Capítulo II
Descoberta da ilha Terceira


Antes de entrarmos no estudo da descoberta da ilha Terceira, vejamos primeiramente a descrição que dos Açores faz o excelentíssimo Visconde de Castilho, em forma de cartas publicadas no n.º 137 da Biblioteca do Povo e das Escolas, de 1886.[1]

Com este parêntesis, que abrimos no nosso humilde trabalho, só temos em mira mostrar aos nossos leitores continentais, que até hoje têm considerado os Açores como um grupo de cachopos inexpugnáveis e quase inabitáveis, qual a apreciação sincera e verdadeira que faz dos Açores o ilustrado e sábio escritor português, a que acima nos referimos. Diz o excelentíssimo Visconde de Castilho:

«Isoladas no meio oceano, penhascosas, inacessíveis por muita parte, constituem aquelas interessantes ilhas açorianas um todo, que, sob o ponto de vista da História Natural e da História Humana, reclama fortemente as atenções. Não são umas ilhas vulgares, sem passado, sem presente e sem porvir.
O seu passado remonta aos períodos mais dramáticos (porque, assim o digamos) das evoluções cósmicas, e atesta-se por mil documentos que ainda hoje são as ilustrações de um poema de lutas descomunais. O seu presente é risonho e alegre, é o produto do trabalho humano sobre as dádivas da Natureza […].

[…]
O porvir dos Açores, esse é grandioso, desde que os governos portugueses entenderem que devem olhar com mais afeto para aquela província nossa, uma das mais formosas joias da coroa portuguesa; desde que a opinião pública se compenetrar de que os Açores não são uma colónia de negros boçais, dizimada de febres e infamada de animais ferozes; desde que governantes e governados de cá do Continente se convencerem de um tudo-nada de atenção para com o Arquipélago Açoriano é a mais fecunda e auspiciosa das providências administrativas. Tudo isso, afinal de contas, custava-nos pouquíssimo: era preciso apenas conhecer aquelas ilhas. Soberbas, e ao mesmo tempo ameníssimas, são o alvo mais encantador da mais encantadora das peregrinações.»

Noutro ponto da sua descrição, emite a sua autorizada opinião sobre os Açores do seguinte modo:

«[…] nos Açores há de tudo: desde as mais admiráveis manifestações geológicas até às memórias históricas dos nossos feitos nacionais mais recentes; desde a virgindade pudibunda das terras primitivas até aos requintes do luxo moderno de Londres, de Paris ou de Washington.»

Vê-se pois, que, para aquele distinto escritor, os Açores lhe mereceram especial atenção, e pena é que ainda não sejam suficientemente conhecidos de todo o mundo, e particularmente do mundo científico. Pouco se tem feito para o que há ainda a conhecer; e se não fora o amor pela ciência de alguns naturalistas estrangeiros que, muito de passagem, têm visitado algumas ilhas do arquipélago açoriano, a sua história geológica, bem como a sua fauna e flora, ficariam mergulhadas no grande pélago do ignorantismo; e de todas, a que mais se ressente desta falta, é, por infelicidade nossa, a ilha Terceira.

Posto isto, vejamos o que nos diz a História, acerca do descobrimento dos Açores. Divergem um pouco as opiniões da maioria dos nossos escritores portugueses, quer antigos como modernos, acerca da descoberta das ilhas do arquipélago açoriano; pois que, parece certo que um século antes de serem povoadas pelos portugueses, por ordem do Infante D. Henrique, já algumas eram conhecidas dos navegadores normandos.

O padre António Cordeiro, na sua História Insulana, diz que no ano de 1428, indo o Infante D. Pedro de Portugal à Inglaterra, França, Alemanha, Jerusalém e outros lugares, e voltando à Itália, Roma e Veneza, descobrira e trouxera consigo um mapa geográfico em que estava já delineado todo o âmbito da Terra, inclusive o Cabo da Boa Esperança e o Estreito de Magalhães. O mesmo padre Cordeiro diz também que António Galvão contara que Francisco de Sousa Tavares lhe dissera que, em 1528, lhe mostrara o Infante D. Fernando outro mapa, achado o cartório de Alcobaça, feito havia mais de cento e setenta anos, o qual continha toda a navegação da Índia, com o Cabo da Boa Esperança, e que este mapa devia ser o que o Infante D. Pedro tinha trazido consigo, e dele se devera ter servido o Infante D. Henrique quando ordenou o descobrimento dos Açores.[2]

Parece pois certo que os Açores eram já conhecidos e figuravam nas cartas náuticas do século XIV, e especialmente no célebre portulano dos séculos XIV e XV (1384-1434), obra de um navegador genovês, e no qual as ilhas dos Açores se acham representadas com uma tal ou qual exatidão e com os seguintes nomes: I. Corvi Marini, li Colombi, San Zorzi, I de la Ventura (uma sem nome), I de Brasil, junto a esta um ilhéu com nome ininteligível, Caprara, Liono (ovo).

Anteriormente ao portulano apareceu o mapa traçado por Angelino Dulcert[3] em 1339, onde vem os Açores com os nomes de: Saint Brandan, Pimaria sive puellarum, Capracia e Canaria.

Em 1351 publicou-se o Atlas Mediceo,[4] onde se encontram desenhadas sete ilhas dos Açores, mas com nomes diversos dos atuais, e em 1375 a Carta Catalana, onde se encontram seis ilhas formando o Arquipélago dos Açores, as quais, indo do norte para o sul, têm os nomes de: Insula de Corvimarini, li Conigi, Sanzorzo, Insula de la Ventura, li Columbi e Insula Brazil.

Vê-se pois que o Infante D. Henrique, a quem se dão as glórias da descoberta dos Açores, não ordenou a sua pesquisa ao acaso; e sendo conhecedor e assíduo explorador de todas as descobertas científicas da sua época, no que dizia respeito à navegação, e ambicioso além disso de aumentar o número das suas empresa marítimas, para o que não lhe escasseavam nem génio empreendedor nem meios pecuniários, ordenou a exploração de terras para o ocidente por ter decerto conhecimento de algum dos mapas a que há nos referimos.

O encarregado desta empresa foi o Comendador de Almourol,[5] que, em 1431, se embarcou na vila de Sagres, com expressa ordem de se dirigir sempre para ocidente; e que, logo que descobrisse a primeira ilha, dela se apossasse, participando imediatamente o facto ao Infante D. Henrique.

O resultado desta primeira viagem foi o descobrimento das Formigas, grupo de pequenos rochedos situados a 35 quilómetros a norte e 19º a E da Ponta do Castelo da ilha de Santa Maria. São em número de oito, alinhadas no rumo NE, tendo o ponto mais alto cerca de 20 metros de altitude acima do nível do mar.

Descontente do insignificante sucesso da sua viagem, por ver que aqueles rochedos não podiam ser habitados, retirou-se o obediente explorador para o Reino, e pretendeu dissuadir o Infante D. Henrique de prosseguir no intento de novas descobertas para o ocidente. A descoberta destes pequenos rochedos, que foram chamados Formigas por Gonçalo Velho Cabral, posto que de pouca importância, não fizeram senão ativar o desejo do Infante de continuar no seu empenho de descobrir terras no ocidente, e, guiando-se pelas notícias que tinha obtido, tanto pelos mapas como dos navegadores genoveses, ordenou uma nova viagem em 1432, confiando a arrojada missão ao mesmo Comendador de Almourol, Gonçalo Velho Cabral, o qual, depois de uma feliz viagem, avistou e descobriu a ilha de Santa Maria, no dia 15 de agosto daquele ano, e dela tomou posse em nome de El-Rei de Portugal.

Ao descobrimento da ilha de Santa Maria seguiu-se, como era natural, o ser mandada povoar, e dela se fez doação ao seu primeiro descobridor.

Depois de descoberta e já povoada a ilha de Santa Maria, seguiu-se a da ilha de São Miguel a 8 de maio de 1444.

Para a ilha Terceira ficará sempre envolta em dúvida a data precisa do seu descobrimento, cujo nome lhe veio de ser ela a terceira que se seguiu na ordem das descobertas das ilhas dos Açores. Todavia, pode-se, sem grande erro, admitir que fosse descoberta entre 1445 e 1447, pois que, segundo nos diz o padre António Cordeiro, na sua História Insulana, ao referir-se ao descobrimento da ilha Terceira, que já em 1450 o Infante D. Henrique fizer capitão do donatário da Terceira o fidalgo flamengo Jácome de Bruges, por já estar, havia alguns anos, erma e inabitada e aquele fidalgo a querer povoar. E se não é possível determinar com exatidão o dia e o ano do seu descobrimento, muito menos o nome daquele que teve a glória de a descobrir.

A seguir ao descobrimento da ilha Terceira temos, seguindo a ordem das descobertas, as ilhas de São Jorge em 1450, no dia 23 de abril; Graciosa também em 1450; Faial e Pico logo a seguir, não se sabendo com precisão a data da sua descoberta; bem como para as ilhas das Flores e Corvo.

Notas do editor

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  1. Júlio de Castilho, 2.º visconde de Castilho, O archipelago dos Açores. Bibliotheca do Povo e das Escolas, n.º 137, 18.ª série, 1886.
  2. Sobre esta matéria veja-se: António Ribeiro dos Santos, "Memória sobre dois antigos Mappas Geograficos do Infante D. Pedro, e do Cartorio de Alcobaça", in Memorias de Litteratura Portugueza, tomo VIII, Parte I, pp. 275-304. Lisboa, Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1812.
  3. Angelino Dulcert (século XIV), alternativamente referido por Angelí Dolcet ou Angelino Dalorto, foi um cartógrafo, possivelmente de origem genovesa, cujo portulano conhecido é o primeiro exemplar atribuído à chamada Escola de Maiorca, produzido em Palma de Maiorca no ano de 1339.
  4. O Portulano Mediceo Laurenziano, também referido como Portulano Laurenziano Gaddiano, Atlas Laurentino ou Atlas Mediceu, é um portulano quatrocentista, datado de 1351, presentemente na Biblioteca Medicea Laurenziana, em Florença.
  5. Gonçalo Velho (século XV), também referido como Gonçalo Velho Cabral e Gonçalo Velho Cabral das Pias, foi um navegador português, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, comendador de Almourol e senhor de Pias. Foi colaborador próximo do Infante D. Henrique e 1.º capitão do donatário nas ilhas de Santa Maria e São Miguel, as quais teria descoberto.