Meu Captiveiro entre os Selvagens do Brasil (2ª edição)/Capítulo 43

CAPITULO XLIII
De como dançaram no dia seguinte e
fizeram dançar os prisioneiros

No dia seguinte alcançámos o sopé de uma grande montanha, a que chamam Oracaçú [1], e ahi acampamos para passar a noite. Fui então á tenda ou choça de Canhambebe e perguntei o que tencionava fazar dos mamelucos. O grande morubichaba respondeu que seriam devorados e prohibbiu-me de conversar com elles. Estava encolerizado contra os mamelucos, que deviam ter ficado em casa, não sahindo em companhia do inimigo tupiniquinm em guerra contra elle.

Pedi novamente que os deixasse viver e os vendesse aos portuguezes, mas Cunhambebe repetiu-me que seriam devorados.

O feroz marumbichaba tinha deante de si, nesse momento, uma grande cesta de carne humana. Estava comendo uma perna, que chegou á minha bocca, perguntando se eu gostava.

Repelli o horrivel assado, dizendo que, se nenhum ser irracional devora outro, da mesma especie, como poderia um homem comer outro homem?

Cunhamebebe cravou os dentes na carne e respondeu:

Jauára ichê! ( sou um tigre!) Está gostoso!

Com isto retirei-me da sua presença.

Nessa mesma noite Cunhambebe ordenou que cada qual levasse seu prisioneiro para a beira do matto, ao pé d'agua, a um sitio limpo. Obedeceram-no logo e reuniram-se todos em redor das victimas.

Começou a festa. Os prisioneiros foram obrigados a cantar e a chocalhar os maracás. Finda esta parte, adeantou-se um dos prisioneiros tupiniquins e falou com arrogancia:

— Sim, sahimos como costumam fazer os bravos, para aprender a comer os nossos prisioneiros. Venceste-nos e nos aprisionastes, mas nós não fazemos caso disso. Os valentes morrem na terra dos inimigos; a nossa nação é grande e nos hade vingar!

Os tupiniquins responderam:

— Sim, vós já matastes muitos dos nossos e vamos agora vingal-os!

Acabada essa disputa, cada um levou seu prisioneiro comsigo.

Tres dias depois proseguimos na viagem, e chegando á taba foram os prisioneiros recolhidos ás cabanas dos seus donos. Os selvagens da taba de Ubatuba haviam capturado oito indigenas e tres mamelucos,Diogo, Domingos e um terceiro de nome Antonio, o qual cahira nas mãos do filho de Ipirú-guassú, meu dono. Trouxeram ainda, já assados, mais dois mamelucos.

A expedição durara, ida e volta, onze dias.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.
  1. Ainda hoje tem esse nome um promentorio elevado que precede o reconcavo onde fica o porto de Paraty. E´ de suppor que seja a mesma de Staden e que a residencia de Cunhambebe, em Arirab, fosse numa das tabas daquelle reconcavo.