A Guerra de Troia editar

 
O amor de Helena e Páris
pintura de Jacques-Louis David (1748–1825)

Minerva era a deusa da sabedoria, mas, em certa ocasião ela cometeu um erro, e tomou parte num concurso junto com Juno e Vênus, em disputa pela beleza. A história conta o seguinte: Durante as núpcias de Peleu e Tétis, todos os deuses foram convidados com exceção de Éris, a deusa da Discórdia. Furiosa com a exclusão, a deusa lançou uma maçã de ouro por entre os convidados, onde estava escrito, "Para a mais bela." Diante disso, Juno, Vênus, e Minerva, todas elas queriam a maçã. Júpiter, não desejando se intrometer em assunto tão delicado, enviou as deusas para o Monte Ida, onde o belo pastor Páris, cuidava de seus rebanhos, e ficou ele encarregado da decisão. As deusas, uma a uma, foram apresentadas diante dele.

Juno prometeu a ele poderes e riquezas, Minerva glória e reconhecimento na guerra, e Vênus a mais bela das mulheres para sua esposa, cada uma delas tentando atrair a decisão do pastor para a sua causa. Páris decidiu a favor de Vênus e deu a ela a maçã de ouro, fazendo com que as duas outras deusas se tornassem suas inimigas. Sob a proteção de Vênus, Páris partiu para a Grécia, e foi generosamente recebido por Menelau, rei de Esparta. Ora, Helena, a esposa de Menelau, era então, a mulher a quem Vênus havia destinado a Páris, a mais bela dentre as mulheres. Ela tinha sido reivindicada para ser a esposa de inúmeros pretendentes, e antes que a sua decisão fosse tomada, todos eles, por sugestão de Ulisses, que também era um dos pretendentes, fizeram um juramento de que a defenderiam de toda injúria e defenderiam sua causa em caso de necessidade.

Menelau foi o escolhido, e ela era feliz vivendo com ele, quando Páris os visitou como hóspede. Páris, auxiliado por Vênus, a convenceu a fugir com ele, e a levou para Troia, e foi aí que surgiu a famosa Guerra de Troia, tema para os maiores poemas da antiguidade, escritos por Homero e Virgílio. Menelau apelou então, para seus irmãos capitães da Grécia, para se juntar a ele na sua luta para reaver a esposa que havia sido raptada. De modo geral, todos atenderam-lhe o apelo, porém Ulisses, que havia acabado de se casar com Penélope, e vivia muito feliz com sua esposa e filho, não estava disposto a embarcar numa questão tão perturbadora.

Ele, portanto, ficou indeciso e Palamedes foi enviado para convencê-lo. Quando Palamedes chegou em Ítaca, Ulisses fingiu que estava louco. Ele atrelou um jumento e uma vaca juntos no arado e começou a espalhar sal pelo terreno. Palamedes, para constatar a sua sanidade, colocou o pequeno Telêmaco na frente do arado, e diante disto o pai desviou o arado, mostrando claramente que ele não havia enlouquecido, e portanto, não poderia continuar recusando a cumprir sua promessa. Sendo então, convencido a tomar parte da guerra, Ulisses ofereceu sua ajuda para persuadir outros líderes relutantes, especialmente Aquiles. Aquiles era filho de Tétis em cujo casamento a maçã da discórdia fora lançada no meio das deusas. A própria Tétis era uma das imortais, uma ninfa do mar, e tendo conhecimento de que seu filho estava destinado a morrer diante de Troia caso ele fizesse parte dessa expedição, ela envidou todos os seus esforços para impedir que ele fosse.

 
O cavalo de Troia
pintura de Giovanni Domenico Tiepolo (1727–1804)

Então, Tétis o enviou para a corte do rei Licomedes, e o convenceu a se ocultar sob o disfarce de uma donzela entre as filhas do rei. Ulisses, sabendo que ele tinha ido para lá, seguiu para o palácio disfarçado de mercador e ofereceu adereços femininos para vender, e no meio desses produtos ele havia colocado algumas armas. Enquanto as filhas do rei ficaram encantadas com os outros produtos que estavam na sacola do mercador, Aquiles ficou manipulando as armas e com isso se denunciou diante dos olhos atentos de Ulisses, o qual não teve muita dificuldade para convencê-lo a ignorar os sábios conselhos de sua mãe e a se juntar aos seus compatriotas na guerra. Príamo, era o rei de Troia, e Páris, o pastor e sedutor de Helena, era seu filho.

Páris foi trazido na obscuridade, porque havia certos pressentimentos sinistros associados a ele desde a infância, onde se dizia que ele seria a ruína do Estado. Estes pressentimentos pareciam finalmente que iriam se realizar, pois o arsenal grego que agora estava sendo preparado, era o maior de todos os que já haviam sido feitos antes. Agamemnon, rei de Micenas, e irmão do injuriado Menelau, foi eleito comandante-em-chefe. Aquiles era o seu guerreiro mais ilustre. Depois dele vinha Ájax, gigante no tamanho e detentor de grande coragem, mas com pouco intelecto, Diomedes, secundado apenas por Aquiles em todos os seus atributos de herói, Ulisses, famoso pela sua sagacidade, e Nestor, o mais velho dos líderes gregos, e aquele a quem todos procuravam quando tinham necessidade de algum conselho.

Mas Troia não era um inimigo frágil. Príamo, seu rei, agora estava velho, mas ele tinha sido um príncipe sábio e havia ampliado os seus domínios com uma boa política interna e fazendo inúmeras alianças com os seus vizinhos. Mas seu esteio principal e apoio ao seu trono era o seu filho Heitor, uma das criaturas mais nobres registradas pela antiguidade pagã. Ele sentia, desde o começo, um pressentimento da destruição do seu país, mas ainda perseverou em sua heróica resistência, muito embora, isso não justificasse o equívoco que trouxe o perigo para seu país. Ele havia se unido em casamento com Andrômaca, e como marido e pai, seu caráter não era menos admirável do que como guerreiro. Os principais líderes ao lado dos troianos, além de Heitor, foram Eneias e Dêifobo, Glauco[1] e Sarpedão.

 
Abdução de Helena com permissão de Afrodite
pintura de Francesco Primaticcio (1505–1570)

Depois de dois anos de preparação a marinha grega e o exército se encontraram no porto de Áulida[2], na Beócia. Foi aqui que Agamemnon durante a caça matou um veado que era consagrado a Diana, e a deusa, como vingança, lançou a peste sobre o exército, e produziu uma calmaria, impedindo que os navios deixassem o porto. Calcas, o adivinho, então anunciou que a ira da deusa virgem só poderia ser aplacada com o sacrifício de uma virgem sobre o altar da deusa, e que nenhuma outra pessoa seria aceita em sacrifício, com exceção da filha do ofensor. Agamemnon, embora relutante, deu o seu consentimento, e a donzela Ifigênia, foi enviada sob o pretexto de que ela estava destinada a se casar com Aquiles.

Quando ela estava para ser sacrificada a deusa se acalmou em sua ira e a levou para muito longe, deixando uma corça no lugar dela, e Ifigênia, envolvida numa nuvem, foi levada para Táurida, onde Diana a transformou em sacerdotisa do templo. O poeta Alfred Tennyson (1809-1892), em sua obra "Sonho das Belas Mulheres," faz com que Ifigênia descreva desta maneira seus sentimentos na hora do sacrifício:

"Me vi privada da esperança naquela região do infortúnio,
Onde palavra alguma poderia expressar meu ódio e meu horror,
Meu pai horrorizado cobria o próprio rosto,
Eu, cega por causa das lágrimas,
"Ainda me esforçava para falar, minha voz entremeada de suspiros,
Como num sonho.

Mal conseguia eu vislumbrar
Os reis austeros com suas barbas negras, e olhos de lobo,
Ansiosos por minha morte.
"Os majestosos mastros tremeram quando estavam à tona,
Templos, pessoas e a costa oceânica assistem,
Alguém que aproxima uma faca afiada em minha garganta de menina
Lentamente, -- e não vejo mais nada.

O vento agora se mostrou favorável e os navios zarparam trazendo forças para a costa de Troia. Os troianos tentaram impedir-lhes o desembarque, e na primeira tentativa Protesilau é morto pelas mãos de Heitor. Protesilau havia deixado a esposa Laodâmia[3][4] em casa, e que se achava ligada a ele pelos mais francos laços do amor. Quando ela recebeu a notícia da morte do querido esposo ela implorou aos deuses para conversar com ele por apenas três horas. O pedido foi atendido. Mercúrio conduziu Protesilau de volta ao mundo superior, e quando ele morreu pela segunda vez Laodâmia morreu com ele. Há uma outra história que conta que as ninfas plantaram alguns pé de olmo em torno de sua sepultura, os quais cresceram tanto e ficaram altos o bastante a ponto de permitir uma vista de Troia, e depois foram enfraquecendo, enquanto brotos mais novos foram surgindo de suas raízes.

O poeta William Wordsworth (1770-1850) aproveitou a história de Protesilau e Laodâmia como tema de seu poema. Parece que o oráculo havia declarado que a vitória caberia à parte dos envolvidos, que tivesse sofrido com a primeira vítima da guerra. O poeta representa Protesilau, em seu breve retorno à Terra, enquanto relata a Laodâmia a história do seu destino:

 
Aquiles é descoberto entre as filhas de Licomedes
pintura de Jan de Bray (1627–1697)

"O vento tão desejado soprou, recorre então,
Ao oráculo, sob o silêncio do mar,
E se ninguém mais digno mostrasse o caminho,
Decidiu-se que dentre os milhares de barcos, a minha
Seria a primeira proa a visitar aquelas costas,--
O meu sangue seria o primeiro a tingir aquelas areias de Troia.
"Contudo muito amarga foi a dor excruciante
Quando em tua perda pensava, amada esposa!
Em ti depositava com carinho minhas lembranças,
E nas alegrias que desfrutamos em nosso amor mortal,
Nos caminhos que trilhamos juntos, -- nas fontes e flores,
Minhas cidades em construção com suas torres não terminadas.
"Mas se a expectativa permitisse que o inimigo gritasse,
"Veja, eles estão tremendo! altivos em sua força militar,
Embora numerosos, ninguém se atreve a morrer?"
Em minh'alma, varri os traços de indignidade:
Velhas fraquezas então surgiram: porém, o pensamento elevado
Consubstanciou-se no ato, e minha libertação foi declarada.'
"... ao lado de Helesponto (onde tanta fé foi celebrada)
Um conjunto de árvores espiraladas envelheceram
Pois, exilada de seu túmulo por quem ela morreu,
E quando tamanha estatura haviam atingido
Que as muralhas de Ílio[5] dependiam de sua visão
Os picos elevados das árvores se enfraqueceram diante da paisagem,
Uma troca contínua entre vida e ruína!"

A Ilíada editar

A guerra prosseguia por um período de nove anos sem qualquer resultado conclusivo. De repente, aconteceu um fato que parecia ser decisivo para a causa dos gregos, sendo essa uma disputa entre Aquiles e Agamemnon. E é neste ponto que começa o grande poema de Homero, "A ilíada". Os gregos, embora não tivessem nenhuma vitória contra Troia, haviam tomado os territórios vizinhos e as cidades aliadas, e durante a divisão do espólio uma cativa, de nome Criseida, filha de Crises, que era sacerdote de Apolo, fazia parte do quinhão de Agamemnon. Crises veio então, trazendo os emblemas do seu ofício sagrado, e solicitou a libertação de sua filha. Agamemnon recusou. Diante disso, Crises implorou a Apolo, para que atormentasse os gregos, até que fossem forçados a ceder a sua presa.

Apolo atendeu a oração de seu sacerdote, enviando a peste para os campos da Grécia. Um conselho então, foi deliberado para decidir uma maneira de aplacar a ira dos deuses e evitar a praga. Aquiles corajosamente atribuiu os infortúnios, nas costas de Agamemnon, cuja causa teria sido a prisão de Criseida. Agamemnon, enfurecido, concordou em dar liberdade à cativa, mas exigiu que Aquiles, no lugar de Criseida, lhe entregasse Briseis, uma donzela que fazia parte do quinhão de Aquiles na divisão do espólio. Aquiles aceitou, mas declarou que daí em diante não participaria mais da guerra. Ele retirou suas forças dos campos gerais e declarou abertamente a intenção de retornar à sua casa na Grécia. Os próprios deuses e deusas estavam tão interessados nesta célebre guerra como as partes envolvidas.

Era já um fato conhecido para eles que a sorte havia decretado a derrota de Troia, irrevogavelmente, caso seus inimigos perseverassem e não abandonassem voluntariamente a luta. Contudo, as chances eram múltiplas com relação à possibilidade de estimular tanto as expectativas como os temores dos poderes superiores, os quais tomavam parte de ambos os lados. Juno e Minerva, por causa da leve influência de seus encantos por Páris, eram hostis aos troianos, Vênus, por motivos opostos, os favorecia. Vênus conquistou Marte, seu admirador, para sua causa, mas Netuno, era favorável aos gregos. Apolo optou pela neutralidade, algumas vezes defendendo um lado, outras vezes o outro, e o próprio Jove, embora amasse o bom rei Príamo, mesmo assim, exerceu um grau de imparcialidade, não contudo, sem exceções.

Tétis, a mãe de Aquiles, sentiu ardentemente a desfeita feita ao seu filho. E imediatamente dirigiu-se ao palácio de Jove e implorou a este para que fizesse com que os gregos se arrependessem da injustiça feita à Aquiles concedendo a vitória para os exércitos de Troia. Júpiter concordou, e na batalha que se seguiu, os troianos saíram completamente vitoriosos. Os gregos foram expulsos de seus campos e se refugiaram em seus navios. Então, Agamemnon convocou um conselho com seus líderes mais valorosos e mais sábios. Nestor avisara que uma embaixada seria enviada a Aquiles para convencê-lo a retomar o combate, que Agamemnon lhe daria a donzela, a qual era a causa da disputa, além de muitos presentes para atenuar o mal que ele havia causado.

 
Ifigênia (ao centro) sendo levada para o sacrifício, enquanto Calcas (à direita), o adivinho, assiste a cena, e Agamemnon (à esquerda) cobre o rosto, lamentando o fato. Ártemis, aparece no céu, trazendo uma corça, em substituição à jovem donzela.

Agamemnon concordou, e Ulisses, Ájax, e Fênix foram convocados para entregar a Aquiles a mensagem de arrependimento. Eles cumpriram a missão, mas Aquiles se mostrou surdo diante das súplicas. Ele, decididamente, se recusava a voltar aos campos de luta, e persistia em sua resolução de embarcar para a Grécia imediatamente. Os gregos haviam construído uma plataforma em torno de seus navios, e agora, ao invés de assediar Troia, de certa maneira, eles haviam criado um cerco em torno de sua própria frota, dentro da plataforma. No dia seguinte aos diálogos mal sucedidos com Aquiles, uma batalha foi travada, e os troianos, favorecidos por Jove, foram vitoriosos, e conseguiram forçar uma passagem através da plataforma grega, e já se preparavam para incendiar os navios.

Netuno, vendo os gregos assim pressionados, partiu para ajudá-los. E apareceu na forma de Calcas, o profeta, e encorajou os guerreiros com seus gritos, apelando para cada guerreiro, individualmente, até que ele conseguiu levantar o ardor dos combatentes a tal ponto, forçando os troianos a ceder. Ájax realizou prodígios dignos de nota, e finalmente encontrou Heitor. Ájax gritou em desafio, enquanto Heitor responde, e atira sua lança contra o gigante guerreiro. Seu alvo é perfeito e acerta Ájax, onde as correias que prendiam a espada e o escudo se cruzam, uma em cima da outra, sobre o seu peito. A dupla proteção impediu a penetração da lança que caiu ao chão sem ferir. Então, Ájax, tomando de uma pedra enorme, uma daquelas que servia na sustentação dos navios, e a arremessou contra Heitor.

A pedra acertou o seu pescoço estendendo-o sobre a planície. Seus sequazes, no mesmo instante, o carregaram e o levaram embora, atordoado e ferido. Enquanto Netuno estava ajudando os gregos e repelia os troianos, Júpiter não sabia nada do que estava acontecendo, pois, a sua atenção havia sido retirada dos campos de batalha pelos ardis criados por Juno. Essa deusa havia se vestido com todos os seus encantos, e por coroa ela havia emprestado de Vênus a sua guirlanda, chamada de "Cestus," a qual tinha o efeito de multiplicar os encantos daquela que a usasse, a tal ponto, que ela se tornava praticamente irresistível. E assim preparada, Juno se aproximou do seu marido, que estava sentado no Olimpo assistindo a batalha. Quando ele a avistou, ela pareceu tão encantadora, que a magia de seu antigo amor ressurgiu, e, esquecendo os exércitos combatentes e todos os outros assuntos de Estado, ele pensava somente nela e permitiu que a batalha tomasse seu próprio rumo.

Mas este feitiço não durou muito tempo, e quando, ao mover seus olhos para baixo, ele avistou Heitor estendido na planície, quase sem vida, por causa da dor e dos ferimentos, ele afastou Juno tomado de raiva, e ordenou que ela enviasse Íris e Apolo até ele. Quando Íris chegou, ele mandou que ela enviasse uma mensagem séria para Netuno, ordenando que ele imediatamente abandonasse os campos de batalha. Apolo foi enviado para curar os ferimentos de Heitor e reanimar-lhe o espírito. Estas ordens foram obedecidas tão rapidamente, que, ainda no furor da batalha, Heitor retornou aos campos e Netuno se retirou para os seus próprios domínios.

Uma flecha provinda do arco de Páris feriu Macaão, filho de Esculápio, que herdou de seu pai a arte de curar, e portanto, era de grande utilidade para os gregos como cirurgião, além de ser um de seus mais bravos guerreiros. Nestor pegou Macaão em sua carruagem e o retirou dos campos de batalha. E assim que passavam perto dos navios de Aquiles, este herói, olhando em direção aos campos, viu a carruagem de Nestor e reconheceu seu antigo líder, mas não conseguiu definir quem era o chefe ferido. Então, chamou Pátroclo, seu companheiro e dileto amigo, e o mandou para a tenda de Nestor para perguntar sobre o fato.

Pátroclo, chegando à tenda de Nestor, viu que Macaão estava ferido, e depois de esclarecer o motivo da visita, se apressou em voltar, mas Nestor o deteve, para lhe contar a extensão das calamidades gregas. Nestor fez recordar ao amigo, que na época da partida deles para Troia, Aquiles e ele mesmo haviam sido alertados por seus respectivos pais com diferentes avisos: Aquiles, como aspirante do mais alto grau da glória, Pátroclo, sendo mais velho, para vigiar o amigo, e orientar sua inexperiência. "E agora" disse Nestor, "chegou o momento de convencê-lo. Se apraz aos deuses, tu poderás convencê-lo à causa comum, caso contrário, faze com que ele pelo menos mande seus homens para os campos de batalha, e vem tu, Pátroclo, vestido com as armaduras dele, e talvez a própria visão dos exércitos possa fazer com que os troianos recuem.

Pátroclo ficou extremamente emocionado por apelo tão veemente, e retornou apressadamente até Aquiles, remoendo em seu pensamento tudo o que ele tinha visto e ouvido. E contou ao príncipe a triste condição da situação, nos campos de batalha, de seus últimos companheiros: Diomedes, Ulisses, Agamemnon, Macaão, todos feridos, a plataforma invadida, o inimigo entre os navios se preparando para incendiá-los, e dessa maneira, impedindo, de todas as maneiras, o seu retorno à Grécia. E enquanto conversavam, as chamas irromperam em um dos navios. Aquiles, ao ver isso, cedeu a ponto de concordar com Pátroclo com seu pedido de chefiar os Mirmidões (pois assim eram chamados os soldados de Aquiles) nos campos de batalha, e emprestou a ele a sua armadura, para que ele pudesse espalhar mais terror na mente dos troianos.

Imediatamente os soldados entraram em forma, Pátroclo vestiu a armadura radiante e montou na carruagem de Aquiles, e conduziu os guerreiros ávidos pelo combate. Mas antes de ir, Aquiles o advertiu estritamente de que ele deveria ficar satisfeito em repelir o inimigo "Não tentes," disse ele, "pressionar os troianos sem que eu esteja presente, caso contrário, mais infortúnio você trará àqueles que já tenho." Em seguida, exortando a tropa para que fizessem o melhor, se despediu daqueles que estavam cheios de ardor para a luta. Pátroclo e seus Mirmidões imediatamente entraram no combate, cuja violência estava em seu ponto mais alto, e vendo a tropa que chegava, os gregos gritavam de alegria cuja consagração era ecoada pelos navios.

Os troianos, quando viram a armadura que já era conhecida deles, ficaram paralisados de terror, e olhavam por toda parte em busca de refúgio. Primeiro, aqueles que haviam tomado posse do navio, e em seguida o haviam deixado incendiado, permitiram que os gregos retomassem a frota para apagar o incêndio. Depois, o restante dos troianos fugiram desesperados. Ájax, Menelau, e os dois filhos de Nestor realizaram prodígios de valor. Heitor foi forçado a desviar a ação de seus cavalos para se livrar do cerco, deixando seus homens presos na vala para escaparem como pudessem. Pátroclo os expulsou diante do chefe que fugia, matando a muitos, e ninguém ousou enfrentá-lo. Finalmente, Sarpedão, filho de Jove, se arriscou a opor-se ele próprio em luta contra Pátroclo.

Júpiter, do alto o avistou e desejou protegê-lo da sorte que o aguardava, mas Juno deu a entender que se ele fizesse isso faria com que todos os habitantes do céu interferissem de maneira semelhante, sempre que um de seus filhos estivessem em perigo, e diante de tal raciocínio Jove cedeu. Sarpedão atirou a sua lança, mas Pátroclo saiu ileso, o qual atirou a sua e foi mais bem sucedido. A lança penetrou o peito de Sarpedão e ele tombou, e expirou, gritando para que seus soldados retirassem seu corpo das mãos do inimigo. Então, uma disputa furiosa irrompeu para a posse do corpo. Os gregos foram favorecidos e retiraram de Sarpedão a sua armadura, mas Jove não permitiria que os restos de seu filho fossem desonrados, e emitiu uma ordem a Apolo para que arrebatasse o corpo de Sarpedão do meio dos combatentes e deixou esta tarefa sob os cuidados dos irmãos gêmeos a Morte e o Sono, que transportaram o corpo até Lícia, terra natal de Sarpedão, onde ele foi homenageado com os ritos funerais devidos.

Até este ponto, Pátroclo havia sido bem sucedido em seu maior desejo de repelir os troianos e libertar os seus compatriotas, mas agora a sorte estava mudando. Heitor, montado em sua carruagem, decidiu enfrentá-lo. Pátroclo lançou uma pedra enorme contra Heitor, a qual errou o alvo, mas acertou Cebrion, o carroceiro, que o jogou para fora do carro. Heitor saltou da carruagem para salvar seu amigo, e Pátroclo também desceu para finalizar a sua vitória. Então, os dois heróis se viram face a face. Neste momento decisivo o poeta, como se relutasse em reconhecer a glória de Heitor, recorda que Febo participou da luta contra Pátroclo.

Arrebatou-lhe o elmo da cabeça e a lança de suas mãos. No mesmo instante, um troiano obscuro feriu-lhe nas costas, e Heitor, com sua lança, avançou contra ele atravessando-lhe o corpo. Pátroclo caiu mortalmente ferido. Então, um tremendo conflito irrompeu por causa da posse do corpo de Pátroclo, mas Heitor, rapidamente tomou posse de sua armadura, que se afastou a curta distância, despiu-se de sua própria armadura e vestiu a de Aquiles, voltando em seguida ao combate. Ájax e Menelau defendiam o corpo, e Heitor e seus mais bravos guerreiros lutavam para capturá-lo. A batalha era travada com forças equivalentes, quando Jove envolveu toda a face do céu com uma nuvem escura. Os relâmpagos iluminavam o céu, o ribombar de trovões eram ouvidos, e Ájax, olhando ao redor para ver se encontrava alguém que ele pudesse despachar em busca de Aquiles para lhe contar sobre a morte do amigo, e sobre o perigo iminente de que seus restos mortais pudessem cair em mãos do inimigo, não conseguiu encontrar ninguém que pudesse enviar-lhe a mensagem. Foi então, que ele exclamou uma frase que ficou célebre, e que é frequentemente citada:

"Pai do céu e da terra! livrai
O anfitrião de Acaia das trevas, limpai os céus,
Faça-se o dia, e, desde que tua vontade poderosa assim o queira,
A destruição seja tua companheira, mas, Oh, faça-se o dia."
-- Cowper (1731-1800)

Alexander Pope assim se expressou em seu poema

"... Senhor da terra e do ar!
Oh nosso rei! Oh pai! ouve minha prece humilde!
Desfaz esta nuvem, e restaura a luz do céu,
Devolve-me a visão e Ájax nada peça,
Se a Grécia tiver de perecer, tua vontade obedeceremos,
Mas que a nossa morte aconteça na face do dia."

 
Ulisses entrega Criseida a seu pai
ilustração de Claude Lorrain (1604–1682).

Júpiter ouviu a oração e dispersou as nuvens. Então, Ájax mandou que Antíloco fosse até Aquiles para informar sobre a morte de Pátroclo, e os conflitos que eram travados por causa do seus restos mortais. Os gregos, finalmente, conseguiram carregar o corpo até o navio, perseguido de perto por Heitor, Eneias e o resto dos troianos. Aquiles, quando soube da morte do amigo, ficou tão indignado, que Antíloco temeu por alguns momentos que ele fosse dar um fim à própria vida. Seus gemidos chegaram até os ouvidos de sua mãe. Tétis, lá embaixo, nas profundezas do oceano, onde era sua morada, correu rapidamente até seu filho para saber-lhe os motivos. Encontrou-o desolado e arrependido por ter alimentado esse ódio durante tanto tempo, a ponto de permitir que um amigo tombasse como vítima.

Mas seu único consolo era a expectativa da vingança. Ele queria imediatamente ir à caça de Heitor. Mas sua mãe o lembrou de que ele agora não tinha mais a armadura, e prometeu-lhe, que se ele pudesse esperar até o dia seguinte, ela conseguiria para ele um conjunto de armaduras de Vulcano melhor do que aquela que ele havia perdido. Ele concordou, e Tétis imediatamente se dirigiu ao palácio de Vulcano. Ela o encontrou trabalhando em sua forja fabricando trípodes para seu próprio uso, peças tão habilmente construídas que elas se moviam para a frente por vontade própria sempre que desejassem, e se afastavam quando não havia uso para elas. Ao ouvir o pedido de Tétis, Vulcano imediatamente deixou de lado o que estava fazendo e se apressou em atender os desejos de sua cliente. Ele construiu um esplêndido conjunto de armaduras para Aquiles, primeiro, um escudo adornado com dispositivos altamente elaborados, depois um elmo com timbre de ouro, e depois, um corselete[6] e grevas[7] com têmpera impenetrável, tudo perfeitamente adaptado ao seu formato, e feitos com perfeição.

Isso foi feito numa única noite, e Tétis, pegou o material, e desceu até a terra, depositando-o aos pés de Aquiles justamente na aurora do dia. O primeiro brilho de alegria que Aquiles sentia desde a morte de Pátroclo foi a visão desta esplêndida armadura. E agora, equipado com ela, ele partiu para o campo de batalha, convocando todos os líderes para um conselho. Quando estavam todos reunidos Aquiles se dirigiu a eles. Abdicando de qualquer mágoa contra Agamemnon e lamentando amargamente as desgraças que tiveram por resultado, ele convocou a todos para que imediatamente se dirigissem para os campos de batalha. Agamemnon de uma resposta adequada, colocando toda culpa em Ate, a deusa da discórdia, e depois disso, uma reconciliação completa teve lugar entre os heróis.

Então, Aquiles partiu para a batalha, inspirado por um ódio e sede de vingança que o tornavam imbatível. Os heróis mais aguerridos fugiam diante dele ou eram mortos por sua lança. Heitor, advertido por Apolo, manteve-se distante, mas o deus, assumindo a forma de Licaonte, um dos filho de Príamo, insistiu para que Eneias encontrasse o terrível guerreiro. Eneias, embora se considerasse inferior, não declinou do combate. E atirou a lança com toda sua força contra o escudo, obra de Vulcano. O escudo era constituído por cinco placas de metal, duas eram de bronze, duas de estanho, e uma de outro. A lança penetrou duas camadas, mas foi barrada pela terceira.

Aquiles atirou a sua lança que teve melhor sucesso. Ela penetrou o escudo de Eneias, mas resvalou por cima do seu ombro, não causando nenhum ferimento. Então, Eneias pegou uma pedra, tão grande, que dois homens dos tempos modernos dificilmente conseguiriam levantá-la, e se preparava para lançá-la, quando Aquiles, puxou a sua espada, e estava para se lançar contra ele, quando Netuno, que assistia o combate, foi tocado de piedade por Eneias, o qual ele percebeu que sairia facilmente vitimado se rapidamente não fosse resgatado, então, ele espalhou nuvens entre os combatentes, e levantando Eneias do chão, conduziu-o até a retaguarda da batalha, passando sobre as cabeças dos guerreiros e dos corcéis. Aquiles, quando a névoa foi dispersa, em vão procurou pelo seu adversário, e reconhecendo o milagre, voltou suas armas contra os outros campeões.

Mas ninguém tinha coragem o bastante para ficar diante do herói, e Príamo olhando do alto das muralhas da cidade via que todo o seu exército fugia em massa em direção à cidade. E deu ordens para que os portões fossem abertos para receber os fugitivos, e para fechá-los assim que os troianos houvessem passado, caso contrário, o inimigo também entraria. Mas Aquiles estava tão próximo na perseguição, a qual se tornou impossível pois Apolo, na forma de Agenor, filho de Príamo, desafiou Aquiles durante algum tempo, tendo depois fugido, e tomando uma direção contrária à da cidade. Aquiles perseguiu e teria caçado sua suposta vítima longe das muralhas, quando Apolo se revelou, e Aquiles, percebendo que tinha sido enganado, desistiu da perseguição.

Mas, quando o restante da tropa havia fugido para a cidade, Heitor ficou do lado de fora, decido a enfrentar o combate. Seu pai, das muralhas gritou para ele, e lhe implorou para que se retirasse e não tentasse nenhum desafio. Sua mãe, Hécuba, também fez a ele o mesmo pedido, mas ele não deu ouvidos a nenhum dos dois. "Como posso eu," dizia ele para si mesmo, "sob cujo comando as pessoas acorreram para o combate deste dia, onde tantos tombaram mortos, buscar segurança para mim mesmo contra um único inimigo? Mas e se eu lhe oferecesse a devolução de Helena e de todos os seus tesouros junto com muitos de nossos tesouros? Ah, não! agora é tarde demais. Ele nem me ouviria completamente, e me mataria enquanto eu estivesse falando." Enquanto remoía esses pensamentos, Aquiles se aproximou, terrível como Marte, sua armadura refletia lampejos quando ele se movia.

Diante disso, o coração de Heitor se acovardou e ele fugiu. Aquiles rapidamente correu em sua perseguição. Eles correram, mantendo-se ainda perto das muralhas, até terem completado três voltas ao redor da cidade. Assim que Heitor se aproximou das muralhas, Aquiles o interceptou e o forçou a manter distância fazendo um círculo mais largo. Mas Apolo sustentou a força de Heitor e não o deixou ser vencido pelo cansaço. Então, Palas, assumindo a forma de Deífobo, o irmão mais valoroso de Heitor, de repente apareceu ao seu lado. Heitor ficou feliz ao vê-lo, e sentindo-se fortalecido, parou de fugir, e se voltou para enfrentar Aquiles. Heitor atirou sua lança, que acertou a armadura de Aquiles ricocheteando de volta. Ele se virou para receber outra lança das mãos de Deífobo, mas Deífobo havia desaparecido.

Então, Heitor compreendeu então, sua condenação e disse, "Ai de mim! está claro que agora é minha hora de morrer! Acreditei que Deífobo estivesse por perto, mas Palas me enganou, e ele ainda se encontra em Troia. Mas eu não cairei sem glória," E assim dizendo, ele sacou a espada da cintura e imediatamente se lançou ao combate. Aquiles, protegido nas costas pelo escudo, aguardou a aproximação de Heitor. Quando este chegou ao alcance de sua lança, Aquiles, escolhendo com os olhos uma parte vulnerável, onde a armadura deixa o pescoço descoberto, mirou sua lança contra a garganta de Heitor que caiu, ferido de morte, que disse quase sem voz, "Poupa o meu corpo! Permite que ele seja resgatado por meus pais, e que eu receba os ritos funerais dos filhos e filhas de Troia." Ao que Aquiles respondeu, "Cão imundo, não fale em resgate ou piedade para mim, a quem trouxeste uma angústia tão terrível.

Não! podes crer, que nada irá poupar dos cães a tua carcaça. Ainda que vinte resgates e teu peso em ouro me fossem oferecidos, tudo isso seria recusado." E assim dizendo, ele retirou do corpo de Heitor a sua armadura, e amarrando com cordas os pés de Heitor, prendeu-os na traseira da sua carruagem, e arrastou o corpo pelo chão. Depois, montou na carruagem e chicoteou os corcéis que arrastaram o corpo para todos os lados diante da cidade. Que palavras poderiam expressar o infortúnio do rei Príamo e da rainha Hécuba diante do que viram! O povo de Troia mal conseguia deter o velho rei em seu desespero. O rei se atirou na poeira e suplicou a cada um deles, dizendo-lhes o nome, para que o deixassem passar.

A angústia de Hécuba não foi menos apavorante. Os cidadãos ficaram ao redor deles chorando. O som dos lamentos chegaram aos ouvidos de Andrômaca, esposa de Heitor, quando ela estava trabalhando junto com suas criadas, e antecipando a desgraça, ela correu até a muralha. Quando ela viu o corpo do marido ali estendido, quis se atirar de cabeça para baixo da muralha, mas de repente ela desmaiou e caiu nos braços de suas criadas. Ao acordar, ela lamentou a sua sorte, imaginando para si mesma um país de ruínas, sendo ela uma prisioneira, e seu filho dependente da caridade de estranhos para comer o seu pão. Quando Aquiles e os gregos haviam saciado sua vingança sobre o matador de Pátroclo eles passaram a prestar suas homenagens fúnebres ao amigo morto.

Uma pira foi levantada, e o corpo queimado com a devida solenidade, e então, seguiram-se jogos de força e habilidade, corridas de bigas, combates, pugilismo e competições com arco. Então, os chefes se sentaram no banquete fúnebre e depois das homenagens se retiraram para descansar. Mas Aquiles não quis participar da festa nem do descanso. As lembranças do amigo perdido o mantinham acordado, lembrando-se da sua companhia nos trabalhos e nos perigos, nas batalhas ou nos perigos mais iminentes. Antes que a aurora viesse, ele havia deixado a sua tenda, e subindo em sua carruagem com seus corcéis velozes, ele amarrou o corpo de Heitor para ser arrastado por trás. E por duas vezes arrastou o corpo em torno do túmulo de Pátroclo, deixando-o finalmente estendido na poeira. Mas Apolo não permitiu que o corpo fosse dilacerado ou desfigurado, mas o protegeu contra qualquer contaminação ou de ser profanado.

Enquanto Aquiles aplacava a própria ira, ultrajando dessa maneira o valente Heitor, Júpiter, compadecido do guerreiro, mandou chamar Tétis à sua presença. Ele disse a ela para que procurasse seu filho e o convencesse a devolver o corpo de Heitor para os seus amigos. Em seguida, Júpiter mandou que Íris, fosse até o rei Príamo e encorajá-lo para que procurasse Aquiles a fim de pedir o corpo de seu filho. Íris entregou o recado, e Príamo imediatamente se dispôs a obedecer. E abrindo seus tesouros, retirou ricos trajes e peças de vestuário, com dez talentos em ouro e dois majestosos trípodes e uma taça de ouro que era um artesanato incomparável. Então, ele mandou chamar seus filhos e pediu para que eles preparassem a sua liteira e colocassem nela os diversos utensílios destinados a Aquiles como pagamento do resgate.

Quando tudo estava pronto, o velho rei, com um único companheiro tão idoso quanto ele próprio, Ideu[8][9][10], e irmão de Dimas, o arauto, atravessaram os portões da cidade, despedindo-se ali de Hécuba, sua rainha, e de todos os seus amigos, que o lamentavam, achando que ele estava indo para a morte certa. Mas Júpiter, movido de compaixão pelo venerável rei, enviou Mercúrio como seu guia e protetor. Mercúrio, assumindo a forma de um jovem guerreiro, se apresentou diante dos dois idosos, e os dois diante do deus não sabiam se fugiam ou se o atendiam, então, Mercúrio se aproximou, e pegando nas mãos de Príamo se ofereceu para guiá-los até a tenda de Aquiles. Príamo todo feliz, aceitou o serviço que lhe era oferecido, e então, montando na carruagem, Mercúrio tomou as rédeas e partiu em seguida para a tenda de Aquiles.

A varinha mágica de Mercúrio colocou para dormir todos os guardas, e sem nenhum impedimento introduziu Príamo para dentro da tenda onde Aquiles estava sentado, sendo atendido por dois de seus guerreiros. O velho soberano se lançou aos pés de Aquiles, e beijou suas mãos implacáveis que haviam destruído tantos filhos seus. "Pensa, Ó Aquiles," disse o rei, "em teu próprio pai, já arcado pelo tempo, e trêmulo nas sombrias fronteiras da vida. É possível que ainda hoje seja incomodado por algum vizinho e privado de mãos amigas dispostas a socorrê-lo em sua agonia. No entanto, indubitavelmente, sabendo que Aquiles vive, ele ainda se regozija, esperançoso de algum dia ver tua face novamente. Mas nenhum conforto me visita a alma, pois meus filhos mais valorosos, qual tardia flor de Ílio, todos morreram.

Todavia, um ao menos me restou, um a mais que todo o resto das forças da minha idade, a quem, lutando por seu país, tu o mataste. Estou aqui para resgatar o seu corpo, e trago comigo riquezas inestimáveis. Aquiles! Reverencia os deuses! Lembra-te de teu pai! em nome dele mostra alguma compaixão por mim!" Estas palavras comoveram Aquiles, que acabou chorando, lembrando-se tanto do pai ausente como do amigo morto em combate. Tomado de compaixão pela barba e pelos cabelos prateados de Príamo, levantou-se do chão, e assim falou: "Príamo, sei que chegaste a estas paragens conduzidos pelas mãos de algum deus, pois sem ajuda divina nenhum mortal, nem mesmo no fulgor da juventude, teria ousado tentar. Concedo-te o que me pedes, em obediência à vontade de Jove."

E assim dizendo, levantou-se, e seguiu junto com seus dois amigos, e descarregou a liteira que trazia o prêmio do resgate, deixando dois mantos e uma túnica para cobrir o corpo, que eles colocaram na liteira, e estenderam alguns lençóis sobre ele, para que não ficasse descoberto durante o retorno à Troia. Então, Aquiles dispensou o velho rei junto com seus criados, tendo, porém, se comprometido a permitir uma trégua de doze dias para as cerimônias fúnebres. Assim que a liteira se aproximava da cidade e foi avistada das muralhas, uma multidão de pessoas acorreu para ver mais uma vez o rosto do herói. Na frente de todos, estavam a mãe e a esposa de Heitor, e à vista do corpo sem vida, as lamentações foram renovadas.

Todo o povo chorou com elas, e até o por do sol a dor não teve interrupção nem foi suavizada. No dia seguinte, preparações foram feitas para as solenidades fúnebres. Durante nove dias as pessoas trouxeram madeira para erguer a pira funerária, e no décimo dia eles colocaram o corpo no topo da pira e acenderam a tocha, enquanto a cidade inteira de Troia se aglomerou, formando um círculo ao redor da pira. Quando tudo se consumiu completamente, eles apagaram as cinzas com vinho, recolheram os ossos e os colocaram dentro de uma urna de ouro, a qual foi sepultada na terra, e uma pilha de pedras foi colocada sobre o local.

"Tantas homenagens foram prestadas pelo herói de Ílio,
E pacificamente dormiu a sombra do poderoso Heitor."

--Alexander Pope

Notas e Referências do Tradutor editar

  1. Glauco, filho de Hipóloco, era um dos melhores guerreiros dentre os lícios, e lutava sempre ao lado de Sarpedão, rei dos lícios e filho de Zeus. Depois da morte deste, passou a comandar as hostes lícias, até a derrota final de Troia Wikipedia.
  2. Áulida era um antigo porto localizado na parte central da Grécia, chamada de Beócia, junto do Estreito de Euripo, no lado oposto à ilha de Eubeia, identificada atualmente como a moderna Avlida.
  3. Laodâmia era filha de Acasto, e Astidâmia.
  4. Astidâmia era filha de Creteu, também conhecido como Hipólito. Era esposa de Acasto e rainha de Iolcos.
  5. Ílio: nome em latim para a cidade de Troia.
  6. Corselete: armadura para o peito.
  7. Grevas: armaduras para a pernas.
  8. Ideu: filho de Dardano e Crise. Foi com seu pai de Peloponeso, seguindo a Samotrácia, até a Frígia, e se estabeleceram nas montanhas da Frígia, na Turquia, que deu o nome ao Monte Ida. Dizem que ele posteriormente instituiu um culto de adoração aos mistérios de Frígia, a mãe dos deuses, também conhecida como Cibele.
  9. Crise, filha de Palas.
  10. Palas, filho de Licaonte, e epônimo do fundador da cidade da Arcádia, Pallantion. Foi professor de Atenas e tinha uma filha chamada Crise.