CAPITULO LXVII

 
A casinha
 

Jantei e fui á casa. Lá achei uma caixa de charutos, que me mandára o Lobo Neves, embrulhada em papel de seda, e ornada de fitinhas côr de rosa. Entendi, abri-a, e tirei este bilhete:

«Meu B...

Desconfiam de nós; tudo está perdido; esqueça-me para sempre. Não nos veremos mais. Adeus; esqueça-se da infeliz

V...a»

Foi um golpe esta carta; não obstante, apenas fechou a noite, corri á casa de Virgilia. Era tempo; estava arrependida. Ao vão de uma janella, contou-me o que se passára com a baroneza. A baroneza disse-lhe francamente que se falára muito, no theatro, na noite anterior, a proposito da minha ausencia do camarote de Lobo Neves; tinham commentado as minhas relações na casa; em suma, eramos objecto da suspeita publica. Conclui dizendo que não sabia o que fazer.

— O melhor é fugirmos, insinuei.

— Nunca, respondeu ella abanando a cabeça.

Vi que era impossivel separar duas cousas que no espirito della estavam inteiramente ligadas: o nosso amor e a consideração publica. Virgilia era capaz de eguaes e grandes sacrificios para conservar ambas as vantagens; e a fuga só lhe deixava uma. Talvez senti alguma cousa semelhante a despeito; mas as comoções daquelles dous dias eram já muitas, e o despeito morreu depressa. Vá lá; arranjemos a casinha.

Com effeito, achei-a, dias depois, expressamente feita, em um recanto da Gamboa. Um brinco! Nova, caiada de fresco, com quatro janellas na frente e duas de cada lado, — todas com venezianas côr de tijolo, — trepadeira nos cantos, jardim na frente; mysterio e solidão. Um brinco!

Convencionámos que iria morar alli uma mulher, conhecida de Virgilia, em cuja casa fora costureira e aggregada. Virgilia exercia sobre ella verdadeira fascinação. Não se lhe diria tudo; ella aceitaria facilmente o resto.

Para mim era aquillo uma situação nova do nosso amor, uma apparencia do posse exclusiva, de dominio absoluto, alguma cousa que me faria adormecer a consciencia o resguardar o decoro. Já estava cançado das cortinas do outro, das cadeiras, do tapete, do canapé, de todas essas cousas, que me traziam aos olhos constantemente a nossa duplicidade. Agora podia evitar os jantares frequentes, o chá de todas as noites, emfim a presença do filho delles, meu complice e meu inimigo. A casa resgatava-me tudo; o mundo vulgar terminaria á porta; — dalli para dentro era o infinito, um mundo eterno, superior, excepcional, nosso, somente nosso, sem leis, sem instituições, sem baronezas, sem olheiros, sem escutas, — um só mundo, um só casal, uma só vida, uma só vontade, uma só affeição, — a unidade moral de todas as cousas pela exclusão das que me eram contrarias.