– Minines, dizia miss Mary King, persuadida de que falava português, vamos dar uma passeia.
Os pequenos corrêram a buscar os seus grandes chapeus de palha e saíram festivamente para a quinta atrás da loira inglesa que, fixando melhor os óculos de oiro no nariz, seguia lentamente pelas ruas ajardinadas para alcançar o portão que dava para a estrada rial, orlada de grandes tílias em flôr.
Era uma simpática criatura esta miss, nem nova nem velha, muito feia, mas com um bom sorriso a iluminar-lhe o rosto e uma voz suave e meiga que se insinuava pela brandura no coração dos discípulos, conseguindo mais e melhor do que uma pesada e severa autoridade.
Os pequenos começaram a correr, ora para trás ora para diante, soltando gritos de alegria. A bôa mestra olhava-os com afecto. Por fim chamou:
– ¡Wiliam!
– ¿Miss? interrogou o pequeno, parando.
– ¿Vamos povoado, sim? Miss quer comprar lã para croché dela.
– Tanto faz ir para um lado como para o outro.
– All right (lê-se ol raite e quer dizer: está bem).
– ¿Miss, que flôr é esta?
– E’ um cogumela.
– ¿Um cogumelo?
– Sim. Miss já sabe tudo em su língua. Quando desembarcou Lísbon nó sabia nada: tem prendido muito em livro.
– Bem se vê, disse Guilherme entre risonho e irónico.
– ¿E que espécie de vegetal ser?
– E’ um vegetal inferior.
– Está bôa. Motivô?
– Nunca tem flôres.
– Mary!
– ¿Miss?
– Goste cugumela no môlha?
– Muito, miss, mas tenho mêdo de os comer porque a nossa cozinheira já os ia confundindo com os venenosos.
– Apanha uma com su patinha.
– ¡Patinha, Miss! Não se diz das pessôas em português.
– ¿Nó? Então, se se diz mãozinha de carneiro, nó disparate patinha de senhora, concluiu gravemente miss Mary.
Os pequenos desataram todos a rir.
A miss olhava-os interdita sem perceber a causa de tão grande hilaridade. Assim, ouvindo falar um português que nunca o foi, os pequenos seguiram rindo e brincando até á pequenina loja do lugar.
A miss comprou a lã e, quando foi para pagar, faltava-lhe um vintêm,
– ¿Dinheira traz, Wiliam?
– Não, Miss, nem um ceitil.
– ¿Que querr dizer ceitil?
Wiliam mostrou-se atrapalhado e balbuciou:
– Creio que é uma moeda antiga de pouco valor, Miss. Não sei bem.
– ¿Então para que dizer? tornou a Miss com ligeiro enfado.
Regressaram a casa e durante o caminho Miss Mary repetia para não esquecer:
– Ceitil… ceitil.
Logo que avistou o pai dos pequerruchos, que lia
no terraço, sob um toldo de linhagem, listrado de vermelho, Miss Mary perguntou-lhe abruptamente:
– ¿Que é ceitil?
O pai dos pequenos, aproximando-se da grade, respondeu sorrindo:
– Ceitil é uma moeda de cobre que fez gravar D. João primeiro em memória da cidade de Ceuta, que conquistou aos mouros. Valia a sexta parte dum rial, que correspondia a seis ceitis.
– ¿Já não ha?
– Agora podem vêr-se nas colecções. Comtudo até D Sebastião, e algum tempo depois, ainda corriam até que acabaram por se extinguir.
– ¿Mas se isso já vai tão longe, perguntou Wiliam, que ainda se diz: não tenho um ceitil?
– Costume que ficou através dos tempos e que tambêm se ha de perder um dia.
– Obrigada pela explicação.
E, voltando-se para Guilherme e para as irmãs, sentenciou:
– Não sirvam nunca palavras sem conhecer. Mau costume!
– Equivale aos palavrões de Miss Mary, murmurou Guilherme ao ouvido da irmã. Ouvi-los é desaprender a língua.
– ¿Que dizo êle?
– Que a Miss tem razão, apressou-se a responder Maria.
– Certo, tornou a inglesa contente, mim ter sempre razão.
Os pequenos, beijando-a, fôram arrumar os chapeus.