Minha querida Almira: ― Li conscienciosamente a carta em que te queixas de Vasco, o qual, depois de jeremiar longo tempo sobre a garridice e a inconstancia das mulheres, acabou por proibir os teus inocentes flirts com X. ou Y., personagens insignificantes que tu só utilisas quando êle está ausente e para passar o tempo.
Mas dize-me, querida caprichosa: se Vasco é um homem, como queres tu que êle não seja um egoísta?
O egoísmo é tão completamente inseparável do caracter masculino como o pó de arrôs o é das nossas faces de citadinas decadentes... E assim, ou tu renunciarás, na vida, aos encantamentos — e desencantamentos — do Amôr, o que não é provavel, visto seres, incorrigivelmente, uma acrobata audaciosa da Emoção, ou forçoso será que te habitues ao despotismo amoroso de Vasco ou doutro como êle, despotismo a que terás o talento de não obedecer, dando-lhe, no entanto, a ilusão de que obedeces...
Vais dizer-me que há homens que não são egoístas ... E preparas-te para me citar o marido — altruista e não egoísta — de certa amiga nossa, a Lila, essa que tem a obsessão das complicações de ordem pseudo-sentimental e as inventa quando elas não existem na realidade... Mas é engano, minha querida! Os homens como êsse marido complacente não são verdadeiros homens e a prova de que o não são é que tanto tu como eu os desprezamos... A verdade é que o egoísmo do homem, ás vezes tão crú, tão dificil de suportar, representa, em geral, uma modalidade do seu brio; nós é que o interpretamos mal e nos revoltamos sem razão...
Não, não me disponho a vociferar mal contra os homens, como tu desejarias que eu fizésse ― porque não gosto de que êles vociferem contra nós. Resignemo-nos a aceitá-los como são, que é o modo melhor de os convencermos a aceitar-nos como sômos... E por isso te aconselho, minha querida Almira, a submeter-te, ainda que aparentemente, á tirania do egoísta encantador que é o teu Vasco. Posso afirmar-te que te seria intolerável outro homem, menos brioso e mais condescendente, que surgisse no horizonte do teu Capricho...
Lisboa, 1924 (?)