No mesmo dia, Alvaro, Maria, e frei Antonio dos Anjos visitaram o merceeiro Joaquim Nunes.

As lagrimas inexplicaveis deslisavam copiosas pelas faces do enfermo. Maria, cuja sensibilidade respondia logo á dôr extranha, acariciou o velho, e fez que Alvaro esquecesse a diminuta repugnancia que sentia em afagar um homem que possuia os seus bens, e o imaginaria capaz de humilhar-se para rehavê'-los.

—Estou quasi só—disse o lojista—Tenho sido só toda a minha vida, e agora sinto necessidade d'uma familia. Queria eu pedir á sr.ª D. Maria e ao sr. Alvaro, e ao sr. fr. Antonio que me deixassem ir morrer a casa do filho de meu amo. Fazem-me a caridade de me acceitar em sua casa?

—Deus permitta que as suas forças o deixem ir para a nossa companhia!—exclamou a sobrinha do padre.

—Poucas forças tenho; mas transportar-me-hei n'uma cadeira, e o sr. padre Antonio tomará conta das chaves d'esta casa. O meu commercio acabou; não devo, e os que me devem fôram riscados dos meus livros. Os meus negocios da vida estão fechados. Agora queria morrer vendo duas pessoas felizes ao pé de mim, e tendo á minha cabeceira um santo homem que me ajude a pedir a Deus o perdão das minhas culpas. Se eu vencer a doença, viveremos todos, ponto é que o sr. Alvaro tenha a bondade de sentar á sua mesa um homem do povo que foi escudeiro de seu pae.

Alvaro apertou-lhe, commovido, a mão. Maria, do outro lado do leito, limpava-lhe com o seu lenço o suor que lhe inundava a fronte e fr. Antonio, com palavras de jubilo, annunciava ao enfermo que não morreria ainda para testemunhar e ter quinhão na felicidade de seus sobrinhos.