Capítulo III
Geologia da ilha Terceira


Para descrição geológica da ilha Terceira, e indagação de tudo quanto se prende com a sua geogenia e geognosia, não podemos deixar de formar um capítulo especial da história geológica do Arquipélago dos Açores, em cujo centro se acha colocada, fazendo parte do grupo central que compreende também, como já dissemos, as ilhas de São Jorge, Graciosa, Pico e Faial.

A sua situação geográfica por um lado, e pelo outro a sua pequena indústria e atraso na agricultura, constituem a causa de ter sido tão raras vezes visitada pelos sábios naturalistas, quer nacionais quer estrangeiros, que têm percorrido os Açores, com especialidade as ilhas de São Miguel e Faial, hoje já conhecidas no mundo científico, depois dos trabalhos iniciados por John White Webster,[1] e continuados por muitos outros eminentes naturalistas até à atualidade.

A ilha Terceira, uma pequena parcela do arquipélago açoriano, está colocada na zona vulcânica que, partindo da Ásia Central, percorre o Cáucaso, as regiões vizinhas do Mar Negro, passando pelo Lago Aral e o Mar Cáspio, e seguindo depois uma parte da Ásia Menor até à Síria, atinge o arquipélago grego, Grécia, Nápoles, Sicília, a parte meridional da Espanha, Portugal e finalmente os Açores.

A história geológica da ilha Terceira não pode deixar de compreender duas partes perfeitamente distintas: – uma que diz respeito à geogenia e outra que trata da geognosia.

Geogenia da ilha Terceira editar

A história da origem desta ilha prende-se com a de todo o arquipélago, porquanto, as causas da sua formação não podem deixar de ter sido as mesmas que determinaram o aparecimento de todas as nove ilhas açorianas.

Três são as hipóteses que se nos apresentam no que respeita à origem das ilhas dos Açores: 1.ª – a da preexistência da Atlântida, de que os Açores seriam os restos; 2.º – a da ligação sub-atlântica com o antigo continente; e 3.ª – a da formação recente, devida a erupções submarinas através de grandes períodos seculares. Vejamos quais os argumentos que os vários geólogos têm apresentado, para sustentar estas hipóteses.

1.ª hipótese — preexistência da Atlântida, de que os Açores seriam os restos

Nesta hipótese admitem alguns que os Açores são os restos da formidável e grande ilha – a Atlântida – que, por causa de enormes forças, desapareceu, deixando como seus vestígios os arquipélagos da Madeira, Canárias, Cabo Verde e Açores. As ilhas dos Açores são, para muitos espíritos, como ainda diz o excelentíssimo Visconde de Castilho:[2]

«[...] os restos meio consumidos, os escombros, o remanescente, os fragmentos e relíquias do grande cadáver da quase fabulosa região da Atlântida, ilha enorme, enormíssima, que, toda ela, suposições de sábios antigos e modernos, se avista apenas, e marca para aquelas bandas ocidentais o elo que liga o conhecido ao provável e conjetural. […] Esse continente ou ilha, a que alude a tradição dos povos mais antigos e mais cultos, e a que parecem referir-se autores bíblicos, quer dizer, os mais antigos que empunharam o cálamo literário, essa Atlântida das lendas marinhas de Fenícios e Cartagineses, essa região longínqua para lá das Colunas de Hércules, corresponde (segundo pretendem alguns) a uma realidade geográfica, desluzida na mais fugaz das gerações. O que de mais positivo diz a tradição ininterrupta mais enfraquecida, é que, séculos antes da era cristã, haviam os Fenícios avistado e frequentado algumas ilhas no Oceano, que parecem ser a Madeiram as Canárias e talvez os Açores, que os Cartagineses, senhores do Mar Mediterrâneo, e irrequietos no empenho de novos descobrimentos (e nisso se lhes assemelharam seus netos, os Portugueses) descobriram terras para lá do Oceano, mas, receosos da emigração de colonos que desfalcaria a mãe-pátria, proibiram aquela navegação […].
Domeny de Rienzi,[3] por exemplo, julga que no dédalo das conjecturas vêm as tradições dos Fenícios e Egípcios a ser o documento tradicional de algumas das muitas revoluções que padeceu a superfície do planeta, e a que a humanidade tem já podido assistir; solevamentos e abaixamentos, às vezes repentinos, outras muito graduais, com que se tem modificado, e continua sempre a modificar-se, o desenho orográfico da parte habitada do globo.
O sítio, justamente, onde todos colocam a problemática região da Atlântida, assenta em latitudes extremamente vulcânicas. As ilhas que ainda hoje aí se avistam dispersas, derradeiros píncaros que sobrenadaram, todas elas, como respiradoiros, como válvulas de segurança do espantoso foco subterrâneo, têm e tiveram vulcões importantes: os Açores, Cabo Verde, as Canárias e a Madeira. O solo submarino que se estende entre esses arquipélagos, esse mesmo ainda há pouco, ainda nos nossos dias, tem mostrado não haver arrefecido a causa primária da ebulição interna; e ora se soleva em montanhas de lava e pómices escalvadas, negras, vomitando fumo e fogo, para as engolir na noite seguinte, ora ruge e se encapela em ondas por baixo das ondas, ora resfolega enxofre e hidrogénio em jorros do seio turbado do mar alto. Sim, toda aquela extensão de montanhas sub-oceânicas, de que as nossas ilhas são apenas os píncaros, revela um trabalho improbo e constante de ignição interior […].
É pois verosímil que, há muitos séculos, há muitos milhares de anos (a cronologia humana esqueceu-lhe a conta) emergisse em tantos centenares de léguas um vasto e fecundo continente, descrito por Platão na conformidade da fama pública, formoso, sombreado de bosques, tépido de aragens criadoras, convidativo, dadivoso.
No verão de 1883 andou, por conta da França, o navio de guerra «Le Talisman» com o sábio Alphonse Milne-Edwards[4] a seu bordo, explorando, sondando, no Mar dos Sargaços, e para o sul e norte dele muitos paralelos. Estas sondagens revelaram que o fundo do Mar dos Sargaços é formado de uma camada densa de lodo finíssimo, de natureza plutónica: parece que existe lá por baixo, a mais de uma légua de fundura, uma enorme cordilheira vulcânica, paralela à costa de África, e cujos píncaros culminantes são as ilhas de Cabo Verde, Canárias, Madeira e Açores.»

Com esta opinião concorda também o Conde Vargas de Bedemar,[5] o qual na recapitulação que apresenta no fim do seu Resumo de Observações Geológicas[6] feitas em uma viagem às ilhas da Madeira, Porto Santo e Açores nos anos de 1835-1836 assim se exprime:

«Parece pela existência do xisto argiloso primitivo, em camadas horizontais [o que não tem sido verificado] que nem todas as massas de rochas de que se formaram as ditas ilhas (os Açores) foram levantadas do fundo do mar pela ação dos fogos vulcânicos, visto que sobre os bordos ocidentais este grupo, existem ainda fragmentos de uma grande ilha ou continente, de que fizeram parte, as quais escaparam a uma grande catástrofe, que mais pareceu ter sido uma submersão do que um alteamento por explosão.»

A favor desta hipótese encontra-se também uma carta de Oswald Heer,[7] dirigida a Alphonse de Candolle,[8] publicada em 1856, na qual compara a fauna e flora açorianas com as do continente europeu. Nessa carta interessante, Oswald Heer diz:[9]

«Na vossa obra sobre a geografia das plantas, que li com o maior interesse, adotaste o modo de ver de Edward Forbes,[10] de que, nos tempos miocénicos, o continente europeu se estendia até às ilhas dos Açores e das Canárias; e apoiai-lo com novas provas. Com efeito, o carácter europeu predominante na natureza destas ilhas, observado nos seus insectos e na sua flora, nos demonstra uma antiga união com o continente. Sem embargo disso não devemos esquecer que, com respeito à Europa, estas ilhas são todas diferentes das do Mediterrâneo. Distinguem-se desde logo por espécies próprias muito mais numerosas, que constituem um terço ou um quinto das plantas; em segundo lugar por alguns tipos americanos, que aparecem em todas as ilhas, Não só encontrámos nelas certas espécies americanas, que podiam ter chegado ali por alguma causa acidental, como o vento, as correntes ou levadas pelo homem; senão também géneros americanos que se encontram representados por espécies particulares. Citarei, por exemplo, os géneros Clethra, Bystropogon e Cedronella, assim como o único pinheiro das Canárias (Pinus canariensis C.Sm.), que pertencem às formas americanas térneas aciculares. A relação dos louros é muito notável, debaixo deste aspecto: constituem uma grande parte dos bosques das ilhas da Madeira e das Canárias, dividindo-se em quatro espécies e representando papel muito interessante.
Duas espécies (Oreodaphne fœtens[11] e Persea indica) são tipos essencialmente americanos; a terceira (Phoebe barbusana (Cav.) Webb & Berthel.)[12] pertence a um género que se encontra na Índia e na América; a quarta, finalmente (Laurus canariensis Webb & Berthel.)[13] corresponde à espécie da Europa. Por esta circunstância dos bosques de louros, as ilhas do Atlântico diferem muito do continente africano, onde aqueles não existem absolutamente, e se unem mais à América do que à África, apesar da proximidade relativa.
Estes factos tornam muita importância pela observação de que a flora das ilhas atlânticas está muito relacionada com a flora terciária da Europa. Na minha «Flora tertiaria Helvetiae»,[14] demonstrei que um considerável número de plantas da época terciária corresponde às espécies próprias das ilhas da Madeira e das Canárias, de modo que deve existir certa relação entre estas floras. Por outra parte, a nossa flora terciária manifesta grande aproximação com a flora do meio-dia dos Estados Unidos. Muitos géneros inteiramente característicos, como Taxodium, Liquidambar e Sabal, se acham espargidos sobre todo o nosso território terciário, e se compunham em parte de espécies muito próximas das que hoje vegetam na América. Outros géneros estão igualmente na Europa e na América (como Quercus, Corylus, Populus e Acer) e se encontram na época terciária europeia, compostos das espécies correspondentes às espécies americanas. Encontramos casos análogos nos moluscos terrestres, e nos insectos, ainda que isto não seja tão positivo como a respeito das plantas.
Estas notáveis circunstâncias têm uma explicação, se admitirmos que na época terciária os continentes da Europa e da América estiveram unidos, e que esta superfície se estendeu por alguma projeção até às ilhas atlânticas. Uma vista sobre a carta das profundidades do Oceano por Mathew F. Maury[15] (reproduzida por Heinrich W. Dove[16] no periódico geográfico de T. E. Gumprecht[17] de 1853, pág. 118) indica que o fundo do mar Atlântico forma um vale longitudinal, cujos sítios mais profundos estão desde os 20º aos 40º de latitude setentrional sobre pouco mais ou menos igual distância da Europa e da África. Mas de ambos os lados deste profundo vale, há uma extensa planície marítima, que compreende as ilhas atlânticas assim como todo o espaço entre o continente europeu, Terra Nova e Acádia. Depois desta planície começa outro vale, menos profundo, em direção de SO a NE, entre Madeira e Açores, e que vai terminar perto da costa do Porto, em Portugal.
Se nos é lícito dar alguma importância a estes dados inteiramente gerais, devemos admitir que, nos tempo miocénicos, aquela planície marítima foi uma terra firme.
Este país, esta antiga Atlântida, teria os mesmos vegetais que a Europa miocénica central, e as conchas marinhas sobre as faldas desta região ofereciam grande conformidade com as da América e as da Europa; e até nos seres atuais se reproduziu este fenómeno notável, posto que a Europa tem mais conchas marinhas litorais e peixes de costa comuns com a América, sem que sejam os do alto mar. Isto nos prova que, em certa época, uma faixa de terreno deve ter unido as ditas duas partes do mundo. As ilhas atlânticas haviam já saído do lado das costas meridionais deste continente nos tempos diluvianos. Que nos tempos miocénicos esteve este país no fundo do mar, demonstram-no as conchas fósseis do Porto Santo e de São Vicente, na Madeira, e as dos Açores; mas que estivesse já emerso nos tempos diluvianos, vemo-lo pelos moluscos terrestre do Caniçal e pelas plantas fósseis de São Jorge, na Madeira.
As ilhas formadas nesta época receberam a sua vegetação da Atlântida nos tempos diluvianos, em uma época por conseguinte em que este continente havia entrado numa nova fase de desenvolvimento. Se supomos que então, por uma depressão subsequente do terreno, ficasse destruída a união com a América, e mais tarde a que existia com a Europa, ficariam explicados os elementos da flora atual destas ilhas. Encontramos nelas os restos da antiga flora da Atlântida, havendo-se por consequência conservado muitos tipos da flora terciária que têm desaparecido na Europa. Estes restos forma, com um certo número de outras espécies, as plantas particulares a estas ilhas, correspondendo em parte às espécies americanas, porque todas elas procedem de um mesmo centro de formação. Mas com a Europa têm estas ilhas umas espécies comuns, o que parece provar que a sua união com este continente durou mais tempo.
Na época diluviana a flora da Europa central foi transtornada por grandes mudanças de clima e, como pela depressão da Atlântida ficou destruída a união com a América, a nossa vegetação europeia não pode estender-se por aquela parte senão para leste. É assim que se explicariam as características que recebeu a nova vegetação, e em particular a dos países inferiores, enquanto os Alpes e o Norte mudaram menos. Por isso também se encontram grandes analogias entre a Europa, a Ásia e a América setentrional.
Chego pois a obter a mesma conclusão que vós obtivestes a respeito destas últimas regiões, isto é, que a vegetação alpestre é seguramente a mais antiga do nosso país, e que mais tarde, quando o clima subiu a temperatura, se foi aquela elevando desde as regiões baixas até às montanhas e aos Alpes. — Oswald Heer.»

É portanto aceite por muitos homens da ciência a hipótese, ou opinião, de que os Açores não têm uma origem puramente vulcânica, não foram o resultado de erupções submarinas que as fizeram surgir acima da superfície dos mares, mas sim vestígios de causas plutónicas que submergiram a ilha imensa, a Atlântida, e como os últimos respiradouros da extraordinária ação vulcânica, que não só atuou com extraordinária intensidade no momento da catástrofe, mas que, ainda se não extinguiu de todo, como o atestam as sulfataras do Vale das Furnas, na ilha de São Miguel.

Esta hipótese, a primeira apresentada no mundo científico para explicar a formação do arquipélago açoriano, teve bem depressa refutadores eminentes como Henri Drouët, Ferdinand Fouqué[18] e outros.

Os argumentos apresentados pelos sábios que mais de perto estudaram o terreno açoriano, e pelo estudo comparativo da flora e fauna do arquipélago com a flora e fauna da Europa e da América, levam-nos efetivamente à conclusão de que esta hipóteses só como pura fantasia pode ser apresentada, e que, na atualidade, apenas tem importância histórica.

2.ª hipótese — ligação sub-atlântica com o antigo continente

Nesta hipótese, sustentada por Alexander von Humboldt[19] e Arthur Morelet,[20] supõe-se que os Açores formam um prolongamento submarino do Atlas.

Comparando entre si os vários argumentos apresentados pelos adeptos desta hipótese, vê-se que, para admitir a existência da cadeia submarina, seria preciso admitir também, como diz Drouët, que ela existiu antes do último cataclismo por que passou o globo terrestre e que tem o nome de Dilúvio, e do qual resultou uma mudança completa na configuração dos continentes desta parte do globo em que habitamos. Esta grande massa de água, que caiu à superfície da terra, teria coberto as partes mais baixas da grande ilha, deixando apenas a descoberto, aqui e ali, as montanhas mais altas, as quais foram constituir mais tarde as ilhas dos Açores.

Mas, se é assim, como explicar a ausência de vestígios da fauna e da flora próprios daquele continente, e como explicar também a ausência das rochas de natureza sedimentar? Além disso, sendo invadidas as partes mais baixas do terreno que constituía a grande cadeia de união entre o antigo e o novo mundo, porque é que a vida animal se não refugiou para estas montanhas que vieram a constituir as ilhas?

É verdade que, como muito bem diz o sábio escritor micaelense, o nosso amigo dr. Eugénio Vaz Pacheco do Canto e Castro,[21] num primoroso artigo publicado no Arquivo dos Açores sobre a bibliografia geológica destas ilhas,[22] este argumento apresentado por Henri Drouët, só por si, tem pouco valor; mas parece-nos que, associado aos outros, como a ausência de fauna própria daquela época, seria o suficiente para pôr de parte a segunda hipótese.

Conquanto a admissão desta origem do arquipélago açoriano traga consigo, como diz o mesmo escritor, a hipótese da ligação ter-se produzido nos fins dos tempos eocénicos, por um alteamento do fundo do mar, superior a 4000 metros, o que colocaria o Pico de Teyde a uma altitude dupla do Monte Branco, a ausência da fauna, e sobretudo da flora, não podem deixar de ter grande valor, porque esta, apesar de ser insignificante, a certas altitudes, deveria contudo deixar vestígios; e seria pouco crível que as erupções vulcânicas produzidas posteriormente, tivessem destruído por completo e em todas as ilhas aqueles vestígios.

Se, em harmonia com a hipótese da Atlântida, explicarmos a formação dos Açores pelo abaixamento de parte do grande continente, devido a com-moções vulcânicas, deveria encontrar-se, segundo a opinião do eminente geólogo Ferdinand Fouqué, nas suas Voyages géologiques aux Açores,[23] publicadas na Revue des Deux Mondes em 1873, muito poucos cones de tufo; e cones de escórias secas formados anteriormente à depressão do solo, deveriam ver-se atualmente em contacto com as ondas do mar. Ora, é exatamente o contrário que se observa.

A ausência de vulcões aéreos à beira-mar, o grande número de cones de tufo, e a sua antiguidade comprovada pelas suas relações com as lavas que lhes ficam próximas e pelos estragos que têm experimentado sob a ação lenta do tempo, demonstram categoricamente que a hipótese da célebre Atlântida não é mais do que uma fantasia.

3.ª hipótese — formação recente, devida a erupções submarinas através de grandes períodos seculares

Nesta hipótese, consideram-se os Açores como o resultado de erupções vulcânicas relativamente recentes, isto é, posteriores ao último cataclismo do nosso planeta. Os Açores formam portanto um sistema geognosticamente independente do Antigo Mundo. Alguns, que não querem admitir esta origem, contestam-na dizendo que a constituição geológica é semelhante à da Madeira e Canárias e que, portanto, não podem ter uma origem independente. O nosso distinto açoriano dr. Eugénio Pacheco, no seu trabalho já citado,[24] diz, e quanto a nós muito bem, que:

«[…] essas semelhanças, embora apreciáveis relativamente aos tipos de lavas, nada dizem para a determinação da origem ou sequer para o processo de construção das ilhas vulcânicas.
«De facto, a Islândia e os Açores têm, inquestionavelmente, parentesco muito próximo, não só pelo que diz respeito ao aspecto geológico e configuração dos seus terrenos pirógenos, senão também pela natureza química e micro-estrutura das suas rochas ou pelas suas águas geyserianas; — e todavia não há a concluir daí para uma formação comum e simultânea.»

Drouët, analisando esta hipótese sobre a origem dos Açores, faz notar que, tendo as explorações dos naturalistas encontrado algumas espécies animais e vegetais que lhe são próprias, isto é, que podem ser consideradas como locais e autóctones, como explicar a sua presença, provindo os Açores de erupções vulcânicas?

Se este facto se realizasse unicamente com os Açores, o reparo de Drouët constituiria talvez uma objeção de valor contra a origem vulcânica do arquipélago açoriano; mas para todas as ilhas oceânicas, cuja formação vulcânica recente está perfeitamente reconhecida, se tem encontrado faunas e floras peculiares, sem que até hoje se tenha podido explicar cabalmente este fenómeno.

Resta-nos, por agora, analisar duas objeções que se podem apresentar a esta hipótese, e que dizem respeito à existência de fragmentos de gnaisse, greses encarnados, calcários e de granitos encontrados pelo sábio alemão Georg Hartung,[25] na visita às ilhas dos Açores, e por último a presença de fósseis encontrados na ilha de Santa Maria.

Estes dois factos parecem estar hoje bem explicados pela existência do período glaciário nos Açores. No Arquivo dos Açores, tomo I, pág. 490, encontra-se um artigo de Gabriel Pereira[26] sobre os vestígios do período glaciário nos Açores, o qual, com o devido respeito, transcrevemos em parte:[27]

«A noção talvez mais importante, conquistada modernamente na vasta e formosa província das ciências geológicas é a do período glaciário, durante o qual grandes massas de gelo envolveram mais de metade do hemisfério boreal. Nessa época, segundo os testemunhos geológicos, imperou aqui um clima análogo ao que se confina hoje nas regiões polares; e existindo já formadas todas as grandes elevações que atualmente subsistem, em todas se formaram geleiros, e pelos mares, então limitados já proximamente no contorno dos modernos litorais, estrelaram-se grandes acumulações de massas geladas.
Os geleiros das montanhas da Suíça, da Escócia e da Escandinávia, atingiram desenvolvimentos só comparáveis aos dos que revestem agora o Spitzbergen e a Gronelândia; os gelos flutuantes, que hoje, no hemisfério boreal, raras vezes salvam o 60.° paralelo, desceram muito aquém, vindo demandar as nossas latitudes.
Há muito já que certos factos despertavam a atenção dos naturalistas; não se podia assentar em explicação razoável da existência de floras análogas nas sumidades montanhosas mais elevadas e nas suas íntimas relações com as que povoam latitudes mais frias; do aparecimento de grandes fragmentos de rocha, não rolados mas faciados ou estriados alguns, que em diversas direções encontram como marcando rotas, fragmentos evidentemente depostos e não rolados por conservarem vivas as arestas, e transportados, por não mostrarem parentesco com as rochas mais próximas. Finalmente, era assunto sempre para novas hipóteses e cogitações a existência de floras semelhantes, vegetando algumas em terras muito afastadas e que há muito se acham separadas pelas grandes extensões oceânicas: as correntes marítimas e as aéreas não podiam dar solução bastante a tais problemas: os outros meios de transporte eram ainda menos admissíveis.
Dois sábios que a ciência perdeu há pouco, Charles Lyell[28] e Louis Agassiz,[29] foram dos primeiros a mostrar a resolução destas questões. O último principalmente, nos seus estudos notabilíssimos sobre os geleiros da Suíça, nos quais conquistou títulos muito valiosos ao reconhecimento dos estudiosos, marcou à custa de improbas fadigas a formidável ação dos geleiros durante o período glaciário: pode até afirmar-se que foi ele o denunciante de tal época. Os geleiros arrastam no seu movimento descensional diversos fragmentos de rochas que mais tarde, pela fusão dos gelos, são depostos nos terrenos. Tais fragmentos ora marginam os geleiros, ora seguem a linha media dos convales, formando grandes fileiras ou «moraines», segundo a designação francesa.
Antes mesmo de Agassiz, outros naturalistas haviam notado tais enfileiramentos de rochas em sítios onde ninguém soubera nem supusera jamais a existência de massas geladas: foi ele porém, o tão célebre sábio, para o qual a ciência do nosso país não teve uma palavra de comemoração, que explicou a origem dessas «moraines», verdadeiros monumentos dum estado climatérico mui diverso do hodierno; e logo, por simples generalização, se firmou a noção cientifica do período glaciário.
Claro era que tal regime não dominara só nas altas regiões e que nas inferiores e nas marítimas deveriam aparecer também testemunhos do fenómeno; de facto as pesquisas dos geólogos revelaram logo que a semelhante origem se devia a formação de «drifts», e outros aluviões, e também a deposição de rochas estranhas em muitos pontos.
[...] Segundo, porém, outras indagações mais recentes, parece confirmar-se a existência de vários períodos glaciários, sendo o último, ou o mais moderno, o da época pós-Plioceno, alva, por assim dizer, dos terrenos quaternários.
[...] O sábio geólogo Charles Lyell dedicou-se com muito esmero ao estudo dos fenómenos glaciários e nos seus trabalhos lhes consagrou capítulos notáveis e definitivos. É especialmente aos gelos flutuantes que atribui maior papel. Insta notar-se que a formação de grandes massas geladas não é atualmente igual nos dois hemisférios: no meridional abrangem elas região muito mais vasta. Estes fenómenos, diz Lyell, têm hoje lugar entre o 45° e 60°, paralelos de latitude sul, enquanto que a zona correspondente na Europa está livre dos gelos: mas coisa ainda mais notável, achar-se no próprio hemisfério sul, a 1:400 quilómetros tão somente da Geórgia do Sul, onde as neves perpétuas chegam até ao mar, terras cobertas de florestas, como a Terra do Fogo. A diferença de latitude não basta aqui para explicar a luxuriante vegetação num ponto e a sua falta absoluta noutro, e é preciso admitir, entre as outras causas de resfriamento na Geórgia do Sul, estes inumeráveis gelos flutuantes, que vêm da zona antártica, e que abaixam, fundindo-se, a temperatura das águas do oceano, assim como a do ar, que enchem de espessos nevoeiros. O contraste entre as condições glaciárias e os climas nas zonas correspondentes nos hemisférios norte e sul, e mesmo nas latitudes correspondentes do mesmo lado do equador, faz presumir que a América setentrional e a Europa não experimentaram simultaneamente um frio extremo no período glaciário.
[...] Basta efetivamente olhar para uma dessas cartas, tão vulgarizadas hoje, onde estão lançadas as linhas isotérmicas ou de igual temperatura média anual, para ver o formidável golfo de calor, permitia-se a expressão, que elas formam no norte do Atlântico. Liga-se, por exemplo, a linha boreal zero, importante na matéria presente, e ver-se-há como ela depois de cortar o Labrador, ao encontrar o mar, inflete de súbito para o norte, vai rasar o cabo Farewell, bordeja a Gronelândia, salva ainda a Islândia, e ainda sobe mais: vai intercetar o extremo norte da Noruega, infletindo agora para o sul em precipitada curva, descendo cada vez mais, mantendo-se em harmonia quase com o paralelo 55° ao percorrer o sul da Sibéria, para outra vez se erguer ao entrar no Pacífico. A flecha do primeiro arco descrito não é inferior a 20°. Mas para isso temos explicação fácil e sem replica, é o Gulf Stream,[30] essa maravilhosa torrente de águas tropicais, que vem no seu decurso mitigar os frios numa grande extensão do Atlântico.
[...] Georg Hartung, depois de ter visitado os Açores e estudado com precisão a natureza das suas rochas, diz:[31] «Na costa sudoeste, na baía da Vila do Porto, ilha de Santa Maria, aparecem numerosos fragmentos de gnaisse grosseiro, contendo grande porção de mica preta e branca. Estes fragmentos jazem com outros de lavas basálticas, ao longo da praia, mas em tamanha quantidade que não se podem atribuir a antigos lastros. Nestas circunstâncias deve acreditar-se que as rochas, que propriamente constituem a ilha, são devidas a primitivas operações, enquanto que tais fragmentos foram mais tarde, com as lavas basálticas, lançados à praia. Mas também em outros lugares dos Açores aparecem grandes fragmentos de rochas, que não são de origem vulcânica, em circunstâncias tais que permitam outra interpretação.»
Na costa oriental da ilha Terceira, cobrem o litoral da Vila da Praia, além das rochas vulcânicas, calhaus polidos pelo transporte, de grés vermelho, de calcário rijo, de quartzo, de granitos vários com feldspato branco amarelado, mica preta e branca e turmalina.[32]
Todos estes fragmentos, cujas dimensões variam desde algumas polegadas até muitos pés, não aparecem somente à beira-mar, mas jazem também a distancia considerável para o interior, espalhados na superfície, onde, juntamente com fragmentos de lava, os têm acumulado para fazerem as paredes de pedra solta que circunscrevem os campos cultivados. É tão incrível que estes fragmentos hajam sido trazidos pelo homem do afastado sítio da praia, como é impossível que, no modo de ser atual, possam ter sido rolados pelas vagas à sua presente posição. Para o norte é este espaço limitado pela altura que vai do levante a poente, cujo declive principal deixa ao material a fixidez em que estão os numerosos rochedos estranhos, e cuja parte inferior, na extremidade oriental da ponta de Malmerenda, está coberta por uma duna arenosa. Para o sul dilata-se um terreno pantanoso cercado de juncais; sobre uma pequena elevação assentam as casas da Vila da Praia. Para o interior, finalmente, desaparecem as rochas estranhas exatamente onde a planura, que desde baixo vem subindo docemente, se torna mais áspera e irregular.
As rochas estão portanto aqui espalhadas numa depressão em anfiteatro que para o lado do mar é mais larga e aberta, enquanto que o volume das terras para o interior, assim como para o sul e para o norte, se eleva gradualmente. É pois provável que estes fragmentos estranhos fossem depostos durante o período glaciário na Terceira e Santa Maria, compreendidas entre 37° e 39° de latitude N. No Canadá e nos Estados Unidos da América do Norte, encontram-se tais detritos modernamente até 38°. Notando assim o aparecimento de tais raridades, podemos concluir mais que nas duas ilhas mencionadas, no período glaciário e nos mencionados lugares, estava já firme aproximadamente o seu atual relevo orográfico ou conformação da superfície.
Na Terceira, o modo por que aparecem estas rochas, indicam uma certa elevação; é provável que os gelos encalhassem em aguas pouco profundas da baía antigamente formada pela depressão do vale da Praia, que mais tarde se ergueu sobre o mar. Nestas ilhas podemos acrescentar, não só aparecem consideráveis massas lávicas de aparência moderna, mas há documentos da sua atividade vulcânica desde a descoberta até aos tempos atuais. Portanto é muito crível que durante a deposição das militas formações vulcânicas modernas, tenha havido uma elevação ou dilatação das formações mais antigas.»

Estas descobertas importantes, feitas por um sábio tão eminente como Georg Hartung, parecem demonstrar cabalmente a origem destes fragmentos de rochas que se encontram nas diferentes ilhas dos Açores, e que, à primeira vista, se opunham à hipótese atualmente seguida pelos naturalistas sobre a origem do arquipélago açoriano.

Relativamente aos fósseis encontrados na ilha de Santa Maria, e cuja descrição foi feita pelo dr. Heinrich Bronn,[33] existem ainda hoje algumas daquelas espécies, mas a maioria, como diz o nosso distinto açoriano e amigo dr. Eugénio Pacheco,[34] pertencem a formas extintas e são semelhantes às que se encontram nas rochas miocénicas de Bordéus. Observa o mesmo escritor que, sendo a posição geográfica de Santa Maria 6° ou 7° para o sul de Bordéus, fazia prever que a sua fauna conqueológica possuísse a grande riqueza das espécies que vivem nas zonas mais quentes do Oceano Atlântico, mas não é isto que se observa na descrição de H. Bronn. As espécies fósseis pertencem quase na totalidade às regiões frias e não poderiam adaptar-se hoje às condições da vida própria das nossas latitudes.

Tudo isto prova que o clima dos Açores, durante os tempos eocénicos, seria muito vizinho do que é hoje o das terras setentrionais, o que vem provar ainda mais a existência do período glaciário no arquipélago açoriano.

Com relação à flora açoriana, admitidos como estão hoje, os diferentes meios de dispersão das espécies, tanto vegetais como animais, fácil é explicar o aparecimento das diferentes espécies de plantas.

Além do transporte poder efetuar-se por meio dos gelos flutuantes durante o período glaciário, como diz Charles Darwin no seu livro A Origem das Espécies,[35] temos ainda as aves que, sendo impelidas a grandes distâncias, a centenares de milhas, por meio das impetuosas ventanias, que muitas vezes passaram e passam ainda pelo arquipélago açoriano, essas aves podem facilmente, como de facto foi observado pelo próprio Charles Darwin, transportar várias sementes que vão aderentes às patas, penas ou no próprio bico.

As próprias correntes atmosféricas são também agentes poderosos de importação, para muitas espécies de vegetais e animais; e não é raro ainda hoje observar-se este fenómeno nas ilhas do arquipélago.

Tudo o que temos apresentado à consideração do leitor leva-nos a admitir, como mais provável, esta última hipótese sobre a origem dos Açores, tanto mais que não tendo todas as ilhas a mesma idade geológica, dificilmente se poderia admitir qualquer das outras hipóteses apresentadas.

Geognosia da ilha Terceira editar

As rochas vulcânicas que formam a ilha Terceira, e que constituem a sua base, são, ou traquíticas ou basálticas, podendo distinguir-se nestas, três formações distintas e sobrepostas.

A mais antiga destas formações é composta de traquitos: é ela que constitui não só a Caldeira de Santa Bárbara e o centro da ilha, entre a cidade, ao sul, e a freguesia da Agualva ao NE, mas ainda a base da cadeia intermédia à parte oriental da Terceira.

Esta formação traquítica ora se apresenta sob o aspeto de grandes massas amareladas, contendo fragmentos de rocha traquítica ou de camadas de uma pedra consistente e friável (cantaria), ou de uma rocha extremamente sólida e compacta, contendo muitos e grandes cristais de feldspato. Este último modo de apresentação ou variedade constitui camadas de uma enorme espessura, porém de aspecto variável.

O interior da Caldeira de Santa Barbara e do Caldeirão, e a parte ao norte da cidade, sobre que assenta o Monumento de D. Pedro IV (Memória), oferecem à vista majestosas assentadas de traquitos, muitas vezes fendidas verticalmente e separadas em alguns pontos por colunatas verticais de escórias ou de basalto.

As encostas, quer da Caldeira de Santa Bárbara, quer do Caldeirão ou Grande Caldeira, no centro da ilha, quer finalmente a montanha que vai do chamado Caminho de Cima até ao Monumento, são formadas pela primeira assentada de traquitos que, por esta razão, se pode chamar o alicerce da ilha.

Esta primeira formação que, por si só, constitui a quase totalidade das grandes montanhas da Terceira, foi por vezes, em épocas anteriores ao seu descobrimento, o teatro de explosões de extraordinária força que deram o relevo das montanhas hoje existentes, cujas vertentes ou encostas se cavaram em ravinas mais ou menos profundas pela ação continuada das aguas pluviais e vieram a ser as diversas ribeiras que sulcam a ilha por quase todos os lados.[36]

As Caldeiras de Santa Bárbara e do Caldeirão, com as suas grandiosas dimensões, foram produzidas sem dúvida por extraordinárias e violentas explosões, e o mesmo se pode dizer a respeito da rocha situada ao norte do Pico Agudo.

A esta primeira formação traquítica seguiu-se a basáltica. A erupção desta espécie de rocha teve togar não só no centro da ilha como especialmente em quase todo o seu contorno.

Muitos cones vulcânicos se formaram então, e do seu centro saíram as lavas basálticas que correram sobre a formação traquítica anterior, enchendo as escavações que esta formou à superfície da terra, e colocando-as, por assim dizer, ao mesmo nível.

No centro da ilha, produziu-se o mesmo fenómeno e das crateras já existentes, onde novas fendas se operaram nas encostas dos primeiros vulcões, saíram jorros de lavas basálticas que cobriram os flancos dos grandes cones traquíticos preexistentes, deixando apenas livres os seus vértices e acumulando-se nas partes inferiores, de onde se expandiram em forma de grandes camadas, como se observa desde a Achada até ao Porto Judeu.

O fundo da Grande Caldeira central ou Caldeirão, foi nivelado por meio de lavas basálticas e hoje constitui um vasto campo, cuja superfície é aproximadamente de 3:484 ares.

Conquanto a espessura da formação basáltica não atinja em grandeza a da formação traquítica antecedente, contudo, em alguns pontos, apresenta grandes proporções, como se observa no litoral da ilha, desde a baía da Silveira até à Ponta da Serreta: esta freguesia está edificada sobre uma grande extensão de lavas porosas (bagacinas), resultantes duma erupção que teve lugar depois da formação basáltica.

Como prova de que o aparecimento do basalto foi posterior ao traquito, é que, onde se observa o primeiro terreno, as impressões produzidas pelas águas são muito menos profundas do que nas segundas: é o que se nota comparando os lugares da Serreta, Doze Ribeiras e Santa Bárbara, com a parte da ilha situada entre a cidade e a freguesia da Agualva.

Uma terceira formação teve lugar depois da basáltica: foi uma nova erupção de rocha traquítica que veio cobrir em muitos lugares a basáltica anterior. No norte da ilha, desde a freguesia dos Altares, e mesmo entre a cidade e aquela freguesia, encontra-se esta nova formação debaixo da forma de poderosas lavas traquíticas, que, para o seu aparecimento, não careceram de grandes cones vulcânicos, mas sim de baixos outeiros ou cabeços de onde surgiram as majestosas torrentes de lavas que cobriram todo o espaço compreendido entre as freguesias da Agualva e Serreta.

Foram, sem dúvida, os desmoronamentos destas lavas que formaram grandes colinas completamente constituídas de bagacina, ora pretas ora vermelhas, e que hoje constituem o Pico Rachado, o Pico Negro, os Picos Gordos, o Pico da Bagacina e o Pico da Serreta. Deve-se também atribuir a esta mesma época de formação a existência das rochas alongadas que se elevam dos dois lados destes outeiros.

Deve-se pois supor que massas enormes de rochas traquíticas saíram das chaminés vulcânicas num estado extremamente viscoso, e que, correndo brandamente, produziram as lombadas que se notam nestes lugares da ilha, corno por exemplo é o Pico da Bagacina e suas imediações.

Em 1761 teve lugar a última erupção vulcânica no interior da ilha Terceira, formando-se então muitos cones eruptivos ao lado dos Picos Gordos e adiante do Pico da Bagacina e as lavas lançadas por este vulcão foram ter à freguesia dos Biscoitos, emitindo, antes de chegar ao seu termo, outras ribeiras de lavas de mitos metros de largura. Estas lavas constituídas por vezes por enormes blocos de pedras lançadas a esmo, umas sobre as outras, apenas são cobertas por alguns fetos vulgares e nalguns pontos por musgos.

As outras lavas que se referem à ultima formação traquítica, se bem que se formassem em época anterior à do descobrimento da ilha, porque nenhum historiador antigo, nem mesmo o padre António Cordeiro,[37] faz menção de erupções nos terrenos da ilha, têm uma aparência relativamente moderna, e é a elas que o povo dá o nome de Mistérios, como são os que se observam nas freguesias de São Bento, Serreta e outras.

Dizemos que a aparência destas lavas é relativamente moderna, porquanto elas são apenas revestidas por uma ligeira camada de terra. Todavia, algumas, pelo efeito das águas, apresentam um estado adiantado de desagregação.

Tal foi a última formação que se deu na ilha Terceira e que cobriu uma parte do basalto já formado sobre a primeira camada de traquitos que constituem a parte mais antiga da ilha.

Resta-nos ainda falar do Monte Brasil, de formação tufácea, que, segundo as observações feitas por Ferdinand Fouqué,[38] deve ser considerada posterior às enormes massas traquíticas que cobrem o resto da ilha, e que constitui por si só um verdadeiro cone eruptivo de origem submarina, apresentando-se ainda num estado de integridade quase completa. Percorrendo lateralmente a caldeira deste monte até chegar ao ponto denominado da Quebrada, onde existem os restos dum forte construído pelos castelhanos, vê-se nitidamente que foi para este ponto que se dirigiram as matérias incandescentes lançadas por aquela chaminé vulcânica, e que, pelo resfriamento consecutivo, se foram depositando por camadas sucessivas, que se distinguem ainda perfeitamente.

Examinando com atenção a superfície da ilha e os sulcos que as águas pluviais têm produzido, adquire-se a convicção de que a sua formação é mais recente do que algumas das outras ilhas do arquipélago, tais como São Miguel e Flores, onde se encontram ravinas profundas e grandes desnudações nos leitos das ribeiras.

Recapitulando o que acabamos de dizer acerca da formação da ilha Terceira, diremos que houveram três épocas de aparição de terrenos vulcânicos, que por si constituem toda a ilha:

  • 1.ª época — Uma época de formação traquítica, a mais antiga, base em que assentam todas as outras, tendo uma enorme espessura e que constitui o esqueleto das montanhas mais elevadas e íngremes, tais como a de Santa Bárbara e a central entre Angra e a freguesia da Agualva;
  • 2.ª época — Uma época basáltica que se sobrepôs à traquítica e que modificou os contornos das montanhas já existentes, nivelando as depressões e acrescentando as encostas inferiores de uma inclinação moderada;
  • 3.ª época — Uma terceira época ou formação traquítica, sob a forma de derramamentos de enorme espessura, que em parte se sobrepuseram à formação basáltica anterior e que hoje dá o relevo atual à ilha Terceira.

Notas do editor editar

  1. Webster, John White (1793-1850), A description of the Island of the St. Michael, comprising an account of its geogical structure : with remarks on the other Azores or Western Islands..., Boston : R. P. & c. Williams, 1821. O autor, médico e professor da Universidade de Harvard, em Boston, ficou tristemente célebre por ter sido condenado à morte e enforcado pelo homicídio de um colega médico, o Dr. George Parkman, ocorrido no seu laboratório da Faculdade de Medicina daquela universidade.
  2. Júlio de Castilho, 2.º visconde de Castilho, O archipelago dos Açores. Bibliotheca do Povo e das Escolas, n.º 137, 18.ª série, 1886.
  3. Louis Domeny de Rienzi (1789-1843) foi um explorador e aventureiro francês, autor de uma vasta obra geográfica e etnográfica, com destaque para a Oceânia, onde viajou extensamente.
  4. Alphonse Milne-Edwards (1835 – 1900), ornitologista e carcinologista francês, professor de Muséum National d'Histoire Naturelle, dedicando-se especialmente às aves fósseis e exploração submarina. Era filho do zoólogo Henri Milne-Edwards.
  5. Carl Friedrich August Grosse (Magdeburgo, 5 de junho de 1768 – Copenhaga, 15 de março de 1847), também conhecido por Eduardo Romeu, conde de Vargas-Bedemar, Edouard Romeo de Vargas de Bedemar ou por Conde Vargas-Bedemar, aventureiro, escritor, geólogo e geógrafo oriundo de Schleswig-Holstein, então parte do reino da Dinamarca, que adoptou o nome de uma das suas personagens de romance e, com esse nome, atingiu celebridade em toda a Europa, incluindo Portugal. Foi cavaleiro da Ordem de Malta (1795), coronel de artilharia e professor da escola desta arma em Nápoles. Afirmado-se descendente de uma nobre família espanhola, passou a usar o título de "conde Vargas de Bedemar". Com esse nome, a partir de 1808 passou a residir em Copenhaga, onde em 1813 foi senador e em 1829 e 1842 co-director e director, respectivamente, do Museu Real de História Natural. Pertenceu desde 1806 à Real Academia Dinamarquesa de Ciências. Escreveu numerosas obras nas áreas da geografia e da geologia.
  6. Vargas de Bedemar, Edouard Romeo, "Resumo das Observações Geológicas Feitas em uma Viagem às Ilhas da Madeira, Porto Santo e Açores, nos Anos de 1835 e 1836”, Arquivo dos Açores, n.º 10, 1837, pp. 289-296.
  7. Oswald Heer (Niederuzwil, 1809 — Lausanne, 1883), geólogo e botânico suíço, pioneiro do estudo da paleobotânica europeia.
  8. Alphonse Louis Pierre Pyrame de Candolle (Paris, 1806 — Genebra, 1893), botânico franco-suíço, filho do também botânico Augustin Pyrame de Candolle, de quem foi o continuador da obra científica, coordenando a publicação dos últimos volumes do monumental Prodromus systematis naturalis regni vegetabilis.
  9. “On the probable origin of the organized beings now living in the Azores, Madeira, and the Canaries. By M. Oswald Heer in a letter to M. A. DeCandolle”. Annals And Magazine of Natural History, vol. 18 (1856), ser. 2, pp. 183-185.
  10. Edward Forbes (Ilha de Man, 1815 — Edinburgh, 1854), naturalista britânico, pioneiro da paleontologia marinha.
  11. A espécie agora denominada Ocotea foetens (Aiton) Benth. & Hook.f..
  12. A espécie agora denominada Apollonias barbujana (Cav.) Webb & Berthel.
  13. Sinónimo de Laurus novocanariensis Rivas Mart., Lousã, Fern.Prieto, E.Dias, J.C.Costa & C.Aguiar.
  14. Oswald Heer, Flora tertiaria Helvetiae: Die tertiäre flora der Schweiz (3 volumes). Winterthur : Verlag der Lithographischen Anstalt von J. Wurster & Compagnie, 1855-1859.
  15. Matthew Fontaine Maury (1806 – 1873) astrónomo e um dos fundadores da moderna hidrografia.
  16. Heinrich Wilhelm Dove, “Die neuesten Fortschritte der Hydrographie” in Zeitschrift für Allgemeine Erdkunde, vol. 1, pp. 118-126. Berlim, 1853. H. Dove (Liegnitz, Silésia, 1803 — Berlim, 1879) foi um físico e naturalista que se destacou no campo da meteorologia.
  17. Thaddäus Eduard Gumprecht (editor), Zeitschrift Fur Allgemeine Erdkunde, vol. 1, Berlim, 1853 (com o apoio da Gesellschaft Für Erdkunde Zu Berlin).
  18. Ferdinand André Fouqué (Mortain, 1828 — Paris, 1904) geólogo e petrologista, especializado em vulcanismo e na mineralogia e petrologia das rochas eruptivas.
  19. Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander von Humboldt, o barão de Humboldt (1769 — 1859), geógrafo, naturalista e explorador, considerado uma das personalidades mais famosas do seu tempo.
  20. Pierre Marie Arthur Morelet (Doubs, 1809 — Dijon, 1892), explorador e naturalista especializado em malacologia.
  21. Eugénio Vaz Pacheco do Canto e Castro (Ponta Delgada, 8 de Novembro de 1863 — Ponta Delgada, 28 de Julho de 1911), mais conhecido simplesmente por Eugénio Pacheco, intelectual e político açoriano, defensor da causa republicana, que desenvolveu intensa e variada acção nos domínios da investigação científica, da pedagogia e do jornalismo de intervenção político-social.
  22. Eugénio Pacheco, “Ensaio sôbre a bibliographia geológica dos Açores”, Archivo dos Açores, vol. 11 (1890), pp. 268-303 [publicado também como separata].
  23. Publicou dois artigos: (1) “Voyage géologique aux Açores – I. – L’ile de Terceire et l’éruption sous-marine de 1872” in Revue des Deux Mondes, vol. 103, Seconde Période (Janvier-Février 1873) pp. 40-65; (2) “Voyages géologiques aux Açores – II. – Graciosa, Pico et Fayal” in Revue des Deux Mondes, vol. 103, Seconde Période (Janvier-Février 1873) pp. 617-644.
  24. Eugénio Pacheco, “Ensaio sôbre a bibliographia geológica dos Açores”, Archivo dos Açores, vol. 11 (1890), pp. 268-303.
  25. Georg Hartung (1822 – 1891), explorador e geólogo, pioneiro da geologia insular, autor múltiplos livros de viagens e de um conjunto de trabalhos de grande qualidade sobre as ilhas da Macaronésia, em especial sobre as Canárias e os Açores.
  26. Gabriel Victor do Monte Pereira (Évora, 1847 – Évora, 1911), depois de ter frequentado a Escola Politécnica de Lisboa e a Escola Naval, dedicou-se à história, à arqueologia e à escrita. Elaborou índices de documentos do cartório da Universidade de Coimbra e publicou numerosos estudos sobre Évora, mas também sobre os descobrimentos, tendo dado à estampa os textos de Diogo Gomes e Valentim Fernandes e uma obra intitulada Roteiros Portugueses da Viagem de Lisboa à Índia (1898).
  27. Gabriel Pereira, “Vestígios do período glaciario nos Açores”, in A Evolução - Revista quinzenal de litteratura, de critica e de vulgarisação scientifica, n.º 6 (fevereiro de 1877), p. 41. Coimbra, 1877. Transcrito no Archivo dos Açores, vol. I (1878), pp. 490-497.
  28. Charles Lyell (Kinnordy, Forfarshire, 1797 — Londres, 1875), advogado e geólogo, pioneiro da moderna estratigrafia. Foi um dos cientistas mais influentes do seu tempo.
  29. Jean Louis Rodolphe Agassiz (Môtier, Suíça, 1807 — Cambridge, Massachussetts, 1873) naturalista que se destacou nos campos da zoologia e da geologia, especialmente na ictiologia e como um dos pioneiros da glaciologia. Foi um destacado defensor do racismo científico e do criacionismo.
  30. Corrente do Golfo.
  31. Georg Hartung, Die Azoren in ihrer äusseren erscheinung und nach ihrer geognostischen natur (mit Beschreibung der Fossilen Reste von Prof. H. G. Bronn). Verlag von Wilhelm Engelmann, Leipzig, 1860.
  32. Georg Hartung, op. cit., p. 294.
  33. Heinrich Georg Bronn (Ziegelhausen, Heidelberg, 1800 — Heidelberg, 1862) geólogo e paleontólogo que se destacou no campo da identificação e datação de conchas marinhas fossilizadas.
  34. Eugénio Pacheco, op. cit., p. 289.
  35. On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life, publicado em 1859. Alfredo da Silva Sampaio terá lido a obra em francês, já que na 1.ª edição o título aparece como L’Origine des Espèces.
  36. Nota do autor: Na descrição topográfica de cada uma das freguesias de que se compõe a ilha serão descritas todas as ribeiras.
  37. António Cordeiro (S.J.) (Angra, 1641 – Lisboa, 1722), sacerdote da Companhia de Jesus e historiador açoriano, autor de uma das obras clássicas da historiografia açoriana (História Insulana das Ilhas a Portugal Sujeytas no Oceano Occidental, Lisboa, 1717), na qual inclui a primeira opinião publicada que se conhece sobre a forma de governação do arquipélago.
  38. Ferdinand Fouqué, “Voyage géologique aux Açores – I. – L’ile de Terceire et l’éruption sous-marine de 1872” in Revue des Deux Mondes, vol. 103, Seconde Période (Janvier-Février 1873) pp. 40-65.