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CAPITULO IV.

Agricultura nomada, pousios, afolhamentos.

528.º A historia da agricultura tem sempre acompanhado - mais ou menos - a historia da civilisação dos póvos. Fôra mister para poder apreciar toda a exactidão desta verdade desenrolar simultaneamente os fios destas duas historias, e confrontal-as nas suas phases mais salientes. Esta confrontação porém é-nos vedada, porque nos faria ultrapassar os limites, em que queremos circunscrever este nosso trabalho.

529.º Tres são as principaes epocas da historia da agricultura: a primeira é a da agricultura nomada ou pastoril - a segunda a da agricultura do pasto e lavor ou a dos pousios - a terceira a da rotação das culturas ou a dos afolhamentos.

530.º Na primeira epoca ou no systema pastoril quasi toda a subsistencia e fortuna do agricultor dirivava dos seus rebanhos, servindo-lhe a terra quasi unicamente de os apascentar. Esta epoca abrange evidentemente dois periodos, o do systema puramente pastoril, que excluia toda a casta de cultura, e o do systema pastoril mixto, que admittia e intercallava, mas sem regra nem tempo fixo, algumas culturas de cereaes.

531.º Esta primeira epoca corresponde evidentemente ou ao estado anterior, ou ao primitivo das sociedades, em que o dominio era apenas conhecido. Era a agricultura dos povos pastores, que sem patria nem nacionalidade vivião como os povos caçadores, seus contemporaneos, vida errante e vagabunda - era a dessas tribus patriarchaes da Asia, que não tinhão domicilio permanente, mas erguião as suas tendas nos campos mais proprios para a sustentação dos seus rebanhos, que erão por esses tempos a unica propriedade respeitada e reconhecida entre os homens. As culturas erão então raras e accidentaes: apenas se aproveitavão alguns fructos silvestres, e algumas raizes ou grãos espontaneos da terra. As carnes e os lacticinios erão o principal alimento destes povos; a lã e as pelles o seu unico vestido.

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532.º Este systema primitivo de agricultura, o mais simples, o mais natural, e o mais facil de todos, compadece-se tanto com a indolencia contemplativa do homem, que ainda subsiste em alguns logares remotos ou pouco accessiveis, onde a escassez da população, a falta de communicações, o abandono, a vastidão, e a pobreza dos terrenos tornão as culturas ou quasi desnecessarias, ou pouco lucrativas.

533.º A influencia deste systema foi tão grande, que inda hoje em nações muito civilisadas se encontram os seus tristes vestigios; e na verdade o direito consuetudinario do compascuo, os baldios, a mexta e certas servidões são restos deploraveis daquellas epocas de barbaridade - e instituições, que revellão essa especie de communismo dos primeiros tempos, que foi e será sempre o maior inimigo da civilisação, e da riqueza territorial.

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534.º A segunda epoca é a do systema dos pousios, ou do descanço das terras. Aqui ainda apparece o systema pastoril, mas notavelmente aperfeiçoado. Os terrenos na agricultura de pasto e lavor são divididos em folhas, alternada e successivamente consagradas ou á pastagem dos gados, ou á cultura dos cereaes - raras vezes a outras culturas.

535.º Esta epoca agricola coincide com outra epoca social muito mais aperfeiçoada. A agricultura nómada não podia deixar de ser abandonada apenas os povos se associassem em individualidades nacionaes, apenas tivesse logar a partilha ou a divisão das terras, e apenas o direito de propriedade servisse de fundamento ás novas associações. Esta grande transformação social devia impreterivelmente acompanhar-se da correspondente transformação agricola. Os povos pastores tornados por fim agricultores fixaram o seu domicilio, abandonaram a vida errante, e assentaram as novas instituições sociaes nas largas bases da propriedade, da familia e do trabalho. O solo começou a ser então cultivado, mas cultivado intercalar e periodicamente. As culturas alternavão com o repouso das terras, que se julgava necessario para entreter a sua acção productiva. As folhas que ficavam de pousio servião de pasto aos gados, um ou mais annos, segundo a cultura era biennal, triennal, &c.

536.º Descobre-se á primeira vista que este systema é menos imperfeito que o antecedente; mas em these não podemos deixar de o considerar bastantemente vicioso, posto que em hipothese o não seja em certos casos. E effectivamente um systema em que a terra fica inculta e quasi desaproveitada a maior parte do tempo, em que se enche de urzes, cardos, escalracho e outras hervas ruins, que são o flagello do agricultor, não pôde deixar de se considerar vicioso. Mas se a população for escassa em relação ás terras araveis, se os meios de transporte forem custosos e difficeis, se os mercados forem distantes, e os productos excederem as necessidades do consummo; se os estrumes escassearem, e o trabalho for nimiamente custoso, então o systema com as correcções ultimamente aconselhadas por Schwerz póde tornar-se em vez de absurdo mais ou menos racional.

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537.º Tudo o que dura longo tempo tem em si algum principio vigoroso de vida ou alguma razão suficiente e poderosa da sua tenaz existencia. O systema dos pousios está pois neste caso - existe ha mais de vinte seculos, porque harmonisava com as condições sociaes da maior parte dos povos. E na verdade lá onde as terras estavão pela maior parte nas mãos esterilisadoras do castellão, e do donatorio, onde a população era pouca e pobre, e as suas necessidades mui circunscriptas, onde o commercio interior era quasi nullo e os tributos pezadissimos, este systema não podia deixar de vigorar.

538.º Pelo contrario nas proximidades das grandes cidades, nas beiras dos rios, nas varzeas pingues e fecundas, nos pontos onde a população estivesse aglomerada, e onde os estrumes superabundassem, o systema dos pousios seria um verdadeiro contrasenso.

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539.º Eis aqui porque na provincia do Minho, em muitos pontos da Beira e da Estremadura não é geralmente admittido ha muito tempo este systema; e porque prevalece ainda em muitos pontos nas nossas provincias do sul, e principalmente no Alemtejo. Na provincia do Minho, com raras excepções, e nas pingues bacias da Beira, e da Estremadura é felizmente impossivel este systema pela grande divisão da propriedade, pelo acrescimo da população, e pela fecundidade do terreno; ao passo que no Alemtejo a grande extensão das propriedades, a escassez da povoação, e a geral superabundancia e aridez dos terrenos, o tem tornado commum. Mas nesta mesma provincia ha bastantes concelhos donde ha muito devera ter sido desterrado o systema dos pousios, por isso que as terras araveis já não podem satisfazer as exigencias da povoação.

540.º Fôra portanto um desacordo aconselhar geralmente os nossos agricultores a que abandonassem por toda a parte e repentinamente este systema, posto que em geral elle seja vicioso. Em economia rural as mudanças subitas tem grandes inconvenientes. Os progressos na agricultura precisam ser lentamente preparados. O que se pode e deve insinuar aos nossos lavradores é o seguinte - que vão pouco a pouco afolhando alguns dos seus melhores terrenos na proporção dos estrumes que poderem obter, dos gados que poderem reduzir á estabulação, e dos prados artificiaes que poderem instituir, porque sem estrumes, sem gados e sem prados não ha nem pode haver bons afolhamentos - que considerem os pousios como um mal, posto que em alguns casos necessario - e que em quanto este systema fôr por elles adoptado procurem ao menos destruir-lhe as suas principaes imperfeições, o que se consegue dando no anno do pousio frequentes lavras (quatro a cinco, recommenda Schwerz no seu Manual do agricultor) para matar as hervas ruins, para as enterrar como adubos verdes, e para enriquecer e adubar a terra tornando-a accessivel á acção fertilisante dos meteoros atmosphericos.

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541.º A terceira epoca, ou a dos afolhamentos apresenta-nos um systema de economia rural, que deve considerar-se como o mais racional e agronomico de todos, como aquelle que mais se compadece com as leis da producção, e com as necessidades actuaes da civilisação - que mais dá e promette á sociedade, quer na massa, quer na variedade dos productos - que mais eleva e suavisa a condição e a sorte do agricultor.

542.º O systema dos afolhamentos encerra em si grandes melhoramentos agricolas e sociaes, e liga-se com o esperançoso porvir das sociedades modernas. Por este systema é a terra - este grande e indestructivel instrumento de producção - sollicitada a produzir talvez o dobro do que produzia no systema dos pousios. Nestas palavras está pois traçado todo o seu elogio. - Uma muito maior massa e variedade de subsistencias é o dom precioso que este systema de cultura trouxe ás nações que o tem adoptado. - Variando annualmente as culturas, elle veio além disto resgatar os povos dessas fomes periodicas que os dizimavam, e que eram uma terrivel consequencia do systema dos pousios.

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543.º Facil é de vêr que esta grande transformação agricola corresponde a uma profunda transformação social. Depois que o homem e a terra se tornaram livres, depois que a industria e o trabalho se emanciparam - depois que a população se aglomerara em torno das instituições liberaes; e que a propriedade rural se mobilisára escapando ao dominio esterilisador da corôa, do castello e do mosteiro - depois que recrescera espantosamente o numero das necessidades sociaes, e que as artes pediram ao agricultor uma maior copia de materias primas - foi então, foi depois de tantas e tão variadas transformações economicas e sociaes, que a agricultura, a mãe do genero humano, e a companheira inseparavel das sociedades, experimentou esta notavel transformação.

544.º Vejamos porém em que consiste o systema dos afolhamentos.

545.º Afolhar um terreno é submettel-o sem interrupção a uma serie ou rotação de culturas diversas.

546.º Quando uma herdade, uma granja, ou um campo qualquer se divide em folhas nas quaes se estabelece uma certa rotação ou giro de culturas, esse campo diz-se afolhado. Pode, por exemplo, dividir-se em duas, tres ou mais folhas, e estas divisões serem todos os annos submettidas á cultura de plantas diversas, que se vão substituindo e succedendo umas ás outras de dois em dois annos se o afolhamento é biennal, de tres em tres se é triennal, &c.

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547.º Este systema dos afolhamentos tem por fim tirar constantemente de um terreno o maximo proveito com a menor despeza possivel. A terra é por sua intervenção mantida n'um trabalho permanente de producção, sem que se esgotem nem depauperem sensivelmente as suas forças productivas.

548.º Os antigos tiveram uma escassa luz deste systema, e nunca chegaram a pratical-o de uma maneira regular. Foi só no meado do seculo passado que se começou a introduzir na economia rural de algumas nações este excellente methodo agronomico.

549.º O erro geralmente adoptado de que a terra precisava de repouso periodico para recuperar as forças perdidas na vegetação, foi quem se oppoz por muito tempo, e quem ainda hoje se oppõe, á geral admissão dos afolhamentos.

550.º Mas se a terra se cobre durante o pousio de uma vegetação espontanea e inutil, porque não a obrigaremos a produzir, em vez destas plantas outras, que nos sejam proveitosas! Se os terrenos deixados em descanço nem por isso ficam ociosos, melhor fôra então converter a sua incessante actividade em proveito nosso. E' verdade que o solo se esgota quando lhe pedimos os mesmos productos em annos consecutivos; e que não podemos com vantagem repetir successivamente as mesmas culturas no mesmo solo, mas podemos e devemos varial-as por meio dos afolhamentos; porque a variedade dos productos é quasi sempre para a terra uma especie de descanço, assim como a variedade do trabalho phisico ou intellectual raras vezes deixa de ser uma especie de repouso para o corpo e para o espirito do homem.

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551.º O que póde a arte dos afolhamentos com respeito ao augmento dos productos agricolas ha-de vêr-se na Inglaterra, na Flandres, e na Belgica. A actividade productiva do solo não tem nestes paizes a menor intermitencia ou descanço; a umas culturas seguem-se logo outras; e nem por isso as colheitas se enfraquecem, ou a terra se cança; e isto porque as suas forças são habilmente economisadas, e as suas perdas promptamente reparadas quer pela diversa natureza das plantas cultivadas, quer pelos adubos ou pelos amanhos subministrados ao solo.

552.º A theoria phisiologica dos afolhamentos funda-se nos seguintes principios. 1.º Nem todas as plantas absorvem da terra as mesmas bazes salinas. 2.º Nem todas profundam similhantemente no solo. 3.º Nem todas o esgotam egualmente, antes ha algumas que o melhoram. 4.º As excreções de certas plantas podem servir de alimento a outras. 5.º Os principios que algumas aspiram no ar pelos seus tecidos verdes são depostos no solo por intervenção das raizes. 6.º Os amanhos ministrados á terra na cultura de certas plantas podem communicar-lhe uma grande fertilidade. 7.º Nem todas as culturas deixam crescer egualmente as más hervas; antes ha algumas que as desterram quasi inteiramente do solo.

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553.º O desenvolvimento de cada um destes principios levar-nos-hia muito longe, mas se os agricultores meditarem um pouco sobre elles facilmente atinarão com as razões, porque a rotação das culturas, quando judiciosamente calculada, deve necessariamente economisar, dirigir e reparar as forças productivas do solo.

554.º E na verdade se por exemplo fizermos succeder ás favas as baterrabas, e a estas o trigo, teremos que as excreções das plantas da primeira cultura são um excellente adubo para as da 2.ª e 3.ª - que os saes que umas absorvem da terra sendo diversos dos que absorvem as outras, a vegetação das antecedentes não póde prejudicar neste ponto a das consequentes - que os gazes que as primeiras e segundas aspiram no ar são em parte lançados no solo com vantagem das terceiras - que os amanhos reclamados pelas favas e beterrabas redundam em proveito do trigo em quanto mobilisam a terra, a enriquecem com os gazes atmosphericos que a penetram - e finalmente que as camadas mais fundas do solo ficando intactas na cultura do trigo e das favas devem subministrar ás beterrabas abundancia de principios alimentares. Estas reflexões posto que succintas bastarão a provar que podemos fazer succeder umas colheitas a outras com vantagem da producção e sem empobrecimento da terra; uma vez que a adubemos com alguns estrumes, e lhe restituamos por meio de umas culturas o que outras lhe haviam subtrahido.

555.º A pratica dos afolhamentos deve fundar-se nos seguintes preceitos perfeitamente desenvolvidos por Mr. Hamilton Couper.

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556.º Primeiro preceito. E' necessario na escolha das culturas consultar o clima, o solo, a situação, a procura dos productos, e outras circumstancias dependentes da localidade.

557.º Segundo. As plantas de folhas largas devem alternar com as de folhas estreitas.

558.º Terceiro. As plantas de raizes fibrosas devem alternar com aquellas que tiverem as raizes alongadas e bolbosas.

559.º Quarto. Convem affastar quanto fôr possivel a volta da cultura no mesmo campo, da mesma planta, ou de plantas da mesma natureza. E esta volta deve affastar-se tanto mais quanto maior tiver sido o espaço de tempo que a planta tiver permanecido na terra.

560.º Quinto. As plantas, que durante o seu crescimento exigirem sachas e grandes amanhos devem alternar com aquellas que os não demandarem.

561.º Sexto. Os estrumes devem ser applicados ás culturas mais lucrativas e esgotantes, sempre que isto se poder combinar com o preceito antecedente.

562.º Setimo. A successão das culturas deve ser calculada de maneira que todos os trabalhos se sigam com facilidade, regularidade, e economia.

563.º Oitavo. A terra deve ficar vazia o menos tempo que fôr possivel: ella deve ser occupada por plantas que tenham valor em si mesmas, ou que contribuam a augmentar o valor das que devem succeder-lhes.

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564.º As plantas mais geralmente usadas podem dividir-se com relação á cultura successiva em tres grandes divisões. A primeira contem as plantas oleaginosas como a colsa, a nabiça, a rutabaga ou couve-nabo, o canamo, e o linho; e as plantas da familia das solaneas como as batatas, o tabaco. A segunda abraça as gramineas como o trigo, o centeio, a cevada, a aveia, o joio, o maiz. A terceira contem as leguminosas como favas, ervilhas, feijões, ervilhaca, lentilhas, trevo, sanfeno, luzerna. As plantas destas divisões podem geralmente succeder-se umas ás outras se circumstancias particulares ás localidades não contraindicarem esta successão.

565.º A applicação dos principios que temos mencionado é submettida a tantas considerações especiaes filhas da natureza do solo, do clima, do consummo local, e da maior ou menor escacez de braços, de estrumes, e de capitaes, que fôra impossivel estabelecer n'um livro a marcha que cada agricultor deve seguir, e a natureza dos afolhamentos que tem a adoptar. E' no seu bom juizo e nas praticas do paiz que elle deve estudar o que mais lhe ha-de convir. Mas antes de estabelecer qualquer afolhamento deve ponderar pausadamente se o seu solo é acomodado á vegetação das plantas que devem constituil-o; se o clima lhe consentirá fazer todos os amanhos, as sementeiras, e as colheitas em tempo opportuno; e se terá á sua disposição os braços, os capitaes, e os estrumes, que são requeridos por tão variadas culturas. - E na verdade quantos cultivadores se tem arruinado por andarem de leve em tão ponderoso assumpto! - e sobre tudo por transplantarem sem reflexão, os afolhamentos proprios dos paizes frios para os paizes quentes, os das terras fortes para as terras fracas; não metendo em linha de conta, nem a carestia do trabalho, nem a natureza dos consummos, nem a escacez dos meios e forças proprias!

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566.º Os afolhamentos podem ser formados por giros de dois, de tres, e mais annos. Os afolhamentos biennaes são pouco frequentes por terem o grande inconveniente de incurtar consideravelmente o giro das culturas, fazendo-as reapparecer no mesmo terreno em annos alternados, o que extenua estremamente o solo, e diminue a riqueza das colheitas. Estes afolhamentos só podem adoptar-se em terrenos muitos pingues, e mesmo neste caso ainda se torna necessario estrumal-os abundantemente, e proceder de maneira que as culturas sachadas alternem com as que o não forem. E na verdade é sómente por meio dos abundantes adubos e dos amanhos frequentes, que aquellas culturas reclamão, que poderemos reparar e manter durante taes afolhamentos a actividade productiva do terreno consideravelmente depauperada pela repetição frequente das mesmas culturas. Eis-aqui dois exemplos deste giro biennal.

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Primeiro exemplo.

1.º anno, favas de Hollanda bem estercadas.

2.º - trigo de outomno sem esterco.

Segundo exemplo.

1.º anno, favas bem estercadas.

2.º - trigo tremez.

Terceiro exemplo.

1.º anno, milho miudo ou grosso.

2.º - trigo ou centeio.

567.º Este ultimo giro é muito usado em alguns concelhos das nossas provincias do sul, e principalmente no Alemtejo.

568.º Os afolhamentos triennaes, posto que partecipem ainda um pouco dos defeitos dos antecedentes, são todavia mais racionaes ou menos oppostos aos principios que estabelecemos. O seu uso é ainda bastante frequente em Inglaterra, e mesmo em França; onde se tem procurado atenuar os seus inconvenientes, combinando-os com o pousio, isto é, adoptando um anno de repouso no triennio da rotação. E' assim que nos depatarmentos do Sena e Marne, do Marne, e das Ardennas se acha desde tempo antigo adoptado este systema de rotação. Divide-se o terreno em tres porções, e procede-se como demonstra o seguinte exemplo.

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1.º terço, 2.º terço, 3.º terço.

1.º anno - trigo - aveia - pousio.

2.º » - aveia - pousio - trigo.

3.º » pousio - trigo - aveia.

569.º Este afolhamento porém apresenta grandes inconvenientes; em primeiro logar apenas nos dá duas colheitas no espaço de tres annos; depois disto não nos subministra pastos nem forragens sufficientes para os animaes; e está hoje plenamente demonstrado que o agricultor não póde melhorar nem mesmo sustentar a sua posição sem ser simultaneamente creador de gados. E' por isso que ao pousio se tem substituido ou o trevo, que é a chave dos afolhamentos, ou alguma cultura sachada; como se vê nos seguintes exemplos:

Primeiro exemplo.

1.º anno, trigo estrumado.

2.º - aveia.

3.º - trevo.

Segundo exemplo.

1.º anno, trigo estrumado.

2.º - aveia.

3.º - ervilhas.

570.º No meio-dia da França, e na Toscana é muito geral o seguinte afolhamento, que é considerado como o modello das rotações triennaes:

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1.º anno, trigo seguido immediatamente de tremoços enterrados.

2.º - trigo seguido de uma forragem semeada com elle.

3.º - milho grosso ou milho miudo.

571.º Entre estes afolhamentos triennaes não deve ser omittido o que cita Sinclair como tendo logar ha muito tempo em Essex - é o seguinte:

1.º anno, batatas bem estrumadas.

2.º - trigo.

3.º - trevo.

572.º Esta rotação dá grandes colheitas de trigo e offerece, segundo affirma aquelle agronomo, resultados os mais satisfactorios; contando por isso um grande numero de sectarios. Na opinião de Schwerz fôra impossivel instituir um afolhamento triennal mais productivo em todas aquellas localidades, onde o trevo poder prosperar. Nos nossos terrenos humidos e pingues, e particularmente nas beiras do Tejo, do Sado, e do Mondego não póde deixar de ser grandemente vantajoso este excellente afolhamento, e talvez muito preferivel áquelle, que se adopta em alguns pontos da borda d'agoa, em que se faz succeder ás favas o trigo, e a este o milho em annos consecutivos.

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573.º Citaremos ainda alguns exemplos mais recommendaveis deste giro de culturas.

Primeiro exemplo.

1.º anno, batatas.

2.º - trigo.

3.º - cinouras.

Segundo exemplo.

1.º anno, favas.

2.º - cevada.

3.º - nabos.

Terceiro exemplo.

1.º anno, fava ordinaria bem estercada.

2.º - trigo.

3.º - chicharos semeados em março e cortados em flor para sustento do gado.

Quarto exemplo.

1.º anno, batatas bem estrumadas.

2.º - aveia de outomno, trevo.

3.º - trevo para enterrar depois do 2.º corte.

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Quinto exemplo.

1.º anno, favas bem estercadas.

2.º - trigo, e sobre o restolho trevo.

3.º - trevo para enterrar depois do 2.º corte.

574.º Os afolhamentos quadriannaes são os mais geralmente seguidos, e merecem sêl-o, porque dilatando o turno das culturas pelo espaço de tres annos são mais racionaes do que os precedentes, que estabelecem turnos muito menores. Entre estes afolhamentos torna-se muito recommendavel o celebre afolhamento de Norfolk, que mudára completamente a face da agricultura da parte meridional desta provincia, antes tão miseravel e hoje tão abastada e fertil - ei-lo aqui

1.º anno, nabos turnepos estrumados e sachados.

2.º - cevada.

3.º - trevo.

4.º - trigo.

575.º O grande merecimento deste afolhamento, como observa o celebre Valcourt, consiste na alternativa das culturas dos nabos e trevo, que melhoram o solo com as da cevada e trigo que o esgotão. Além disto as raizes de todas estas plantas, sendo de natureza diversa, procuram as substancias alimentares em camadas de solo mais ou menos profundas. Demais o estrume é applicado á cultura preparatoria do terreno ou áquella que o alimpa e bonifica. Finalmente o intervallo que se encontra entre a ceifa do trigo e a sementeira dos nabos subministra o tempo preciso para se executarem as lavouras e amanhos convenientes ao cultivo desta ultima planta; verificando-se a mesma circumstancia para com as restantes culturas. Na opinião porém de Schwerz apresenta ainda um inconveniente esta tão elogiada rotação; e é o de se haver declarado a experiencia contra a sua longa duração; mas quando assim seja poderá remediar-se este inconveniente desfolhando-se o terreno e estabelecendo-se um novo giro de culturas.

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576.º Na Escocia foi esta rotação substituida por outra, que no juizo de Sinclair não é menos vantajosa - é a seguinte:

1.º anno, nabos turnepos.

2.º - trigo de primavera ou cevada.

3.º - trevo.

4.º - aveia.

577.º Nas proximidades de Edimburgo acha-se adoptada uma rotação quadriennal que tem grangeado um geral assentimento. Ella parece muito apropriada por todos os paizes em que o solo e o clima são antes secos do que humidos; e merece sem duvida ser ensaiada entre nós - é a que se segue:

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1.º anno, batatas.

2.º - trigo.

3.º - trevo.

4.º - aveia.

578.º E' quasi desnecessario advertir que as rotações dos terrenos fortes e argilosos devem diversificar das dos terrenos leves e calcaro-siliciosos. As dos dois seguintes exemplos podem convir aos primeiros, e não aos segundos.

Primeiro exemplo.

1.º anno, favas bem estercadas e sachadas.

2.º - trigo e depois trevo.

3.º - trevo.

4.º - trigo de inverno.

Segundo exemplo.

1.º anno, batatas bem estercadas e amanhadas.

2.º - trigo de inverno depois trevo adubado com gesso.

3.º - trevo enterrado depois do 2.º corte.

4.º - trigo de inverno.

579.º Aos terrenos leves podem convir as rotações dos dois exemplos seguintes:

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Primeiro exemplo.

1.º anno, milho enterrado.

2.º - trigo depois trevo.

3.º - trevo.

4.º - trigo de inverno.

Segundo exemplo.

1.º anno, batatas.

2.º - trigo.

3.º - cevada.

4.º - trevo.

580.º Os afolhamentos de cinco annos mais usados em Inglaterra são os dos dois seguintes exemplos:

Primeiro exemplo.

1.º anno, nabos.

2.º - cevada.

3.º - trevo ceifado uma só vez.

4.º - trigo.

5.º - cevada.

Segundo exemplo.

1.º anno, nabos.

2.º - trigo.

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3.º - cevada.

4.º - trevo.

5.º - aveia.

581.º No reino de Napoles, e nos campos humidos de Sorrento encontra-se o seguinte afolhamento digno de ser, com pequenas alterações, imitado entre nós nos terrenos frescos e fecundos:

1.º anno, milho grosso estrumado.

2.º - trigo e depois favas.

3.º - algodão.

4.º - trigo seguido por trevo encarnado.

5.º - melões seguidos por legumes.

582.º E' impossivel, diz Chateauvieux, arranjar mais vantajosamente esta variedade de culturas. A natureza da sua vegetação e os differentes amanhos que ellas demandão repousão e preparão o solo de modo que a sua capacidade productiva não é consideravelmente afectada por esta diversidade de productos preciosos com que a terra recompensa o trabalho e a industria do cultivador esclarecido.

583.º A Italia offerece-nos ainda um proveitoso exemplo de rotação de seis annos, que desejamos fazer conhecer. E' nas proximidades de Parma, e nas ricas terras de alluvião formadas pelo Pó, que se encontra geralmente adoptada a seguinte rotação:

1.º anno, milho grosso e canamo estrumado.

2.º - trigo.

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3.º - favas.

4.º - trigo estrumado.

5.º - trevo enterrado depois do 1.º corte.

6.º - trigo.

584.º Esta rotação, que nos parece muito propria para as lizirias do nosso Tejo, e para os campos do nosso Mondego, é summamente lucrativa, mas é tambem summamente esgotante; e só póde ser aguentada por uma grande energia productiva do solo reforçada periodicamente ou pelos nateiros dos rios, ou por estrumes convenientemente applicados.

585.º Ha ainda afolhamentos de mais longas rotações, mas como os principios estabelecidos, e os exemplos apresentados são sufficientes para guiar o cultivador nos seus ensaios, nós deixaremos de os mencionar para não ultrapassar as raias que nos prescrevemos.

586.º As noções elementares que temos exposto são mais que bastantes para fazer sentir ao agricultor toda a importancia deste objecto, e para o induzir a medital-o profundamente. Em muitos paizes a pratica tem já indicado o caminho que se deve seguir; mas entre nós não acontece infelizmente o mesmo; por isso que os afolhamentos são inteiramente desconhecidos em muitas localidades do reino, e apenas praticados n'um ou n'outro ponto, de modo que pouco se póde aprender dos erros ou dos acertos alheios. E' um melhoramento que precisa introduzir-se, ou um systema que precisa crear-se por meio do tentativas e ensaios prudentemente dirigidos pelas regras da sciencia, e modificados pelo tino pratico do agricultor. A adopção porém deste afamado systema depende essencialmente da adopção simultanea, ou antes previa, de methodos e praticas agronomicas, que só a acção combinada da experiencia e do tempo póde ir gradualmente introduzindo entre nós. Nem se esqueção portanto os nossos agricultores - permittam que inda lho recordemos outra vez - e que sem prados artificiaes, sem gados sufficientes e nutridos nos curraes, e sem estrumes, é impossivel a instituição de bons afolhamentos.

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