João chorava, trémulo, agarrado á saia da mãe, escondendo o rosto no avental de riscado para não vêr o fuzilar dos relâmpagos.
A mãe afagava-lhe os caracóis loiros, procurando consolá-lo.
Nisto, entrou seu primo Luís, mais velho cinco anos do que êle, e, depois de beijar a tia, perguntou-lhe:
— ¿Porque choras?
— Tenho mêdo da trovoada.
— Tambem eu; mas isso não é razão. Pareces um maricas.
Esta expressão de maricas pareceu ofensiva a João, que corou até ás orelhas, limpou os olhos e, fazendo um esfôrço sôbre si próprio, chegou perto da janela e esperou vêr o relâmpago e ouvir o trovão. Fitou um, ouviu o outro sem pestanejar, e depois, voltando-se para o primo, perguntou-lhe:
— ¿E agora?… ¿ainda te parêço um maricas?
— Não. Agora tens o ar dum homem.
João sorriu satisfeito e, depois dum instante, perguntou:
— ¿É Deus, quando se zanga, que desabafa assim a sua cólera, Luís?
— Não, meu amigo. Isto é uma descarga elétrica produzida entre uma nuvem e a terra: descarga que se dá muitas vezes durante uma tempestade.
— Mas a minha vizinha Joana disse-me que eram os santos que arrumavam no ceu o quarto de Nosso Senhor; e que, como os móveis são muito pesados…
— A vizinha Joana não sabe o que diz. ¡E tu fias-te nela!
— ¿Então a tempestade é uma descarga elétrica?
— Não. O raio é que é uma descarga elétrica que, como já te disse, se produz entre uma nuvem e a terra e converte em vidro, não só as areias, como a superfície de certas rochas.
João repetiu as palavras do primo com o cuidado de quem estuda uma lição.
Luís volveu:
— Eu tambem, quando era mais pequeno, me ajoelhei, rezando e a tremer de mêdo junto duma árvore, ignorando que não podia estar em pior sítio.
— ¿Então estar ao pé das árvores é perigoso?
— Certamente, porque atráem os raios.
— ¡Tu sempre sabes muito, Luís!
Vaidoso com o elogio e não querendo levar mais longe a conversa, com receio de perder no conceito do primo, Luís falou de outra coisa.
A’ tarde, ao jantar, o pai do João, que fazia anos nesse dia, tinha alguns convidados, todos trabalhadores como êle e ignorantes de tudo que não fôsse o seu ofício, mas muito inteligentes e curiosos de saber. Falou-se na tempestade do dia e todos fôram
unánimes em concordar que tinha sido a maior dos últimos anos. Depois começaram a falar sobre as origens do raio e cada um lhe atribuiu as mais várias e disparatadas.
Luís, que estava nesse dia preso nas aulas até mais tarde, não assistia á refeição, e a mãe do João, entretida a pôr e tirar pratos, não dava maior atenção á conversa dos seus hóspedes do que dera pela manhã á dos pequenos.
João, comendo o arroz e o cozido, ouvia com um sorriso superior as várias hipóteses dos amigos de seu pai. Quando todos tinham dado a sua opinião, êle poisou o garfo no prato despejado, e disse:
— Eu sei a origem do raio.
— Tu?! exclamou o pai, rindo.
— Sim, eu.
— Sabe, sabe, afirmou a mãe.
— Foi o Luís quem me explicou.
— Oh! O Luís é quasi um doutor!
— Tem um grande amôr ao estudo.
— Lá isso tem, apoiaram algumas vozes.
— Bem. Então, se sabes, dize lá, ordenou o pai.
João, com voz muito clara, papagueou:
— O raio é uma descarga elétrica que se produz entre uma nuvem e a terra, e transforma em vidro as areias e a superfície de certas rochas.
Todos ficaram pasmados da sciência de João e o pai dêle, tão vaidoso, que nessa tarde levou-o a passear e, a todos os conhecidos, que encontrava, dizia:
— O meu rapaz, aqui onde o vês, tem só sete anos. Pois já sabe mais do que o pai… Pergunta-lhe a origem dos raios.
João, vendo que com tão pequeno trabalho como é o de prestar atenção a uma coisa que nos ensinam, alcançara tão grande triumfo, tornou-se estudioso e aplicado.
Êle, que era um grande mandrião, tornou-se o enlêvo dos paes e de quantos o conhecem.
E, quando se lembra da sua antiga preguiça, murmura:
— Abençoado raio!… Se não fôsse êle…