CAPITULO X.
CASA RUSTICA.
1877. A casa do cultivador deve ser bem situada, exposta ao meio dia, e collocada, sendo possivel, no ponto mais central, e elevado da fazenda, e nas proximidades de agoa nativa. Na escolha do local, nada é tão importante como a salubridade do sitio, que deve ser bem lavado dos ares, e arredado de paúes, ou sitios alagadiços, e pantanosos, que são um fóco constante de miasmas, e de doenças. Casa em sitio doentio, é sempre um principio de ruina, e um germen de infortunios para o agricultor, e para a sua familia. Perde-se nella a saude, e apoz della a fortuna.
1878. Depois da escolha do local, deve attender-se á boa, e regular distribuição das diversas peças do edificio, para que o cultivador possa alojar nellas a sua familia, os seus animaes domesticos, e os seus generos; ou para que possa reunir alli commodamente a sua propria habitação, os seus celleiros, adegas, e officinas - a cavalhariça para os cavallos, mulas, e jumentos, as alpendradas, ou os estabulos para o gado vaccum, o aprisco, ou curral para as ovelhas, a pocilga para os porcos, e o pateo para as aves.
1879. O alojamento dos animaes domesticos deve merecer uma muito particular attenção; e nós vamos indicar as suas principaes condições.
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1880. Cavalhariça. Sem entrar nos promenores da sua construcção, advertiremos que deve ser uma casa espaçosa, muito mais comprida do que larga, bem arejada, e secca. Basta que apresente 18 pés de largura, e tantas vezes seis pés de comprimento, quantos fôrem os animaes, que nella houverem de alojar-se - areja-se por meio de frestas abertas, sendo possivel, nos quatro lados da casa, e na maior altura das suas paredes, e mesmo pelas janellas, e portas que devem ser espaçosas - evita-se a humidade, não sómente empedrando-a, e dando escoante ás excreções liquidas, que devem ser recolhidas n'um deposito um pouco distante, e inferior ao seu pavimento; mas tambem renovando as camas com frequencia. As manjadouras, que hão-de ser de madeira, ou de pedra, fixam-se ao longo da parede longitudinal, que deve sustentar uma grade ligeiramente inclinada, e destinada a conter o feno, ou qualquer outra forragem dada aos animaes.
1881. O estabulo deve ser ainda mais espaçoso, e arejado do que a cavalhariça. Convém que seja quente no inverno, e fresco no verão, porque ambos os extremos, tanto o do calor, como o do frio são muito nocivos ao gado vaccum. Deve ter largas aberturas no alto das paredes, e estreitas frestas inferiormente para que o ar se renove, e para que os vapores ammoniacaes tenham uma franca saida. Quando fôr destinado ao alojamento temporario dos gados, que pastam habitualmente no campo, basta que tenha então a fórma de um alpendre coberto de telha vã, que recebe neste caso o nome particular de alpendrada, ou de arribana. As mangedouras devem collocar-se ao longo das paredes, ou na parte central do estabulo, formando neste ultimo caso duas ordens parallelas, e separadas por um corredor sufficientemente largo, para que os moços possam passar por elle, a fim de ministrarem a comida ao gado. Finalmente a altura é tambem uma condição conducente á salubridade do curral; e importa que não seja inferior a dez ou doze pés.
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1882. O pavimento sobre que os animaes descançam, e onde lhes fazem as camas importa que seja empedrado, e um pouco mais elevado do que o do resto do estabulo ou curral, e deve todo elle apresentar um pequeno declive para que as ourinas se possam escoar para o deposito atraz indicado.
1883. Ainda que a economia rural de algumas localidades do reino obste a que os gados deixem de ser apascentados no campo, todavia a existencia dos estabulos, ou pelo menos das alpendradas, seria mesmo neste caso de uma grande utilidade ainda que não fosse senão para resguardar os animaes durante as noites mais rigorosas do inverno, que arrebatam sempre muitas cabeças de gado das manadas do lavrador.
1884. O systema, porém, da estabulação, com quanto se não possa estabelecer senão lenta e gradualmente, é mister que se vá instituindo, se quizermos aperfeiçoar os nossos methodos de cultura, e introduzir o da alternativa das colheitas; que se apoia, como já temos indicado, nestes quatro fundamentos - estrumes, prados, estabulação, e rotação de novidades.
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1885. O aprisco, ou o curral das ovelhas ainda deve ser mais espaçoso e desafogado, e mais arejado e secco do que o estabulo. Estes melindrosos animaes, suffocam-se com grande facilidade quando encerrados em pequeno recinto; querem ar e espaço, mas ao mesmo tempo abrigo e resguardo; pois soffrem muito nos terrenos humidos, e com as ventanias, e frios muito rigorosos, que são grandes inimigos seus. Tambem só durante o inverno é que no nosso clima convem recolhel-os pela noite: e por excepção em alguns dias em que a neve tenha coberto os campos, phenomeno raro, e fugaz entre nós, a não ser nas cumiadas das altas montanhas, onde este gado não póde pascer.
1886. A pocilga consiste n'um pequeno pateo separado em varios repartimentos, em cada um dos quaes existe não só um maceirão, ou pia de pedra, onde se lança o alimento dos porcos, mas tambem um pequeno telheiro onde se abrigam, e descançam.
1887. O pateo das aves ou galinheiro, deve ser o mais affastado possivel dos alojamentos, tanto do agricultor, como dos seus animaes; porque, devendo existir nelle o deposito dos estrumes liquidos provenientes da cavalhariça, e do estabulo, é preciso que as suas exalações não incommodem nem a familia do dono da casa, nem os seus gados. Importa, além disto, que o pateo das aves seja soalheiro, abrigado dos ventos, e cercado de altas paredes, para que não possa ser envadido pelas rapozas, tourões, e outros animaes carniceiros. No mesmo pateo, e em uma das suas paredes, expressamente alteada para este fim, se construirá o pombal; e da outra banda a coelheira, que deve ser secca, bem empedrada, cercada de bons muros, e coberta em parte de colmo, ou de telha.
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1888. A abegoaria, que é um grande telheiro, ou alpendre, e ás vezes uma grande casa onde se fabricam, concertam, e guardam os instrumentos ruraes, deve ser espaçosa, bem illuminada, e abrigada do frio, visto que é quasi sempre no inverno que ahi trabalham moços e abegões.
1889. A queijeira ou leitaria, convem que seja construida de abobeda, e na parte mais interior da casa, bem como no sitio que fôr mais resguardado dos ventos, e variações atmosphericas, por isso que estas variações, e principalmente as de temperatura e electricidade, produzem graves transtornos na fabricação dos lacticinios. O chão da leitaria deve ser empedrado, ou ladrilhado, para se poder lavar uma ou mais vezes por dia, porque o aceio é uma condição essencial da bondade dos lacticinios. Esta officina convem que seja dividida em dois repartimentos, um destinado á fabricação dos queijos, e o outro á das manteigas.
1890. A adega deve tambem ser fresca, bem reparada, defendida dos ventos nordéstes, que perturbam a fermentação dos vinhos, e outros processos da sua fabricação. As melhores adegas são subterraneas, devendo receber, por frestas viradas ao norte, o ar e a luz. - Os celleiros, pelo contrario, hão-de collocar-se no pavimento superior do edificio, e devem ser bem arejados, seccos, e inaccessiveis aos animaes damninhos. Do aposento do cultivador nada diremos, porque este deverá ser mais ou menos espaçoso, e commodo, segundo as suas faculdades e circumstancias.
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1891. Cumpre, porém, advertir que a todas as construcções e dependencias da casa rustica, deve presidir a simplicidade, a elegancia, a ordem, e a commodidade - e que o luxo deve ser severamente banido destas edificações, porque é incompativel com a economia rural, e é o precursor quasi sempre infallivel da decadencia, e da ruina progressiva da granja.