Nini dormia no seu leitozinho de pau rosa. Um sorriso alegre brincava-lhe nos labios, rubros como a flôr de romã, e a sua mãozita pequena agitava-se no ar num gesto de gracioso adeus.
Vamos explicar êste gesto e aquele gentil sorriso, tão aberto que parecia quasi riso franco.
Ela ia andando por um pinhal muito cerrado, numa noite invernosa. O vento, agitando o cimo dos pinheiros, fazia vergar os troncos gemendo, e a caruma, desprendida das árvores esguias, redemoinhava no ar.
Quanto mais se internava no pinhal, mais o frio era intenso e mais forte a tormenta. O seu corpo, fraco e pequenino, cingia-se aos troncos dos pinheiros, que ia abraçando para resistir á fúria do vento que cada vez assobiava com mais fôrça.
Um nevoeiro, ténue primeiro e depois denso, tornou-lhe o caminho impraticavel. Então sentou-se no chão e desatou a chorar junto duma cruz de madeira que memorava um desses crimes de morte que fazem tão grande impressão nos povos simples e bons, e se contam de pais a filhos; os seus gemidos e soluços casavam-se com o scenário desolado.
O tronco dum pinheiro que o vento quebrava a
pouca distância, fê-la estremecer de terror e exclamar num tom aflitivo:
– Ai! se a terra se abrisse e me escondesse!
Então apareceu de repente junto dela uma linda mulher, coberta de alvas roupagens e rosto resplandecente, que lhe estendeu os braços e a ameigou, logo que a pequenita, num movimento impulsivo, se lhe lançou ao pescoço.
– Eu sou a Fada dos bosques, disse-lhe ela sorrindo. Sou uma das mais amimadas filhas da terra porque zélo todas as árvores que a sombreiam, e, como pediste a minha mãe que se abrisse e te abrigasse em seu seio, ela enviou-me em teu socôrro, reconhecida de que, na tua aflição, te lembrasses dela. Tão pouco habituada está a que seus filhos se lhe dirijam a não ser para a explorar! Tu chamaste-a sinceramente na tua dôr, invocaste a sua protecção com fé. Aqui me tens para te guiar, minha filha. Dá-me a tua mão e verás como tudo a teus olhos se transforma
A pequenina estendeu a mão á fada e imediatamente a lua surgiu no horizonte, iluminando o pinhal e espelhando no chão as fantásticas sombras das árvores. O rouxinol cantou primorosamente numa balsa vizinha e o vento cedeu o passo a uma brisa suave e lisonjeira. O carreiro que cortava o pinhal parecia feito de luz, e o perfume das flores campestres, desabrochadas como por encanto, inundava os montes.
Caminhou assim por muito tempo; mas era-lhe isso tão agradavel, que lhe parecia que poderia andar toda a vida sem se cansar.
Finalmente, ao romper do dia, alcançaram a estrada rial. Então a linda mulher, que durante todo o caminho lhe sorria, mas sempre silenciosa, falou assim:
– Aqui tens a estrada rial. O sol já vem surgindo alêm e em breve inundará a planície. Nunca com a idea de chegares mais depressa ao lugar a que desejas ir, tomes por atalhos; nem troques a luz pela sombra. Minha mãe, em vez de dar varinhas de condão, como fazem todas as outras fadas, faz mais e melhor: nunca perde de vista aqueles a quem se afeiçôa e dálhes
conselhos que ela tem o privilégio de não deixar esquecer. A ti mandou-me dizer-te:
«Se queres sêr feliz sobre a terra, ama os outros como te amas a ti, e não lhes faças o que para ti não desejas. A felicidade não consiste senão na alegria de viver e na paz da própria consciência. Estas duas cousas são verdadeiramente necessárias para se viver satisfeito. Nunca, por vêres que os outros tiraram um resultado vantajoso duma má ação, os imites. Porque tudo que vem do mal não aproveita, e tarde ou cêdo a consequência dum acto mau que se pratica, é o castigo de quem o cometeu. Sê bôa para todos, respeita os teus superiores e cumpre os teus deveres. A vida não é uma festa, como a maioria dos homens parece julgar: é uma provação que devemos levar com paciência para tirarmos dela os benefícios que merecemos segundo as nossas qualidades morais. Adeus. Não esqueças que tens na Fada dos bosques uma bôa e sincera amiga.
Nini abria grandes olhos sem querer perder uma única palavra do discurso da linda criatura. A fada pronunciando as últimas palavras, soltou-lhe a mão e Nini viu com espanto que ela se elévava lentamente no ar e se esvaía pouco a pouco até se fundir completamente na nuvem que lhe servia de pedestal.
Nini, seguindo o seu caminho, meditava:
– ¿Que queria a fada dizer? Não serei eu bastante bôa?
Nisto, junto dela uma voz gritou.
– ¿Então, sua mandriona, ainda não acha horas de almoçar?
Acordou sobresaltada.
– ¿Porque estavas tu quasi a rir? perguntou-lhe a mãe.
– É que sonhei com a Fada dos bosques, respondeu Nini. – Não existem fadas, minha tonta! retorquiu-lhe a mãe.
– Então oiça.
E contou-lhe o sonho que tivera, acabando por perguntar:
– ¿Que queria ela dizer com isto, mãezinha?
– Queria dizer: primeiro, que nunca, para obter uma cousa mais depressa, faças qualquer acto menos bom. Não é nunca por maus caminhos que se chega ao bem. E que não são os homens que se devem imitar, porque raras vezes o seu exemplo é bom, mas Jesus.
E a mãe, ajudando Nini a vestir-se, concluiu:
– Escreve o teu sonho, minha filha. É o melhor meio de o não esqueceres. Tenho esperança de que, se te compenetrares bem da sua significação, serás feliz sobre a terra.
E depois dum momento de silêncio, perguntou-lhe:
– ¿Olha… a Fada era bonita?
– Muito! Parecia mesmo uma mãe!
E ambas se abraçaram, rindo da comparação.