Capítulo XI
Estado da ilha Terceira durante a regência de D. Pedro até à sua morte. Aclamação da Rainha D. Maria II.


Logo que D. Pedro entrou em Lisboa, no dia 28 de julho de 1833, e com a fuga do exército e governo miguelista daquela cidade, estabeleceu-se o governo liberal, cujos ministros tinham acompanhado aquele valente general desde o Porto até ao Tejo.

Poucos dias depois chegava à capital do reino a Rainha D. Maria II, acompanhada pelo Marquês de Loulé; e, ao saber-se em Angra este último sucesso, redobrou de entusiasmo o partido liberal, com grande mágoa paro o miguelista, que de todo não perdera a esperança da sua vitória.

Foi no dia 10 de outubro de 1833 que foram recebidas em Angra as notícias oficiais, rompendo logo as fortalezas de São João Baptista e de São Sebastião as salvas reais, ao mesmo tempo que na cidade eram correspondidas pelo estrondear dos foguetes. Durante três dias se conservou em festa a cidade de Angra, iluminando os seus edifícios durante as noites, até que, no dia 12, aniversário natalício de D. Pedro, foi cantado um solene Te Deum na Sé Catedral, ao qual assistiram todas as autoridades civis e militares e as principais pessoas da ilha Terceira.

A esta festa religiosa seguiu-se uma parada da Legião de Voluntários Nacionais e artilharia de linha, que deram as salvas do estilo, depois das quais o Prefeito levantou os vivas a Sua Majestade Fidelíssima a Rainha D. Maria II, a Sua Majestade Imperial o Duque de Bragança, e à Carta Constitucional, que foram correspondidos entusiasticamente por todos os indivíduos presentes.

Finda a parada, dirigiram-se todas as autoridades ao Hospital de Santo Espírito, para assistirem à bênção de uma nova enfermaria, que tomou o nome de Enfermaria de São Pedro, para comemorar o aniversário natalício do Duque de Bragança, do mesmo modo que, no dia 4 de abril do mesmo ano, se tinha efetuado cerimónia análoga com outra enfermaria, que tomou o nome de Santa Maria, por ser o aniversário natalício de D. Maria II.

Poucos dias depois reunia-se a Câmara de Angra em sessão, deliberando enviar a Lisboa uma deputação para felicitar S. M. I. pela chegada de sua Augusta Filha à capital do reino. Em 11 de janeiro de 1834 recebiam D. Pedro e D. Maria II os cidadãos João do Carvalhal da Silveira e António Cabral de Sá Nogueira, deputados pela Câmara de Angra, lendo um deles a felicitação seguinte:

«Senhora. — A Câmara da muito nobre e sempre leal Cidade de Angra, nos encarrega de congratularmos a Vossa Majestade por haver o Todo Poderoso permitido que Vossa Majestade chegasse felizmente à Capital da Monarquia. — Durante o tempo em que até a esperança já estava morta em todos os corações, menos nos daquele punhado de valentes, que naquela leal Cidade se acolheram, e nos corações dos sempre fiéis Angrenses, que com eles se uniram durante esse tempo de severa provança e difícil virtude, os Angrenses, Senhora, permaneceram sempre firmes, nem julgaram possível continuar a ser Portugueses, sem continuar também a manter o juramento que a Vossa Majestade haviam dado e à Constituição da Monarquia. — Sós, e desamparados de todo o mundo, eles nunca perderam a confiança no Céu; para sua justiça apelaram da injustiça dos homens. Esta eterna justiça, que não costuma faltar, também lhes não faltou. — A Legitimidade e a Liberdade, por toda a parte perseguidas, acharam um asilo no meio do Atlântico, e dali deram aos Reis e aos Povos um documento que jamais esquecerá, uma lição que não há-de ser perdida. — Foram estes dois grandes e salutares princípios que à frente desses poucos valentes e fiéis conduziram à libertação do resto dos Açores a mocidade da ilha Terceira, por entre os perigos do mais arrojado cometimento que a história recorda: foram eles que, firmados no coração e na espada do Augusto Pai de Vossa Majestade, nosso Libertador e nosso Regente, vieram enfim, guiando a mocidade Açoriana toda, até às margens para sempre gloriosas do Douro, e de lá até expulsar a usurpação do próprio trono, e da oprimida Capital. — Vaidosos de tantos triunfos, e de tanta glória, em que lhes permitiu a Providência de tomarem tamanho quinhão, os leais habitantes da cidade de Angra na Ilha Terceira, nos mandam pelo órgão de sua Câmara Municipal, que juntemos a esta felicitação os reiterados protestos de sua inabalável e provada fidelidade à Sagrada Pessoa de Vossa Majestade, à de seu Augusto Pai, nosso Libertador e Regente, e às Livres Instituições da Monarquia por Ele outorgadas e restauradas. — Beija a mão de Vossa Majestade a Câmara de Angra por seus Procuradores. — João do Carvalhal da Silveira — António Cabral de Sá Nogueira.»

Igual felicitação enviou a Câmara da Vila da Praia, com data de 7 de novembro de 1833. A esta felicitação respondeu D. Pedro:

«Agradeço em Nome da Rainha, à Câmara da muito nobre, e sempre leal Cidade de Angra, a felicitação, que lhe dirige, e juntamente os reiterados protestos da sua inabalável e provada fidelidade. Os grandes serviços, e sacrifícios que a Ilha Terceira em particular, e o arquipélago dos Açores em geral, tem feito pela Sua Pessoa, e pela Carta, não podem deixar de merecer-lhe a todo o tempo a maior consideração. Eu espero, que a Rainha educada como vai, nos verdadeiros princípios constitucionais, saberá dignamente corresponder aos desejos de seus fiéis súbditos, e que trilhando inabalável a vereda Constitucional, fará, mediante o auxílio da Divina Providência, a felicidade da Nação portuguesa.»

Pacificada a ordem pública em toda a ilha Terceira, tratou o Prefeito Luís Pinto de Mendonça Arrais da instalação da Junta Geral da Prefeitura numa das salas do Palácio, para o exame e investigação dos meios tendentes a obter os melhoramentos de todos os ramos de prosperidade pública, como são: o comércio, a agricultura, a indústria e a instrução pública.

Foi a pedido daquela benemérita autoridade que se estabeleceram definitivamente os correios marítimos entre os Açores e Lisboa, que se começaram os melhoramentos das estradas públicas e da agricultura, que por muito tempo esteve paralisada pelo fogo devorador da revolução política, que tanto abalou a ilha Terceira.

Com a saída do Exército Libertador para Portugal não cessaram as guerrilhas que, de contínuo, assaltavam as povoações do interior da ilha, e que, além do roubo e do incêndio com que devastavam as propriedades dalguns cidadãos, recorriam muitas vezes ao assassinato, não poupando as idades nem jerarquias. Foi ao bravo Batalhão de Caçadores n.º 5 que se deve a extinção desses malfeitores, que por muito tempo infestaram os campos terceirenses, concorrendo também para este bom resultado a prudência e o bom tato político de Mendonça Arrais.

Condoído da sorte dos deportados políticos, que se encontravam dispersos nas outras ilhas, pediu e obteve o seu perdão como se vê na seguinte ordem expedida no dia 26 de março da 1834:

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«O Prefeito da Provinda Ocidental dos Açores: — Atendendo a que o estado pacífico desta Ilha, e o amor, que, geralmente, manifestam os seus leais habitantes à Causa da Rainha Legítima, e da Carta Constitucional, não dão fundamento a poder recear-se que alguém ouse sustentar o partido rebelde nesta Ilha, nobre baluarte da honra, e da fidelidade: — tendo cessado as extraordinárias circunstâncias que deram lugar à extraordinária medida da remoção de vários indivíduos em outubro de 1832, por motivos de segurança pública; querendo conciliar o respeito devido aos direitos dos Cidadãos, e as garantias deles, com o cuidado, que exige a mesma segurança pública, e, conformando-se com a letra, e Espírito da Portaria expedida pelo Ministério dos Negócios do Reino em 21 de fevereiro do corrente ano, cujo teor, na parte relativa a este objeto, é o seguinte: — Quanto à remoção dos presos suspeitos, de que trata o mencionado ofício, a respeito dos quais se julgou necessária a medida extraordinária de os mandar sair da Ilha Terceira para as outras, medida que foi aprovada pelo Governo como esta o foi, a aprovação de Sua Majestade Imperial teve lugar na suposição de que os removidos eram perigosos à tranquilidade, e ordem pública, e sendo as circunstâncias extraordinárias quem pediram este procedimento contra eles, é evidente que a terem cessado tais motivos, como o Prefeito pondera, cumpre que cesse também o efeito deles, não devendo neste, e outros casos semelhantes perder de vista, que medidas de tal natureza, assim como só podem ser justificadas, e admissíveis, quando são reclamadas por uma imperiosa necessidade, ou pela salvação do Estado, e da Monarquia Constitucional, assim a duração dessa necessidade, ou do perigo da Monarquia Constitucional, ou do Estado, deve limitar-se a duração deles […] — Ordena que os removidos desta Ilha Terceira em outubro de 1832, por motivos políticos, possam regressar a ela, livremente, prestando fiança idónea, ou assinando termo, perante o juiz de Direito da Comarca, sobre o seu futuro comportamento político. — Dada no Palácio da Prefeitura em Angra, aos 26 de março de 1834. — Luís Pinto de Mendonça Arrais, Prefeito — Nicolau Anastácio de Bettencourt, Secretário-Geral.» De dia para dia aumentava o número de vitórias alcançadas pelo exército liberal, até que D. Miguel, vendo perdida a sua causa, teve de render-se, assinando no dia 26 de maio de 1834 a célebre Convenção de Évora Monte, com a qual acabou definitivamente o governo absoluto e tirânico de um homem que apenas soube inspirar o terror em todo o país. Só no dia 9 de junho do mesmo ano é que se receberam em Angra as notícias oficiais da saída de D. Miguel para fora de Portugal, sendo recebidas com vivo entusiasmo pelos constitucionais. Durante três dias se realizaram

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festejos pomposos em Angra, para comemorar tão fausto acontecimento, dando-se repetidas salvas de artilharia em todas as fortalezas durante aqueles dias, iluminações em toda a cidade e um solene Te Deum na Sé, oficiando o vigário capitular, com a assistência de todas as autoridades civis e militares. Em frente à igreja postaram-se os corpos da Legião Nacional, sob o comando de Visconde de Bruges, e as outras tropas da guarnição, que, no fim da cerimónia religiosa, deram as salvas do estilo, levantando o Prefeito os vivas à Rainha D. Maria II, à Carta Constitucional e ao Duque de Bragança. Estava definitivamente instalado no território português o novo governo constitucional; e desejando D. Pedro que o novo código político fosse logo posto em execução, ordenou a abertura das cortes portuguesas, efetuando-se em todo o país as primeiras eleições constitucionais. Pelo círculo de Angra saiu deputado o Visconde de Bruges, um dos principais caudilhos da constituição portuguesa. Pelo Decreto de 30 de maio de 1834, referendado pelo ministro Joaquim António de Aguiar, havia D. Pedro, quando estava ainda em ditadura, ordenado a extinção das ordens religiosas. Só a 15 de setembro daquele ano é que se deram por extintas na Ilha Terceira, à exceção do convento de São Gonçalo, que acabou em 20 de junho de 1885, com a morte da abadessa Madre Matilde Clementina do Carmo. Eis os conventos que, naquela época, existiam em toda a ilha, com os seus rendimentos próprios: Angra do Heroísmo: Convento de São Gonçalo — Tinha de rendimento: 329 moios e 29 alqueires de trigo, 73 libras de linho, 201 galinhas, 11 canadas de manteiga, 7 carradas de lenha, 50 canadas de vinho e 365$585 réis. Convento da Esperança — Tinha de rendimento: 199 moios e 35 alqueires de trigo, 39 moios de milho, 80 galinhas, uma canada de manteiga, 7 carradas de lenha e 110$550 réis. Convento da Conceição — Tinha de rendimento: 157 moios e 34 alqueires de trigo, 12 alqueires de milho, 36 libras de linho, 193 galinhas, 8 canadas de manteiga, 8 carradas de lenha e 98$582 réis. Convento dos Capuchos — Tinha de rendimento: 54 moios e 29 alqueires de trigo, 2 moios e 11 alqueires de milho, 7 alqueires de chícharo,1 22 galinhas, 2 canadas de manteiga, 6 carradas de lenha e 57$935 réis. Convento dos Gracianos — Tinha de rendimento: 24 moios e 54 alqueires de trigo, 48 galinhas e 88$190 réis.

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Praia da Vitória: Convento da Luz — Tinha de rendimento: 149 moios e 12 alqueires de trigo, 99 galinhas, 6 canadas de manteiga, 9 carradas de lenha e 95$760 réis. Convento de Jesus — Tinha de rendimento: 119 moios e 23 alqueires de trigo, 80 galinhas, 2 canadas de manteiga e 39$640 réis. Convento dos Gracianos — Tinha de rendimento: 15 moios de trigo, 18 galinhas, 12 alqueires de milho, 2 canadas de manteiga e 22$150 réis. Todos estes bens foram incorporados nos próprio nacionais e depois arrematados pelo tesouro público, ficando as religiosas de São Gonçalo com a pensão anual de 180$000 réis e o subsídio de 800$000 réis para as despesas do culto, capelão, médico, etc. Todos os outros egressos, que tomaram o hábito secular, ficaram recebendo também uma pensão anual, administrada por uma comissão especial. Tais foram os atos principais do Duque de Bragança, que pouco sobreviveu a este último Decreto. No dia 24 de setembro de 1834 falecia no paço de Queluz o libertador de Portugal, o sempre lembrado D. Pedro IV! No dia 7 de outubro seguinte chegavam a Angra as notícias oficiais da sua morte, e só no dia 24 é que os angrenses prestaram à memória de D. Pedro o público testemunho do respeito e veneração que lhe tributavam. Ao romper da manhã, começou a fortaleza de São João Baptista a dar um tiro de quarto em quarto de hora, ao mesmo tempo que os sinos das igrejas dobravam a finados. Pelas 10 horas da manhã compareceram na Sé Catedral todas as autoridades civis e militares e outros cidadãos de todas as classes, vestindo rigoroso luto, para assistirem às exéquias fúnebres. No mês seguinte foi aclamada a Rainha D. Maria II em todo o reino e ilhas dos Açores; e pela sua elevação ao trono foi concedido o perdão a todos os presos políticos até àquela data, por Decreto de 20 daquele mês.

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