CAPITULO XI

O trabalho das mulheres

 

 

O preconceito mais funesto, que ainda nasceu e medrou n’este mundo, é o que considera o trabalho uma escravidão deshonrosa.

Começa hoje a irradiar os seus primeiros clarões rubros a aurora do dia que ha de vêr o trabalho santificado, que ha de assistir á divina apotheose d’esse bemfeitor supremo da humanidade, d’esse amigo de todas as horas, que conforta os animos desconsolados, que levanta os animos abatidos, que distráe de todos os tédios, que lucta contra todas as inercias.

Por emquanto, sobretudo entre nós, é rara a mulher bastante superior para confessar que trabalha, e o que é peior de tudo, é rara a mulher que trabalha sem absoluta e incontestavel precisão.

Mais d’uma vez temos visto senhoras, que pela sua educação mais apurada e mais completa deviam estar a cima de tão profunda ignorancia dos seus deveres, confessarem que não gostam de fazer nada, que são preguiçosas, que não téem com que se distrahir, que os dias lhes parecem seculos, etc., etc.

E no entanto qual será a creatura bastante desfavorecida de Deus, para não poder aproveitar proficuamente as horas do dia, sempre curtas para quem as sabe empregar bem?

Fallemos primeiramente das meninas solteiras de pouca edade; para essas, logo que queiram tornar-se dignas do alto destino que as espera, pouco será sempre o tempo para se instruirem, para adquirirem os varios e complexos conhecimentos de que carecem antes de exercerem a sua missão complexa.

Não são sómente os futeis ornamentos superficiaes em que ellas devem pôr a mira; a par d’esses, que tambem são indispensaveis, ha todo um mundo, que a mulher ignora, e cuja exploração lhe enriqueceria o espirito de thesouros incomparaveis.

E depois, mesmo os frivolos adornos, que constituem uma alta educação mundana, podem ter uma significação elevada, um sentido occulto, uma alma emfim, logo que se não considerem um todo, mas uma parte insignificante do mais alto e perfeito conjuncto; logo que occupem o lugar que lhes compete, na classificação harmoniosa e bem graduada das varias riquezas que formam um espirito.

Saber cantar, saber tocar piano, saber fallar as linguas, saber desenho e pintura, que vale tudo isso quando se não tenha uma idéa elevada e synthetica, que ligue entre si estas diversas acquisições intellectuaes, e que por assim dizer as vivifique?

O que é preciso antes de tudo, é comprehender a musica e a sua influencia poderosa nas almas e nos organismos; é saber usar com aproveitamento esses instrumentos que se chamam linguas, as quaes por si, só, tomadas abstractamente, nada significam e para nada servem; é estudar a natureza sob os seus multiplos aspectos e transplantal-a para a tela ou para o papel; é ter emfim um ideal, que sobredoire todas estas prendas, que superficialmente entendidas e superficialmente executadas, não teem valor nem tem utilidade alguma na vida pratica.

Basta a qualquer espirito feminino entrar n’este caminho, que imperfeitamente acabamos de apontar, e, sem que elle mesmo tenha a consciencia d’isso, as suas idéas hão de dilatar-se e encadeiar-se por uma successão logica, e dar á vida um novo e imprevisto aspecto.

As meninas bem educadas das nossas altas classes sociaes, teem todas uma grande facilidade em fallar varias linguas; aproveitam porém essa facilidade... conversando com os diplomatas.

Não lêem Schiller, nem Goethe, nem Shakespeare, nem Macaulay, nem Pascal, nem Montaigne; não entram no genio das differentes nacionalidades e das differentes litteraturas; não comparam entre si as civilisações, chegando por esta comparação a conhecerem de um modo mais ou menos perfeito a humanidade, não senhor! Conversam com os gommeux da diplomacia estrangeira e contentam-se com isso!

Na musica que, mais do que nenhuma arte, lhes revelaria o coração do homem no coração de tantos homens de genio, o que ellas vêem sómente é o modo de executarem mais difficuldades e de desesperarem de inveja mais rivaes!..

Na pintura, copia da natureza que as podia fazer penetrar no seio carinhoso e fecundo da grande mãe, são tão frivolas, tão superficiaes, como em todas as outras cousas.

As mais das vezes não teem animo de colherem uma flôr do jardim e de a copiarem com o pincel ou com o lapis! Copiam copias, amesquinhando a natureza, e atrophiando a propria imaginação!

São estes defeitos, que todas nós as que pensamos um pouco, devemos combater com todas as nossas forças!

Longe de mim o aconselhar á mulher que se emancipe dos seus graves e obscuros deveres, que tente luctar com o homem, e arrancar-lhe a palma das grandes descobertas e das grandes conquistas!

O que eu pretendo é provar-lhe que é divina entre todas, a missão a que o futuro a convida.

A mulher de sala tem por força de morrer; surja pois a mulher da familia, ser complexo, grande e nobre sêr, que as geraçães vindouras hão de admirar fervorosamente.

A mulher da familia não é de certo a matrona desgeitosa, deselegante, só occupada em dar a vida, o leite e o alimento aos filhos de um affecto, despido de todas as flores e de todas as poesias.

Não, ella deve ser instruida, profundamente instruida, tendo ao mesmo tempo a consciencia de que essa instrucção a não aparta do cumprimento religioso dos mais humildes deveres do amanho da casa e da maternidade.

O homem deve achar n’ella não só a enfermeira desvelada das suas doenças; não só a distribuidora sensata e economica do seu alimento; não só a dona de casa aceiada, vigilante, infatigavel; não só a mãe carinhosa, dedicada, capaz dos maximos e dos mais perseverantes sacrificios, senão tambem a companheira do seu espirito; a socia das suas aspirações; a intelligencia que comprehenda e partilhe as suas legitimas ambições e as suas chimericas phantasias; o animo viril que saiba amparal-o nas horas de desalento; a mão firme e branda, que saiba guial-o nos momentos escuros de lucta e de tentação: o seio terno que lhe acolha a cabeça cansada na hora sinistra das derrotas; o bello e enthusiastico espirito que applauda a suprema embriaguez das suas victorias; n’uma palavra, a mulher digna de ser mãe e de educar uma geração de fortes.

É preciso, que se compenetrem bem d’esta idéa fundamental: o trabalho, seja de que especie fôr não desdoira uma mulher nem deixa de ser compativel com as mais delicadas distracções de um espirito culto.

Trabalhar não é fazer crochet, não é cozer durante seis mezes na mesma camisa, que ha de ser offerecida a um pobre romantico, a um pobre de opera-comica; não é bordar umas eternas babouches, que se começam no dia seguinte ao do casamento, e que se acabam dez annos depois.

Trabalhar é ser util, é occupar o espirito, é adquirir conhecimentos ou espalhal-os em torno de si, é concorrer para o bem-estar dos outros e para o seu aperfeiçoamento proprio.