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CAPITULO V.
Operações geraes da cultura.
LAVOURAS.
587.º O lavor e fabrico das terras são o maior beneficio, que o cultivador lhes póde dispensar. Se ellas não tiverem sido preparadas com os necessarios amanhos, as sementes que lhes forem confiadas deixarão de germinar convenientemente por lhes faltarem algumas das condições necessarias ao seu desenvolvimento.
588.º São as lavouras um dos meios mais poderosos para augmentar a acção fertilisante do solo, e devem considerar-se como a primeira e fundamental origem da sua fecundidade. Tull e Duhamel chegaram a persuadir-se que por meio de lavouras profundas e frequentes se podiam adubar e enriquecer os terrenos a ponto de se tornarem inuteis, ou ao menos dispensaveis os estrumes. Esta proposição é certamente exagerada; mas nem por isso deixão de reconhecer todos os agricultores esclarecidos que os amanhos feitos á terra são pelo menos tão fertilisadores como os adubos, que se lhes ministram; e que quando o terreno é substancial e fundavel podem estes ser até certo ponto suppridos por aquelles.
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589.º As lavouras tem por fim revolver, dividir, e atenuar a terra. As suas vantagens são as seguintes - ellas promovem a germinação das sementes, e facilitam o alongamento das raizes, e a desenvolução das suas extremidades espongiosas destinadas á absorpção subterranea dos fluidos nutritivos - destroem e extirpam as más hervas e um grande numero de insectos daninhos - misturam os estrumes superficiaes por toda a espessura da camada aravel, e promovem a sua decomposição - tornam o solo mais poroso e accessivel á acção de ar, do calor e da humidade, que são os principaes agentes da vegetação - reviram e sublevam o solo trazendo á superficie as camadas mais descançadas e profundas, e enterrando ao mesmo tempo as mais superficiaes, e esgotadas pela sucção contínua das raizes - enriquecem e corrigem muitas vezes o solo misturando-o com a camada mais superior do subsolo - tornam finalmente a terra mais espongiosa e absorvente, e por isso mais permeavel a todos os meteoros atmosphericos como as chuvas, as nevoas, as geadas, os orvalhos, &c.
590.º Se a importancia agronomica das lavouras não fôra uma verdade praticamente comprovada e reconhecida desde que existem agricultores, bastaria a simples enunciação das vantagens, que deixamos indicadas, para demonstrar theoricamente a sua immensa utilidade. Não ha porém agricultor por pouco versado que seja na arte da cultura, que ignore que a capacidade productiva da terra depende em grande parte da sua faculdade absorvente e da sua permeabilidade aos succos nutritivos.
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591.º Póde por tanto concluir-se dos principios estabelecidos, que as condições de uma boa lavoura são: 1.ª que a terra fique perfeitamente dividida e esterroada; 2.ª que fique completamente revirada de modo que as camadas superiores sejam bem enterradas, e as inferiores expostas ao ar; 3.ª que a profundidade da lavra exceda alguma cousa o cumprimento das raizes das plantas, que houvermos de submetter á cultura.
592.º As lavras ordinarias das terras podem effeituar-se ou simplesmente pelas forças e braços do homem, ou pela intervenção de maquinas movidas por animaes.
593.º As primeiras podem ser feitas á enchada, ao enchadão, ou á pá de cavar. As lavouras feitas com estes instrumentos são de um uso geral e antiquissimo. Elles tem a vantagem de revirar, e afofar a terra melhor do que o arado ou a charrua; mas não podem ser empregados nas grandes e extensas culturas: estas lavouras são além disto muito dispendiosas, e reclamão um numero de braços quasi sempre superior ao que podemos obter: é por isso que só recorremos a ellas nas proximidades das grandes povoações, e no fabrico das vinhas, das hortas, dos jardins, ou dos pequenos cercados. O enchadão é todavia empregado em algumas das nossas provincias em desbravar e arrotear os terrenos incultos e maninhos.
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594.º Os lavores effeituados por meio de maquinas movidas por animaes, e que mais particularmente recebem o nome de lavras ou de lavouras, são os que geralmente se usão na grande cultura, por serem os mais expeditos e economicos de todos. As lavouras propriamente ditas são effeituadas na generalidade dos casos pelo arado, pela charrua, pelo extirpador e pela enchada de cavallo.
595.º A maior ou menor profundidade destas lavouras deve subordinar-se á maior ou menor espessura da camada aravel, ás propriedades chimicas e phisicas do subsolo, e á natureza das plantas, que nos propomos cultivar. Se a camada aravel fôr pouco espessa, e se o subsolo apresentar propriedades que contra-indiquem a sua mistura com o solo é preciso que as lavouras sejam superficiaes, e que o arado respeite sempre a camada inferior que serve de assento á camada lavradia. Mas se esta camada pelo contrario apresentar uma grande espessura, ou se a sua mistura com o subsolo fôr vantajosa é então conveniente que as lavouras sejam profundas, para que as raizes possam desenvolver-se e ramificar-se francamente, e para que os gazes atmosphericos, e outras influencias meteoricas a compenetrem na maior espessura possivel. Neste caso será sempre vantajoso ir lenta e gradualmente rompendo a terra virgem e crua para pouco e pouco a ir misturando com a terra curtida e lavradia; a fim de augmentar progressivamente a sua massa, melhorar as suas condições chimicas, e emendar os seus defeitos phisicos.
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596.º Se a camada lavradia fôr, por exemplo, argilosa ou cretacea, e se a inferior fôr areenta ou pedregosa devemos lavrar de maneira que se effectue a mistura lenta e gradual de ambas ellas em uma justa proporção. Se pelo contrario a camada superior fôr delgada e magra e a inferior tenaz e barrenta as lavras devem ainda ser feitas com o fim de conseguir o mesmo effeito. Finalmente se o solo fôr argiloso ou areoso e o subsolo fôr composto de bancos calcareos, será conveniente il-os destruindo e desterroando á superficie com o ferro do arado, para que submettidos á acção do ar se vão reduzindo a carbonatos, e vão emendando e corrigindo a camada lavradia.
597.º As lavouras devem tambem modificar-se segundo a natureza das plantas que desejamos submeter á cultura, neste caso a maior ou menor profundidade das raizes é quem nos deve indicar a natureza mais ou menos profunda da lavra. Assim as gramineas carecerão de amanhos mais superficiaes do que as leguminosas - as batatas e as betarrabas de fabricos mais fundos do que os nabos e as ervilhas, &c. Algumas plantas como as turnepos, as favas e mesmo as batatas prosperarão incomparavelmente melhor quando a charrua rompendo o subsolo tiver trazido á superficie do solo, e misturado com elle uma certa porção de terra nova ainda não trabalhada pela acção da atmosphera.
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598.º A primeira lavoura deve sempre ser mais profunda do que as seguintes a fim de que a terra tenha mais tempo de se curtir e repassar dos gazes atmosphericos. Mas as derradeiras já pódem ser mais superficiaes porque o seu fim é principalmente o de esterroar, e não o de revirar a camada aravel.
599.º As lavouras devem ainda variar não só em attenção á composição geral do solo, mas tambem a sua disposição accidental por occasião da cultura. Assim as terras seccas devem ser mais profundamente rompidas do que as humidas, os terrenos calcareos e cretaceos do que os siliciosos e soltos, os campos arrelvados ou cheios de más hervas do que os limpos e isemptos dellas, os terrenos bravios e incultos do que os cultivados e mansos.
600.º Um grande concurso de causas póde fazer variar o numero das lavouras - as circumstancias atmosphericas e meteorologicas que as precedem ou acompanham, o destino, a natureza e a disposição dos terrenos pódem considerar-se como as principaes.
601.º As circumstancias atmosphericas exercem uma tão pronunciada influencia sobre a capacidade productiva e divisibilidade da terra, que em muitos casos pódem dispensar uma parte do seu fabrico. Um campo isempto de hervas ruins, depois de submettido á acção poderosa das geadas de um inverno mais frio do que chuvoso, sendo depois lavrado durante o outomno em boa sazão, isto é, quando não estiver nem muito secco nem muito humido, basta que seja por fim na epoca da sementeira muito superficialmente revolvido. Estas duas unicas lavouras são sufficientes para o dividir e esterroar em quanto um maior numero dellas augmentaria a despeza e o trabalho sem resultado sensivel. Mas se pelo contrario as lavouras que chamamos de preparação forem feitas fóra de sazão, isto é, quando o terreno se achar ou muito secco ou muito humido, então são necessarias muitas mais lavouras de divisão para que a terra fique em estado de receber as sementes. Donde se collige, que o numero das lavouras, não equivale á sua opportunidade.
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602.º Tambem influe muito sobre o numero das lavouras o destino a que reservamos as terras; se ellas forem dedicadas á cultura do trigo, carecem de tres a quatro lavouras, e de duas a tres se tiverem de semear-se de centeio, de cevada ou de aveia; vindo a ser uma ou duas preparatorias, e as outras de divisão nas proximidades da sementeira. Segundo Young, quatro ferros são quasi sempre necessarios aos terrenos de trigo. Rosier aconselha tres lavouras de preparação pelo menos, além das de divisão, que devem ser quasi sempre duas proximamente anteriores á sementeira. Sinclair recommenda quatro lavras preparatorias. Entre nós o mais usual são tres lavras, e em certas localidades apenas duas. Na borda d'agoa é muito geral esta ultima pratica, e em alguns terrenos, como são aquelles que ficam submergidos pelo Tejo durante as cheias, nem era possivel adoptar outra, porque o lavrador apenas ahi tem tempo para lavrar e deslavrar.
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603.º A natureza dos terrenos tambem não póde deixar de influir no numero das lavras. Se os terrenos forem argilosos e tenazes precisam-nas tanto mais frequentes quanto maior fôr a sua tenacidade. As difficuldades com que o agricultor tem então de luctar são sempre embaraçosas e muitas vezes invenciveis, por quanto aquelles amanhos são tanto mais dispendiosos quanto mais necessarios; e devendo succeder-se com frequencia, raras vezes se encontra a opportunidade e a sazão de realizal-os. Os terrenos ligeiros e arenosos exigem porém menos lavouras; e essas são faceis e pouco dispendiosas: naturalmente divisiveis e soltos estes terrenos apenas carecem de ser superficialmente revolvidos pelo arado.
604.º Finalmente a disposição dos terrenos deve tambem modificar o numero das lavouras. Se elles forem enladeirados ou se apresentarem grandes inclinações, é preciso lavrar com parcimonia, e em regos horisontaes ou perpendiculares ao plano de inclinação, para que a flor da terra não seja arrastada pelas agoas, e para que os sulcos não sejam outros tantos canaes por onde se escoem as substancias soluveis e nutritivas de envolta com a agoa das chuvas; e se elles forem cubertos e alagados pelas enchentes das ribeiras ou dos rios tambem por egual razão se deve ser muito parco no numero das lavouras.
605.º As terras submettidas ao systema dos pousios devem durante o anno, ou annos de repouso ser trabalhadas e rotas por multiplicados lavores, não só para as estorroar e saturar das influencias atmosphericas, mas tambem para as repassar do acido carbonico, para estirpar todas as hervas ruins que de outro modo se multiplicariam consideravelmente e infestariam o alqueive. Quatro ou cinco ferros preparatorios dados no decurso do anno poderão communicar aos terrenos em pousio uma grande fertilidade; e minorar deste modo os inconvenientes e vicios deste systema, que será tanto mais prejudicial quanto menos completo fôr o pousio.
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606.º Ouçamos a este respeito o celebre Schwerz visto que as suas idéas vieram collocar este objecto no seu verdadeiro ponto de luz.
607.º «A natureza, diz elle, nunca está inactiva, antes trabalha sem interrupção, e nos nossos interesses se nós a ajudamos no seu trabalho. Assim durante os intervallos das culturas do pousio ella cobre os campos de uma verdura que se renova cada vez que a charrua a tem destruido; e para produzir aquella verdura ella põe em contribuição não sómente a terra mas tambem o ar, a agoa, a luz, e o calor. O solo recebe por consequencia pelos vegetaes que enterra a charrua não sómente os principios que delle provieram, mas ainda os que provêm da atmosphera - é claro por tanto que elle se enriquece com estas lavouras successivas. Além disto os lavores muitas vezes repetidos tem ainda uma outra maneira de enriquecer o solo, e é a de fazel-o gozar extensamente das influencias atmosphericas pondo todas as suas partes em contacto com o ar. A sciencia tem demonstrado que uma terra será tanto mais fertil, quanto mais energica fôr a sua propriedade de attrahir ou de absorver os vapores e exhalações atmosphericas. Ora os lavores repetidos no pousio põem a terra em estado de operar esta absorpção. Mas não é sómente pela humidade que aquelles vapores importam que elles enriquecem o solo, porque neste caso os annos mais chuvosos seriam os mais ferteis, é tambem por outros principios que elles depõem no solo; e se este não se achar cuberto de plantas em vegetação, as raizes e os destroços das hervas arrancadas e expostas ao ar pela charrua não deixarão de se apropriar as partes fertilisantes da atmosphera.»
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608.º As epocas em que devemos lavrar não podem deixar de variar, segundo o systema de cultura adoptado, as circumstancias do anno e a natureza dos terrenos. Naquellas localidades em que se achar adoptado o systema dos afolhamentos é claro que as lavouras devem começar logo ou pouco depois das colheitas para aproveitar o pequeno intervallo que ha entre estas e as novas sementeiras; e por conseguinte o tempo de fazer taes lavouras deve ser subordinado á epoca da colheita antecedente e da semente successiva; nos pontos porém em que ainda se seguir a pratica dos pousios as lavouras podem ser muito mais espaçadas e numerosas. Neste ultimo caso a primeira lavra póde fazer-se logo depois da ceifa, se não quizermos aproveitar o restolho no sustento do gado, e no caso contrario no outomno, depois de comido o restolho. Esta ultima epoca é muito preferivel á primeira, não só por esta razão economica, como tambem porque as lavras feitas nos paizes meridionaes durante os grandes calores do estio produzem uma vasta evaporação no solo, e por consequencia uma grande perda de principios nutritivos. A segunda lavra é ainda aconselhada durante a mesma estação do outomno nas proximidades do inverno, e muitas vezes póde substituir a primeira. Estas duas lavras tem a vantagem particular, não só de enterrar um grande numero de plantas, que restituem á terra mais principios do que aquelles que lhe tinham subtrahido, mas ainda de dispôr o solo para se aproveitar dos beneficios da neve, do gelo, das geadas, das nevoas, e das chuvas do inverno. Rosier aconselha ainda uma terceira lavra depois do inverno para enterrar as hervas espontaneas vivazes ou annuaes que se tem desenvolvido, e que devem communicar ao solo principios muito substanciaes.
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609.º Estas tres lavras, que chamamos de preparação, e que em muitas localidades se reduzem a duas, e em algumas a uma só, devem dar-se profundas quanto ser possa, e não em cruz como geralmente se usa, mas em regos muito obliquos entre si para que não fiquem grandes espaços angulares por levantar e revolver.
610.º Nos fins do estio depois de passada a maior força dos calores devem começar-se as lavras de divisão nos paizes que forem frios, e nos que forem temperados um pouco mais tarde. Estas lavras convem que sejam obliquamente encruzadas como as primeiras, e não devem ser tão profundas. Geralmente dão-se duas, uma antes, e outra depois da sementeira; mas alguns agronomos recommendão tres antes desta operação, duas com o arado, e uma com a grade. A utilidade de gradagem não consiste sómente em desterroar perfeitamente, mas em não revolver muito profundamente a terra, diminuindo deste modo o excesso da evaporação. Esta ultima operação assim como a lavra para enterrar a semente pódem em alguns casos ser vantajosamente feitas com o extirpador, instrumento precioso pela perfeição e expedição do seu trabalho.
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611.º As circumstancias do anno não pódem deixar de influir na epoca das lavouras; por quanto devendo estas ser feitas na sazão propria é mister esperar que ella se apresente, pois é reconhecido por todos os agronomos que mais val não lavrar do que fazel-o sem que o terreno esteja convenientemente sazonado. Os embaraços que daqui resultam para o agricultor são na verdade graves: a demora ou a antecipação das chuvas, a sua intensidade ou prolongação; a permanencia sobre o solo de espessas camadas de gelo ou de neve são outros tantos obstaculos ao regular andamento dos seus incessantes trabalhos.
612.º A natureza dos terrenos tambem deve decidir o cultivador a retardar ou antecipar a epoca das lavras. Os terrenos arenosos, e facilmente permeaveis á agoa pódem-se amanhar indifferentemente em qualquer tempo, e então póde a sua cultura ser antecipada ou retardada sem grave inconveniente. Nos terrenos argilosos e mesmo na maior parte dos calcareos acontece porém o contrario, e deve aproveitar-se sem demora a opportunidade de os amanhar, na certeza de que raras vezes se nos apresenta, e muito depressa desapparece esta opportunidade.
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613.º E na verdade estes terrenos quando a humidade nelles superabunda não pódem lavrar-se, porque formam uma especie de pasta mais ou menos compacta, difficil de romper e impossivel de desterroar; e pelo contrario quando se acham seccos não se deixam absolutamente penetrar, ou se acaso se chega a rompel-os formam leivas e torrões tão consistentes, que não pódem facilmente esbroar-se: de modo que tanto n'um como n'outro caso os animaes fatigam-se inutilmente, e os amanhos são summamente imperfeitos. E' necessario por tanto escolher para o fabrico de taes terrenos o momento em que apenas humedecidos pelas chuvas não se acham todavia saturados dellas.
614.º Um dos embaraços que mais frequentes vezes se apresenta aos nossos lavradores no amanho regular das suas terras é o curto espaço de tempo que elles pódem destinar a este fim, e principalmente tendo de aproveitar os restolhos ou as pastagens durante as duas estações do outomno e do inverno. Neste caso como lhes não restam senão algumas semanas da primavera, torna-se necessario ou fazer os lavores com grande precipitação, ou deixar as terras de pousio durante o resto do anno, alqueivando-as então na eppoca ordinaria.
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615.º As terras podem lavrar-se ou á raza, ou em margens. Segundo as circumstancias ou habitos locaes assim se adopta uma ou outra destas lavouras.
616.º Para lavrar á raza servimo-nos ordinariamente da charrua, ou do arado de aiveca amovivel ou postiça, que na ida e na volta lança sempre a terra do mesmo lado, uma vez que se tenha a precaução de mudar a aiveca no principio de cada sulco: deste modo as leivas vão successivamente alagando os sulcos anteriores, de maneira que o terreno lavrado offerece uma superficie unida sem outras divisões além das que resultão dos regos, que servem de dar escoante ás agoas.
617.º Mas se o arado ou a charrua fôr de aiveca fixa então é necessario seguir um outro methodo, que ordinariamente é o seguinte: - Divide-se o campo em porções quadradas ou quadrilongas, e abre-se o primeiro sulco na direcção de um dos lados do quadrado, e depois o segundo no lado, que faz esquadria com este; em seguída o terceiro no lado opposto ao primeiro, e finalmente o quarto no lado opposto ao segundo; de maneira que se vai descrevendo com o arado um quadrado, que fica exarado pelos primeiros quatro sulcos; e governando o arado sempre na mesma direcção inscreve-se ou exara-se dentro deste quadrado um outro, que vem a ser formado por outros quatro sulcos immediatos e paralellos aos primeiros; e depois deste inscrevem-se successivamente outros até ficar um pequeno espaço no centro da peça, que se lavra finalmente do modo ordinario.
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618.º Se não quizermos dividir o terreno em quadrados ou quadrilongos poderemos lavral-o dirigindo o arado pelas suas estremas; e continuaremos successivamente a dirigil-o pelo lado interior dos primeiros sulcos até chegar ao centro, que se lavra tambem do modo ordinario.
619.º Para lavrar em margens com uma charrua ou arado de aiveca fixa procederemos do seguinte modo: abrir-se-hão successivamente sulcos parallelos em toda a extensão, e nos dois lados de cada margem, uns n'uma direcção, e outros na direcção opposta, isto é, começar-se-ha por abrir um primeiro rego (A) do sul para o norte, como se vê na seguinte figura; depois abrir-se-ha outro (B) do norte para o sul; em seguida um terceiro (C) ao lado do primeiro, e um quarto (D) ao lado do segundo, e assim por diante virando sempre as leivas da esquerda para a direita de modo que fique a final um rego ou raia vazia no meio. Depois desta operação procede-se a uma outra; começa-se a lavoura pela raia mediana, de sorte que os dois primeiros sulcos se apoiem reciprocamente um sobre o outro na mesma raia; e continuão-se a virar todas as leivas dos sulcos successivos para o interior da margem até chegar aos dois lados por onde primeiramente se começara, que ficam reduzidos a dois sulcos vazios. Na primeira operação a margem fica chata, e na segunda abaulada.
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620.º As margens ou leiras podem constar de dois sulcos sómente, de quatro, de oito ou mais: estas margens, como se vê na figura que apresentamos em seguida, dizem-se simples quando são formados por um unico segmento de circulo, comprehendido entre duas raias traçadas no mesmo nivel; e dizem-se compostas ou dobradas quando são subdivididas em tres ou quatro margens mais pequenas, separadas por meio de raias menos profundas que as duas principaes e traçadas em niveis differentes sobre a dobrada inclinação da margem principal, como se póde vêr na seguinte figura.
621.º A lavoura á raza é na generalidade dos casos preferivel á lavoura em margens ou leiras: quando porém o solo tiver pouco fundo ou fôr demasiadamente humido, talvez deva preferir-se esta ultima á primeira.
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622.º Sobre a preferencia absoluta destas duas castas de lavouras muitas contestações se tem levantado; mas nós suppomos que poucas objecções rasoaveis se poderão oppôr aos fundamentos da opinião emittida pelo celebre Thaer, que se pronuncia a favor das lavouras á raza. E com effeito nos solos lavrados por este methodo é a flor da terra distribuida com mais egualdade por toda a sua superficie do que nos lavrados em margens, que se vêem despojados da melhor terra n'uns pontos para a terem em superabundancia n'outros - os estrumes e as substancias extractivas, que delles procedem, repartem-se melhor nos primeiros do que nos segundos, por isso que nestes se escoam para as raias marginaes as dissoluções nutritivas, que deixão por este motivo de ser utilisadas pelas plantas - finalmente a semente é espalhada com mais uniformidade, e os amanhos são dirigidos mais regularmente e effeituados com mais facilidade nos primeiros do que nos segundos.
623.º Assim um dos primeiros melhoramentos que o celebre Dombasle introduzira na granja exemplar de Roville, quando assumira a sua direcção, foi aplanar a sua superficie por lavores successivos, destruindo as leiras, que ahi se tinham elevado antes delle com tanto trabalho e cuidado.
624.º Por tanto a não ser em alguns casos excepcionaes julgamos, que a lavoura em margens deve ser geralmente proscripta.
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Sementeiras.
625.º Os afanosos trabalhos da industria agricola encadeão-se intimamente uns com os outros e demandam uma grande vigilancia, uma actividade e perseverança continua; e para que o agricultor veja galardoados estes trabalhos é ainda preciso, além dos seus proprios exforços, que as influencias naturaes o auxiliem, ou que a Providencia o favoreça regulando-lhe aquellas influencias, e dirigindo-lhe a ordem dos tempos e o curso das estações. Não ha por isso industria alguma tão aventurosa e submettida a tão continuas vicissitudes como a industria agricola. Assim vemos que a vida do cultivador é uma vida de receios, e de esperanças, e que depois de terminadas as suas maiores lidas, depois de concluido o ultimo sulco elle levanta os olhos para o céu; e com essa religiosa resignação, que é o fatalismo do christão, espera humilhado pelos decretos da Providencia, que podem trazer-lhe com o tufão da tempestade ou com os orvalhos da manhã a miseria ou a abundancia da sua casa.
626.º Com quanto uma boa colheita dependa em grande parte dos amanhos dados ao solo todavia o agricultor que o tiver preparado convenientemente tem apenas preenchido uma parte da sua missão. Depois de lavrar bem é preciso semear opportuna e regularmente.
627.º Poucas operações agricolas demandam tanta previdencia como as sementeiras; a occasião de as fazer foge quasi sempre tão precipitada, que é mister segural-a pelos cabellos; é principalmente nesta operação que o lavrador illustrado e experiente, que tem sabido recolher na observação attenta dos factos as lições da experiencia, mostra a sua superioridade sobre o camponez descuidoso e rotineiro.
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628.º Nós não fallaremos aqui senão da sementeira em geral, porque os promenores desta operação terão uma natural cabida quando tratarmos das culturas especiaes das plantas mais geralmente usadas no nosso paiz.
629.º Os conhecimentos que são exigidos nesta operação podem reduzir-se aos seguintes - escolhadas sementes - epoca e profundidade das sementeiras - processos principaes desta operação.
630.º A escolha das sementes deve merecer muito cuidado ao agricultor. A cultura modificando os typos primitivos das especies cria variedades novas, que não sendo susceptiveis desde logo de se reproduzir, adquirem com o tempo uma certa estabilidade que as transforma em raças hereditarias, que são outras tantas individualidades especificas de moderna creação, susceptiveis de se perpetuarem pela reproducção. E' por este meio que o agricultor tem feito aquisições e conquistas preciosas sobre a natureza - aquisições e conquistas que elle só póde conservar nas plantas herbaceas pelo processo de multiplicação que chamamos sementeira.
631.º Vê-se por tanto quão solicito elle deve ser na escolha das sementes que tem de confiar ao seio fecundante da terra; visto que os germens contidos nestes orgãos não só conservam e transmittem os caracteres das especies que os produzem, mas ainda os das variedades hereditarias e estaveis das mesmas especies, a que chamamos raças.
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632.º Não é na epoca da sementeira que o agricultor deve procurar adquirir as sementes de que precisa; é na colheita que ha-de tratar deste essencialissimo objecto; porque é então que elle poderá determinar quaes são as variedades mais ricas, mais rusticas e mais acommodadas á natureza do solo. Se por exemplo se tratar de cereaes deve recolher o grão das plantas mais vigorosas e melhor desenvolvidas e deve recolhel-o no seu completo estado de maturação.
633.º Se as suas culturas forem bastante extensas convem que destine expressamente uma ou mais porções do seu campo para o apuramento das suas sementes - e se assim proceder ha-de vêr sempre o seu trabalho largamente remunerado.
634.º A renovação das sementes é uma pratica aconselhada pelos melhores agronomos: ellas degeneram commummente nos paizes que lhes são pouco propicios e que diversificam mais ou menos do seu paiz natalicio. As sementes exoticas tem uma tendencia natural a aproximar-se do typo das indigenas - o que evidentemente aconselha a sua renovação principalmente naquelles paizes aonde ellas não encontrarem todas as condições de um vigoroso e natural desenvolvimento. A troca das sementes do trigo entre os diversos paizes dos Estados da União tem produzido grandes vantagens; em quanto que na Sicilia, paiz natalicio daquella graminea, conservam-se sem mudança e sem inconvenientes as mesmas variedades de sementes desde tempo immemorial.
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635.º E' perciso não empregar sementes, cuja faculdade germinativa se ache deteriorada. Existem algumas que conservam aquella faculdade durante annos, e existem outras que a perdem no fim de alguns mezes. A maior parte das plantas economicas germinam bem nos primeiros dois annos depois da colheita; mas em todo o caso tem-se observado que as sementes novas produzem individuos mais vigorosos do que as velhas.
636.º A epoca da sementeira não póde deixar de subordinar-se ao clima, ás circumstancias do anno, á exposição do terreno, e á propria natureza da planta que se pertende cultivar. Fôra um grave erro suppôr que ha em cada paiz uma epoca fixa para esta operação agricola. O proverbio inglez = antes semear fóra de tempo, do que fóra de temperatura = deve estar sempre presente aos nossos agricultores. Quando semeamos na epoca ordinaria, mas fóra da sazão, em virtude da inclemencia da estação, perdemos ordinariamente a semente e o trabalho; e pelo contrario se acaso semeamos um pouco fóra da epoca, mas em occasião aliás opportuna poderemos alcançar uma boa colheita.
637.º As sementeiras do outomno são indicadas por phenomenos naturaes, que se tornam communs a quasi todos os climas - a queda das folhas da maior parte das arvores, o despontar das gramineas ou o reverdecer dos prados, o trabalho e a actividade das aranhas no urdir das suas teas são indicios seguros que nos revellam a sazão mais opportuna das sementeiras.
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638.º Na maior parte dos districtos do reino devem semear-se as gramineas, e particularmente os trigos e centeios desde o meado de Outubro até ao meado de Novembro. As sementeiras dos districtos do norte devem geralmente antecipar-se uns quinze dias ás sementeiras dos do sul; do mesmo modo que as dos paizes montanhosos pobres e frios ás das planicies temperadas, resguardadas e pingues.
639.º Quando se antecipam consideravelmente as sementeiras do outomno e se retardam as chuvas proprias desta estação perde-se uma boa parte da semente por ser devorada pelos passaros e pelos insectos: mas quando pelo contrario as sementeiras se fazem no tarde, e o inverno se apresenta rigoroso, é excessivamente retardada a vegetação com prejuizo manifesto das colheitas. Donde se conclue que o melhor arbitrio a seguir é o do termo medio. A germinação espontanea é sempre o melhor e mais seguro indicio.
640.º As sementeiras da primavera devem praticar-se logo ao começar desta estação, ou ao despontar das folhas para que não venha o estio surprehender a planta na sua infancia quando ainda não tem o sufficiente vigor para resistir aos rigores desta quadra.
641.º A occasião de proceder a estas sementeiras deve aproveitar-se apenas se apresente: esta occasião é tão rara e tão fugitiva que devemos utilizal-a sem perda de tempo. A's vezes não se estende além de poucos dias a opportunidade de semear e se a deixamos desapparecer não se torna a reproduzir.
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642.º Nesta estação devemos semear primeiro as terras calcareas e siliciosas do que as argilosas e tenazes; estas ultimas, retendo fortemente as agoas do inverno enchugam-se muito mais tarde do que as primeiras, e não entram tão depressa em sazão. No outomno porém por uma razão inteiramente contraria deve a sementeira das terras argilosas preceder as siliciosas e calcareas. Esta regra está porém sugeita a ser modificada em muitos casos dependentes de circumstancias locaes. Só depois do agricultor haver estudado muito seriamente a natureza do seu clima, e solo poderá chegar a destribuir os seus trabalhos de uma maneira economica e regular, e a conhecer a melhor opportunidade de executar a sementeira nas diversas divisões do seu terreno.
643.º A sciencia tem-nos ensinado quaes são as condições exteriores á semente indispensaveis á germinação. Entre estas condições ha duas principaes, que são a presença do oxigenio do ar, e a privação do contacto da luz.
644.º Quando as sementes são profundamente enterradas no solo e subtrahidas assim á acção do ar atmospherico ficam durante muito tempo sem manifestar signaes alguns de desenvolvimento, e quando se acham em contacto com a luz directa ou difusa ficam egualmente no mesmo torpor.
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645.º Daqui resulta que para ficarem as sementes submettidas no seio da terra áquellas duas condições, é preciso que sejam cobertas por uma camada de terra solta e pouco espessa, que deixe penetrar o ar, mas de modo nenhum a luz - donde se infere que as sementeiras não devem ser muito profundas.
646.º Esta profundidade porém é relativa á grossura da semente, e á natureza do solo. Quanto mais grossa fôr a semente tanto mais profundamente a devemos semear: e quanto mais tenaz e argiloso fôr o solo tanto mais superficial deve ser a sementeira; a primeira destas proposições tem algumas excepções, mas a segunda é de uma generalidade absoluta. E' commummente reconhecido que raras sementes germinam enterradas a mais de 5 ou 6 polegadas.
647.º Indicaremos aqui as diversas profundidades a que, segundo as praticas de Roville, devem enterrar-se as sementes das principaes plantas agricolas em terrenos de media consistencia.
648.º A faverola é de todos os vegetaes cultivados o que supporta uma mais forte camada de terra - mesmo n'um solo tenaz ella germina muito bem a 3 ou 4 polegadas de profundidade.
649.º A cevada e a aveia carecem de duas polegadas a duas polegadas e meia.
A ervilhaca, as lentilhas, as betarrabas, as ervilhas, o centeio, e o trigo de uma a duas polegadas.
Os feijões, o maiz, e a colza de uma polegada e meia.
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As outras sementes oleaginosas, o linho, e a rutabaga de meia polegada.
Os nabos, e as cenoiras de meia polegada.
Em fim as sementes da maior parte dos prados artificiaes, as dormideiras, e a chicoria demandam apenas uma muito ligeira cubertura de terra.
650.º A quantidade da semente a empregar é um ponto interessante que a theoria e a pratica tem, segundo parece, resolvido cabalmente. A germinação é um phenomeno que não se verifica sem a acção combinada e simultanea de um certo numero de condições, umas organicas, e outras meteoricas. Sempre que alguma ou algumas destas condições deixam de concorrer, como acontece frequentes vezes, torna-se impossivel aquelle phenomeno, e por consequencia o desenvolvimento da planta.
651.º Não poderia duvidar-se de que a quantidade de semente geralmente empregada fosse excessiva, se todas as sementes confiadas á terra germinassem e dessem nascimento a plantas bem desenvolvidas; mas não acontece assim porque uma porção maior ou menor dessas sementes por mais bem escolhidas que sejam não tem a faculdade germinativa por defeito ou vicio organico, outra ficando muito á superficie da terra é destruida pelos animaes, outra finalmente sendo profundamente enterrada deixa por essa razão de germinar.
652.º Conhece-se por tanto a razão porque alguns agricultores que não tem attendido a todas estas perdas, se persuadem que a semente geralmente empregada é excessiva; e porque outros, que tem exaggerado aquelles estragos a julgão diminuta.
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653.º Nos solos ricos e substanciaes deve semear-se ralo, porque as plantas adquirindo nestes solos grande crescimento convem que tenham entre si o sufficiente espaço para poderem afilhar e desenvolver-se, principalmente se forem colmiferas, cuja tendencia á producção de successivos lançamentos é muito pronunciada. Se nestes solos semearmos basto veremos o desenvolvimento das plantas contrariado pela sua multiplicidade; por isso que na terra as raizes de umas invadindo os districtos das outras lhes roubarão os sucos nutritivos, e na atmosphera os caules pela sua excessiva proximidade se interceptarão a luz, a livre circulação do ar, e de outros meteoros indispensaveis á boa vegetação.
654.º Nos solos pobres e soltos deve pelo contrario semear-se basto, visto darem-se ahi condições inteiramente oppostas ás dos solos antecedentes.
655.º Quando as sementeiras forem temporans convem diminuir a quantidade da semente, porque a germinação é mais prompta e completa, e convem pelo contrario augmental-a nas sementeiras serodias pelo opposto motivo.
656.º Tratando de algumas culturas especiaes nós indicaremos a quantidade de semente que se deve empregar n'um solo medianamente fertil e consistente.
657.º Não se conhecem mais do que tres processos ou modos de semear. Semea-se a lanço, em viveiro, e em regos.
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658.º As sementeiras a lanço são o processo mais geralmente empregado por sua antiguidade, simplicidade, e expedição: este processo é talvez o que apresenta menos inconvenientes, principalmente nas grandes culturas de cereaes e de prados artificiaes.
659.º O semeador depois de dividir o campo que pertende semear (se fôr muito extenso) em porções commodas, e depois de collocar diante dellas a correspondente semente, começa a espalhal-a em cada uma destas porções, lançando-a compaçadamente aos punhados e por alto da direita para a esquerda tanto na sua ida como na volta; e assim continua até ao cabo, procurando executar esta disperção com a maior egualdade possivel.
660.º A grande difficuldade desta operação consiste em distribuir uniformemente a semente sobre a superficie do campo, segundo a intenção formada de semear ou mais basto ou mais ralo.
661.º Um bom semeador nunca se deve confundir com os demais trabalhadores do campo; aquelle que possuir a rara habilidade de distribuir a semente com egualdade e com economia é de tanta vantagem ao cultivador, que merece ser não só bem remunerado, mas tido em grande estimação. Os homens que possuem esta habilidade encontram-se raras vezes, e devem até por esta razão ser devidamente apreciados.
662.º A sementeira faz-se em viveiros quando pertendemos crear plantas para depois as dispôr ainda tenras nos terrenos onde queremos que floresçam e fructifiquem. Para este fim escolhe-se uma pequena porção de boa terra e divide-se em taboleiros, que se estrumam e fabricam com o maior cuidado. Lança-se-lhes depois a semente, e quando as plantas se acham mais ou menos desenvolvidas, transferem-se do viveiro ou do alfobre para o campo que se lhes destina. Os preceitos a seguir nestas plantações pelo que respeita á preparação do terreno, escolha da planta, e execução da operação serão succintamente apresentadas em outro logar.
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663.º Faz-se a sementeira em regos aparelhando a terra, como se fôra destinada para uma sementeira a lanço; abrem-se depois os regos na distancia de oito a dez pollegadas uns dos outros, e vai-se lançando em cada um delles a semente grão por grão ou á mão ou por meio do sementeiro. Este instrumento, que adiante descreveremos, é de um uso antiquissimo na China; e foi introduzido e recommendado na Europa por alguns agronomos de grande auctoridade, como foram entre outros Patullo em Hespanha, Tull em Inglaterra, Duhamel em França, e Fellemberg na Suissa. As suas vantagens são distribuir a semente no terreno com egualdade e quasi sempre em linhas parallelas - introduzir o grão na terra á profundidade que se deseja - e economisar uma parte da semente. Os seus inconvenientes consistem em demorar por muito tempo e tornar mais dispendiosas as sementeiras - em não se poder applicar a todos os terrenos - em ser uma maquina cara, de facil deterioração e de difficil reparo, e que além disso carece de ser manejada por operario intelligente.
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664.º Apesar destes defeitos está porém provado, que o sementeiro tem vantagens que excedem os seus inconvenientes, e merece ser mais generalisado principalmente nas granjas ou nas herdades onde existem estabelecidas grandes culturas. Em as granjas exemplares de Roville e Grignon faz-se um extenso uso deste instrumento.
665.º Apenas as sementeiras se acharem concluidas deve tratar-se de cobrir a semente, o que se faz por meio do rolo, da grade, do arado, ou do extirpador, conforme a profundidade a que se quer enterrar. Quando as sementes são muito miudas, e quando devem ser apenas cobertas de terra, basta fazer passar pelo terreno o rolo, e ás vezes mesmo um rebanho de carneiros para ficarem sufficientemente enterradas.
666.º Ha poucos annos que foi felizmente introduzido na borda d'agoa o uso de enterrar a semente dos cereaes por meio do extirpador. Este methodo é de uma economia, de uma expedição e de um proveito geralmente reconhecidos, principalmente quando é mistir resemear, por haverem sido destruidas as semeadas pelos estragos causados pelas cheias. Quando o emprego do extirpador não é contraindicado pelas desigualdades e asperezas do terreno não nos podemos servir para este effeito de um instrumento mais proveitoso.
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Colheitas.
667.º Não basta que o agricultor saiba cultivar a terra é tambem necessario que saiba recolher os seus productos economica e opportunamente. A menor negligencia nesta operação póde acarretar-lhe resultados desastrosos; e é por isso necessario que a sua actividade e vigilancia redobrem durante a colheita, que é o complemento de todas as suas lidas e o fructo abençoado que Deus lhe envia como recompensa do seu trabalho.
668.º Nós não trataremos aqui das epocas e dos processos requeridos pelas diversas colheitas. Este assumpto deve de ser tratado quando nos occuparmos das culturas especiaes, e agora só trataremos de dar algumas noções sobre o modo geral de fazer e conservar as colheitas.
669.º O cultivador previdente não deve perder um momento em effeituar opportunamente as suas colheitas, e pol-as quanto antes fóra da acção dos agentes que podem destruil-as. Não deixar para o dia seguinte o que se pode fazer no antecedente é uma maxima de economia applicavel a todas as operações agricolas, mas principalmente ás da colheita. Em quanto as forragens estão no campo e os cereaes em pé uma tempestade de chuva ou de saraiva os póde destruir parcial ou totalmente. Os calores excessivos e o suão abrazador dessecão e abrem muitas vezes os casulos das graminias que contem os grãos desseminando-os sobre a terra. Ha um sem numero de contratempos, a que se deve oppôr uma diligencia e actividade continua; e em quanto as colheitas se não acharem convenientemente arrecadadas nunca o agricultor se deve reputar seguro e tranquillo.
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670.º E' preciso cuidar de antemão de ajustar os trabalhadores necessarios para que todas as operações se fação em tempo, sem precipitação nem desordem; e para que os diversos trabalhos da colheita se não embaracem pela sua multiplicidade. Nas nossas provincias do sul é inda mais necessaria esta prevenção por ser muito insufficiente o numero de braços disponiveis nesta occasião. Estas provincias pela sua escassa população importão na epoca das ceifas um consideravel numero de trabalhadores, que afluem em camaradas das povoações do norte; sendo por isso conveniente que o lavrador com a necessaria anticipação diligenceie obter a quantidade de ceifeiros e mais trabalhadores de que carece para poder levar ao cabo os variados afazeres desta epoca. Nós temos muitas vezes presenceado na provincia do Alemtejo, donde somos naturaes, as torturas em que por falta de previdencia alguns lavradores se tem visto para poderem effeituar as suas colheitas em annos abundantes.
671.º Os animaes de tiro, os carros, os instrumentos, e as ferramentas que hão-de servir, quer na ceifa, quer na eira, devem tambem estar aviados e promptos para se poderem empregar sem detença logo que a occasião o pedir.
672.º Se houver forragens ou fenos a recolher precisam-se tomar muitas precauções, porque é sobre a abundancia e qualidade das forragens que devem em grande parte assentar os calculos do cultivador, visto que ellas constituem a principal sustentação dos seus gados, e são o elemento fundamental da producção dos estrumes. Conforme as forragens forem provenientes de prados naturaes ou artificiaes assim devem ser ceifadas em epocas diversas. A epoca do começo da floração é em geral a mais propria para os prados artificiaes, que devem produzir mais de um corte; e a do começo da fructificação, quando a flor principia a murchar-se é a mais indicada para os prados naturaes. Estas regras porém são sujeitas a muitas modificações umas dependentes da natureza das plantas, outras da natureza do clima, &c.
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673.º E' mister não recolher nem empalheirar os fenos senão no estado de conveniente dessecação. Se os recolhermos humidos e sobre o verde entrarão em fermentação, tornando-se improprios para a alimentação dos gados, e prejudicialissimos á sua saude; se pelo contrario os deixarmos expostos á insolação por largo tempo, e os recolhermos demasiadamente seccos perdem a maior e melhor parte dos seus principios nutritivos, e tornam-se demasiadamente asperos e ingratos aos animaes.
674.º Se as colheitas forem de fromentaceas ou de gramineas é necessario que a ceifa se faça logo que o grão estiver em estado de se não poder esmagar entre os dedos: esta é a opinião dos melhores agronomos. E na verdade se acaso se ceifa antes desta epoca perde-se uma grande copia de grãos, que não tinham ainda chegado a desenvolver-se, e se por ventura se ceifa depois, como a semente tem já percorrido todo o periodo da maturação, dessemina-se e espalha-se em grande parte sobre o terreno no acto de se cortarem os colmos.
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675.º A conservação do grão das fromentaceas, como o trigo, o centeio, a cevada, &c. demanda precauções muito particulares. A escuridão e a humidade dos celleiros são condições que favorecem a germinação e a fermentação dos grãos. Para prevenir esta deterioração é mister que os celleiros sejão construidos em logar elevado, secco e bem arejado; e que tenham frestas e ventiladores.
676.º O uso antiquissimo, e muito commum entre os Egypcios e Romanos de guardar o grão em syros, que são depositos ou cavas praticadas no chão, inteiramente perservadas da humidade, rebocadas interiormente de barro ou greda, e muito bem tapadas superiormente, é digno de se generalisar.
677.º Tambem os cereaes se conservam muito bem em sacas isoladas umas das outras, e em potes ou grandes vazilhas de barro, que se tapão de maneira, que fique inteiramente interceptada a communicação entre o grão e o ar exterior.
678.º Quando o gargulho e a traça atacão os cereaes é necessario immediatamente exterminal-os. Tem-se aconselhado para isto muitos meios; mas os mais efficazes são o padejamento frequente do grão, e a sua ventilação por meio de fortes correntes de ar. Tambem é preconisada como meio efficaz a collocação de pequenos vellos de lã sobre as medas de trigo, os quaes se vão successivamente sacudindo e collocando de novo sobre o grão, que fica por este processo isempto dos bichos que o devoravão, e que morrem entre os pellos emmaranhados dos vellos. Tem-se finalmente aconselhado a introducção nas medas do grão de saquinhos de camphora, que pelo seu cheiro afugentam o gorgulho e a traça.
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679.º A conservação das raizes carnosas e tuberculosas, como a cinoura, a betarraba, as batatas, &c. merece grande attenção; visto que estas raizes se tem introduzido com muito proveito na grande cultura para serem empregadas no sustento dos gados. Para as conservar é preciso perserval-as da humidade, e do grande calor; e pôl-as em taes condições que não possam nem apodrecer, nem fermentar, nem germinar. Este resultado obtem-se armazenando-as dentro de syros feitos á superficie da terra, e construidos de modo que fiquem impermeaveis á agoa, e aos outros meteoros aquosos.