CAPITULO CXLVI

 
O programma
 

Urgia fundar o jornal. Redigi o programma, que era uma applicação politica do Humanitismo; somente, como o Quincas Borba não houvesse ainda publicado o livro, (que aperfeiçoava de anno em anno) assentamos de lhe não fazer nenhuma referencia. O Quincas Borba exigiu apenas uma declaração, autographa e reservada, de que alguns principios novos applicados á politica eram tirados do livro delle, ainda inedito.

Era a fina flôr dos programmas; promettia curar a sociedade, destruir os abusos, defender os sãos principios de liberdade e conservação; fazia um appello ao commercio e á lavoura; citava Guizot e Ledru-Rollin e acabava com esta ameaça, que o Quincas Borba achou mesquinha e local: «A nova doutrina que professamos ha de inevitavelmente derribar o actual ministerio.» Confesso que, nas circumstancias politicas da occasião, o programma pareceu-me uma obra-prima. A ameaça do fim, que o Quincas Borba achou mesquinha, demonstrei-lhe que era saturada do mais puro Humanitismo, e elle mesmo o confessou depois. Porquanto, o Humanitismo não excluia nada; as guerras de Napoleão e uma contenda de cabras eram, segundo a nossa doutrina, a mesma sublimidade, com a differença que os soldados de Napoleão sabiam que morriam, cousa que apparentemente não acontece ás cabras. Ora, eu não fazia mais do que applicar ás circumstancias a nossa fórmula philosophica: Humanitas queria substituir Humanitas para consolação de Humanitas.

— Tu és o meu discipulo amado, o meu califa, bradou o Quincas Borba, com uma nota de ternura, que até então lhe não ouvira. Posso dizer como o grande Muhammed: nem que venham agora contra mim o sol e a lua, não recuarei das minhas idéas. Crê, meu caro Braz Cubas, que esta é a verdade eterna, anterior aos mundos, posterior aos seculos.