Maria trabalhava em flores, em costura, em tudo que fazia independente o seu parco passadio; e, desde o segundo dia, oração e trabalho alternavam-se, afóra as horas das lagrimas, que eram de noite, sósinha, a occultas das consolações, ás vezes importunas, das amigas—que todas o eram.

Frei Antonio foi um dia mui alegre ao locutorio, e disse isto a Maria:

—O pae de Alvaro foi hoje a nossa casa, attribulado que fazia dó! É homem honrado, e quer-te como a filha. Sabia tudo, e abraçou-se a teu pae, pedindo-lhe compaixão para o mais desgraçado dos paes. Queria vêr-te, não se afoutava a vir sem licença nossa. Concedemos-lh'a todos com muito prazer. D'aqui a pouco está comnosco, filha. Pede uma grade para o receberes.

E, ditas estas e mais algumas palavras da alvoroçada Maria, o velho Silveira chegou-se ao locutorio, dizendo que queria abraçar sua filha. O claustro negava-lhe satisfazer tal desejo e d'ali foi para uma grade onde foi pathetica a scena. Maria não se queixava, ao mesmo tempo que o velho amaldiçoava o filho. Ella, então, punha as mãos supplicantes, pedindo-lhe que levantasse a maldição de sobre o infeliz Alvaro.

Siveira apertava a mão do padre, e dizia:

—Com este nobre e santo coração recompensa o Senhor todos os padecimentos de uma familia; esta virtude, porém, exacerba a minha magua, porque eu sou pae de um monstro, e este anjo é victima d'elle, e... talvez minha. Fui eu que lh'a pedi, sr. padre Antonio...

Occorriam então as pacientes reflexões de Maria, querendo absolver todos os que promoveram o seu casamento. E, sem affectação de virtude, a christã de coração e ensino, dizia que mais devia agradecer a Deus as provações em que puzera a sua fé, e a sua esperança no premio celestial.

Silveira quiz saber que vida era a da sua nora. Contou-lh'a o padre. O velho, pasmado de tanta resignação, quiz logo alli chamar a prioreza para dizer-lhe que n'aquelle mesmo dia, a esposa de seu filho era uma secular com fartos meios de subsistencia, e com todas as regalias possiveis n'um convento.

Maria atalhou a liberalidade do sogro, dizendo que não acceitaria um ceitil em quanto pudesse trabalhar.

Foram, pois, baldados esforços de sogro e tio. Não havia, com razões, demove'-la do seu proposito. As que se lhe davam eram frivolas. Silveira queria que sua nora tivesse alli a grandeza do seu nascimento. A isto replicava ella que nascera mui pobre, e cria que o saír da sua obscuridade fôra infelicitar-se, e rebuscar novas pompas seria reincidir na desgraça voluntariamente. Só no trabalho esperava allivio—dizia ella; e por misericordia pedia que a deixassem com os seus recursos, porque a aptidão para o trabalho fôra o seu inexhaurivel patrimonio.