A história de todas as sociedades que existiram até os nossos dias[2] tem sido a história das lutas de classes.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação[3] e oficial, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das suas classes em luta.
Nas primeiras épocas históricas, verificamos, quase por toda a parte, uma completa divisão da sociedade em classes distintas, uma escala graduada de condições sociais. Na Roma antiga encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores feudais, vassalos, mestres, oficiais e servos; e, em cada uma destas classes, gradações especiais.
A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classes. Não fez senão substituir velhas classes, velhas condições de opressão, velhas formas de luta por outras novas.
Entretanto, a nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classes. A sociedade divide-se cada vez mais em dois vastos campos opostos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado.
Dos servos da Idade Média nasceram os plebeus livres das primeiras cidades; desta população municipal, saíram os primeiros elementos da burguesia.
A descoberta da América, a circunavegação de África ofereceram à burguesia ascendente um novo campo de acção. Os mercados da Índia e da China, a colonização da América, o comércio colonial, o incremento dos meios de troca e, em geral, das mercadorias imprimiram um impulso, desconhecido até então, ao comércio, à indústria, à navegação e, por conseguinte, desenvolveram rapidamente o elemento revolucionário da sociedade feudal em decomposição.
A antiga organização feudal da indústria, em que esta era circunscrita a corporações fechadas, já não podia satisfazer as necessidades que cresciam com a abertura de novos mercados. A manufactura substituiu-na. A pequena burguesia industrial suplantou os mestres das corporações; a divisão do trabalho entre as diferentes corporações desapareceu diante da divisão do trabalho dentro da própria oficina.
Todavia os mercados ampliavam-se cada vez mais: a procura de mercadorias aumentava sempre. A própria manufactura tornou-se insuficiente; então, o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. A grande indústria moderna suplantou a manufactura; a média burguesia industrial cedeu lugar aos milionários da indústria – chefes de verdadeiros exércitos industriais - aos burgueses modernos.
A grande indústria criou o mercado mundial preparado pela descoberta da América. O mercado mundial acelerou prodigiosamente o desenvolvimento do comércio, da navegação, dos meios de comunicação. Esse desenvolvimento reagiu por sua vez sobre a extensão da indústria; e à medida que a indústria, o comércio, a navegação, as vias férreas se desenvolviam, crescia a burguesia, multiplicando os seus capitais e relegando a segundo plano as classes legadas pela Idade Média.
Vemos pois, que a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma série de revoluções no modo de produção e de troca.
Cada etapa da evolução percorrida pela burguesia era acompanhada de um progresso político correspondente. Classe oprimida pelo despotismo feudal, associação armada administrando-se a si própria na comuna[4]; aqui, República urbana independente, ali, terceiro estado, tributário da monarquia; depois, durante o período manufactureiro, contrapeso da nobreza na monarquia feudal ou absoluta, pedra angular das grandes monarquias, a burguesia, desde o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O governo do estado moderno não é senão um comité para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa.
A burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário.
Onde quer que tenha conquistado o Poder, a burguesia destruiu as relações feudais, patriarcais e idílicas. Ela despedaçou sem piedade todos os complexos e variados laços que prendiam o homem feudal aos seus "superiores naturais", para só deixar subsistir, entre os homens, o laço do frio interesse, as cruéis exigências do "pagamento à vista". Afogou os fervores sagrados do êxtase religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas liberdades, conquistadas com tanto esforço, pela única e implacável liberdade de comércio. Numa palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, a burguesia colocou uma exploração aberta, cínica, directa e brutal.
A burguesia despojou de sua auréola todas as actividades até então reputadas veneráveis e encaradas com piedoso respeito. Do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio fez os seus servidores assalariados.
A burguesia rasgou o véu de sentimentalismo que envolvia as relações de família e reduziu-as a simples relações monetárias.
A burguesia revelou como a brutal manifestação de força na Idade Média, tão admirada pela reacção, encontra o seu complemento natural na ociosidade mais completa. Foi a primeira a provar o que pode realizar a actividade humana: criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egipto, os aquedutos romanos, as catedrais góticas: conduziu expedições que empanárom(*) mesmo as antigas invasões e as cruzadas.
A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de produção constituía, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores. Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com o seu cortejo de concepções e de ideias secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes mesmo de se ossificarem. Tudo o que era sólido e estável se esfuma, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são obrigados finalmente a encarar com serenidade suas condições de existência e suas relações recíprocas.
Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda a parte, explorar em toda a parte, tecer vínculos em toda a parte.
Pela exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um carácter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. Para desespero dos reaccionários, ela retirou à indústria a sua base nacional. As velhas indústrias nacionais foram destruídas e continuam a sê-lo diariamente. São suplantadas por novas indústrias, cuja introdução se torna uma questão vital para todas as nações civilizadas, indústrias que não empregam mais matérias-primas nacionais, mas sim matérias-primas vindas das regiões mais distantes, cujos produtos se consomem não somente no próprio país mas em todas as partes do globo. Em lugar das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais, nascem novas necessidades que reclamam para a sua satisfação os produtos das regiões mais longínquas e dos climas mais diversos. Em lugar do antigo isolamento de regiões e nações que se bastavam a si próprias, desenvolvem-se um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações. E isto refere-se tanto à produção material como à produção intelectual. As criações intelectuais de uma nação tornam-se propriedade comum de todas. A estreiteza e o exclusivismo nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis; das inúmeras literaturas nacionais e locais, nasce uma literatura universal.
Devido ao rápido aperfeiçoamento dos instrumentos de produção e ao constante progresso dos meios de comunicação, a burguesia arrasta para a torrente de civilização mesmo as nações mais bárbaras. Os baixos preços dos seus produtos são a artilharia pesada que destrói todas as muralhas da China e obriga a capitularem os bárbaros mais tenazmente hostis aos estrangeiros. Sob pena de morte, ela obriga todas as nações a adoptarem o modo burguês de produção, constrange-as a abraçar o que ela chama civilização, isto é, a se tornarem burguesas. Numa palavra, cria um mundo à sua imagem e semelhança.
A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a população das cidades em relação à dos campos e, com isso, arrancou uma grande parte da população do embrutecimento da vida rural. Do mesmo modo que subordinou o campo à cidade, os países bárbaros ou semibárbaros aos países civilizados, subordinou os povos camponeses aos povos burgueses, o Oriente ao Ocidente.
A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população. Aglomerou as populações, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A consequência necessária dessas transformações foi a centralização política. Províncias independentes, apenas ligadas por débeis laços federativos, possuindo interesses, leis, governos e tarifas alfandegárias diferentes, foram reunidas numa só nação, com um só governo, uma só lei, um só interesse nacional de classe, uma só barreira alfandegária.
A burguesia, durante o seu domínio de classe, apenas secular, criou forças produtivas mais numerosas e mais colossais do que todas as gerações passadas em conjunto. A subjugação das forças da natureza, as máquinas, a aplicação da química à indústria e à agricultura, a navegação a vapor, os caminhos de ferro, o telégrafo eléctrico, a exploração de continentes inteiros, a canalização dos rios, populações inteiras brotando na terra como por encanto – que século anterior teria suspeitado que semelhantes forças produtivas estivessem adormecidas no seio do trabalho social?
Vemos pois: os meios de produção e de troca, sobre cuja base se ergue a burguesia, foram gerados no seio da sociedade feudal. Esses meios de produção e de troca, as condições em que a sociedade feudal produzia e trocava, a organização feudal da agricultura e da manufactura, em suma, o regime feudal
de propriedade, deixaram de corresponder às forças produtivas já desenvolvidas, ao alcançarem estas um certo grau de desenvolvimento. Entravavam a produção em lugar de impulsioná-la. Transformaram-se em outras tantas cadeias que era preciso despedaçar e foram despedaçadas.
Em seu lugar, estabeleceu-se a livre concorrência, com uma organização social e política correspondente, com a supremacia económica e política da classe burguesa.
Assistimos hoje a um processo semelhante. As relações burguesas de produção e de troca, o regime burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que fez surgir gigantescos meios de produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar as forças infernais que pôs em movimento com as suas palavras mágicas. Há dezenas de anos, a história da indústria e do comércio não é senão a história da revolta das forças produtivas modernas contra as actuais relações de produção e de propriedade que condicionam a existência da burguesia e o seu domínio. Basta mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada vez mais a existência da sociedade burguesa. Cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos já fabricados, mas também uma grande parte das próprias forças produtivas já desenvolvidas. Uma epidemia, que em qualquer outra época teria parecido um paradoxo, desaba sobre a sociedade - a epidemia da superprodução. Subitamente, a sociedade vê-se reconduzida a um estado de barbaria momentânea; diria-se que a fome ou uma guerra de extermínio lhe cortarão todos os meios de subsistência; a indústria e o comércio parecem aniquilados. E por quê? Porque a sociedade possui demasiada civilização, demasiados meios de subsistência, demasiada indústria, demasiado comércio. As forças produtivas de que dispõe já não favorecem o desenvolvimento das relações de propriedade burguesa; pelo contrário, tornaram-se por demais poderosas para essas condições, que passam a entravá-las; e todas as vezes que as forças produtivas sociais se libertam desses entraves, precipitam na desordem a sociedade inteira e ameaçam a existência da propriedade burguesa. O sistema burguês tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas no seu seio. De quê maneira consegue a burguesia vencer essas crises? Por um lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; por outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A quê leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e à diminuição dos meios de evitá-las.
As armas que a burguesia utilizou para abater o feudalismo voltam-se hoje contra a própria burguesia.
A burguesia, porém, não forjou somente as armas que lhe darão a morte; produziu também os homens que manejarão essas armas - os operários modernos, os proletários.
Com o desenvolvimento da burguesia, isto é, do capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos operários modernos, que só podem viver se encontrarem trabalho e que só o encontram na medida em que este aumenta o capital. Esses operários, constrangidos a vender-se diariamente, são mercadoria, artigo de comércio como qualquer outro; em consequência, estão sujeitos a todas as vicissitudes da concorrência e a todas as flutuações do mercado.
O crescente emprego de máquinas e a divisão do trabalho, despojando o trabalho do operário de seu carácter autónomo, tiraram-lhe todo o atractivo. O produtor passa a um simples apêndice da máquina e só se requer dele a operação mais simples, mais monótona, mais fácil de aprender. Desse modo, o custo do operário reduz-se, quase exclusivamente, aos meios de manutenção que lhe são necessários para viver e procriar. Ora, o preço do trabalho, como de toda mercadoria, é igual ao custo de sua produção. Portanto, à medida que aumenta o carácter enfadonho do trabalho, decrescem os salários. Quanto mais se desenvolvem as maquinas e a divisão do trabalho, mais aumenta a quantidade de trabalho, quer pelo prolongamento das horas, quer pelo aumento do trabalho exigido num tempo determinado, pela aceleração do movimento das máquinas etc.
A indústria moderna transformou a pequena oficina do antigo mestre da corporação patriarcal na grande fábrica do industrial capitalista. Massas de operários, amontoadas na fábrica, são organizadas militarmente. Como soldados da indústria, estão sob a vigilância de uma hierarquia completa de oficiais e suboficiais. Não são somente escravos da classe burguesa, do Estado burguês, mas também diariamente, a cada hora, escravos da máquina, do contra mestre e, sobretudo, do dono da fábrica. E esse despotismo é tanto mais mesquinho, odioso e exasperador quanto maior é a franqueza com que proclama ter no lucro o seu objectivo exclusivo.
Quanto menos habilidade e força o trabalho exige, isto é, quanto mais a indústria moderna progride, tanto mais o trabalho dos homens é suplantado pelo das mulheres e crianças. As diferenças de idade e de sexo deixam de ter importância social para a classe operária. Não há senão instrumentos de trabalho, cujo preço varia segundo a idade e o sexo.
Depois de sofrer a exploração do fabricante e de receber o seu salário em dinheiro, o operário torna-se presa de outros membros da burguesia, do proprietário, do varejista, do usurário etc.
As camadas inferiores da classe média de outrora, os pequenos industriais, pequenos comerciantes e pessoas que possuem rendas, artesãos e camponeses, caem nas fileiras do proletariado: uns porque os seus pequenos capitais, não lhes permitem empregar os processos da grande indústria, sucumbem na concorrência com os grandes capitalistas; outros porque a sua habilidade profissional é depreciada pelos novos métodos de produção. Assim, o proletariado é recrutado em todas as classes da população.
O proletariado passa por diferentes fases de desenvolvimento. Logo que nasce começa a sua luta contra a burguesia.
A princípio, empenham-se na luta operários isolados, mais tarde, operários de uma mesma fábrica, finalmente operários do mesmo ramo de indústria, de uma mesma localidade, contra o burguês que os explora directamente. Não se limitam a atacar as relações burguesas de produção, atacam os instrumentos de produção: destroem as mercadorias estrangeiras que lhes fazem concorrência, quebram as máquinas, queimam as fábricas e esforçam-se para reconquistar a posição perdida do artesão da Idade Média.
Nesta fase, constitui o proletariado massa disseminada por todo o país e dispersa pela concorrência. Se, por vezes, os operários se unem para agir em massa compacta, isto não é ainda o resultado de sua própria união, mas da união da burguesia que, para atingir os seus próprios fins políticos, é levada a pôr em movimento todo o proletariado, o que ainda pode fazer provisoriamente. Durante essa fase, os proletários não combatem ainda seus próprios inimigos, mas os inimigos de seus inimigos, isto é, os restos da monarquia absoluta, os proprietários territoriais, os burgueses não industriais, os pequenos burgueses. Todo o movimento histórico está, desse modo, concentrado nas mãos da burguesia e qualquer vitória alcançada nessas condições é uma vitória burguesa.
Ora, a indústria, desenvolvendo-se, não somente aumenta o número dos proletários, mas concentra-os em massas cada vez mais consideráveis; a sua força cresce e eles adquirem maior consciência dela. Os interesses e as condições de existência dos proletários igualam-se cada vez mais, à medida que a máquina extingue toda diferença do trabalho e quase por toda a parte reduz o salário a um nível igualmente baixo. Em virtude da concorrência crescente dos burgueses entre si e devido às crises comerciais que disso resultam, os salários tornam-se cada vez mais instáveis; o aperfeiçoamento constante e cada vez mais rápido das máquinas torna a condição de vida do operário cada vez mais precária; os choques individuais entre o operário e o burguês tomam cada vez mais o carácter de choques entre duas classes. Os operários começam a formar uniões contra os burgueses e actuam em comum na defesa de seus salários; chegam a fundar associações permanentes a fim de se prepararem, na previsão daqueles choques eventuais. Aqui e ali a luta transforma-se em rebelião.
Os operários triunfam às vezes; mas é um triunfo efêmero. O verdadeiro resultado de suas lutas não é o êxito imediato, mas a união cada vez mais ampla dos trabalhadores. Esta união é facilitada pelo crescimento dos meios de comunicação criados pela grande indústria e que permitem o contacto entre operários de localidades diferentes. Ora, basta esse contacto para concentrar as numerosas lutas locais, que tenham o mesmo carácter em toda a parte, numa luta nacional, numa luta de classes. Mas toda a luta de classes é uma luta política. E a união que os burgueses da Idade Média levavam séculos a realizar, com os seus caminhos vicinais, os proletários modernos realizam-na em poucos anos por meio das vias férreas.
A organização do proletariado em classe e, portanto, em partido político, é incessantemente destruída pela concorrência que fazem entre si os próprios operários. Mas renasce sempre e cada vez mais forte, mais firme, mais poderosa. Aproveita-se das divisões intestinas da burguesia para obrigá-la ao reconhecimento legal de certos interesses da classe operária, como, por exemplo, a lei da jornada de dez horas de trabalho na Inglaterra.
Em geral, os choques que ocorrem na velha sociedade favorecem de diversos modos o desenvolvimento do proletariado. A burguesia vive em guerra perpétua; primeiro, contra a aristocracia; depois, contra as fracções da própria burguesia cujos interesses se encontram em conflito com os progressos da indústria; e sempre contra a burguesia dos países estrangeiros. Em todas essas lutas, vê-se forçada a apelar para o proletariado, reclamar seu concurso e arrastá-lo assim para o movimento político, de modo que a burguesia fornece aos proletários os elementos de sua própria educação política, isto é, armas contra ela própria.
Além disso, como já vimos, fracções inteiras da classe dominante, em consequência do desenvolvimento da indústria som precipitadas no proletariado, ou ameaçadas, pelo menos, nas suas condições de existência. Também elas trazem ao proletariado numerosos elementos de educação.
Finalmente, nos períodos em que a luta de classes se aproxima da hora decisiva, o processo de dissolução da classe dominante, de toda a velha sociedade, adquire um carácter tão violento e agudo que uma pequena fracção da classe dominante se desliga desta, ligando-se à classe revolucionária, a classe que traz em si o futuro. Do mesmo modo que outrora uma parte da nobreza se passou para a burguesia, nos nossos dias, uma parte da burguesia passa-se para o proletariado, especialmente a parte dos ideólogos burgueses que chegaram à compreensão teórica do movimento histórico no seu conjunto.
De todas as classes que ora enfrentam a burguesia, só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes degeneram e perecem com o desenvolvimento da grande indústria; o proletariado, pelo contrário, é o seu produto mais autêntico.
As classes médias - pequenos comerciantes, pequenas fabricantes, artesãos, camponeses - combatem a burguesia porque esta compromete a sua existência como classes médias. Não são, pois, revolucionárias, mas conservadoras; mais ainda, reaccionárias, pois pretendem fazer girar para trás a roda da história. Quando são revolucionárias, é em conseqüência de sua iminente passagem para o proletariado; não defendem então os seus interesses actuais, mas os seus interesses futuros; abandonam o seu próprio ponto de vista para adoptar o do proletariado.
O lumpemproletariado, esse produto passivo da putrefacção das camadas mais baixas da velha sociedade, pode, às vezes, ser arrastado ao movimento por uma revolução proletária; todavia, as suas condições de vida predispõem-no mais a vender-se à reacção para servir às suas manobras.
Nas condições de existência do proletariado já estão destruídas as da velha sociedade. O proletariado não tem propriedade; as suas relações com a mulher e os filhos nada tem de comum com as relações familiares burguesas. O trabalho industrial moderno, a sujeição do operário pelo capital, tanto na Inglaterra como na França, na América como na Alemanha, despoja o proletariado de todo carácter nacional. As leis, a moral, a religião, são para ele meros preconceitos burgueses, atrás dos quais se ocultam outros tantos interesses burgueses.
Todas as classes que no passado conquistaram o Poder, trataram de consolidar a situação adquirida submetendo a sociedade às suas condições de apropriação. Os proletários não podem apoderar-se das forças produtivas sociais senão abolindo o modo de apropriação que era próprio a estas e, por conseguinte, todo o modo de apropriação em vigor até hoje. Os proletários nada têm de seu a salvaguardar; a sua missão é destruir todas as garantias e seguranças da propriedade privada até aqui existentes.
Todos os movimentos históricos têm sido, até hoje, movimentos de minorias ou em proveito de minorias. O movimento proletário é o movimento espontáneo da imensa maioria em proveito da imensa maioria. O proletariado, a camada inferior da sociedade actual, não pode erguer-se, pôr-se de pé, sem fazer saltar todos os estratos superpostos que constituem a sociedade oficial.
A luta do proletariado contra a burguesia embora não seja na essência uma luta nacional, reveste-se contudo dessa forma nos primeiros tempos. É natural que o proletariado de cada país deva, antes de tudo, liquidar a sua própria burguesia.
Esboçando em linhas gerais as fases do desenvolvimento proletário, descrevemos a história da guerra civil, mais ou menos oculta, que lavra na sociedade actual, até a hora em que essa guerra explode numa revolução aberta e o proletariado estabelece o seu domínio pelo derrube violento da burguesia.
Todas as sociedades anteriores, como vimos, basearam-se no antagonismo entre classes opressoras e classes oprimidas. Mas para oprimir uma classe é preciso poder garantir-lhe condições tais que lhe permitam pelo menos uma existência de escravo. O servo, em plena servidão, conseguia tornar-se membro da comuna, da mesma forma que o pequeno burguês, sob o jugo do absolutismo feudal, se elevava à categoria de burguês. O operário moderno, pelo contrário, longe de se elevar com o progresso da indústria, desce cada vez mais baixo dentro de sua própria classe. O trabalhador cai na miséria e esta cresce ainda mais rapidamente do que a população e a riqueza. É, pois, evidente que a burguesia seja incapaz de continuar desempenhando o papel de classe dominante e de impor à sociedade, como lei suprema, as condições de existência de sua classe. Não pode exercer o seu domínio porque não pode já assegurar a existência de seu escravo, mesmo no quadro de sua escravatura, porque é obrigada a deixá-lo cair numa tal situação, que deve nutri-lo em lugar de fazer-se nutrir por ele. A sociedade não pode já existir sob o sue domínio, o que quer dizer que a existência da burguesia é, doravante, incompatível com a da sociedade.
A condição essencial da existência e da supremacia da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos dos particulares, a formação e o crescimento do capital; a condição de existência do capital é o trabalho assalariado. Este baseia-se exclusivamente na concorrência dos operários entre si. O progresso da indústria, de que a burguesia é agente passivo e inconsciente, substitui o isolamento dos operários, resultante de sua competição, por sua união revolucionária mediante a associação. Assim, o desenvolvimento da grande indústria só cava o terreno em que a burguesia assentou o seu regime de produção e de apropriação dos produtos. A burguesia produz, sobretudo, os seus próprios coveiros. A sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis.
Notas
editar- ↑ Por burguesia deve-se entender a classe de capitalistas modernos, proprietários do meios sociais de produção e empregadores do trabalho assalariado. Por proletariado, a classe de operários assalariados modernos que, não tendo seus próprios meios de produção, são reduzidos a vender sua força de trabalho para poderem viver.[Nota de Engels à edição inglesa de 1888]
- ↑ Isto é, toda a história escrita. Em 1847, a pré-história da sociedade e a organização social existente anterior à história escrita era quase toda desconhecida. Desde então, August von Haxthausen (1792-1866) descobriu a propriedade comum da terra na Rússia, Georg Ludwig von Maurer provou qual era o fundamento social que historicamente se oriundam todos os ramos teutônicos e, mais a fundo, descobriu-se que comunas rurais, com propriedade coletiva da terra, foram, ou ainda são a forma primitiva da sociedade em todo lugar, da Índia à Irlanda. A organização interna dessa primitiva sociedade comunista foi enterrada, em sua forma típica, por Lewis Henry Morgan's (1818-1861) coroando a descoberta da verdadeira natureza dos gens e sua relação com a tribo. Com a dissolução das comunidades primevas, a sociedade começa a se diferenciar em classes segregadas e finalmente antagônicas. Eu tentei rastrear essa dissolução em "A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado" [Der Ursprung der Familie, des Privateigentums und des Staats], segunda edição, Stuttgart, 1886. [Nota de Engels à edição inglesa de 1888]
- ↑ Mestre de corporação ou mestre de ofício, isto é, o membro direto de uma guilda ou corporação de ofício, um mestre no ofício, contudo não o líder da guilda.[Nota de Engels à edição inglesa de 1888]Este é o nome dado às comunidades urbanas pelos citadinos da Itália e da França, após terem adquirido ou conquistado seus direitos inciais de auto-governaça de seus senhores feudais.[Nota de Engels à edição alemã de 1890]
- ↑ "Comuna" é o nome dado na França para as cidades nascentes antes que fossem conquistadas pelos seus senhores feudais e mestres, a auto-governança local e os direitos políticos, como "Terceiro Estado". De maneira geral, para o desenvolvimento económico da burguesia, a Inglaterra aqui é tomada como país típico, e para o seu desenvolvimento político, a França. [Nota de Engels à edição inglesa de 1888]