Memórias duma Mulher da Época/Uma honrosa e nobre excepção

Uma honrosa
e nobre
excepção


 

— Que pena!

A frase sai-nos insensivelmente dos labios quando os nossos olhos, a alma satisfeita, o espirito feliz e compensado, terminam de percorrer a ultima pagina dêste livro interessantissimo sob todos os aspectos.

Sim, que pena que uma escritora de tão limpido talento e de tão refinado espirito tivesse desaparecido tão cedo da vida, deixando vago um lugar que na literatura feminina contemporanea nos parece inconfundivel.

Em Pedras Falsas, coletânea de novelas e cronicas que Ferreira de Castro carinhosamente arquivou, prestando respeitavel homenagem ao grande amor da sua vida e rendendo culto a uma inteligencia excepcional, servida por um espirito gentilissimo, há, com inteira sinceridade o dizemos, uma clara afirmação de valor, um valor sólido que faz pena, sim, faz pena que tenha desaparecido tão cedo.

As mulheres, diz Diana de Lis numa das suas preciosas cartas, «na sua generalidade, são, quando escrevem, ou frivolas ou apaixonadas e poucas sabem discorrer friamente sobre os casos sérios da vida».

E' uma verdade absoluta, esta, de que Diana de Lis é, no quadro das modernas escritoras portuguesas, uma honrosa e nobre excepção.

Nos contos dialogados com que abre Pedras Falsas, todos êles escritos com um fino e penetrante espirito de ironia e com uma alta concepção do que é e do que vale a lingua, Diana de Lis revela-se uma escritora de singulares qualidades no estiio, nas ideias, na técnica.

Nos outros contos, porém, e nas cartas é que a escritora se nos apresenta vitoriosamente integrada no seu processo.

Que clareza de pensamento, que nobreza de linguagem, que purissimo coração se agitou no fragil peito desta grande escritora portuguesa, que passou rapidamente no mundo das letras como um clarão, mas cuja luz ficou para sempre, fixa e harmoniosa, neste livro que é bem o espelho de uma alma justa, vagamente triste e ironica, caracteristica que possuiu o Eça e define quasi sempre os espiritos superiores.

Que rajada intensa de humanismo perpassa nessas belas páginas de A Solteira, que abre com um pequeno, mas exacto quadro de bairro pobre, em que o poder descritivo de Diana de Lis se revela com inteira segurança e fecha tão simplesmente, tão humanamente — um final onde a renúncia de uma pobre alma encarcerada e ansiosa se entrega á lógica, desprezando o rodriguinho, um final que pode não agradar a certas almas inacabadas de meninas enfezadas de espirito, mas satisfaz plenamente a Vida...

A idade azul de Aurora é um outro conto em que as faculdades literárias da escritora ficam á prova vitoriosamente, revelando grande subtileza, ironia e imprevisto.

Todo o livro se lê com prazer — embora pungindo-nos a lembrança de que a pobre cabeça onde germinaram estas páginas pousou há muito sôbre a fria e branca almofada da Morte.

Talvez por esta triste circunstancia ― dolorosa coisa é a vida! — nos sintamos mais á vontade para exalçar a memória de uma mulher que foi neste reles e acanhado meio ― uma escritora!

 
Artur Inês
 

— De A Republica, de Lisboa —