CAPITULO XI.
CRIAÇÃO DOS ANIMAES DOMESTICOS.
Introducção.
1892. Este importante ramo de agricultura comprehende a criação, a educação, e o emprego dos animaes domesticos necessarios, ou proveitosos na economia rural. E como não ha lavoura possivel sem criação de gados, nem lavrador que possa prosperar sem ser ao mesmo tempo criador, conhece-se á primeira vista toda a transcendencia deste vastissimo objecto. Os animaes que o homem tem reduzido á domesticidade, são os sustentaculos da granja, os pacientes companheiros, e os incansaveis auxiliares do agricultor, que não lhe pedem em recompensa de seus valiosos serviços mais salario, do que o sustento, e um tratamento amigavel.
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1893. Os animaes mais geralmente utilizados na economia agricola pertencem a tres classes diversas, que são, a dos mamiferos, das aves, e dos insectos. Na primeira temos o gado vaccum e lanigero; o gado cavallar, muar, e asinino; os porcos, as cabras, os cães, e os coelhos; na segunda temos as gallinhas, os gansos, os perús, os pombos, os faisões, etc.; na terceira, finalmente, as abelhas, o bicho da seda, e a cochinilha do nopal.
1894. O cultivador obtem por meio destes animaes - 1.º: motores ou agentes de trabalho - 2.º: productos agricolas, como o leite, as carnes, as substancias gordurosas, as pelles, a lã, as pennas, os ovos, o mel, a cera, a seda, e uma materia colorante - 3.º: adubos destinados a fornecer principios alimentares ás plantas cultivadas.
Meios de melhorar as raças dos animaes domesticos.
1895. Os animaes á maneira das plantas conservam no seu estado selvagem o typo invariavel da sua especie, e experimentam no estado de domesticidade grande numero de transformações organicas, a maior parte das quaes chegam finalmente a transmittir-se pela geração. Elles constituem então o que chamâmos raças, que não são outra cousa senão variedades de uma dada especie que alcançaram ao cabo de algumas gerações uma certa estabilidade, podendo por esta razão reproduzir-se com os mesmos caracteres; taes são, por exemplo, no cavallo a raça arabe, andaluza, normanda; e no boi a raça hollandeza, suissa, etc.
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1896. Ha dois methodos de melhorar as raças dos animaes domesticos por meio da geração; - o primeiro consiste em escolher n'uma mesma raça já distincta os animaes mais perfeitos, para os votar á reproducção; - o segundo, em introduzir o sangue de uma raça mais perfeita n'outra menos perfeita. Pelo primeiro methodo obtemos um melhoramento de casta, sem mistura de sangue estranho ou novo; pelo segundo obtemos um cruzamento de raças, ficando a que delle provém, mais distincta e ennobrecida pelo sangue novo, e estranho da mais perfeita.
1897. Sendo, porém, um principio fundamental da geração, que os ascendentes transmittem á sua prole os seus caracteres individuaes, é claro que em qualquer dos dois methodos que adoptarmos, devem sempre escolher-se para o aperfeiçoamento das raças os individuos mais perfeitos, e aquelles que possuirem em mais alto gráu as qualidades que desejarmos perpetuar. E na verdade, o pae offerecendo o germe, e a mãe o local do seu desenvolvimento, ou, o que é o mesmo, o pae o typo organico, e a mãe os elementos nutritivos, é evidente a influencia que ambos devem ter na reproducção da sua prole.
1898. Os caracteres de uma raça não se transmittem desde logo de paes a filhos; é só depois de algumas gerações que chegâmos a obter este resultado. Os inglezes, que são excellentes mestres nesta parte da zootechnia, suppõem necessarias seis a oito gerações, para que esta transmissão seja completa e estavel, ou para que a raça se possa considerar definitivamente constituida.
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1899. A côr da pelle, os temperamentos, as qualidades instinctivas e moraes, o gosto das carnes, a abundancia da secreção leitosa, tudo se transmitte pela geração.
1900. A côr do pello faz-nos vêr não só a influencia dos ascendentes na geração, mas a verdade de que as raças mais antigas imprimem o seu typo nas mais modernas, fazendo prevalecer as suas principaes qualidades organicas. A côr do pello tem uma certa relação com os temperamentos; e assim como no homem os cabellos pretos são um indicio frequente do temperamento bilioso e muscular, e os cabellos louros do temperamento limphatico e celluloso; assim tambem os cavallos sopa de leite e brancos apresentam uma constituição frouxa, e um caracter timido; e os baios escuros e pretos uma constituição robusta, e uma indole dura e corajosa.
1901. Que os instinctos e qualidades moraes se transmittem, demonstra-o a descendencia dos cavallos arabes, tão intelligentes e dedicados, e a dos cães de caça e de gado; os primeiros, caçadores finos e estrategicos, e os segundos, vigilantes sentinellas na guarda dos gados.
1902. Muitas observações parecem demonstrar, que a abundancia da secreção do leite é transmittida da mãe ás netas, por intervenção do filho: e que as carnes das aves brancas são mais succulentas, e saborosas do que as de plumagem preta.
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1903. Acredita-se tambem, que os machos se assemelham ordinariamente á mãe, e as femeas ao pae - que a mãe influe mais nos orgãos da nutrição, e o pae nas fórmas externas - que as raças dos paizes meridionaes são mais proprias á regeneração das do norte, do que estas á regeneração daquellas - que os cruzamentos só devem praticar-se entre animaes de raças puras e antigas, e não entre animaes de raças mistiças e modernas - que as mães muito novas ou muito velhas, assim como as cançadas por concepções e partos frequentes, ou debilitadas por enfermidades, párem mais machos do que femeas, e as que se encontram em condições contrarias, mais femeas do que machos - que as partes que mais prompta e facilmente se modificam, são os pellos, os cornos, e as unhas; isto é, as que são quasi destituidas de sensibilidade, e que mais se aproximam da organisação vegetal.
1904. No melhoramento das raças deve evitar-se o erro muito commummente adoptado, de querer aperfeiçoar uma pequena raça, por meio de paes de grande corpulencia. O methodo contrario é que deve seguir-se, porque o germen de um animal de grande corpo, não encontra espaço para se desenvolver dentro do utero de uma mãe de acanhadas dimensões. Foi, seguindo este methodo, que os inglezes chegaram a obter raças finissimas. E na verdade, os seus cavallos de casta ou de sangue, os melhores talvez da Europa, provém do pequeno cavallo arabe, e os de tiro das grandes egoas flamengas; e a sua boa raça de porcos dos pequenos varrões chinezes.
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1905. Quando cruzarmos duas raças, procuraremos que tenham entre si bastante analogia, porque de outro modo resultará uma raça mistiça muito inferior ás primitivas, e de caracteres muito disparatados. A raça mais estavel é sempre a mais influente na conformação da prole.
1906. É sabido que a estatura das mães se communica aos filhos quando regularmente tratados, embora procedam de paes de pequenas dimensões, com tanto que sejam de boas raças. E ha tambem observações que fazem crer, que as mães influem mais sobre as propriedades instinctivas e moraes, do que os paes.
1907. São estas as principaes regras que o agricultor deve meditar, a fim de conservar as boas raças, e melhorar as abastardadas. Este objecto deve merecer-lhe o maior cuidado, não só porque a criação e aperfeiçoamento das raças mais distinctas póde em muitos casos dobrar-lhe o valor dos seus gados sem lhe augmentar grandemente as despezas da sua educação; mas tambem porque os animaes, provenientes destas raças, podem ser muito melhores agentes de trabalho e producção, do que os das raças degeneradas.
Preceitos geraes para a alimentação e educação dos animaes.
1908. Uma boa alimentação e uma adequada educação, são duas condições em que assenta o governo bem entendido dos animaes, e que concorrem de uma maneira muito decisiva para o melhoramento das raças inferiores, e para a conservação das mais distinctas. Nada ha mais commum do que enfezar-se um animal novo e bem organizado, por uma má sustentação, ou por falta de cuidados hygienicos; assim como tambem nada ha mais frequente do que transmittirem-se aos animaes as qualidades de que careciam, uma vez que os submettamos a um bom regimen, tanto alimentar, como hygienico. As peiores raças adquirem corpulencia e força em ricas pastagens; e as melhores degradam-se nas pastagens magras.
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1909. Na alimentação dos animaes devemos ligar-nos, quanto fôr possivel, ás regras seguintes:
1910. O sustento deve ser apropriado á sua natureza, á sua idade, á sua constituição, e ao fim a que os destinâmos. Assim os cavallos de carreira devem submetter-se a um nutrimento substancial, mas pouco pezado e volumoso, e pelo contrario os cavallos de tiro e de carga podem alimentar-se com substancias menos nutritivas, debaixo de igual volume e pezo. As vaccas de leite devem sugeitar-se a uma alimentação succulenta e aquosa, sendo nutridos com forragens verdes, raizes, etc. Os animaes de ceva devem ser nutridos com alimentos muito substanciaes e azotados, por serem os que mais favorecem a producção das carnes e gorduras.
1911. As comidas dos animaes novos, e doentes devem ser menos abundantes, e mais frequentes que as dos animaes adultos e sãos. A mistura de pequenas dózes de sal nos alimentos é um meio hygienico muito proprio para lhes manter a saude, e fortificar os orgãos.
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1912. As faculdades nutritivas das diversas forragens, tanto verdes como seccas, devem ser bem conhecidas do agricultor, a fim de poder offerecer aos gados a quantidade indispensavel á sua alimentação. Existem taboas comparativas do valor nutritivo destas substancias alimentares, mas nós não podemos apresental-as aqui. O sustento deve repartir-se em rações iguaes, e estas devem distribuir-se a horas regulares. Estas horas, depois de estabelecidas, nunca devem alterar-se sem ponderosos motivos.
1913. A passagem das forragens seccas para as verdes deve fazer-se gradual e prudentemente, por isso que esta mudança no regimen alimentar, faz uma grande revolução na economia dos animaes. A passagem das forragens verdes para as seccas, ainda que não seja tão perigosa, tambem se deve fazer com parcimonia. Se a forragem fôr muito aquosa, convirá mistural-a com a secca. Sem esta precaução podem acontecer accidentes funestos, e sobrevirem debilidades intestinaes, que enfraquecem muito os animaes.
1914. Nunca as forragens se devem offerecer aos gados recemcortadas, e principalmente as luzernas, os trevos e outras leguminosas, que neste estado produzem meteorismos sempre fataes, se não são rapidamente debellados. Convem deixal-as murchar um pouco, a fim de evitar aquelle inconveniente. As forragens demaziadamente seccas não são tão perigosas, mas podem occasionar obstrucções e inflammações gastricas, e ainda intestinaes. Vê-se por tanto que ambos os extremos apresentam seus inconvenientes, e que estes podem corrigir-se, misturando os alimentos seccos com os verdes.
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1915. O estado da conservação das forragens merece a maior attenção: a sua pouca limpeza, ou o mais pequeno grau de fermentação, podem ser muito nocivos á saude dos gados.
1916. O sólo, o clima, os cuidados hygienicos e a educação, exercem uma influencia incontestavel sobre a conformação, instinctos, e caracteres dos animaes.
1917. Estes agentes, obrando constantemente, modificam as fórmas, transmittem-as, e dão origem á constituição definitiva das raças. Os animaes educados em liberdade, como a maior parte dos cavallos russos, conservam esse amor da independencia, e essa desconfiança que caracterizam as bestas selvagens; os que se educam na cavalhariça, ou no curral, são geralmente doceis, e amigos do homem. Os bons tratamentos tornam os animaes mansos e reconhecidos. - O amor dos animaes é a primeira condição para ser bem succedido na sua criação.
1918. O cultivador deve por tanto evitar com a maior solicitude, que os seus animaes recebam máos tractos da mão de creados duros e barbaros, que se aprazem frequentemente em os atormentar; umas vezes carregando-os além das suas forças, estafando-os em longas e velozes carreiras; outras vezes picando-os e fustigando-os cruelmente; accrescendo a tudo isto os tormentos da fome, do frio e de outras inclemencias das estações. - Creados desta laia, tão duros de coração, e tão desconhecidos aos serviços que os animaes prestam a seus donos, devem ser prompta e irrevocavelmente expulsos.
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1919. Os curraes e as estrebarias devem andar limpos e arejados. Os cuidados da limpeza, e da renovação de ar, são um grande beneficio feito aos gados. A renovação das camas é da maior importancia, não só como meio de salubridade, senão tambem como meio economico para a formação dos estrumes, que alguns agronomos tem calculado no valor da decima parte do sustento do animal.
1920. A limpeza dos proprios animaes é tambem um meio hygienico de que se não deve prescindir: as bestas de tiro e de trabalho carecem de repousar, pelo menos, dezeseis horas, nas vinte e quatro do dia. As fêmeas durante a gravidez ainda precisam de mais descanço, e convem que fiquem isemptas de trabalho, algum tempo antes da época do parto; época que todo o agricultor deve conhecer. Importa não dar de beber aos animaes quando estão fatigados, e preserval-os nos curraes tanto do calor como do frio excessivo.
1921. Finalmente, o criador zeloso deve ter o maior cuidado, quer em prevenir, quer em curar as molestias. Tanto no estabulo, como no curral ha-de sempre haver um recinto apartado para servir de enfermaria; porque um dos preceitos hygienicos, que nunca deve infringir-se, é a separação dos animaes doentes, dos sãos.
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Gado vaccum.
1922. O gado vaccum, este precioso sustentaculo da economia rural, é especialmente destinado a produzir leite, carnes, trabalho, crias, estercos; e além de tudo isto, couros, substancias gordurosas, tripas, etc.: de maneira que o boi, animal da tribu dos ruminantes de cornos oucos, não tem em si, desde as crinas da cauda até aos chifres, cousa que não seja eminentemente prestadía. Tambem em todos os paizes e em todos os tempos tem sido considerado este animal como a mais interessante conquista que o homem conseguíra sobre a natureza. Companheiro do agricultor nos mais duros trabalhos ruraes, elle o auxilia sem descanço, prestando-lhe os mais preciosos serviços. Feliz ainda, quando em paga desses serviços lhe dispensam uma boa alimentação, uma soffrivel cama, e algumas caricias.
1923. Ha algumas emprezas agricolas, que se propõem a obter do gado vaccum todos, ou quazi todos os productos, que acabamos de enumerar; mas ha outras que se dedicam sómente a obter uma parte delles. Nas vizinhanças das grandes cidades, é objecto de grande importancia a producção do leite; e por isso se dá uma geral preferencia a esta industria. No centro de remotas e extensas pastagens devem merecer maior attenção as carnes, as manteigas, os queijos, e as crias. Nas terras lavradias de pasto e lavor, são os estrumes, o trabalho, e os lacticinios os productos que mais se desejam e preferem.
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1924. Nem todas as raças prestam igualmente para estes diversos fins. Para o trabalho escolhem-se as raças de animaes alentados e musculosos que possam vencer fortes resistencias - animaes de peitos e espaduas largas, de garupa reforçada, columna vertebral forte, esqueleto massiço, cascos sólidos, docilidade e intelligencia. A nossa raça do Minho, a Escoceza ou sem cornos, que começa a introduzir-se na Hespanha; a helvetica de Schwitz são excellentes para o trabalho. - Para o talho escolhem-se animaes de grande ventre, soffregos com a comida, de larga e comprida garupa, extremidades curtas, pelle doce ao toque, carnes elasticas cercadas de abundante tecido cellular, estomagos vigorosos, e temperamento socegado. A raça ingleza de Suffolk, que tem apresentado bois de um prodigioso pezo, a de Sommerset, e a raça Escoceza cruzada, conhecida pelo nome de bois de Lord Kintore representados pela estampa antecedente, são todos excellentes para o talho.
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1925. A nossa raça do Minho é tambem preciosa debaixo deste ponto de vista. - Para a producção de leite escolhem-se vaccas de figura desengraçada, com a parte posterior do corpo mais forte do que a anterior, de ventre largo e inferiormente amplo, cabeça e pescoço delgados, pernas curtas, pello lizo e fino, cauda longa, cornos luzentes e delgados, uberes grandes, molles e pendentes, vasos subventraes grossos. A estes signaes poderiam ainda ajuntar-se os que são tirados da diversa disposição do pello, comprehendido entre os uberes e a vulva; signaes ultimamente observados por Guenon, e que podem ser estudados nas obras especiaes. A raça hollandeza, representada na estampa que apresentâmos - a raça de Jersey conhecida em Inglaterra pelo nome de raça de Alderney, e a nossa raça molar, são bons typos para vaccas leiteiras.
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1926. Não é n'um trabalho da natureza do nosso que podem descrever-se as diversas raças de gado vaccum, mais geralmente conhecidas na Europa. O que os nossos agricultores principalmente precizam, é conhecer as mais notaveis do nosso paiz, quer indigenas, quer naturalizadas.
1927. Estas raças são a minhota, a transmontana, a hollandeza, a algarvia, a gallega, e a ribatejana.
1928. Os bois da primeira raça são corpulentos, musculosos e excellentes, tanto para o trabalho, como para o engordo. A côr do pello é umas vezes castanha escura, outras vezes preta, e outras finalmente, côr de mel: a cabeça grande, os cornos arqueados, as espaduas e os peitos largos, a barbella pendente e a cauda muito fornida de crina. As vaccas desta raça podem empregar-se nos trabalhos do campo, dão pouco leite, mas muito substancial e gostoso.
1929. A segunda raça, ou a transmontana é muito propria, não só para os trabalhos agricolas, mas tambem para a producção do leite. Ainda que os bois desta raça não sejam tão corpulentos como os da primeira, são todavia, muito rijos e vigorosos. As vaccas, porém, são muito leiteiras, muito estimadas no reino, e geralmente conhecidas pelo nome de molares. É nas abas do Marão que se encontram em toda a sua pureza. Apresentam pello castanho escuro, cabeças pequenas e bem feitas, e cornos curtos. São de muito alimento, e quando andam bem tratadas chegam, algumas, a dar oito canadas de leite, e a maior parte dellas tres a quatro canadas. O leite contém muita materia manteigosa e caseosa.
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1930. A raça hollandeza, de que a turina é apenas uma variedade, apresenta pello malhado de castanho claro, de branco e de preto; cabeça pequena mais comprida do que larga, cornos finos, curtos e incurvados para a frente, pescoço e tronco descarnado, espinha alongada e alteada posteriormente, curvilhões e joelhos pouco grossos, uberes volumosos, secreção leitosa muito abundante e sorosa.
1931. A raça algarvia, conhecida pelo nome de vaccas anãs do Cabo de S. Vicente, apresenta uma estatura muito pequena, fórmas muito regulares, olhos grandes e vivos, pontas curtas, e uberes assaz desenvolvidos. Os bois desta raça, pouco maiores do que um jumento, são muito mansos e diligentes no trabalho, e as vaccas muito leiteiras.
1932. A raça gallega distingue-se pelos seguintes caracteres: testa larga, pontas incurvadas para diante, figura triste, pello basto e comprido, e cauda pouco fornida de crinas. É sóbria, esforçada no trabalho, e accommoda-se com todo o alimento. Esta raça está espalhada por quasi todas as nossas Provincias.
1933. A raça ribatejana parece ser um resultado da raça gallega e da estremenha hespanhola. É esforçada e valente, apresenta mediana estatura, collo levantado, olhos vivos, chifres arqueados e revirados para cima, garupa reforçada, curvilhões grossos, esqueleto forte, pello quasi sempre castanho, e algumas vezes preto. É brava, pouco docil, e mais apropriada ao trabalho do que ao engordo, e á producção do leite.
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Modo de alimentar e tratar o gado vaccum.
1934. Ha duas maneiras de alimentar o gado vaccum, uma é no estabulo, e outra no pasto.
1935. Ambos estes modos de alimentação podem ter as suas vantagens relativas, mas o systema estabulario é em geral immensamente preferivel. Eis aqui as vantagens deste systema. O gado é melhor e mais regularmente nutrido, e goza por esta razão de mais saude - tanto a producção do leite, como a dos estrumes é mais abundante - as crias são mais vigorosas e vividoiras - evitam-se as molestias contagiosas que se adquirem na pastoria - o gado tem mais duração e muito mais vigor no trabalho - quando cançado engorda-se mais promptamente, rendendo por tanto muito mais quando se vende para o açougue - as raças aperfeiçoam-se efficazmente por este systema - as terras andam melhor adubadas e fabricadas, e podem submetter-se a cultura alterna.
1936. Este systema, porém, não póde pôr-se em prática sem a coexistencia de prados naturaes e artificiaes, de bons estabulos, e de moços intelligentes e cuidadosos que tratem o gado com methodo e regularidade.
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1937. O systema do pasto tem tambem suas vantagens peculiares, sendo as principaes as seguintes: - economizam-se a ceifa das forragens e as despezas da sua colheita - precizam-se menos moços para o tratamento dos gados - ha menos cuidados com a sua sustentação. - Estas vantagens, porém, desapparecem, na maioria dos casos, perante os inconvenientes deste systema, que são o abastardamento das raças, a mortandade annual de um grande numero de cabeças, e principalmente das crias durante os invernos rigorosos, a perda dos estrumes, e a diminuição de todos os productos deste gado. Donde se collige, que só onde a estabulação fôr impraticavel, ou onde os partos naturaes forem abundantes e baratos, se deve preferir o systema da pastoria.
1938. Na alimentação do estabulo devemos seguir as seguintes regras: - Dar forragens verdes aos animaes o maior espaço de tempo possivel: para isto é mister ter muitos e variados prados - misturar as forragens verdes com as seccas - passar gradualmente de uma para outra alimentação - durante o tempo chuvoso cortar as forragens seccas para melhor as misturar com as verdes - abster-se cuidadosamente de offerecer ao gado a luzerna, o trevo e outras forragens verdes apenas acabadas de cortar, porque produzem a molestia perigosa do meteorismo, conhecida pelo nome vulgar de mal de empanturrado - não fazer grandes montes de forragens verdes para que não aqueçam e fermentem - dar as forragens de cada penso pouco e pouco para que se não estraguem - não pôr grandes intervallos entre os pensos, mas os necessarios á digestão da comida - dar os pensos a horas certas e determinadas.
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1939. Estes dois ultimos preceitos são da mais alta importancia, não só para submetter as funcções digestivas á regularidade e poder do habito, mas tambem para dar tempo a que a ruminação se effeitue. Esta operação consiste na segunda elaboração que os alimentos soffrem antes de entrar nos dois ultimos estomagos do animal. O boi tem quatro estomagos como deixa vêr a estampa adjuncta; a saber: - a pansa (p) - o barrete (b) - o entrefolho, ou folhoso (f) - e o coagulador (c).
1940. Logo depois da masticação os alimentos entram no esophago (e) que é um canal que estabelece a communicação entre a bocca e os tres primeiros estomagos do boi; deste canal passam para o primeiro estomago, ou para a pansa, especie de sacco aonde são submettidos a uma activa maceração; este orgão contrahindo-se fal-os passar para o barrete, aonde soffrem nova preparação: do barrete tornam outra vez ao esophago, e deste canal para a bocca, aonde são novamente triturados e insalivados; da bocca passam finalmente para o entrefolho, donde, depois de nova elaboração, entram no coagulador, que é o estomago propriamente dito, encarregado da chimificação. Vê-se por tanto, que sendo a digestão nos ruminantes uma funcção mais complicada do que nos outros animaes, é mister conceder-lhe mais tempo para que possa completar-se, devendo por esta razão ministrar-se os pensos a horas determinadas, e com intervallos sufficientes.
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1941. As melhores forragens verdes para o gado vaccum, são a luzerna, o trevo, o esparceto, a herva vaqueira, o azevem, o milho, o centeio, a cevada, as betarrabas e os nabos. As forragens seccas são todas as qualidades de feno, e as palhas de trigo de cevada e de aveia.
1942. Na alimentação do gado no pasto, cumpre observar os preceitos seguintes: - recolher os rebanhos nos curraes e arribanas durante as noites frias e chuvosas - não levar o gado ao pasto em tempo de geadas senão depois de haverem sido dissipadas pelo sol; sendo então muito conveniente dar ao gado antes da sahida para o campo um pequeno mólho de feno - trazer o gado de inverno nas pastagens altas, e guardar as baixas e humidas para o estío - guardar cuidadosamente os invernadouros para que a comida não falte na estação mais adversa ao gado - ter antes pastagens do que gado de mais - repartir as pastagens extensas em muitas divisões, para ir successivamente passando os gados de umas para outras, impedindo deste modo que os animaes divaguem pelo campo, e talem mais com os pés do que aproveitem com os dentes.
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1943. No tratamento do gado vaccum, quer o alimentemos no campo, quer no estabulo, devemos seguir os seguintes preceitos: - não offerecer aos animaes agua que não seja pura, dando-lhes de beber duas vezes ao dia durante a alimentação secca, e uma unica vez durante a verde, e isto só quando estiverem descançados - dar-lhes de tempos a tempos alguma porção de sal misturado com o alimento para lhes aguçar o appetite, e augmentar as forças digestivas - trazel-os limpos e aceiados, empregando para este fim a almofaça e a brussa - renovar frequentes vezes as camas, e varrer os estabulos ou as arribanas - evitar os máus tractos, castigar raras vezes, e sempre com justiça, ensinal-os e domal-os com meiguices e carinhos.
Copula, gestação e parto.
1944. O touro está apto para a copula na idade de dezoito mezes a dois annos e meio, e a vacca na idade de anno e meio a dois annos, segundo as raças.
1945. O touro deve ser bem proporcionado, de olhar fero, de attitude e marcha nobre, pescoço musculoso e levantado, espaduas e peitos amplos, garupa robusta e cauda comprida. A vacca de criação deve ter a cabeça e os chifres pequenos, os olhos vivos, o peito largo, a bacia ampla, os ilhaes compridos, os uberes volumosos, e a indole mansa e docil.
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1946. Um touro póde cobrir quarenta vaccas, e mesmo sessenta, e em alguns casos mais: póde padrear durante quatro a cinco annos. A vacca póde receber o touro em quanto tiver cio, o qual dura por cada vez de um a dois dias, e ordinariamente até aos dez annos. O cio conhece-se pelos saltos que a vacca dá acima das outras, pela sua inquietação e mugidos, e pelo entumecimento dos orgãos genitaes.
1947. Durante a prenhez ou gestação que dura de quarenta a quarenta e uma semanas, importa que a vacca seja bem nutrida, pouco trabalhada e tractada com muito desvelo. O parto annuncia-se pelo augmento do volume das mamas, pelo entumecimento da vulva, pela anciedade da vacca, pela mudança contínua de posição, ora, levantando-se, ora deitando-se, e finalmente, pelo apparecimento das dores.
1948. Logo que se percebem estes signaes deve preparar-se uma boa cama á parturiente, quer no estabulo, quer na arribana. As vaccas parem umas de pé, e outras deitadas. A primeira cousa que apparece é o sacco das agoas, e alguns instantes depois a cabeça do vitellinho que deve repousar sobre as suas mãos, se a apresentação fôr natural. Ordinariamente, depois do nascimento da cria, rompe-se espontaneamente o cordão umbellical; mas quando isto não acontece, corta-se uma mão travessa abaixo do umbigo. Após da cria vêm as secundinas que terminam o trabalho do parto. Dão-se então á vacca algumas beberragens de farinha tepidas; e apresenta-se-lhe a cria para que a lamba; e para lhe augmentar este prazer natural, salpica-se a pelle do filhinho com farellos e sal.
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1949. Ha duas maneiras de amamentar os vitellinhos, e são a amamentação natural e a artificial. Na primeira, se as vaccas andam a pasto, e se não queremos aproveitar o leite, não ha nada a fazer senão deixar ao instincto da mãe e do filho a conservação deste ultimo, mas se a vacca fôr nutrida no estabulo, então deve chegar-se-lhe a cria de tres a cinco vezes por dia, tendo o cuidado de lhe mungir todo o leite depois que o vitello mamára.
1950. Na amamentação artificial, que é muito mais vantajosa para a mãe e para o filho, importa que este seja separado della, offerecendo-lhe tres ou quatro vezes por dia o leite maternal acabado de ordenhar, e que se recolhe para esse fim n'um pequeno balde munido de um tubo em fórma de bico, a cuja extremidade se adapta uma mamadeira de couro, a favor da qual a cria chupa o leite como se fosse das têtas da mãe. Quando as crias se destinam ao talho, basta que mamem um mez a mez e meio, mandando-as no fim deste tempo ao açougue; se, porém, as destinâmos ao trabalho, ou á producção do leite, devem mamar cêrca de quatro mezes. Os alimentos que se lhe offerecem logo depois de desmamadas, devem ser sadios e de facil digestão. O aceio, a limpeza e uma boa cama, são condições indispensaveis ao seu bom desenvolvimento.
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1951. A melhor época de castrar os bezerros, é durante a amamentação, por ser então que a operação não apresenta o menor inconveniente; mas a idade mais ordinaria de os capar é a dos dois annos; começando ainda mais cedo a acostumal-os aos trabalhos do campo, submettendo-os ao jugo sem os escandalizar, e ensinando-os a deixarem-se ferrar.
1952. O leite, quer em especie, quer manipulado, é um producto de grande valor, e ha muitos criadores que vivem sómente desta industria. Para que ella seja, porém, proveitosa, é mister em primeiro logar escolher as vaccas mais leiteiras, e em segundo logar alimental-as larga e convenientemente. Uma boa vacca de leite precisa ser educada neste intuito logo desde a sua mocidade, e principalmente desde o seu primeiro parto - precisa habituar-se ao ordenho, que deve ser feito, espremendo suavemente a têta, e nunca aos repellões, que, offendendo o animal, fazem com que supprima e retenha o leite - e precisa finalmente de muita limpeza, de muito repouso, de grande agasalho, e de um tratamento affavel.
1953. Sabe-se que o leite das vaccas novas é mais soroso do que o das idosas, e o destas mais grosso que o daquellas - que o proveniente do ordenho da tarde é menos natento que o da manhã, assim como que o ultimo que sahe dos uberes é melhor que o primeiro. No ordenho das vaccas deve haver o maior aceio, devendo a pessoa encarregada desta operação lavar os uberes do animal, as vasilhas do leite, e mesmo as suas proprias mãos antes de proceder a ella. Nada é tão necessario como ordenhar as vaccas até á ultima gôta de leite, porque se assim não praticarmos, o leite vae progressivamente diminuindo, pela acção absorvente das glandulas, que o fazem novamente entrar na corrente da circulação.
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1954. Conhece-se a idade do gado vaccum, pelos dentes e pelos cornos. O boi tem ao todo trinta e dois dentes, vinte e quatro molares, e oito incisores: estes ultimos sómente apparecem na maxilla inferior, sendo a superior delles destituida, e apresentando no seu logar um borrelete carnoso formado por uma pelle dura e espessa. Os oito dentes incisores começam a cahir passado um anno, e cahem até aos quatro ou quatro e meio; dois em cada um anno: sendo substituidos por outros mais brancos e cortantes, que se gastam, amarelecem, e se abalam á medida que o animal envelhece.
1955. Os cornos fornecem tambem indicios da idade do animal, pelos anneis que se formam todos os annos, a contar do quarto por diante, de modo que juntando ao numero dos anneis o numero tres, teremos a idade do animal. Estes anneis são nas vaccas um indicio inda mais certo do numero dos partos que tem tido, do que da idade.
Gado lanar.
1956. Um rebanho de gado lanar ou ovelhum, é em o nosso paiz um grande manancial de riquezas agricolas e industriaes, e uma condição indispensavel para a prosperidade da grande cultura.
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1957. Os lavradores da maior parte dos districtos do reino, tem reconhecido praticamente que este gado, da familia dos ruminantes, é o principal sustentaculo da economia rural. E na verdade elle subministra excellentes adubos ás terras; adubos preciosos, que em algumas localidades são calculados na metade do valor do sustento das ovelhas; produz numerosas crias que dão para o resto do seu costeamento, e finalmente, os queijos e a lã que se consideram como o producto liquido desta industria pecuaria.
1958. As numerosas raças de carneiros hoje existentes na Europa, comprehendem-se todas em dois grupos distinctos - carneiros de lã frizada, e carneiros de lã liza. Os primeiros apresentam um vello engrenhado, disposto em madeixas onduladas, formadas por filamentos mais ou menos finos - são animaes de mediana grandeza, muito delicados, que prosperam nos pastos aromaticos e seccos, e nos terrenos arejados e sãos: e que adoecem e morrem nos pastos humidos, e nos terrenos habitualmente encharcados. Os segundos tem um vello desembaraçado e lizo, disposto em melenas longas e luzidias, formadas por filamentos geralmente grosseiros; mas que podem tornar-se muito finos nas raças aperfeiçoadas: são menos delicados que os primeiros, e até apresentam uma certa rusticidade de constituição, que os torna até certo ponto insensiveis ás intemperies das estações.
1959. As tres raças de gado lanigero mais afamadas na Europa, são a raça dita de Texel ou de Flandres, de vello lizo, longo e filamentoso - a raça conhecida em Inglaterra pelo nome de South Downs, representada na figura adjuncta - e a conhecida em Hespanha pelo nome de merina.
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1960. Os carneiros de primeira raça são igualmente estimados pela sua carne, e pela sua lã. Os da segunda, são excellentes para o talho, engordam prodigiosamente; e a sua carne é deliciosa - chegam a pezar, quando cevados, de sessenta e quatro a oitenta e oito arrateis; e nas exposições agricolas inglezas tem chegado a apparecer carneiros South Downs, cuja carne tem pezado cento e sessenta e oito arrateis. Tambem o seu preço é exorbitante; e em 1839 chegaram em Inglaterra a vender-se dois para o Imperador da Russia, e dois para o Duque de Bedfort, por tres mil cruzados cada um. Hoje, porém, já se obtem por dez a vinte libras esterlinas. Os da terceira raça, ou os merinos, que representa a seguinte figura, são de estatura mediana, de carne pouco saborosa, mas de uma lã finissima.
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1961. Estes carneiros foram introduzidos na Allemanha na primeira metade do seculo precedente, e em França em 1766; e tendo nestes paizes servido ao cruzamentos das raças indigenas, aperfeiçoaram-as de uma maneira admiravel. E na Saxonia esta perfeição foi tal, que as suas lãs são hoje muito preferidas ás lãs hespanholas dos rebanhos transumantes.
1962. A introducção em o nosso paiz dos carneiros South Downs e merinos, é instantemente reclamada pelos interesses agricolas e industriaes do reino. As nossas raças de gado ovelhum, andam tão degeneradas, que se as não cruzarmos, acabarão por ter um valor muito diminuto. Mas é bom que os nossos lavradores saibam, que estes melhoramentos não se obtem senão por meio de cruzamentos successivos, empregando constantemente paes de raças genuinas, e não paes mistiços, provenientes destas raças e das que queremos cruzar - e que saibam tambem, que todos estes esforços ficam baldados, senão forem auxiliados por uma alimentação e regimen adequado; porque, como diz o nosso rifão, a fome e o frio faz o gado gallego.
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1963. Ordinariamente ao cabo de quatro ou cinco cruzamentos conseguimos obter o aperfeiçoamento da raça. Á quarta ou quinta geração já não é facil distinguir a raça mistiça da raça pura: mas é preciso castrar sem excepção todos os cordeiros dos tres primeiros cruzamentos, e não empregar como paes senão os carneiros da raça genuina, ou do sangue puro, por estar demonstrado que os carneiros mistiços, provenientes dos primeiros tres ou quatro cruzamentos abastardam a casta, trazendo-a de novo ao typo de degeneração primitiva.
1964. Além deste methodo poderiamos ainda aperfeiçoar algumas das nossas raças pelos individuos mais perfeitos dellas sem introducção de sangue novo; mas nem de uma, nem de outra cousa se tem geralmente cuidado no reino.
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Alimentação e governo do gado ovelhum.
1965. O systema estabulario não se pode applicar a este gado com vantagem quando se cria em ponto grande; apenas os carneiros paes, ou aquelles que desejamos cevar para o talho, poderão conservar-se constantemente no curral e serem ahi alimentados. Entre tanto os curraes são sempre necessarios, não só porque ha algumas occasiões, tanto no inverno como no estio, em que é indispensavel resguardar as ovelhas das intemperies atmosphericas, dos grandes calores, dos frios, das neves, e das grandes e continuadas chuvas; mas tambem porque durante a maior parte das noites do anno é conveniente fazel-as dormir nos cutraes, ainda que não seja senão para aproveitar os estrumes.
1966. A alimentação no pasto é a mais natural e economica para esta especie de gado, que aproveita muito bem as pastagens curtas e rasteiras, e gosta de andar sempre ao ar livre; e tanto que nas nossas provincias do sul, e particularmente no Algarve, até o fazem dormir constantemente no campo. Esta prática, porém, é, segundo as localidades, mais ou menos reprehensivel; porque as noites tempestuosas, os asperos dias de inverno, as geadas as chuvas e os orvalhos das madrugadas dizimam severamente este gado debil e descoroçoado de si; o que deve induzir-nos a fazel-o pernoitar nos curraes e nas alpendradas durante os rigores das estações. E como não são sómente as asperezas do inverno, mas ainda os grandes calores do estio, quem o incommodam mortalmente, é por isso tambem indispensavel trazel-o nas horas mais quentes do dia para debaixo do curral, se na pastagem não houver matos ou arvoredos, que o protejam com as suas sombras.
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1967. Mas quando mesmo as ovelhas pernoitarem nos campos, devem juntar-se nos bardos ou nos rediz, não só para se agazalharem umas ás outras, mas tambem para estercarem o terreno e ficarem melhor defendidas dos animaes carnivoros, seus incessantes inimigos. Esta dormida nos bardos ou nos rediz, consiste em fazer reunir durante a noite o gado ovelhum em pequenos espaços, ordinariamente quadrados e circumlimitados por algumas redes, ou simplesmente por cordas prezas a um certo numero de estacas, ou finalmente, por uma especie de sebe de mato secco. O terreno destes bardos, que se vão todas as noites mudando, fica por tal modo adubado, que póde dar em dois annos successivos excellentes cearas de trigo, uma vez que se tenha tido a previdencia de enterrar os estrumes immediatamente que forem depostos no sólo. Esta prática é de tanta utilidade, que nenhum lavrador diligente deve deixar de abraçal-a, no certeza de que as ourinas e os mais excrementos da ovelha são o melhor adubo com que podem enriquecer os seus terrenos.
1968. O governo deste gado no pasto deve ser dirigido pelas seguintes regras: - Devem evitar-se com o maior cuidado as pastagens humidas, principalmente durante o inverno e primavera, na certeza de que são prejudicialissimas á saude das ovelhas, e a causa mais frequente de epizootias ou enfermidades epidemicas. - Deve haver uma transição gradual da alimentação secca para a verde. - Quando as pastagens se acharem cobertas pelas geadas e pelos orvalhos, é preciso fugir de apascentar ahi as ovelhas, para evitar o meteorismo e outras doenças; e então, ou devem conservar-se na alpendrada até que o sol tenha dissipado aquellas humidades, ou devem trazer-se nas pastagens seccas e altas, para serem depois conduzidas para as baixas á crescença do dia. - As agoas que se offerecerem ás ovelhas devem ser puras, quanto seja possivel. - Convem trazel-as á sombra durante os maiores ardores do sol. - Os rebanhos devem ser guiados de vagar, principalmente quando subirem collinas, e quando descerem por terrenos escabrosos. - Nos terrenos destinados ás pastagens das ovelhas é conveniente que haja altas e baixas pastagens; as primeiras para o inverno e primavera; as segundas para o outomno e verão. Não se devem percorrer com os rebanhos grandes extensões de terreno, para não enxovalhar e destruir as pastagens; antes é necessario que o gado se limite diariamente áquella porção de terreno que lhe podér fornecer uma sufficiente alimentação. - O uso de limitar estes terrenos por meio de cancellas móveis, é muito economico e digno de ser geralmente adoptado. - É preciso ter sempre empalheiradas algumas forragens para alimentar o gado no curral, quando fôr indispensavel recolhel-o ahi para o preservar dos rigores do tempo. - Como o sal é muito conveniente á saude dos carneiros, importa que de oito a oito dias lh'o offerecamos no curral; tem-se calculado que a dóze de uma onça, é semanalmente sufficiente para cada uma cabeça de gado. - É mister que o curral ande sempre limpo e aceiado: a existencia de bancos de madeira levantados um ou dois pés acima do chão, e dispostos no sentido longitudinal do mesmo curral, é um meio excellente para que as ovelhas se não amontoem umas sobre as outras, para que repouzem, e se enchuguem á sua vontade, e para que a lã se conserve limpa.
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1969. Os criadores de gado ovelhum devem procurar, a todo o custo, bons pastores, bons cães e bons curraes. Os pastores devem possuir os conhecimentos e a experiencia propria de seu officio; devem ser diligentes, probos, fieis e zelosos da prosperidade do rebanho. Os cães de gado devem ser intelligentes e sollicitos na defeza e guarda do rebanho; devem obedecer á voz do pastor e não tratar mal as ovelhas; e se acaso reunirem todas estas qualidades, são de um valor inestimavel. Os curraes devem ter as condições que já indicámos; devem ser espaçosos, seccos, arejados, quentes de inverno, e frescos de verão, e quando a sua construcção satisfizer a estes requisitos, poucas cousas poderão concorrer tão poderosamente para a boa conservação e saude dos rebanhos.
Cobrição, gestação, e parto.
1970. É preciso que o agricultor saiba escolher tanto os carneiros como as ovelhas proprias para casta. - Os carneiros devem ser vigorosos e valentes, ter a cabeça grossa, a testa espaçosa, as orelhas longas, os olhos grandes e vivos, o tronco robusto, as pernas curtas, os testiculos grossos, a lã comprida e adherente á pelle, e a andadura viva. As ovelhas devem ter o corpo grande, as espaduas largas, o pescoço carnoso, o ventre amplo, a estatura alta, a lã comprida, lustrosa e fina, as pernas curtas, e a cauda espessa.
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1971. As ovelhas não devem julgar-se em estado de receber o macho antes de terem completado um anno; porque só então é que se acham completamente formadas. A epoca mais favoravel da cobrição é a do mez de outubro, para que os cordeiros venham por todo o mez de fevereiro, por ser então que os frios começam a abrandar, e as pastagens a reverdecer.
1972. A cobrição pode ter logar ou livremente, ou á mão: no primeiro caso ou se introduzem os carneiros nos rebanhos das ovelhas na proporção de 3 ou 4 machos para cada 100 femeas; ou então andando juntos os carneiros com as ovelhas todo o anno, o que tem graves inconvenientes, deixa-se o cuidado da reproducção ao instincto natural destes animaes: no segundo caso apresentam-se as ovelhas, quando estão com o cio, uma a uma aos carneiros de casta que mais lhe convem. Cada um destes carneiros póde fecundar até oitenta ovelhas, em quanto que os que andam soltos com os rebanhos sómente podem cobrir metade deste numero. Esta pratica, muito pouco usada em o nosso paiz, mereceria adoptar-se em alguns casos pelo grande aperfeiçoamento que introduz nas raças.
1973. As ovelhas devem ser tratadas com grande cuidado durante a prenhez, que dura 21 semanas e alguns dias, ou o tempo medio de 150 dias. Se quizermos ter cordeiros robustos logo á nascença é mister dar bastante alimento ás mães, não as fatigar com grandes caminhadas, evitar que soffram fortes apertos á entrada do curral ou nos caminhos estreitos, e não consentir que as conduzam aos pastos humidos, ou aos campos cobertos de geadas ou de neve.
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1974. A approximação do parto reconhece-se pelo entumecimento dos orgãos genitaes, e pela secreção mucosa que de si lançam; bem como pelo desenvolvimento dos uberes, pela inquietação do animal, e ultimamente pelo apparecimento do sacco das agoas. Se a apresentação fôr natural, o cordeirinho deixa ver primeiramente os membros anteriores, com os quaes rompe o sacco das agoas, e depois delles a cabeça. Quando o cordeiro nasce envolvido no sacco é necessario rompe-lo immediatamente para que não pereça. Logo depois do parto apresenta-se a cria á mãe para que a lamba e a reconheça. Algumas ovelhas não querem deixar mamar as crias, e neste caso é preciso obrigal-as a que se prestem a este dever maternal.
1975. É então que o pastor precisa redobrar de actividade e vigilancia para que as crias não soffram nem fome, nem frio, nem extravios, ou outro algum incommodo que possa ser evitado. Quando algum cordeirinho nasce morto, ou quando morre algum tempo depois de nascido, obriga-se a mãe a servir de ama ou ás crias mais fracas, ou ás gemeas, ou ás que perderam a sua propria mãe.
1976. Nas cabanas dos merinos hespanhoes concede-se sempre a cada cordeiro duas mães: esta pratica deve seguir-se sempre que se quizerem aperfeiçoar as raças.
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1977. Á medida que os cordeiros avançam em idade começam a precisar de mais nutrimento; e então, se o pasto lho não subministra facilmente, é preciso proporcionar-lho no curral ou nos cercados. Na idade de duas a tres semanas já os cordeiros começam a comer forragens e a beber agoa, e na edade de dez, doze, e quando muito dezeseis semanas, já podem e devem desmamar-se.
1978. É então que se separam das mães, e ficam formando um rebanho á parte, que não carece de tantos cuidados como o das ovelhas.
1979. Na idade de 5 a 7 mezes deve proceder-se á castração, operação que se faz por dois processos diversos, ou por meio da resecção, ou por meio da ligadura.
1980. É de março ou de abril por diante que se ordenham as ovelhas e se fazem os queijos, durando esta manipulação quasi sempre até agosto.
1981. A tosquia da lã tem logar ordinariamente no mez de maio. Este producto, o mais importante por certo de gado ovelhum, varia muito tanto na qualidade como na quantidade. A lã póde ser fina, entrefina, e grosseira: ha diversos instrumentos pelos quaes se avalia exactamente a sua qualidade. A quantidade da lã fornecida por qualquer carneiro é tambem muito variavel: ha vellos de 6 até 20 libras. Os hollandezes, que transportaram para o seu paiz as ovelhas das Indias orientaes, obtem de cada carneiro para cima de 20 libras de uma excellente lã. O mesmo acontece em Inglaterra com algumas das suas excellentes raças.
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1982. Os carneiros são animaes ruminantes como os bois. Tem uma natureza debil e uma constituição delicada. Vivem de 10 a 15 annos, e são sujeitos a muitas enfermidades.
1983. A idade deste gado conhece-se melhor pelos dentes do que pelos cornos. O cordeiro apresenta, quando nasce, ou algum tempo depois do seu nascimento, oito dentes incisores. No fim de um anno a dezoito mezes perde os dois dianteiros, que são substituidos por outros; aos dois annos até dois annos e meio cahem os dois immediatos a estes; e depois os outros dois no anno seguinte; e finalmente os dois restantes aos quatro annos até quatro e meio. Todos estes dentes de leite são substituidos por outros, que presistem até ao fim da vida do animal, e que vão successivamente tornando-se amarellos, e descarnando-se, até que finalmente cahem.
Gado cavallar.
1984. O cavallo, da familia dos solipedes, é o mais nobre e o mais formoso dos nossos animaes domesticos. Antigo companheiro do homem na guerra e nas viagens, nos trabalhos agricolas e industriaes, e submettido á domesticidade desde os tempos patriarchaes, apparece este formoso bruto em toda a parte onde a civilisação tem penetrado. Originario da Asia, veio dahi para a Africa e para a Europa, e foi ultimamente transportado para a Nova Hollanda e para a America, onde entrou de novo na vida selvagem, apparecendo em bandos numerosos e errantes, conduzidos por um chefe, o mais possante individuo do bando, que os guia quer nas excursões, quer nos combates com uma pericia e valor admiravel.
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1985. Tanto a influencia dos diversos climas, como o cruzamento das differentes variedades da especie equina tem produzido raças muito variadas. Entre estas as principaes são: 1.º o cavallo arabe, que passa por ser a mais bella e veloz das variedades cavallares, dotado de um temperamento ardente e de uma fidelidade proverbial; e caracterisado pela belleza da sua cabeça, pela fórma regular das suas espaduas e da sua garupa, e pela excellente propriedade de melhorar todas as raças com que se cruza; 2.º o cavallo inglez, velocissimo na carreira, alto de pernas, comprido de corpo e pescoço, e oriundo do cavallo arabe, e por elle regenerado desde o tempo das cruzadas; 3.º o cavallo persa, muito analogo ao arabe, de quem procede, bello e corajoso como elle; 4.º o cavallo andaluz, oriundo tambem, segundo se crê, do arabe cruzado com a raça barbaresca, e munido de cabeça acarneirada e um pouco grande, de pescoço largo, arqueado e coberto de longas e ondeadas clinas, de pellagem fina e luzente, de cauda longa e espessa, docil e garboso nos movimentos, esforçado e corajoso nos combates; 5.º o cavallo normando, corpulento, musculoso, e proprio principalmente para besta de tiro.
1986. A nossa raça de Alter, posto que não seja tão corpulenta nem tão bella nas fórmas como a andaluza, é, todavia, muito mais dura e valente do que ella. - As tentativas feitas ultimamente em Mafra, no intuito de apurar as raças de cavallos, é provavel que sejam coroadas de felizes resultados, attento o cuidado e a intelligencia com que os cruzamentos hão sido dirigidos.
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1987. As nossas manadas de egoas ribatejanas andam muito abastardadas: quasi todos os cavallos de tiro empregados nas seges de aluguel da capital são procedentes dellas: é uma raça de pequena estatura, de fórmas pouco regulares, mas muito valente: e seria para desejar que fosse regenerada por cruzamentos de boas raças, principalmente da arabe e andaluza.
1988. O nosso antigo systema das caudelarias era muito oppressivo para os lavradores; mas abolil-o sem lhe substituir outro mais racional foi um erro administrativo de que se soffrem já as consequencias.
1989. Posto que o cavallo seja para o agricultor menos util do que o boi, todavia, como objecto de especulação e como meio de transporte, deve occupar um logar bastante distincto na casa rustica.
1990. As primeiras qualidades do cavallo são a docilidade e a valentia. - O cavallo de sella deve ter uma estatura regular, uma bella apparencia, olhos vivos, movimentos garbosos, ventas largas, quartos dianteiros enchutos e ageis, cabeça pequena, e quasi perpendicular, pescoço levantado, quartos trazeiros reforçados e proporcionaes, bons cascos, bastante coragem, e inteira docilidade. - Os cavallos de tiro e de carga não precisam de fórmas tão esbeltas e regulares, e devem apresentar os quartos dianteiros grossos e reforçados, garupa cheia, dorso curto e pouco arqueado, membros ossudos, cascos largos, luzentes e duros, movimentos soltos e faceis, e mais valentia muscular do que fogo. O cavallo andaluz póde considerar-se como um dos melhores typos do cavallo de sella, e o normando como o melhor dos cavallos de tiro.
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1991. As qualidades do cavallo de lançamento são as seguintes: perfeição das fórmas typicas da sua raça, que deve ser de sangue puro, saude perfeita, robustez, idade de 5 a 14 annos, coragem, docilidade, estatura conveniente e em proporção com a da egoa. - As qualidades da egoa de criação são uma boa ascendencia, uma concepção facil, uma estatura regular, costellas arqueadas, ventre amplo, saude vigorosa, idade de 4 a 12 annos, e boa secreção leitosa.
1992. A egoa só deve ser coberta quando estiver no maior calor do cio: este estado manifesta-se pela perda do apetite, pelo frequente rinchar do animal, pela sua inquietação, e pelo entumecimento e contracções dos orgãos genitaes exteriores. O cio dura 3 a 4 dias. A epoca da cobrição é na primavera. Cada cavallo de lançamento póde cobrir de 40 a 50 egoas em cada anno.
1993. Ha duas especies de lançamento, um á mão, e outro livre: tanto n'um como n'outro é preciso desferrar as egoas, e trazer os cavallos muito bem nutridos e tratados. É sempre conveniente que as egoas tenham a mesma côr dos cavallos, e muito pouca differença na estatura e nas fórmas. Conhece-se que as egoas conceberam pela cessação do cio. O tempo da sua prenhez é de 11 mezes e alguns dias. Convem desmamar os potros no 6.º ou 7.º mez. Sendo criados no estabulo devem costumar-se a comer forragens antes de serem desmamados. Sendo, porém, criados no campo e em manada, hão-de separar-se das mães, destinando-se-lhes boas pastagens em sitio apartado, e, podendo ser, em tapadas ou cerrados. Aos dois annos devem separar-se os potros machos das femeas, salvo se os tivermos castrado antes desta epoca. A castração tem ordinariamente logar dos 18 aos 30 mezes. Consiste esta operação na privação dos testiculos; e chama-se capão ao cavallo castrado.
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1994. Os potros domesticam-se com afagos: a sua educação deve começar muito cedo: devemos limpal-os, acaricial-os, offerecer-lhes bons alimentos, costumal-os ao bridão, alçar-lhes os pés, botar-lhes a sella, carregal-os com ligeiros pezos, e ultimamente montal-os aos 4 annos. As caricias e o bom tratamento são as molas principaes da sua educação.
1995. Na alimentação do cavallo, quer na cavalhariça quer no prado, devemos seguir as regras estabelecidas por occasião de tratarmos da alimentação geral dos gados. Todo o esmero, porém, é pouco no tratamento destes animaes sensiveis e delicados: e nenhuns carecem de tanto mimo e limpeza quer na cavalhariça, quer em si; sendo indispensavel laval-os, penteal-os, almofaçal-os, &c. Nas grandes manadas obtem-se a limpeza do gado fazendo-o banhar nos rios e nos pegos das ribeiras nas estações proprias. Os pastos apropriados são uma condição indispensavel para nos entregarmos com successo á criação de boas manadas cavallares. O exercicio a que os animaes se entregam para procurarem o seu alimento dá-lhes saude, vigor e agilidade. As pastagens proprias para os cavallos devem ter as seguintes condições: devem ser antes seccas do que humidas; conter boas plantas forraginosas, e agua pura nas proximidades; devem além disto apresentar em alguns sitios arvoredos para que os animaes possam gozar do beneficio da sombra; e estar situadas em locaes sadios.
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1996. Os cavallos dormem apenas 3 horas nas 24, e ordinariamente de pé; o agricultor deve, porém, preparar-lhes camas para que repousem mais descançados, e para lhes aproveitar os estrumes. A vida média do cavallo é de 20 annos, sendo dos 6 por diante que se encontra senhor de todas as suas forças.
1997. Conhece-se pelos dentes a idade do cavallo. Este animal tem quarenta dentes, vinte e quatro molares, quatro caninos ou colmilhos, e doze incisores. Estes ultimos occupam a parte anterior das maxillas, apresentando-se em numero de seis em cada uma: destes seis os dois mais anteriores chamam-se dianteiros, os dois posteriores externos, é os dois do meio medios. Os colmilhos são mais compridos que os outros, e ficam situados entre os incisores e molares; são dois em cada maxilla, e apresentam a fórma ponteaguda. Os molares occupam a parte posterior das maxillas, apresentando-se doze em cada uma dellas. Ha dentes de primeira dentição ou de leite, e de segunda ou persistentes.
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1998. Os signaes por onde podemos reconhecer a idade do cavallo são, segundo Mr. J. Girard, os seguintes: - Quinze dias depois do nascimento do potro começam a apparecer os primeiros dentes - dos 30 aos 32 mezes apparece o primeiro molar da segunda dentição - ordinariamente aos 3 annos, mas em alguns casos dos 3 até aos 6, nascem os colmilhos - aos 4 e meio cahem os ultimos dentes de leite, apresentando-se os incisores escavados e de bordos deseguaes - aos 5 annos os ultimos incisores ou externos ainda estão de nivel com os medios - aos 6 annos apresentam-se os primeiros incisores ou dianteiros inteiramente razos; isto é, com os bordos gastos, sem sobresahirem ao resto da corôa; e os ultimos incisores quasi de nivel com os medios - aos 7 annos já apparecem razos os incisores medios, e o bordo externo dos ultimos incisores ao nivel do interno - aos 8 annos todos os incisores de baixo se apresentam ordinariamente razos e todos da mesma altura, mas inteiramente mudados na sua fórma, que se tornou oval: nesta epoca, em vez da cavidade que os dentes tinham, apresenta-se uma proeminencia de esmalte mais perto do bordo posterior do que do anterior do dente, costeando uma mancha amarella mais comprida no sentido transversal do que no longitudinal. É nesta epoca que o cavallo se diz cerrado, e dahi por diante já são mais obscuros os signaes para se conhecer a idade.
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Do gado asinino e muar.
1999. O asno, da familia dos solipedes, que nas nossas populações ruraes é o triste e misero companheiro do pobre, tem-se tornado na servidão domestica, a que o condemnaram, humilde e paciente como elle. Este mesquinho animal é sempre apresentado como o symbolo da abjecção, da preguiça, e da estupidez. E na verdade os máus tratos de que é victima tem-no feito bronco, teimoso e repugnante. Nos paizes, porém, onde lhe liberalisam um melhor tratamento, e onde curam do aperfeiçoamento da sua especie apresenta qualidades inteiramente oppostas e muito analogas áquellas que manifesta no estado selvagem. No oriente, no meio dia da Italia e da Hespanha tem este animal a robustez das fórmas, a força muscular e a ligeireza de movimentos que o caracterisam ou nos desertos da Arabia, ou nas vastas gandras da Tartaria, donde é natural, e onde vive em bandos numerosos. Tambem naquelles paizes não é desdenhado como besta de cavallaria, e até muitas vezes é preferido, e com razão, ao cavallo não só pelo seu temperamento sobrio e robusto, como tambem pela sua velocidade, que excede a dos cavallos persas. E na verdade, na Persia está calculada a velocidade da marcha ordinaria do asno em 7 milhas por hora. Sendo natural dos paizes quentes, perde este animal muito da sua força e da sua vivacidade quando é transferido para climas frios.
2000. As raças de jumentos mais geralmente estimadas são a siciliana e a castelhana. Aquella que os francezes chamam poitevine é oriunda da castelhana, cuja exportação foi sempre rigorosamente prohibida, até que Fillippe 5.º, subindo ao throno de Hespanha, pôde fazer cessar esta legislação com respeito á França.
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2001. É muito consideravel o proveito que os hespanhoes tiram dos corpulentos e exforçados animaes desta raça, empregando-os simultaneamente nos trabalhos agricolas, no transporte dos generos, e na cobrição das egoas.
2002. As raças do nosso paiz andam tão geralmente degeneradas, que apenas apparecem alguns soffriveis jumentos no Alemtejo e nos suburbios de Lisboa. É, portanto, fóra de duvida que conviria cuidar do seu melhoramento cruzando-os com a raça hespanhola. Deste modo poderiamos substituir ao immenso numero de burros hoje existentes em Portugal jumentos esforçados e valentes, capazes de serem proveitosamente utilisados nos trabalhos agricolas, como animaes de tiro e de carga. Estes animaes, em virtude da sua frugalidade, paciencia e rusticidade, seriam, assim melhorados, de uma grande vantagem ao agricultor, particularmente nas localidades pobres em forragens, onde abundarem os cardos, as çarças e outras plantas vivaces de mato rasteiro.
2003. O jumento não está apto para a reproducção antes da idade de 3 annos, prolongando-se a sua fecundidade até aos 15. A cobrição da femea tem geralmente logar nos mezes de abril, maio e junho; e a gestação dura, como a da egoa, 11 mezes e alguns dias.
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2004. As crias mamam um anno, pouco mais ou menos, e quando se desmamam convem que sejam bem alimentadas.
2005. Os burros de casta, que devem ter uma boa conformação, estatura elevada, olhos vivos, movimentos vigorosos e temperamento fogoso, são pensados e tratados na cavalhariça com o maior esmero, e isto não só porque o seu preço é consideravel, mas tambem porque o seu officio é importante e consumidor das forças organicas do animal. As burras de criação que devem apresentar fórmas proporcionadas, pernas altas, bons quartos trazeiros, largura de peitos, e bacia ampla, costumam trazer-se a pasto, e devem, durante a gestação, ser muito bem alimentadas.
2006. Sobre o parto da jumenta, sobre os cuidados que então devem dar-se á mãe e ao filhinho, assim como sobre o modo de conhecer a idade desta especie de gado, nada devemos accrescentar ao que dissemos quando tratámos do gado cavallar.
2007. O gado muar é o fructo da copula do jumento e da egoa, ou do cavallo e da jumenta; os machos provenientes desta ultima copula tem o nome de machos asneiros, e os da primeira de machos eguariços. Os primeiros são menos estimados que os segundos, por terem menos corpo, menos força, e por apresentarem fórmas menos elegantes e um pello mais basto. Estes animaes são estereis como quasi todos os hybridos ou mistiços: ha, porém, alguns exemplos, posto que muito raros, da sua fecundidade. Participam das fórmas das duas especies de que provém, assemelhando-se sempre mais á mãe do que ao pae.
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2008. Tanto os machos como as mulas são de uma valentia e de uma rijeza sem egual, e supportam o trabalho, a fadiga e a fome muito melhor do que o cavallo. São muito andejos, muito afoutos, e seguros; e póde-se asseverar que são egualmente excellentes não só como animaes de tiro e de cavallaria, mas tambem como bostas de carga. Como animaes de tiro despregam uma grande força a par de uma admiravel energia - empregados na cavallaria apresentam uma andadura tão veloz como commoda - e como bestas de carga uma grande robustez e exforço.
2009. O gado muar adoece raras vezes, e vive algum tempo mais do que o cavallar. Não tem, porém, a lealdade e adhesão pelo dono que caracterisam os bellos animaes desta ultima especie; antes, pelo contrario, apresenta um caracter desconfiado e maldoso.
2010. Os hespanhoes possuem excellentes manadas de gado muar, e fazem deste gado um grande uso na agricultura. Esmeram-se na sua criação, em que empregam boas egoas e magnificos jumentos. As suas mulas são corpulentas e alentadas, e fazem optimo serviço como animaes de tiro quer nas carruagens públicas, quer nas particulares. Os machos e mulas da Italia e da Provença são tambem muito afamados, e empregam-se nestes paizes nos trabalhos agrarios.
2011. Nós importâmos de Hespanha um consideravel numero de muares, que empregâmos simultaneamente na lavoura e na carretagem. No centro do Alemtejo preferem estes animaes aos bois para os trabalhos agrarios; e na pequena lavoura talvez elles sejam preferiveis por serem muito expeditos no trabalho, e porque podem ser empregados na conducção dos generos durante o tempo, em que deixam de ser necessarios nos serviços ruraes.
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2012. As unicas muares que tem uma merecida reputação em o nosso paiz são as de Alter do Chão, por causa da sua rijeza e veloz andadura, dotes que as tornam muito apropriadas ao tiro dos carros e carruagens. Possuimos tambem na Beira uma raça fina e pequena, optima para cavallaria.
Do gado suino.
2013. O porco provém do javali, animal da familia dos pachydermes ordinarios, que apezar da sua natural ferocidade pôde ser domesticado pela industria do homem. Voraz e insaciavel por natureza, foi provavelmente matando-lhe a fome que se chegou a domesticar o porco. O agricultor não tem na sua granja nenhum outro animal, que possa ser cevado com tanta promptidão e facilidade, e que lhe forneça por fim uma carne tão succulenta e tão saborosa.
2014. Este pachyderme é um recurso precioso para o pequeno agricultor, para o hortelão, e para o pomareiro, que encontram sempre no engordamento dos cevões a fartura da sua familia, e um meio economico de utilisar todas as avarias e sobejos do casal; come raizes, folhas, grãos, e fructos deteriorados; os reziduos de queijaria, e muitos outros rebutalhos, que seriam perdidos, se não fossem empregados na sustentação deste animal omnivoro.
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2015. Na grande cultura tambem a creação e ceva destes animaes, constituem um ramo de industria pecuaria muito importante, e eminentemente proveitoso ao agricultor, que muitas vezes não se lhe apresenta meio algum de reputar tão bem os productos do seu grangeio, como entregando-os ás forças assimiladoras deste devorista, que os converte em carne com uma promptidão assombrosa. A ceva dos porcos nos montados é além disto uma industria peculiar a algumas das nossas provincias, que nos deve merecer uma particular attenção por constituir um dos mais valiosos artigos das nossas producções agrarias.
2016. Ha no reino duas raças de porcos que se podem considerar como as principaes: a primeira é a do porco grande da Beira, muito commum nas provincias do norte, que tem por caracteres o corpo alongado, as pernas altas, as orelhas pendentes e longas, as cerdas compridas e espessas, pouca gordura, e muita carne muscular ou magra; a segunda é a do porco meão do Alemtejo, que muitos julgam procedente do porco chinez, mas que é maior do que elle, e tem por caracteres corpo curto e rolliço, ventre descahido, orelhas pequenas, e muitas vezes levantadas, focinho acuminado, pernas curtas, cerdas pouco compridas, muita gordura, e pouca carne magra. Os bons presuntos do norte da Beira provém da primeira raça, e as excellentes mantas de toucinho do Alemtejo da segunda.
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2017. No fim de um anno, e mesmo antes desta idade, póde a porca receber o varrão ou varrasco que deve então ter, pelo menos, dezoito mezes de idade, e que nunca deve empregar-se na cobrição por mais de tres ou quatro annos: a porca, porém, está apta para a reproducção até á idade de seis a oito annos. Anda prenhe cerca de 16 semanas, e póde por tanto produzir duas criações annuaes; isto é, 16 a 24 leitões, que são amamentados 40 dias, pouco mais ou menos. Fecundidade preciosa que só por si bastava para recommendar esta casta de gado!
2018. Apenas os leitões chegam á idade de tres semanas, começam-se a alimentar com soros de leite, beberagens de farellos, grãos deteriorados, e algumas verduras. Em alguns paizes usam castral-os da terceira á sexta semana; mas o mais geral é proceder a esta operação desde os quatro até aos seis mezes. A castração é, como todos sabem, indispensavel para submetter estes animaes á ceva, ou na pocilga, ou no monte.
2019. As porcas de criação, quando andam em rebanhos, não conhecem desde logo os seus filhos, e algumas vezes até os repellem ás focinhadas, porque lhes offendem as tetas com os dentes. No primeiro caso é necessario aproximar os filhos das mães, que vão logo procurar a sua respectiva teta; e no segundo é preciso cortar-lhe as pontas dos dentes com uma forte tisoura. Durante a amamentação, e mesmo durante a prenhez é mister que as porcas sejam exuberantemente alimentadas.
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2020. Os porcos são ordinariamente cevados, ou na pocilga, ou no montado. Os que se cevam na pocilga, a que se dá o nome de cevões, não requerem muitos cuidados, mas precisam de camas seccas, e frequentemente renovadas; de pequenos telheiros, onde se resguardem da chuva, e durmam descançados; e de duas pias, uma para a agoa potavel, e outra para as lavaduras.
2021. Os alimentos mais usados nesta especie de ceva são os rebutalhos da horta e do pomar, as agoas gordurosas da cozinha, os residuos da leitaria, as batatas, nabos, betarrabas, e outras raizes ou fructos das cucurbitaceas, os grãos das gramineas, e leguminosas arruinados, as semeas, as farinhas avariadas, &c., &c.
2022. Na preparação e distribuição destes alimentos, devemos cingir-nos quanto fôr possivel ás seguintes regras: devemos misturar os alimentos liquidos com os solidos, e os mais substanciaes com os que o forem menos - devemos submettel-os a uma ligeira decocção para formar o que se chama lavadura - dal-os a horas certas, e em rações proximamente eguaes, e sufficientes - misturar-lhes alguma porção de sal - e reservar os melhores alimentos para o fim da ceva.
2023. Quando a criação e o engordamento do gado suino se faz em ponto grande, é então mister adoptar um regimen economico particular.
2024. Uma manada de porcos de criação deve constar ao menos, de 24 a 30 cabeças; porque sendo menor do que este numero não dá todos os lucros, que se podem razoavelmente esperar desta industria pecuaria. A cobrição das porcas deve neste caso ser simultanea, para que o parto o seja tambem. Para o bom successo desta empreza agricola são necessarias boas e sufficientes pastagens em sitios baixos e humidos, abundantes de agoa, e de raizes de plantas aquaticas - porqueiros entendidos, zelosos, e vigilantes - e malhadas bem construidas.
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2025. As malhadas são geralmente feitas de mato, mas as melhores são construidas de alvenaria. Devem collocar-se em sitio enxuto e soalheiro, proximo da agoa corrente, para que as porcas e os bacoros possam banhar-se frequentes vezes, refrigerio que é indispensavel á sua organisação; e para que possam fossar o terreno, e descobrir as raizes das plantas que os nutrem e refrescam.
2026. As malhadas são recintos circulares ou quadrados, em torno dos quaes se acham estabelecidos pequenos repartimentos munidos de uma entrada estreita, aos quaes se dá o nome de quartelhas. Estas servem como que de pocilga, ou antes de covil á porca parida, e á sua prole. Esta disposição interior das malhadas é indispensavel ao bom regimen e successo economico das criações. Os leitões não conhecem nos primeiros dias da sua existencia as suas mães, sendo por isso necessario introduzil-as nas suas respectivas quartelhas para amamentar a sua prole, que fica alli reclusa até que as porcas estejam afilhadas, ou o que é a mesma cousa, até que distingam os filhos, e sejam delles conhecidas. A afilhação é uma operação importante, por isso que se os leitões se misturam uns com os outros, e perdem o tino das mães, mallogra-se quasi sempre toda a criação, e fica a malhada n'uma confusão de que não é possivel sahir. É por isso que um porqueiro activo e intelligente é uma excellente acquisição para o criador, não só para levar ao cabo o processo do afilhamento, mas tambem para dirigir com discrição o governo economico deste gado. (*)
(*) Sentimos excessivamente que a natureza da nossa obra não permitta a descripção dos aperfeiçoadissimos processos adoptados por alguns lavradores do districto de Evora para a criação do gado suino.
Temos em nosso poder um excellente trabalho pratico sobre este objecto, que devemos á deferencia do nosso douto e honesto amigo, o Ex.mo Sr. José Ignacio Pereira Derramado, e que muito folgariamos de poder aqui publicar.
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2027. As porcas de criação hão-de ser escolhidas entre as melhores raças, e devem apresentar corpo comprido, ventre amplo, bons uberes, ancas largas, focinho curto, orelhas compridas, cerdas finas, devendo ser ao mesmo tempo mansas e bem apesunhadas. Os varrões devem ser robustos, ardentes e bem quartejados, tendo a cabeça volumosa, a tromba curta e chata, o pescoço espesso, e as pernas pequenas e grossas.
2028. Os alimentos mais usualmente dados ás manadas de porcos durante a criação são a bolota, a lande, as hervagens dos prados naturaes e artificiaes, os agostadouros, os grãos avariados, &c.
2029. Posto que as porcas de cria possam dar tres criações por anno, todavia não se forçam geralmente a mais de duas, que são a criação chamada das hervas, que começa nos fins de março ou principios de abril, e a criação montanheira, que vem nos fins de setembro. Esta ultima vinga sempre melhor do que a primeira, porque se aproveita da bolota e lande dos montados. E effectivamente os leitões resultantes desta criação entram no montado atraz das mães em estado de comer os retraços da bolota, sahem dalli para as hervagens, e depois para o agostadouro, passando em seguida para o novo montado, ou para a segunda montanheira; e entrando no montado seguinte como bons porcos de vara.
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2030. Na ceva das varas de porcos deve seguir-se um regimen particular. A primeira operação é o encabeçamento da herdade, que consiste no orçamento annual do numero de cabeças que o montado da mesma herdade póde alimentar. Calcula-se o numero de cabeças que faz qualquer herdade pelo numero de moios de bolota que ella póde produzir.
2031. As varas de porcos constam de 30 a 60, e ainda de mais cabeças, da idade, ordinariamente, de 20 mezes; mas, em alguns casos, de 2 annos e meio. Tambem se mettem no montado porcos de 18 mezes, e mesmo de um anno, ou bacoros montanheiros. É nos principios de outubro que entram para o montado todas as varas de porcos que se destinam á ceva; e é por espaço de 3 a 4 mezes que dura esta operação.
2032. Durante a ceva importa muito economisar o alimento para que não falte nas ultimas semanas de montado, que é quando mais aproveita. Como a bolota ou a lande, que cahe no mez de outubro, não está ainda bem madura, é preciso levar nesta epoca as varas de porcos aos sitios mais humidos da herdade, para que possam, por meio da fossa, refrigerar-se com as raizes que arrancam e comem. Além disto é ainda necessario que durante esta epoca, e durante mesmo a de toda a ceva, lhes não falte agoa em abundancia, porque a bolota escandece-lhes consideravelmente o estomago - e assim observâmos que correndo o outomno chuvoso e nevoento, são os montados muito mais proveitosos do que quando se verificam circumstancias meteorologicas oppostas; e que as herdades de melhor provo são aquellas que ou abundam de agoas nativas, ou são atravessadas por ribeiras de aguas perennes, que apresentam a este gado agoa bastante para a sua bebida e banho, e plantas e raizes aquaticas, que o desenfastiam e refrescam. Esta vantagem natural poderia ser substituida plantando, em pequenos pontos das herdades que della carecessem, prados de leguminosas, e de plantas, de raizes afusadas, que concorreriam efficazmente para o engordamento e saude do gado suino.
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2033. Quando a bolota cahe em abundancia é preciso não consentir que as varas de porcos percorram grande extensão de montado, mas tão sómente aquella que poder fornecer-lhes a necessaria alimentação. Os porcos tem então uma grande tendencia para divagar pelo montado á procura da bolota mais fresca e mais doce, retraçando e estroçoando toda a que não lhe agrada. É preciso, portanto, que os porqueiros se opponham inflexiveis a esta glotoneria, obstando ás corridas de que fallamos.
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2034. A bolota retraçada costuma ser depois aproveitada pelos bacoros montanheiros, que, menos fartos do que os porcos de vara, não a regeitam em qualquer estado que a encontrem.
2035. Alguns criadores fazem recolher de noite as varas de porcos ás malhadas, que são expressamente estabelecidas para este fim em varios pontos da herdade; outros, porém, julgam inutil esta precaução. É certo, porém, que durante as noites mais rigorosas toda a casta de gado ganha em ficar recolhida; e com quanto o porco seja um animal pouco sensivel aos maiores rigores do inverno, sempre será util recolhel-o á malhada, principalmente quando ainda não é protegido por uma espessa manta de gordura.
2036. Concluida a ceva são os porcos levados ao mercado, se o criador não prefere matal-os e sachinal-os em casa. A carne, assim preparada, é objecto de um grande consumo no reino, e de uma grande exportação para diversos paizes, e principalmente para o Brasil.
Do gado cabrum.
2037. As cabras domesticas, da tribu dos ruminantes de cornos oucos, posto que banidas, e com muita razão, dos paizes de grande civilisação agraria, merecem, todavia, muita attenção nos districtos pouco povoados, e nos terrenos incultos e estereis, cobertos de urzes, de silvas e de estevas, ou de qualquer outro mato rasteiro. Este gado, recurso ordinario da pobreza, sabe aproveitar estas pastagens, assim como as folhas seccas e verdes de quasi todas as arvores em proveito do humilde e mal remediado agricultor, trazendo uma certa abundancia e fartura ao seu casal, e fornecendo-o de leite, de queijos, de carnes, e de pelles, sem lhe occasionar nem lidas, nem outras algumas despezas além do sustento e da paga do cabreiro.
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2038. A fecundidade das cabras é muito grande; ellas podem ser mães desde a idade de 7 mezes; mas não devem cobrir-se senão depois de um anno a anno e meio; andam prenhes 5 mezes; e é geralmente no outomno que procuram o bode; e, quando atormentadas pelo cio, procuram-o com impaciencia, e recebem com ardor as suas caricias; parem com difficuldade, e muitas vezes o seu parto é bastante laborioso; amamentam o cabritinho quatro a cinco semanas; e é tão grande a viabilidade deste vivissimo animal, que, apenas nascido, segue ás corridas e aos saltos a mãe, e nutre-se, como ella, da herva dos campos.
2039. Quinze dias depois de paridas começam a ordenhar-se as cabras, procedendo-se a esta operação duas vezes por dia; o seu leite contém uma quantidade de substancia caseosa muito maior que o da ovelha, mas muito menos manteiga do que o da vacca. Devemos dar preferencia ás cabras corpulentas, de larga garupa, uberes amplos, tetas longas; ás de pello comprido e fino, e marcha firme e ligeira. Assim como devemos escolher para bodes de casta os que tiverem um pescoço curto e reforçado, cabeça pequena, barba comprida, olhar vivo e petulante, orelhas cahidas, bons quartos trazeiros, e pello fino e espesso. A carne dos cabritos é succulenta e saborosa; e quando se capam, o que tem logar aos 6 ou 7 mezes, nunca perde aquellas boas qualidades; a carne da cabra, e principalmente a do bode, é pelo contrario de um gosto vil e de um fartum detestavel.
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2040. As cabras vivem de dez a quinze annos; mas aos oito deixam ordinariamente de ser fecundas. Dotadas de grande rusticidade e vigor vital, nada lhes faz damno; antes o seu dente é que damnifica os cereaes, os rebentos das arvores, as vinhas, e as hortas; o que as tem tornado odiosas aos agricultores dos districtos mais cultivados, e o que as tem feito deportar para as charnecas e sitios matagosos susceptiveis de pouca ou de mui difficil cultura. Como, porém, existem ainda entre nós muitos terrenos desta natureza não devem as cabradas ser por ora proscriptas do nosso paiz como o foram de Inglaterra.
2041. Ainda que as pelles das nossas cabradas se aproveitem em fazer marroquins, pergaminhos, &c., e ainda que o pello ou felpa das raças indigenas da Europa seja utilisado na fabricação de alguns estofos grosseiros, todavia é só das cabras do Thibet e de Angora que se extrahe uma materia filamentosa de grande preço. As cabras do Thibet, que são de uma criação e educação facil, fornecem a felpa de que se fabricam as famosas cachemiras, de que os turcos fazem uma tão grande estimação, e que, debaixo da fórma de chales, são procuradas tanto no Oriente como na Europa. As cabras de Angora apresentam tambem um pello muito fino, que rivalisa com o das primeiras. Estes animaes preciosos foram ultimamente introduzidos em França com o fim de os multiplicar e de melhorar as raças indigenas; e foi desde então que começaram a apparecer naquelle paiz chales que imitam os de cachemira.
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2042. A felpa, ou pello fino destes animaes, que começa a nascer no outomno, e que cahe na primavera, é recolhido penteando-o com pentes de dentes largos durante alguns dias consecutivos.
2043. Dos cruzamentos ultimamente feitos em França do bode de Angora com as cabras do Thibet parece haver resultado uma nova raça que promette os melhores resultados. É muito para notar que do ajuntamento do bode com a ovelha provenha uma raça, ou antes uma especie mistiça e fecunda, que póde reproduzir-se como qualquer outra especie natural. Seria muito para desejar que desta extraordinaria anomalia procurasse tirar o agricultor todos os possiveis resultados com respeito ao aperfeiçoamento da materia textil proveniente daquelles dois animaes.
Aclimatação da alpalca e do lhama.
2044. A introducção, em o nosso paiz, da alpalca, variedade do guanaco, natural do Perú e do Chile, seria muito para desejar. Aquelle animal dotado do instincto da sociabilidade, vive em rebanhos no seu paiz natalicio, e apresenta um tozão excellente e finissimo, que se emprega nos mais primorosos lanificios. Em Inglaterra trata-se activamente de aclimatar esta especie de animaes lanigeros, e em Hespanha já no principio deste seculo se fez um ensaio com feliz resultado. Além da alpalca seria ainda muito para desejar a naturalisação do lhama, pequeno animal, que póde considerar-se como o camello do novo mundo, reduzido á domesticidade desde tempo immemorial na America, e que além de servir de besta de carga poderia ainda fornecer-nos um rico despojo lanar. Estes dois ruminantes sustentam-se de pastagens da mais inferior qualidade, bebem raras vezes, e muito pouco, e são por isso muito apropriados ás nossas serras aridas e agrestes.
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Coelhos.
2045. O coelho domestico, da tribu dos lepusianos, é procedente do coelho bravo, que se suppõe originario de Hespanha, mas que se acha actualmente em toda a Europa. A carne desta especie de animal é excellente, e a sua fecundidade muito grande; reproduz-se na idade de 5 a 6 mezes. A gestação da femea dura 30 dias, e de cada parto provém cinco a oito coelhinhos, ou laparos. A coelha é fecunda até aos cinco annos, e o coelho póde durar em serviço até aos quatro.
2046. A coelheira e o gallinheiro são o açougue do cultivador. A primeira deve ser cercada de muros elevados, empedrada, enxuta, e soalheira. Deve ser dividida em dois repartimentos, um coberto e o outro descoberto. No primeiro collocam-se as lapas onde as coelhas fazem os seus ninhos: na segunda, que fórma uma especie de atrio, lançam-se os alimentos dos animaes, que consistem em quasi toda a casta de hervas inuteis, de fructos, de grãos, e de farinhas avariadas. As lapas devem apresentar a fórma de uma panella de bocca estreita e alongada, dispostas em fileiras, e fixadas no terreno, que deverá ter um palmo de elevação sobre o solo, para que seja secco quanto fôr possivel.
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2047. Dentro da coelheira ha-de haver sempre palha e feno para os ninhos; estes, depois das criações devem ser limpos, assim como toda a coelheira, de oito em oito dias. Deve haver todo o cuidado em que não se introduzam na coelheira cobras, gatos, fuinhas, e outros animaes damninhos. No repartimento exterior da coelheira convem que haja uma pequena pallissada de uma braça quadrada com uma caseta de tijolo destinada á vivenda do coelho, que precisa estar separado das coelhas para as não inquietar durante as suas funcções maternaes; e para as cobrir a todas n'uma mesma epoca, o que é muito economico e conveniente. Esta separação é ainda necessaria para evitar que o coelho pae não mate os filhos, principalmente os machos, do terceiro mez por diante. Nunca se devem juntar dois machos na mesma coelheira, porque atormentados pelo ciume travam luctas mortaes. Nem este ajuntamento é necessario, porque um só macho póde fecundar um grande numero de coelhas.
2048. O cultivador não deve deixar de ter cães de guarda, tanto na sua granja, ou na sua quinta, como atraz dos rebanhos de gado miudo. Estes animaes, companheiros e amigos fieis do homem, são sentinellas infatigaveis que vellam em quanto o dono descança, e que o defendem valorosamente contra os seus inimigos. Os cães de caça, quer sejam galgos, quer perdigueiros, podem tambem ser uteis em muitas circumstancias, principalmente sendo de raças finas, e convenientemente educados.
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Aves domesticas.
2049. Vamos apresentar aqui algumas succintas noções sobre a criação e educação das gallinhas, dos gansos, dos perús, e dos pombos.
2050. As gallinhas, da familia das gallinaceas, são aves de grande importancia na economia rural, e submettidas desde tempo immemorial á vida domestica. Quando novas começam a pôr no mez de fevereiro, e fazem no decurso do anno varias posturas de dezoito a vinte ovos cada uma. Podem chocar de cada vez uma duzia de ovos, que para este fim se collocam n'um ninho de palha, feito em sitio escuro, secco, e quente. Este choco dura 21 dias, terminados os quaes sahem os pintos do interior dos ovos que quebram com o bico; sendo muitas vezes necessario ajudal-os nesta operação. Durante os primeiros dias sustentam-se os pintainhos com arroz, milho miudo, ou com cevada cozida.
2051. A incubação artificial póde substituir-se á natural nos paizes muito quentes, onde basta introduzir os ovos na arêa exposta á acção directa dos raios do sol para obter grandes ninhadas de pintos. Este methodo, porém, não póde adoptar-se nos paizes frios por occasionar despezas superiores ás que são reclamadas pelo methodo natural.
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2052. Posto que a gallinha ponha ovos sem o concurso do gallo, importa todavia que as suas funcções geradoras sejam excitadas pela copula do macho, e entretidas por uma boa alimentação. Collocadas nestas circumstancias, ha gallinhas que põe ovos de dois em dois dias. Um gallo é bastante potente para gallar todas as gallinhas de uma boa capoeira; mas tendo muitas femeas enerva-se passados poucos annos.
2053. Ao nascer e ao pôr do sol devemos dar bem de comer ás gallinhas. Os grãos, as semeas, as folhas das hortaliças são o seu mais ordinario alimento; mas se enterrarmos n'uma cova de uma vara de profundidade os intestinos dos animaes domesticos, ou estes mesmos animaes, quando mortos de qualquer molestia, e se ao mesmo tempo enterrarmos com elles estrume fresco de cavallo, e alguma palha molhada, e se em seguida cobrirmos tudo de uma camada de terra de dois palmos de espessura, criar-se-hão ahi milhões de vermes, e de outros animaes com que poderemos alimentar as gallinhas durante muitos dias.
2054. Os ovos das gallinhas guardam-se frescos durante muito tempo, enterrando-os no sal, ou mergulhando-os n'uma salmoura. Os frangãos de dois a tres mezes, devem ou comer-se, ou capar-se. Esta operação faz-se nestas aves sem o menor inconveniente.
2055. Os gansos, da familia dos lamellirostros, são entre todas as aves domesticas as mais productivas, e as mais intelligentes. Ha departamentos em França, em que se faz um extenso consumo, e um commercio muito lucrativo com a carne dos gansos, que depois de salgada póde comer-se durante todo o anno, substituindo assim a de porco. Além da carne, que é excellente, ainda destes animaes se aproveitam os ovos, e as penas.
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2056. Quando a habitação do cultivador estiver nas vizinhanças de lagos, ou de ribeiras nada lhe promette tantas vantagens como a criação dos gansos, aves cujo sustento é aliás muito menos custoso do que o das gallinhas.
2057. Estes animaes semiaquaticos vivem em sociedade, e formam grandes bandos: conduzem-se todas as manhas para o pé d'agoa, onde se sustentam de plantas, animaes aquaticos, e terrestres. Recolhidos ao cahir da tarde ao pateo das aves, onde devem ter um repartimento separado, subministra-se-lhes ahi alguma comida de grãos ou de semeas amassadas, que os cevam excellentemente.
2058. Por cada tres ou quatro femeas deve ter-se um macho. Aquellas começam a sua postura em março, e acabam-na em junho; ficam no choco durante 40 dias, e podem chocar 24 ovos. Mas como este volatil se preste de má vontade á incubação costumam deitar os seus ovos ás gallinhas, que os adoptam sem repugnancia.
2059. Os perús, da familia das gallinaceas, importados na Europa haverá pouco mais de tres seculos, devem tambem fazer parte da capoeira do cultivador. Estas aves comem de tudo, e devoram um grande numero de insectos. A sua criação é, porém, muito aventurosa, demanda muitos cuidados, e mallogra-se muitas vezes.
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2060. A perúa faz duas posturas por anno, uma em fevereiro, e outra em agosto; mas os ovos da primeira hão-de preferir-se para a incubação, que deve ter logar em sitio quente e secco.
2061. Costumam criar e cevar estas aves nas nossas herdades, trazendo-as a pasto em grandes bandos, ou rebanhos: ellas comem a bolota com grande avidez, e adquirem com este alimento uma carne saborosa e fina. São recolhidas de tarde para as defender da humidade e do frio, que as prejudica consideravelmente, e tambem dos animaes damninhos, contra os quaes não tem defeza alguma. Á sua entrada no pateo, ou no sitio onde hão-de pernoitar, deitam-lhes sempre alguns grãos de milho, e agoa pura.
2062. O bom successo desta criação depende principalmente da maneira por que se tratam os perús recem-nascidos, que são de uma extrema delicadeza. É preciso, em primeiro logar, livral-os do frio e da chuva, que os mata irremediavelmente: importa depois disto nutril-os com o maior cuidado dentro do gallinheiro, onde devem ter um repartimento especial, e onde convem que se conservem durante o primeiro mez; é mister então dar-lhes pedaços de pão grosseiro feito de farinha de cevada, toda a casta de cereaes cosidos, e semeas amassadas com ortigas pizadas e submettidas a uma ligeira decocção. Passado este tempo deixam-se sahir com as mães para o pasto, onde prosperam muito bem, principalmente se a estação corre secca e quente.
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2063. Os pombos, da familia deste nome, são tambem um ramo de industria rural que por modo nenhum se deve desprezar. Estas aves, emblemas da ternura conjugal, entregam-se todas ao instincto da propagação, e são por isso de uma grande fecundidade. Cada macho vive maritalmente com a sua femea, e ambos curam da sua prole com igual carinho e sollicitude. A femea põe dois ovos em cada postura, que é repetida seis ou sete vezes no anno. A pomba concebe do macho, põe e choca os ovos, e nutre os seus filhos, que denominâmos borrachos, tudo em 40 dias.
2064. Estas aves tem um vôo longo e rapido, e podem procurar no campo a sua sustentação; fazem, é verdade, alguns estragos nas searas, mas tambem se nutrem das sementes más com vantagem das boas. Durante o inverno é indispensavel dar-lhes de comer no pombal, porque o campo não lhes offerece nesta epoca as necessarias provisões. Nas outras estações, porém, basta lançar-lhes alguns grãos a horas determinadas, ao cahir da tarde, por exemplo, a fim de que ganhem affeição ao pombal. Este, uma vez que ande bem aceado e com os ninhos limpos; que esteja em sitio soalheiro e elevado, e que seja inaccessivel aos ratos, ás cobras, e a outros animaes, nunca é abandonado pelos pombos que ahi criaram uma vez, ou foram ahi criados.
2065. Não podemos occupar-nos aqui da criação dos faisões, das gallinhas da India, das pintadas, dos pavões, e de outras aves, que são antes objecto de curiosidade e de luxo do que de especulação rural.
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INSECTOS UTEIS.
Abelhas.
2066. Nem todas as localidades são apropriadas á criação e educação das abelhas. Os sitios abrigados dos ventos, visinhos das florestas de zambugeiros, de castanheiros, de acacias, de tilias, não distantes dos pomares ou dos prados de trevo, de esparceto, de ervilhaca, &c., são os mais apropriados á criação das abelhas, insectos pertencentes á familia das melliferas.
2067. Cada colmeia constitue uma colonia, e cada colonia encerra, durante os mezes de estio, tres castas de abelhas, a abelha mestra ou mãe-rainha, consagrada á propagação da prole; os machos ou zangãos, que a fecundam, e que chegam muitas vezes a 600 ou 800; e as abelhas neutras ou obreiras em numero de 10:000 a 30:000, que são as que trabalham. Destas umas são encarregadas da colheita das provisões, e chamam-se cereeiras, e outras dos cuidados domesticos, e da criação e educação da familia, e chamam-se amas.
2068. A rainha é a mãe de toda a colonia, e põe no espaço de um anno de 40:000 a 70:000 ovos, de cada um dos quaes sahe, ao cabo de 21 dias, uma abelha perfeita depois de haver incubado no seu respectivo alveolo, e passado pelo estado de larva e de nympha.
2069. A organisação e governo social das abelhas é objecto de grande curiosidade e admiração. A ordem, a subordinação, a economia, e o trabalho destas sociedades de insectos póde servir de modello e de exemplo ás sociedades humanas, tão nescias e tão miseraveis. Naquellas todos trabalham e comem por egual; não ha ociosos, porque os zangãos, depois da fecundação, são ou mortos, ou expulsos - nestas os ociosos e os zangãos são innumeraveis; ha poderosos que dictam a lei, e desvalidos que a recebem; uns engordam e folgam na abundancia e na ociosidade, e outros consomem-se no meio de interminaveis fadigas.
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2070. Ha entre as abelhas, como entre os homens, alguns bandos selvagens, conhecidos pelo nome de guerreiros, que, em vez de trabalhar, fazem a guerra aos que trabalham. Estes bandos cahem de improviso sobre as colonias domesticas e trabalhadoras, accommettem-as nos seus lares com o fim de exterminal-as e de se apoderarem das suas provisões. Travam-se então batalhas encarniçadas, em que o valor dos combatentes é objecto de grande pasmo para o observador philosopho. A victoria fica muitas vezes do lado das abelhas domesticas, que na justa defeza dos seus lares oppoem á audacia brutal dos seus invasores uma estrategia e uma dedicação admiravelmente calculada.
2071. A numerosa progenie das abelhas, accumulada n'uma mesma colmeia, occasiona a emigração de colonias filiaes, ou de enxames, que deixam o ninho materno para demandar outros lares, onde possam estabelecer-se mais á vontade. É então que o agricultor, aproximando-se desse bando volatil, lhe apresenta um cortiço ou colmeia similhante á maternal; e esfregando-a com mel odorifero, com flor de alfazema, ou de rosmaninho, e collocando-a por baixo do enxame, que pousa e se apinha ordinariamente no ramo de alguma arvore, sacode ligeiramente o ramo, e faz assim com que a abelha mestra se destaque com as do seu sequito da arvore, e se precipite no cortiço, guiada por um instincto maravilhoso: immediatamente toda a colonia a segue, e o enxame trata de estabelecer-se na nova cidade, que começa desde logo a edificar. Quando o enxame esvoaça sem querer pousar, atiram-lhe com mãos cheias de areia, fazendo grande gritaria, o que o decide a abater o vôo, e a apinhar-se sobre alguma arvore mais proxima.
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2072. O governo de um colmeal é simples e pouco trabalhoso. As colmeas, que são de fórma e materia variadas, mas ordinariamente cylindricas e feitas de cortiça, collocam-se em circulo, ou em linha, em sitio appropriado e enxuto. Os cortiços são muitas vezes dispostos em andares, e debaixo de telheiros, onde importa que fiquem bem defendidos da chuva. Convem que proximo do colmeal haja agoa pura, e plantas aromaticas, como a giesteira, o alecrim, o trigo serraceno, a alfazema, a salva, &c., de cujo polen e nectar fabricam as abelhas os seus favos e o seu mel.
2073. No mez de maio ou junho crestam-se as colmeas, por ser então que as flores do campo offerecem a estes animaes abundancia de provisões; não devemos, porém, subtrahir-lhes mais de ametade dos favos, para que este alimento nunca escacêe na colonia. No outomno costumam em alguns paizes repetir a cresta; mas se adoptarmos este methodo, que muitos reputam vicioso, devemos ainda deixar nesta segunda operação maior copia de alimentos do que na primeira. Posto que as abelhas descancem durante o inverno dos seus aturados trabalhos, e fiquem como que adormecidas n'uma especie de lethargia, ou hibernação, é, todavia, necessario, no principio e no fim desta estação, pôr-lhes algum mantimento junto dos cortiços, se entendermos não ser bastante aquelle que lhe deixámos dentro da colmea.
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2074. É dos favos que se extrahe a cera e o mel por processos muito geralmente sabidos. Estes dois productos são sempre um grande recurso para o agricultor, e são em todo o reino um objecto de grande consumo e commercio.
Bicho da seda.
2075. Este animal é a larva de uma borboleta conhecida pelo nome systematico de bombyx mori, da familia dos lepidopteros e da tribu dos bombycitos. É originario das provincias septentrionaes da China, onde a sericultura já existia antes da era christã 2700 annos. Quando o bicho da seda se quer transformar em chrysalida fabrica o seu casulo, que é uma especie de novello ouco, do feitio e do tamanho de um ovo de pombo, com uma depressão circular no centro. É deste casulo que se extrahe a seda debaixo da fórma de fios, que se vão dobando para se submetterem aos variados processos da industria sericola.
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2076. As larvas ou lagartas provém dos ovos postos pelas borboletas, aos quaes se dá o nome de semente. Estes ovos são submettidos á incubação natural ou artificial. Nesta ultima são os ovos expostos a uma temperatura facticia, ou mettendo-os em pequenas bolsas de linho nos berços das crianças, ou em estufins cuja temperatura se eleve de 16 a 24 gráus de thermometro de Reaumur. Na incubação natural, que é sufficiente nos paizes quentes sempre que não queiramos adiantar o nascimento dos bichos, collocam-se os ovos sobre açafates em logar secco e quente, esperando que o calor da atmosphera anime os germens e faça apparecer as larvas. Vê-se, por tanto, que podemos retardar o apparecimento dos bichos submettendo-os a uma maior ou menor temperatura, o que se torna muitas vezes necessario para que este apparecimento coincida com o desenvolvimento das folhas da amoreira, que lhes servem de mantimento.
2077. Durante o desenvolvimento dos bichos é mister separar os que nascem primeiro dos que vem muito depois; e para conseguir esta separação poremos em cima dos açafates algumas folhas de papel crivado de pequenos buracos feitos com um alfinete, sobre os quaes collocaremos folhas recentes de amoreira, ou olhos tenros desta mesma planta. Feito isto, os bichos não tardam a subir atravez dos buracos para se fixarem nas folhas, as quaes vamos successivamente tirando e collocando sobre taboleiros cobertos de papel pardo.
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2078. É preciso então ministrar-lhes bastante alimento, renovando as folhas tres e mais vezes por dia. O appetite com que os bichos então comem é extraordinario, e dura por espaço de uma semana pouco mais ou menos, se as requeridas condições de temperatura, de bom alimento, e de rigorosa limpeza concorrerem para o seu activo desenvolvimento. Findo este tempo ficam as lagartas, durante tres ou quatro dias, n'uma especie de somno ou de lethargia, e mudam então de pelle. Este mesmo phenomeno se repete ainda tres vezes, e nas mesmas epocas, de maneira que o bicho, durante a sua vida de larva, apresenta cinco estados differentes, mudando quatro vezes de pelle. Ao aproximar de cada muda observa-se sempre um grande augmento de apetite; mas quando se aproxima a quarta ou a quinta idade do bicho, este appetite é então devorador. O mantimento vai-se progressivamente augmentando, mas deve diminuir-se quando a larva se prepara para fazer o seu casulo.
2079. Nesta epoca mostram-se as larvas grandemente inquietas, levantam e volvem a cabeça para todos os lados, correm em diversas direcções, perdem o appetite, tornam-se transparentes, e lançam aqui e acolá alguns fios, a que se dá o nome de anafaia. É mister então pôr em redor dos taboleiros ramos de alamo, de ericas, de carvalho, e de outras plantas lenhosas, e entrelaçar estes ramos de modo que formem uma especie de cabana. Ainda este pequeno bosque não está concluido quando os bichos começam a subir para os ramos, e lançam em logar adaptado os primeiros lineamentos do seu casulo; e encerrando-se nelle começam a deitar de si um fio de seda continuo, que vão circularmente enrolando pela parte de dentro. Ahi encarcerados mudam pela quinta vez de pelle, experimentando então a sua segunda metamorphose, e transformando-se em chrysalidas ao cabo de 4 dias.
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2080. Recolhem-se então os casulos; escolhem-se e separam-se alguns para semente, ficando os restantes para a producção da seda; e matam-se as chrysalidas destes ultimos, expondo-se a uma temperatura elevada.
2081. Os casulos que separamos para semente são conservados em logar quente e secco, e passados 18 a 20 dias vemos sahir delles as borboletas, por isso que o bicho experimentára a sua ultima metamorphose, apresentando-se finalmente no seu estado perfeito. Estes formosos animaes, apenas chegados ao termo do seu crescimento, rompem o casulo, sahem para fóra da sua prisão, e começam logo a esvoaçar cheios de vida e de contentamento, gozando do prazer natural da liberdade. Apresenta-se-lhes então n'um logar escuro e secco um pedaço de estamanha preta, para a qual logo se dirigem tanto os insectos machos como as femeas para ahi se unirem, e fazerem a postura dos ovos. Depois da copula, que dura mais de doze horas, matam-se os machos, para que as femeas ponham os seus ovos tranquillamente. As sementes que ficam apegadas ao panno são em seguida tiradas e guardadas, para serem submettidas á incubação no anno seguinte.
2082. Os casulos que destinamos a producção da seda fornecem-nos diversos productos, e apresentam diversas camadas, que todas concorrem para a sua contextura. Elles são formados exteriormente por uma capa, ou camada esponjosa, guarnecida pela parte de fóra de uma penugem fina; debaixo desta camada encontra-se uma segunda de seda ainda imperfeita, que se utiliza em tecidos mais grosseiros, e depois outra formada pela seda fina, que dá um fio continuo, que se vai desenrolando, quando se lhe encontra uma ponta, como a linha de um novello; ultimamente a camada mais interior, em fórma de pellicula, formada por fios collados uns aos outros por uma especie de gomma, que sahe do corpo do animal. Todas estas camadas são aproveitaveis, e as que não fornecem a seda fina, fornecem differentes sedaços.
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2083. Além dos bichos ordinarios da seda, ha ainda outros da mesma especie a que se dá o nome de trevoltinos, hoje muito conhecidos na Italia, que dão tres colheitas successivas de casulos dentro de um anno: e ha ainda outros originarios de Bengala, que dão uma seda muito fina, e que se alimentam da folha da açufeifa.
Cochinilha.
2084. A especie mais interessante do genero cochinilha, da familia dos galinsectos, é a cochinilha do nopal, que fornece uma magnifica côr escarlate; este precioso insecto é originario do Mexico, e cria-se sobre as articulações do cacto nopal, ás quaes o agricultor applica os bichinhos, ou larvas recemnascidas. A cochinilha, porém, desenvolve-se espontanea e naturalmente na planta, e começa por manifestar-se debaixo da fórma de manchas negras, e em seguida de um pó branco, donde sahem as larvas. Quando queremos, porém, cultivar este ramo de industria, fazem-se grandes plantações do cacto nopal ou cochonilha; e na primavera preparam-se sobre as articulações das plantas, especies de pequenos ninhos formados por filassa de linho ou algodão, em cada um dos quaes depomos oito ou dez femeas proximas a pôr os ovos: dentro de pouco tempo nascem então milhares de larvas, que decorridos dez dias passam ao estado de nimphas, e passadas duas semanas ao de insectos imperfeitos, que nunca chegam a voar. Começa então a postura dos ovos; e é nessa occasião que os insectos são recolhidos raspando as articulações com uma faca pouco afiada, e deixando sempre alguns sobre a planta para a producção da semente. Esta cultura muito prospera e lucrativa na America, tem sido importada na peninsula hespanhola, e dá em Malaga e Valencia os melhores resultados. Conviria por tanto ensaial-a no Algarve, onde provavelmente medraria muito bem.