História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/II/XIII
No fim das 25 léguas da terra da capitania de Itamaracá, que el-rei doou a Pero Lopes de Souza, doou, e fez mercê a João de Barros, feitor, que foi da casa da Índia, de 50 léguas por costa; o qual cuidando de se aproveitar a si e a seus amigos, armou com Fernand’Álvares de Andrade, tesoureiro-mor do reino, e Aires da Cunha, que veio por capitão da empresa, mandando com ele dois filhos seus em uma frota de 10 navios, em que vinham 900 homens, e com todo o necessário para a jornada, e para a povoação que vinham fazer, se partiram de Lisboa no ano de 1535; mas desgarrando-se com as águas e ventos foram tomar terra junto do Maranhão, onde se perderam nos baixos.
Deste naufrágio escapou muita gente, com a qual os filhos de João de Barros se recolheram a uma ilha, que então se chamava das Vacas, e agora de São Luiz, donde fizeram pazes com o gentio tapuia, que então ali habitava, resgatando mantimentos, e outras coisas, que lhes eram necessárias: e chegou o trato e amizade a tanto que alguns houveram filhos das Tapuias, como se descobriu depois que cresceram, não só porque barbaram, e barbam ainda hoje todos os seus descendentes, como seus pais e avós, senão pelo amor que têm aos portugueses em tanta maneira, que nunca jamais quiseram paz com os outros gentios, nem com os franceses, dizendo que aqueles não eram verdadeiros Peros / que assim chamam aos portugueses, parece por respeito de algum que se chamava Pedro / e, todavia, quando na era de 614 entraram os nossos no Maranhão, logo os vieram ver, e fazer pazes com eles, dizendo que estes eram os seus Peros desejados, de que eles descendiam.
Donde se colige que não era o Maranhão a terra, que el-rei deu a João de Barros, como alguns cuidam, senão estoutra, que demarca pela Paraíba com a de Pero Lopes de Souza; porque se fora a do Maranhão, havendo seus filhos escapado do naufrágio, e chegado à do Maranhão com quase toda a sua gente, e achando a da terra tão benévola, e pacífica, que causa havia para que a não povoassem?
Prova-se também por que todas as que se deram naquele tempo foram contíguas umas com outras, e os donatários éreos uns dos outros pela ordem que vimos nos capítulos precedentes.
E finalmente se confirma, por que a do Maranhão foi dada a Luiz de Mello da Silva, que a descobriu, como se verá no capítulo seguinte, e não devia el-rei de dar a um, o que tinha dado a outro.
Nem o mesmo João de Barros, na primeira década, livro sexto, capítulo primeiro, onde fala da sua capitania, faz menção do Maranhão, mas só diz que da repartição que el-rei d. João Terceiro fez das capitanias na província de Santa Cruz, que comumente se chama do Brasil, lhe coube uma, a qual lhe custou muita substância de fazenda, por razão de uma armada, que fez em companhia de Aires da Cunha / et cetera, / que é a armada / como temos dito / que arribou, e se foi perder no Maranhão, e daí mandou depois em outros navios buscar seus filhos, donde ficou tão pobre, e endividado, que não pôde mais povoar a sua terra, a qual já agora é de Sua Majestade, por cujo mandado depois se conquistou, e se ganhou ao gentio Potiguar à custa de sua real fazenda.