1) Do sonho já se disse que "é a coisa mais maravilhosa que pode acontecer ao homem". E já se tem afirmado, também, que "uma maior porcentagem das maravilhas realizadas pelos homens se devem aos estados hipnoidais (sonhos, inspiração artística, êxtase, transe, etc.), muito mais do que aos estados de raciocínio". Daí a importância de estudarmos e conhecermos a natureza de nossos sonhos.

De fato, todos nós sonhamos cada dia, e 90% de nós sabemos que sonhamos, pois, pouco ou muito, temos alguma lembrança de nossos sonhos, e alguns têm lembrança de uma atividade muito intensa durante o sono. Mesmo as pessoas que dizem nada lembrar-se de seus sonhos devem acreditar que também sonham todas as noites. Todavia, se todos sonhamos, quase todos, mesmo o que nós lembramos dos sonhos, pouco ou nada entendemos dos nossos sonhos, e ficamos tão tranqüilos que em nada nos surpreendemos, como se nada de estranho estivesse acontecendo dentro de nós quando dormimos.

2) Qual é a natureza dos sonhos? Como a criança que nasce de um mundo intrauterino para o mundo da realidade exterior, quando dormimos, acordamos do sono para o mundo da realidade externa. O sono e a vigília são os dois pólos opostos da existência humana. Quando acordamos, entramos no domínio da realidade, quando dormimos, submergimos num mundo que se parece com a morte, e com razão, podemos ser comparados, quando dormimos, com um "cadáver".

Fisiologicamente o sono é um estado de relativa quietude fisiológica e psíquica, durante o qual é-nos possível recuperarmos as energias gastas durante as atividades vigílicas.

Psicologicamente o sono consiste na suspensão de nossa função ou faculdade de reagir à realidade externa por meio da percepção e da ação. Pois o dever do homem desperto é o da sobrevivência. Sua lógica é a da realidade e está sujeita às leis de espaço-massa e tempo. Quando dormimos, porém, não precisamos preocupar-nos em dominar o mundo da realidade.

Todavia, o sono não é um estado de total quietude, nem fisiológica nem psicológica. Essas atividades continuam num plano diferente. E a atividade psicológica que ocorre durante o sono recebe o nome de sonho. Assim, quando dormimos o mundo da realidade externa e objetiva desaparece, e nós penetramos em um mundo que podemos chamar o mundo da realidade interna e subjetiva. Não é o mundo do raciocínio e do pensamento lógico, mas sim, o mundo da imaginação, e da fantasia. Ao contrário quando acordamos, o mundo do sonho desaparece e nós penetramos no mundo da realidade exterior, o mundo da razão e da lógica.

Absorvidos por nossa vida consciente, denominamos o campo de nossa observação diurna de "realidade" e nos orgulhamos de nosso "realismo" e de nossa habilidade em manipular essa mesma "realidade". Mas quando dormimos, "despertamos", às vezes, para um outro "campo", ou para uma outra forma de existência e de atividade: sonhamos. Convencionalmente, a este campo lhe damos o nome de "ficção", pois temos a impressão de ser um campo completamente alheio a nós mesmos. Todavia, qualquer que seja o papel que nos toque representar em nossos próprios sonhos, nós somos o autor deles ao mesmo tempo que co-atores e espectadores: o sonho é nosso e nós somos os inventores de semelhantes "estórias".

Neste sentido, a atividade mental psíquica-perceptiva e psíquico-emotiva do sonho, durante o sono, reduz-se a "uma linguagem ou a um diálogo de nós mesmos"; um conjunto de coisas que tentamos dizer a nós mesmos durante as horas em que não estamos ocupados com a realidade do mundo exterior (durante o sono, cochilo, distração, alheiamento, transe, etc.). E a linguagem usada nesse diálogo do sonho é a linguagem simbólica. Ela é chamada, também, a linguagem do Inconsciente.

3) A principal característica dos sonhos é, portanto, a de não obedecerem às leis convencionais da lógica do raciocínio consciente, que governam nossos pensamentos e atividades de quando estamos acordados.

Nós mesmos podemos ser comparados a um cadáver ou, também, podemos ser assemelhados aos anjos, a espíritos e fantasmas, não-sujeitos às leis da realidade. Vemos vivas as pessoas mortas e vice-versa; vemos como presente coisas e acontecimentos que ocorreram muitos anos antes; vemos coexistirem simultaneamente dois fatos que ocorreram separados; podemos deslocar-nos instantaneamente a grandes distâncias, estar em dois lugares distantes ao mesmo tempo, e entrar e sair de um lugar, estando todas as portas fechadas. Podemos reunir duas pessoas diferentes numa só, ou separar uma em várias, ou transformar um em outro ao nosso prazer. Em nossos sonhos somos criadores de um mundo mágico e ideal em que o tempo e o espaço, que tanto limitam as nossas atividades vigílicas, não tem poder nenhum. Lembramo-nos de coisas que nunca nos ocor-reram estando acordados, parecendo estarmos a remover um vasto depósito de experiências e lembranças que em vigília não imaginaríamos.

De nossos sonhos pouco ou nada nos lembramos quando acordados, a menos que seja muito intensos e os registremos no plano de nossa "consciência onírica", que apenas tem o poder de perceber e observar a "realidade subjetiva" de nossa atividade íntima, mas não pode intervir nela. é como se os espíritos do outro mundo nos estivessem visitando, desaparecendo amistosamente ao clarear o dia.

Contudo, nossos sonhos são reais para nós, como o são nossos atos da vida vigília. Poderíamos perguntar a nós mesmos, qual é o verdadeiramente real: se o que acontece no sonho ou na vigília. Um poeta chinês, “que sonhou ser uma borboleta, acordado parece-me ser um homem. No fim não sei se sou um homem que sonhou ser uma borboleta ou uma borboleta que sonhou ser um homem”.

4) à atividade onírica costuma dar-se o nome de "atividade inconsciente". Todavia, real e irreal, consciente e inconsciente, são termos muito relativos. O inconsciente é somente tal com relação ao estado normal da atividade consciente. De fato, quando o consciente dorme, o inconsciente está vigilante, e exerce uma atividade real, e quando o inconsciente dorme e o consciente está desperto, este é que vive a realidade".

Contudo, o inconsciente não representa somente o reino místico da experiência psíquica da concepção de Freud. O inconsciente deve ser considerado mais bem como um dinamismo psíquico, que pode ultrapassar em muito a eficiência e poder criador e crítico do Consciente vigílico, como apontam Geley e outros muitos metapsiquistas e parapsicólogos, e como é reconhecido por alguns psicanalistas, como Erich Fromm.

5) Convém distinguir ainda os três tipos de sonhos seguintes:

a) O sonho fisiológico — que é a rememoração simbólica de nossas atividades cotidianas do estado de vigília. Uma má digestão pode produzir um pesadelo; um pequeno barulho pode causar um sonho dramatizando uma tormenta, etc. A fome pode produzir um sonho de um lauto repasto.

b) O sonho psicanalítico — que nos proporciona, através de símbolos, uma mensagem da realidade subjetiva, de estados emocionais de nosso passado ou presente.

c) O sonho parapsicológico — que nos traz a mensagem simbólica de uma realidade objetiva, possivelmente de um fato a realizar-se (precognição ou pré-sentimento) como a queda de um avião em que nós vamos viajar, ou algum de nossos seres queridos.

6) Devemos precisar, também, que os nossos sonhos têm uma extraordinária semelhança com as mais antigas criações da fantasia humana, os mitos e as lendas tradicionais, que formam parte de nossas religiões e de nossa cultura. Respeitados e tidos como verdadeiros, no primeiro caso; ignorados ou tidos como infantilidade dos estados humanos pré-lógicos, no segundo caso; eles são produtos análogos ao que nós produzimos quando dormimos. Nos mitos também ocorrem as mesmas cenas dramáticas, impossíveis, fantásticas e simbólicas, etc. O herói morre e ressuscita, é queimado e renasce das cinzas, abandona pátria, lar e família por um idealismo para fugir logo de sua missão, ser engolido por um peixe e ser causa de uma tempestade que quase afunda uma embarcação, etc.

Mitos e sonhos têm uma mesma linguagem comum que é universal para todos os povos, todas as épocas e todas as terras, que é a linguagem simbólica. Os sonhos de uma pessoa, vivendo agora em São Paulo, no México ou em Paris, são os mesmos que foram registrados por pessoas que viveram em Roma, Atenas ou Jerusalém há mais de dois mil anos. E os mitos dos Babilônios, dos indianos, dos hebreus, dos egípcios e dos gregos foram registrados também na mesma linguagem que a dos astecas, maias e dos incas.