No céu desbotavam, esbatiam-se as cores vivas, o ouro e a púrpura fundiam-se em violeta e, docemente, a melancolia vesperal envolvia a natureza e penetrava as almas. E Maria perguntou?

- Por que é mais triste que a noite o breve instante do pôr-do-sol?

- Porque é uma agonia, respondeu José. Não é a morte que impressiona, é o morrer.

A luz que vasqueja é como o corpo que estrebucha. A noite é serena , tem a imobilidade do cadáver.

Quantas sombras havia na terra? Tantas quantas são os seres e as coisas que existem. O sol, porque é a vida, discrimina, dá a cada um a sua autonomia para o bem ou para o mal.

O homem tem a sua sombra, como a formiga. A cordilheira escurece uma região e o grão de areia destaca a sua mancha.

A noite condensa na mesma sombra todo o universo.

No instante da agonia a lama, como o saltador que recua para ganhar impulso na corrida e formar o pulo, regressa na reminiscência recordando a vida, desde os primevos até a hora suprema.

O crepúsculo que lembra o amanhecer, sem a alegria, é um recuo à madrugada para o salto dentro da noite.

- Aquele clarão que alveja nos montes é o luar. A lua é como uma lâmpada que o sol deixa acesa quando parte. Como a noite é linda!

- E purificadora. O sono é um mergulho na eternidade.

- Quando eu era pequenina, mal anoitecia, punha-me a tremer de medo e só depois de rezar conseguia adormecer.

- Porque a fé é uma claridade que desfaz as sombras interiores. O que não crê é como o cego que anda tateando, sempre arriscado a perigos bastando resvalar num talude para precipitar-se no abismo.

A fé é como uma lâmpada dos templos: sempre acesa e fulgurando.

O homem de fé anda mais seguro na escuridão do que o incrédulo ao sol. O horizonte do crente é Deus.

- Por que bate com mais vigor o coração à noite?

- As águas murmuram mais alto no silêncio? Não, a voz é a mesma, a calma é que isola fazendo-a parecer mais forte. Quando trabalhas à sombra da vinha ouves balar o rebanho? Não, entretanto, à noite, soergues-te do leito à voz lamentosa duma ovelha perdida.

O coração parece pulsar com mais ímpeto nas horas de recolhimento.

Nas cavernas profundas as vozes reboam, o estilicídio é uma gota que faz ruído. É essa uma das vantagens da noite – estabelecer o silêncio, a quietude na alma para que a consciência faça o seu ato de contrição.

- E as estrelas? Quem as acende no céu?

- Aquele mesmo que abre as flores na terra.

- Ninguém o vê.

- E o pensamento, quem o vê? Enunciado é um relâmpago, realizado é um esplendor; a sua essência é um gênio, que gera a ordem. O mundo é a realização do pensamento de Deus. As obras efêmeras do mundo são a consubstanciação do pensamento humano. O homem constrói, é o artista. Deus creia, é o Verbo.

- E eu?

- Tu és Maria, disse o patriarca, afagando-a paternalmente.

Iterativas, afinadas vozes murmuraram nos ares concluindo os dizeres do ancião:

... cheia de graça, o Senhor é contigo,endita és tu entre as mulheres.

Ela deteve-se assustada e interrogou o esposo, trêmula:

- Que dizes, meu senhor? José, que nada ouvira, respondeu:

- Digo que és uma criatura de Deus, como a flor, como a estrela.

Os chacais latiam no deserto ao doce clarão da lua.