Mendigos! Ah! são mendigos
Que voltam de vãos caminhos,
Que atravessaram perigos,
Urzes, pântanos, espinhos.
Que chegam desiludidos
Das portas a que bateram;
Humanos, grandes gemidos
Que nos tempos se perderam.
Que voltam como partiram,
Com mais amargor na volta
E mais sonhos que se abriram
Das estrelas na recolta.
Mendigos ricas no entanto,
Das pompas da natureza
E das auréolas do Encanto,
Os vinhos da sua mesa.
Mendigos que o sol, apenas,
Torna nababos felizes,
Torna um pouco mais serenas
As convulsas cicatrizes.
Mendigos que acham requinte
Na fumaça de um cachimbo,
Deixando que labirinte
O sonho em tão leve nimbo.
Mendigos da luz da aurora
Cantando celestemente,
Fresca, límpida, sonora,
Pelas fanfarras do Oriente.
Mendigos de áureas estradas,
De sonâmbulas veredas,
De riquezas encantadas,
Sem pedrarias e sedas.
Mendigos d'estranho aspecto
E sempiterna vigília,
Filhos nômades, sem teto,
De milenária Família.
Mendigos que erram eternos
Sem fadigas e sem sono,
Sob o augúrio dos Infernos,
Das Ilusões sobre o trono.
Mendigos de plaga nova,
De novas terras e mares,
Divinizados na cova
Como as hóstias nos altares.
Mendigos da grande esmola
Da luz das estrelas nobres,
Que fulge e dos altos rola,
Entre as suas mãos tão pobres!
Mendigos de céus remotos,
De sóis dos mais velhos ouros;
Com a sua fé e os seus votos
E os seus secretos tesouros.
Mendigos de olhar severo,
Boca murcha, meio amarga...
Tendo um vago reverbero
De sonhos na fronte larga.
Mendigos de ínvias florestas
E de bosques fabulosos,
De melancólicas sestas
Nos crepúsculos brumosos.
Mendigos da Eternidade,
Tremendo dos sóis, dos frios,
Nas mortalhas da Saudade
Amortalhados sombrios.
Mendigos dos Infinitos,
Das Esferas inefáveis,
Noctambulando malditos
Nos rumos imponderáveis.
Mendigos de fome e sede
De água e pão de outros mundos,
Embalados pela rede
Dos Idealismos profundos.
Mendigos do azul Mistério,
Cuja alma — nívea sereia —
Fica saciada no aéreo
Pão branco da lua cheia!