História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/II/XIV
O Maranhão é uma grande baía, que fez o mar, cuja boca se abre ao norte em 2º e um quarto da linha para o sul, entre a’ponta do Pereá, que lhe fica a leste, e a do Cumá a oeste, tem no meio a ilha de S. Luiz, que é de 20 léguas de comprido, e sete ou oito de largura, onde esteve Aires da Cunha, quando se perdeu com a sua armada, e os filhos de João de Barros, como dissemos no capítulo precedente. A qual ilha sai desta baía como língua com a ponta de Arassoagi ao norte, onde tem a boca. Dentro tem outras muitas ilhas, das quais a maior é de seis léguas. Deságuam nesta baía cinco rios caudalosos, e todos navegáveis, que são o Monim, o Itapucuru, o Mearim, o Pinaré, que dizem nasce muito perto do Peru, e o Maracu, que se deriva por muitos, e mui espaçosos lagos.
Todos estes rios têm boníssimas águas, e pescados, excelentes terras, muitas madeiras, muitas frutas, muitas caças, e por isto muito povoadas de gentios.
No tempo que se começou a descobrir o Brasil, veio Luiz de Mello da Silva, filho do alcaide-mor de Elvas, como aventureiro, em uma caravela a correr esta costa, para descobrir alguma boa capitania, que pedir a el-rei, e não podendo passar de Pernambuco desgarrou com o tempo e águas, e se foi entrar no Maranhão, do qual se contentou muito, e tomou língua do gentio, e depois na Margarita de alguns soldados que haviam ficado da companhia de Francisco de Orelhana, que como testemunhas de vista muito lha gabaram, e prometeram muitos haveres de ouro, e prata pela terra dentro, do que movido Luiz de Mello se foi a Portugal pedir a el-rei aquela capitania para a conquistar e povoar, e sendo-lhe concedida, se fez prestes na cidade de Lisboa, e partiu dela em três naus e duas caravelas, com que chegando ao Maranhão se perdeu nos esparsos e baixos da barra, e morreu a maior parte da gente que levava, escapando só ele com alguns em uma caravela, que ficou fora do perigo, e 18 homens em um batel, que foi ter à ilha de Santo Domingo, dos quais foi um meu pai, que Nosso Senhor tenha em sua glória, o qual sendo moço, por fugir de uma madrasta, e ser Alentejano, como o capitão, da geração dos Palhas, e com pouco grau para sustentar a vida, se embarcou então para o Maranhão, e depois para esta Bahia, onde se casou, e me houve, e a outros filhos e filhas.
Depois de Luiz de Mello ser em Portugal se passou à Índia, onde obrou valorosos feitos, e vindo-se para o reino muito rico, e com tenção de tornar a esta empresa, acabou na viagem na nau São Francisco, que desapareceu sem se saber mais novas dela; nem houve quem tratasse mais do Maranhão o que visto pelos franceses, lançaram mão dele, como veremos no livro quinto.
Mas hão se aqui por fim deste de advertir duas coisas: a primeira que não guardei nele a ordem de tempo e antigüidade das capitanias, e povoações, senão a do sítio, e contiguação de umas com outras, começando do sul para o norte, o que não farei nos seguintes livros, em que seguirei a ordem dos tempos, e sucessão das coisas. A segunda, que não tratei das do Rio de Janeiro, Sergipe, Paraíba, e outras, porque estas se conquistaram depois, e povoaram por conta del-rei, por ordem de seus capitães, e governadores gerais, e terão seu lugar quando tratarmos deles nos livros seguintes.