das fadigas de uma viagem incômoda, foi nomeado presidente da Província do Maranhão por carta imperial de 17 de outubro; e partindo para ali em dezembro, chegou à cidade de S. Luís em janeiro de 1829, e tomou posse do cargo em 13 do dito mês. Seu comportamento na presidência das Alagoas tinha sido bem aceito pelo Sr. D. Pedro I, de saudosa memória, segundo manifestou aquele príncipe magnânimo, quando o presidente nomeado foi beijar-lhe a augusta mão em despedida: "Ora bem (disse S.M.I.) sossegou uma província, vá agora sossegar outra."

Estas expressões do fundador do Império carecem de explicação. Era preconceito dominante naquele tempo, mormente nos governantes, que o espírito republicano se agitava em todo o Brasil, com particularidade nas províncias do Norte. Dissensões nascidas porventura de meras rivalidades e competências entre os homens influentes das localidades, segundo os partidos se pronunciavam, eram reputadas pelos antagonistas como passos para a República: receava-se que tais dissensões degenerassem em sedições e revoluções que acabassem pelo estabelecimento do governo republicano. Assim se figuravam na corte as desordens das Alagoas e Maranhão, designando-se, especialmente nessa última província, o sertão de Pastos Bons como assento de uma república em efetivivdade!

O presidente Araújo Viana não viu nas Alagoas senão desavenças ou rivalidades locais, e quando S.M.I. lhe perguntou, à sua chegada daquela província, se havia ali muitos republicanos, respondeu-lhe que, ou os alagoenses eram os mais refalsados hipócritas, o que ele não acreditava, ou eram os mais dedicados monarquistas do Império, e amigos do sistema constitucional representativo: tais foram os sentimentos que tinham manifestado ao seu presidente.

Da mesma sorte, não viu no Maranhão senão deploráveis efeitos da desinteligência entre as duas principais autoridades, o presidente e o comandante das armas, que então era o conde de Escragnole, cuja morte foi adiantada pelos desgostos imerecidos que lhe trouxe essa desinteligência. Achou, em verdade, grande indisposição, principalmente na mocidade, contra os homens nascidos em Portugal, e essa indisposição mal pôde ele fazê-la às vezes ineficaz; mas nunca destruí-la. Reconheceu, porém, que os maranhenses eram verdadeiros monarquistas, e que ardiam em desejos de ver praticada a Constituição do Império. Pelo que pôs todo o seu empenho em satisfazer a tão justos desejos. Na sua administração, completou-se a organização das câmaras municipais, segundo a lei de 1º de outubro de 1828, e se elegeram os juízes de paz. Não foi pequeno trabalho que teve em explicar, e como que comentar, as leis respectivas nas suas mais claras e simples disposições; que tudo era objeto de dúvida para homens pouco versados em tais matérias.

Foi ele que deu exercício ao conselho geral da província, obtendo do reverendo bispo diocesano casa para as sessões, e mandando pelo prestimoso oficial de engenharia José Joaquim Rodrigues Lopes adaptá-la aos usos para que se destinava.

Estabeleceu a biblioteca pública da província por meio de donativo de particulares, ou em livros, ou em dinheiro e serviços.

Acabou com o pernicioso costume da inumação nos templos, dando maior extensão ao acanhado cemitério da Santa Casa da Misericórdia, de que foi provedor. E talvez fosse a província do Maranhão a que tomasse a dianteira às outras do Império neste melhoramento sanitário e religioso.

Prestou eficaz auxílio à justiça, mandando destacar na cidade de Caxias o então 4º Batalhão de Caçadores de 1ª linha, cujo casco fora enviado para a província, a fim de preencher-se pelo recrutamento, o que fez desaparecer o grande número de assassínios que ali se perpetravam.

Até maio de 1831, correu serena e próspera a administração do presidente Araújo Viana; mas chegando à cidade de S. Luís nesse mês a notícia da abdicação do Sr. D. Pedro I, começou a turvar-se a atmosfera política, e daí vieram os deploráveis acontecimentos de setembro. Conquanto fossem remediados pelos de novembro subseqüente, nunca será essa época lembrada sem dor. Os limites destas notícias não permitem o desenvolvimento da matéria, que consumiria longas páginas. A História fará o seu dever.

Ainda foi a província perturbada por novos movimentos, em que figurara, no Itapicuru, Antônio João Damasceno, e, no Icatu, An-tônio da Costa. Estes movimentos, depois de causarem males e despesas consideráveis, acabaram com a morte dos dois cabecilhas.

Entregando a administração da província ao sucessor, o Exmo Sr. Joaquim Vieira da Silva e Sousa no dia 12 de outubro de 1832, recol-heu-se Araújo Viana a esta corte, e foi chamado pela Regência para ocupar a pasta da Fazenda por decreto de 14 de dezembro do dito ano.

Reconhecendo a necessidade de se concluírem os trabalhos encetados na Câmara dos Deputados relativos ao melhoramento do meio circulante, propôs à Regência a convocação de uma sessão extraordinária da Assembléia Geral, em que se tratasse particularmente desse objeto, e a sessão teve com efeito lugar em abril de 1833, expondo ele em seu relatório as suas idéias a semelhante respeito. As medidas que se adotaram resumem-se na lei de 8 de outubro de 1833.

Neste ministério se verificaram as primeiras reformas da alfândega e consulado, e se organizaram diversas tesourarias provinciais em conformidade da lei de 4 de outubro de 1831.

Foi exonerado do cargo, por decreto de 2 de junho de 1834, em resultado da desinteligência havida com o presidente de S. Paulo, a quem não agradou a nomeação do inspetor de Fazenda daquela província. A Regência, que nessa quadra se compunha dos Exmos Francisco de Lima e Silva e João Bráulio Muniz, por estar ausente o Exmo Sr. Costa Carvalho, hoje marquês de Monte Alegre, optou pela demissão do Ministro, conservando o presidente.

Em 1841, foi outra vez chamado aos Conselhos da Coroa, e entrou na organização do Ministério de 23 de março com a pasta do Império, compartilhando os trabalhos que a esse ministério sobrevieram em conseqüência das desordens de S. Paulo e Minas. Foi neste ministério que se ajustou o casamento de S. M. o Imperador o Sr. D. Pedro II, e por esta ocasião S. M. o Rei das Duas Sicílias condecorou ao ministro do Império dessa época com a Cruz de Cavalheiro da Real Ordem de S. Januário.

Em 20 de janeiro de 1841, foi com seus colegas exonerado do cargo.

Por decreto de 14 de setembro de 1850, foi nomeado conselheiro de estado extraordinário, tem estado sempre em exercício, e serve de secretário do Conselho desde o ano de 1851.

Entrou na carreira parlamentar com a inauguração do Governo Representativo no Brasil. Foi deputado da Assembléia Constituinte e foi sempre, sem interrupção, eleito para todas as legislaturas, até que tomou assento no Senado em abril de 1840, por virtude da carta imperial de 29 de outubro de 1839, tendo já antes sido contemplado em lista tríplice.

Na Câmara dos Deputados, foi membro de comissões importantes, serviu de secretário e vice-presidente; e nos dois últimos anos, os de 1838 e 1839, ocupou a cadeira de presidente, donde saiu para assen-tar-se no Senado. Aí tem sido também nomeado para comissões importantes, foi presidente por três anos, deixando de continuar porque assim o requereu.

Resta-nos memorar uma importantíssima e honrosa comissão, de que foi encarregado o visconde de Sapucaí. Foi nomeado pelo Exmo marquês de Itanhaém, tutor de S.M. o Imperador e suas augustas irmãs, em 11 de janeiro de 1839, mestre da imperial família, e exerceu tão eminente cargo até a época do casamento dos augustos príncipes.

Os serviços de Araújo Viana não foram esquecidos pelos monarcas brasileiros. O Sr. D. Pedro I, de gloriosa memória, nomeou-o, em 12 de outubro de 1826, cavalheiro da Ordem de Cristo, e em 18 de outubro de 1829, oficial da imperial Ordem do Cruzeiro.

S.M.I. o Sr. D. Pedro II nomeou-o cavalheiro da imperial Ordem da Rosa em 18 de julho de 1831, na ocasião de sua sagração e coroação, por ser membro da deputação de uma Câmara Municipal de Minas. Nomeou-o gentil-homem de sua Imperial Câmara por decreto de 15 de setembro de 1841. Deu-lhe o foro de fidalgo cavalheiro em 14 de março de 1843 e o título de Visconde de Sapucaí com grandeza em 2 de dezembro de 1854.

O Visconde de Sapucaí é membro de diversas sociedades científicas e literárias e presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.