PREFACIO
A maior parte de Minha Formação appareceu primeiro no Commercio de S. Paulo, em 1895; depois foi recolhida pela Revista Brazileira, cujo agasalho nunca me faltou... Os capitulos que hoje accrescení são tomados um manuscripto mais antigo. Só a conclusão é nova. Na revisão, entretanto, dos diversos artigos foram feitas emendas e variantes. A data do livro para a leitura deve assim ser 1893-99, havendo nelle idéas, modos de vêr, estados de espirito, de cada um d’esses annos. Tudo o que se diz sobre os Estados-Unidos e a Inglaterra foi escripto antes das guerras de Cuba e do Transvaal, que marcam uma nova éra para os dois paizes. Algumas das allusões a amigos, como a Taunay e a Rebouças, hoje fallecidos, foram feitas quando elles ainda viviam. Foi para mim uma simples distracção reunir agora estas paginas; seria, porém, mais do que isso uniformá-las e querer eliminar o que não corresponde inteiramente às modificações que sofri desde que elas primeiro foram escritas.
Agora que elas estão diante de mim em forma de livro, e que as releio, pergunto a mim mesmo qual será a impressão delas... Esta aí muito de minha vida... Será uma impressão de volubilidade, de flutuação, de diletantismo, seguida de desalento, que elas comunicarão? Ou antes de consagração, por um voto perpétuo, a uma tarefa capaz de saciar a sede de trabalho, de esforço e de dedicação da mocidade, e somente realizada a tarefa da vida, saciada aquela sede – ainda mais, transformada por um terremoto à face da época, criado um novo meio social, em que se tornam necessárias outras qualidades de ação, outras faculdades de cálculo para lutas de diverso caráter –, a renúncia à política, depois de dez anos de retraimento forçado, e diante de uma sedução intelectual mais forte, de uma perspectiva final do mundo mais bela e mais radiante?... Sed magis gratiarum actio...
No todo a impressão, eu receio, será misturada; as deficiências da natureza aparecerão, cobertas pela clemência da sorte; ver-se-á o efêmero e o fundamental... Em todo o caso não precisarei de pleitear minha própria causa, porque ela será sempre julgada pela raça mais generosa entre todas... Se alguma coisa observei no estudo do nosso passado, é quanto são fúteis as nossas tentativas para deprimir, e como sempre vinga a generosidade... Infeliz de quem entre nós não tem outro talento ou outro gosto senão o de abater! A nossa natureza está votada à indulgência, à doçura, ao entusiasmo, à simpatia, e cada um pode contar com a benevolência ilimitada de todos... Em nossa história não haverá nunca Inferno, nem sequer Purgatório.
Não dou entretanto, o bon à tirer a este livro, senão porque estou convencido de que ele não enfraquecerá em ninguém o espírito de ação e de luta, a coragem e a resolução de combater por idéias que repute essenciais, mas somente indicará algumas das condições para que o triunfo possa ser considerado uma vitória nacional, ou uma vitória humana, e para que a vida, sem ser uma obra d’arte, o que é dado a muito poucas, realize ao menos uma parcela de beleza, e quando não tenha o orgulho de ter refletido brilhante sobre o país, tenha o consolo de lhe haver sido carinhosamente inofensiva.
A política, entretanto, não foi a minha impressão dominante ao traçar estas reminiscências... Eu já me achava então fora dela.
“Esta manhã, casais de borboletas brancas, douradas, azuis, passam inúmeras contra o fundo de bambus e samambaias da montanha. É um prazer para mim vê-las voar, não o seria, porém, apanhá-las, pregá-las em um quadro... Eu não quisera guardar delas senão a impressão viva, o frêmito de alegria da natureza, quando elas cruzam o ar, agitando as flores. Em uma coleção, é certo, eu as teria sempre diante da vista, mortas, porém, como uma poeira conservada junta pelas cores sem vida... O modo único para mim de guardar essas borboletas eternamente as mesmas, seria fixar o seu vôo instantâneo pela minha nota íntima equivalente... Como com as borboletas, assim com todos os outros deslumbramentos da vida... De nada nos serve recolher o despojo; o que importa, é só o raio interior que nos feriu, o nosso contato com eles... e este como que eles também o levam embora consigo.”
Este traço indecifrável, com que, em Petrópolis, tentei há anos marcar uma impressão de que me fugia o contorno animado, explicará as lacunas deste livro e muitas de suas páginas.
J. N.
San-Sebastian (Guipúzcoa), 8 de Abril de 1900