Memórias de um pobre diabo/Segunda Parte - Capítulo 2

Ser literato... fosse como fosse, custasse o que custasse, desse no que desse, era o meu diuturno desejo.

Sahi do torrão natal no firme proposito de estudar mathematicas e os primeiros livros que comprei nesta côrte foram o Diccionario poetico, por Candido Lusitano e o das Rimas por Beltrano de Tal Guerreiro.

Eu era um montão de poetas a um só tempo, não se enganara o Lagarto.

Todas as paixões me ferviam dentro da alma, como a um tempo fervem muitas panellas n'um só fogão.

Na segunda feira, eu era poeta sceptico e crente; na terça, ascetico e materialista; na quarta, pudico e licencioso, e d'ahi até o domingo, mais seis poetas extremamente oppostos.

Animações choviam.

Os jornaes diarios e periodicos, a partir dos mais rispidos e terminando na benevolentissima Marmota Fluminense, me gritavam avante!

Se eu dava á luz uma poesia recendendo scepticismo—é Byron, é Voltaire... diziam elles; se asceticismo—é o novo padre Caldas, é Racine (pai e filho), é o nosso David... se materialismo—é, outra vez, Byron, Piron, Parny... se tristeza—André Chénier e mais quatro; se facecia—é Bocage, Diniz e não sei quaes mais... se pudicicia e amor, não tem que vêr,—é Bernardim Ribeiro e até Sapho! se epigramma—é Juvenal, é Marcial, é Nicoláo Tolentino e mais tres vivos, sendo um destes o meu amigo Faustino Xavier de Novaes... se... o menos que me chamaram foi Homero!

E o echo repercutia pelos angulos do imperio—Homero!

Estavam cumpridas as prophecias do Camarão mais do Lagarto: na minha vanguarda não se via outro literato mais consummado.

E quando ao por do sol, do postigo das minhas aguas-furtadas, eu percorria in mente as paginas da literatura de todas as nações partindo do 1.º até o 19.º seculos, eu desdenhava os genios com a sobranceria do Pão d'Assucar contemplando as microscopicas ilhas dispersas pelo oceano, como pés de repolhos á tona d'agua.