CAPITULO XVII

Confidencias maternaes

 

 

Minha querida amiga.

Ha quasi quatro mezes que te não escrevo, e supponho que não estarás por isso mal comigo.

Não sei bem dizer-te como se passam os meus dias, e quando ás onze horas da noite adormeço, um poucochinho fatigada e deixando sempre para o dia seguinte parte da tarefa d’aquelle dia, metto a mão na consciencia e sinto que não commetti o delicto de desperdiçar um só instante.

E talvez que no fim de contas assim não seja.

Ouve-me tu, e julga.

Fez hontem um anno o meu querido baby.

É louro, é rosado, tem uma cabelleira revolta e crespa que lembra uma aureola de anjo, ou uma juba de leão pequenino, tem um corpo roliço, mimoso, redondinho que parece feito por uma fada muito habilidosa no seu torno de marfim.

Começa a andar, e os passos d’elle, desastrados e timidos enchem-me a alma de um susto, de uma inquietação, de uma delicia, de um não sei quê profundamente novo na minha vida e que eu não encontro palavras que exprimam bem!

Até aqui parecia-me que elle era eu, que fazia parte de mim, que nós ambos formavamos um todo.

Agora percebo e com uma surpreza que ás vezes chega a ser dolorosa! que me enganara, e que cada um d’aquelles passinhos hoje tão miudos e tão vacillantes, ámanhã apressados e firmes, o irá afastando de mim na vida, se eu o não souber seguir, fazendo-me como elle pequena, como elle infantil, penetrando intimamente na sua alma e ao mesmo tempo compenetrando-me bem de todas as doces claridades matutinas que ha dentro d’aquelle espirito que vae desabrochar.

Não comprehendes bem esta iniciação lenta, que no momento em que o corpo da mãe e o corpo do filho deixam de ser um só, faz uma só das duas almas de ambos?

Visto que elle já não póde ser eu, é preciso que eu seja elle; só assim lhe poderei ir inoculando na alma e no entendimento, tudo que no meu entendimento e na minha alma houver de bom; só assim me poderei ir lentamente transformando sob a influencia regeneradora e purificante d’aquella immaculada innocencia!

Oh! divina transmissão mutua de virtudes e de forças, que constitue o laço moral e inquebrantavel que une a mãe ao filho das suas doloridas entranhas!

Por ora nada tenho que ensinar ao meu louro bébé.

Tenho só de escutar o que diz no silencio, aquella pequenina alma em embryão, e de aprender a ler n’aquelle mysterioso livro que é indecifravel para todos e que é tão eloquente para mim.

Bébé tem uns grandes olhos; uns dizem que são azues, outros dizem que não. Por ora não tem côr; ou para melhor dizer ha na sua limpidez de crystal todos os cambiantes e todos os reflexos. Os olhos de Bébé são como a alma d’elle, teem a doçura do leite que bebe, teem a suavidade dos beijos com que o visto noite e dia.

Scisma ás vezes vagamente... longamente... Em que? Não ha ninguem que o saiba dizer, visto que um coração de mãe o não adivinha. Scisma no céu d’onde veio? Talvez. Ha mysterios de luz na alma profunda das creanças.

Gosta da claridade dos dias limpidos, das arvores, das côres vivas, e tambem da opalina tristeza do luar. Gosta dos sons, dos risos, das caricias, é uma alma que vive em pleno azul.

Nenhuma sombra n’aquella tela transparente onde a mão de sua mãe vae escrever as primeiras palavras.

Muita gente imagina que ser mãe custa apenas as dôres dilacerantes de algumas horas, os incommodos mais ou menos crueis d’um certo periodo, e depois os cuidados de doze ou treze mezes.

Quem pensa assim não sabe o que é ser mãe!

Pois tu não ouviste que elle espera, e que a primeira palavra definida e clara que ha de vibrar na sua alma, sou eu que hei de dizel-a, é a minha mão tremula, fraca e inexperiente que ha de tornar-se firme para a gravar indelevelmente?

E se a voz esmorecer? E se a mão vacillar?

Quem me disse a mim que acertarei? quem me deu forças para encaminhar um sêr que só de mim ha de receber na terra o santo e a senha?

E depois quando o vejo tão lindo, querendo já esboçar o primeiro capricho, querendo experimentar a primeira vontade, querendo vencer o primeiro obstaculo, pergunto a mim mesma se terei valor sufficiente para lhe fazer perceber que a vida é uma lucta, para se tanto fôr preciso, ser eu propria que lucte com elle, e que o ensine a ser vencido! De quantas coragens mais que viris precisa de compor-se a fraqueza maternal!


Mas nenhum d’estes vagos pensamentos que eu deixo aqui tão mal expressos te diz quaes são as occupações em que levo os meus dias!

Meu Deus! e olha que acordo cedo!

Ainda bem a cotovia não deixa ouvir a sua alegre voz matinal, ainda bem o gallo não atrôa os campos com o seu grito estridulo de combate, que é um convite impetuoso para o trabalho, já a voz do meu filho me acorda tambem a mim.

Que penna póde contar as delicias d’aquelle despertar! Os risos, as negaças, os beijos, e o modo malicioso com que elle deitado nos meus braços e depois de fartar as exigencias do pequenino estomago, larga o seio para me sorrir com os beicinhos tintos de leite, e torna de novo a pegar-lhe para saborear voluptuosamente, lentamente o que já não tem vontade de engulir com a avidez deliciosamente glutona da infancia.

Vem depois o banho, o banho que é um poema!

Está alli a grande bacia de agua tepida, e emquanto o dispo, elle salta e ri, e deita-se para traz e namora a transparencia da agua, até ao instante em que mergulha emfim entre risadas de crystal que me echoam no coração.

Tu sabes lá os cuidados, as manhas, as idéas engenhosas que é necessario pôr em pratica para illudir a impaciencia d’estes seres adoraveis! O banho dura meia hora, e acabo d’alli encharcada, despenteada, cançada, triumphante.

É uma victoria de todos os dias.

O resto do dia pertence-lhe a elle quasi exclusivamente.

É um tyranno o meu bébé.

Tenho de o passear, de lhe dar de comer, porque é preciso que saibas que o doutor vendo que elle já tem oito dentes — carnivora creatura! — me deu licença emfim para lhe dar tres vezes ao dia a sua competente papinha, tenho sobretudo de o entreter porque a imaginação infantil que desperta tem exigencias de que tu não podes fazer idéa!

É spleenetico como um velho lord o meu seraphim de palmo e meio de altura.

Dá-se-lhe um brinquedo agora, recebe-o com uma apparencia de enthusiasmo que illude os inexperientes; d’alli a um instante põe-n’o de parte desdenhoso, enfastiado, insaciavel...

Quer ver sempre cousas novas, quer que o emballem, e lhe cantem e o levantem ao ar e o façam rir.

Por’ora trata-se simplesmente de enganar aquella actividade graciosa e irrequieta, mas quando chegar o momento de a applicar?

Sabes uma cousa? sou felicissima e tenho muito mêdo...



Quatro annos depois.


Cinco annos! Sabes lá! Um homem, positivamente um homem!

É mau.

Deixa lá dizer que são boas as creanças. Olha que é uma perfeita illusão, minha querida.

Que bem se conhece n’elle já, o bravio animal que todos nós somos!

Bébé é um monstro!

No outro dia levei-o commigo a casa d’uma senhora minha amiga. Pois imagina que elle matou com a sua espada de pau, a boneca de pellica e semeas de Julia, uma pequenita de 3 annos, a filha mais nova da dona da casa!

E como ella chorasse muito humilde, muito medrosa diante d’aquella sanha terrivel, chegou a ameaçal-a — o desgraçado! — com a mesma espada de pau que já fizera tamanhos maleficios.

Chorei de pena de o ver tão mau, tão irascivel, tão colerico, e elle o leão pequenino, ajoelhou-se com as mãosinhas postas aos meus pés, e gago, cheio de lagrimas, com os grandes olhos espavoridos, disse-me — perdão mamã!

Ó Magdalena, imagina tu a força de que eu precisei para o não devorar de beijos! Pois não o fiz!

Mostrei-lhe uma cara seria, magoada, cheia de consternação e não o abracei em todo o dia.

Ha de ser colerico, já vês.

Quem me ensinará a mim a corrigil-o?

Já sei o que me respondes. — Faze queixa ao pae. O pae que lhe ralhe.

Deus me defenda de tal.

Em primeiro lugar o medo não corrige, humilha; não modifica, rebaixa. Depois eu não quero recorrer a ninguem para influenciar a alma de meu filho.

O pae ha de intervir sim senhor, porém mais tarde. Por’ora é elle meu, só meu.

Toda a creança tem defeitos, e ai d’aquella que os não tem! Arrenego das creanças-modêlos. Transformar esses defeitos — que são indicios caracteristicos do temperamento da organisação, de qualidades muitas vezes herdadas — em forças activas e fecundas, eis o grande problema da educação.

E talvez tu cuides, minha pobre amiga, que as gracinhas de bébé ficam por aqui? Pois ainda ha mais? exclamas tu assustada.

Sim, ha muito mais. Ha cousas que eu com a ajuda de Deus tenciono aproveitar e dirigir para o futuro bem d’elle.

Bébé roubou!... imagina!

No outro dia desappareceram-me de cima de uma etagére da saleta umas bugigangas de marfim que me tinham trazido de Macau; adivinha onde fui dar com ellas?

No seu quarto dos bonitos.

Não estavam escondidas, valha a verdade! estavam impudicamente espalhadas ao sol, com uma ostentação de cynismo deveras aterradora.

Não posso explicar bem o trabalho que tive para, sem polluir aquella innocencia sagrada, lhe explicar que n’este mundo ha meu e teu, e que a propriedade é um direito inviolavel.

Como não ha nada mais difficil — para não dizer impossivel — do que introduzir uma idéa abstracta na cabeça d’uma creança, não imaginas de quantos artificios e quantas manhas me valí.

Cheguei a roubar-lhe tambem eu propria, parte dos seus bonitos.

Então é que era vel-o, sem se atrever a condemnar-me, e no entanto sentindo revoltados, lá dentro da sua alminha de cinco annos, todos os instinctos de justiça que sempre mais tarde ou mais cêdo alli tinham de manifestar-se.

— Tiveste muito pena de te tirarem os teus bonitos?

— Tive muita sim, mamã, respondeu todo sobresaltado e ainda mal restabelecido do susto.

— Ora ainda bem! O bébé agora nunca mais tira nada a ninguem, ouviu?

— Ah! sim, e ficou-se instantes como que seguindo um trabalho que sem elle mesmo querer se lhe ia fazendo lá dentro. Ah! sim, é muito feio tirar ás pessoas o que ellas teem. Bébé nunca mais tira...

No outro dia a Guilhermina, a minha velha aia que tu conheces perfeitamente, dizia-me consternadissima:

— Ninguem faz idéa de como o menino é mentiroso. Inventa cousas que é de fazer tremer uma pessoa.

De feito, não ha nada mais prodigioso do que a phantasia de bébé.

Conta os factos mais extraordinarios que nunca se deram, como se tivesse assistido a elles. Da mais pequenina cousa deduz uma longa historia falsa. Umas vezes encontrou na rua um homem muito feio que o quiz levar comsigo; outras vezes mordeu-lhe um bicho, que elle parece ter visto e que descreve com as côres mais vivas. Quando está um pedaço longe de mim vem narrar-me assombrosos acontecimentos que se deram com elle, do mesmo modo quando me deixa instantes, conta á Guilhermina uma infinidade de pormenores que só existiram na sua imaginação.

Como é que eu hei de conseguir subordinar a um principio de exactidão e de verdade aquelle espirito iriado e phantastico, para o qual todas as cousas tomam uma fórma differente da realidade?

Crear uma alma! que missão difficil, que missão esmagadora.

No fim de contas as forças da natureza não são boas nem más; da applicação d’ellas é que tudo depende.

Do meu anjinho, impetuoso cheio de ambições, de curiosidades, de irrequieta alegria, de cubiças intuitivas, de energia vital, póde uma direcção boa fazer um caracter nobre, viril, pertinaz, capaz de todas as luctas, prompto para todos os combates, investigador, inventivo, cheio das beneficas curiosidades do bem, e das ambições generosas que levantam e enobrecem.

E pensar, meu Deus, que mal dirigidas, todas estas qualidades, todas estas forças, todas estas manifestações de vida intensa, podem leval-o á perdição, á infamia, ao crime!..

Oh! meu Deus, dae-me vida e entendimento para que só eu amolde e affeiçôe a querida alma de meu filho!

O Luiz faz hoje o seu primeiro exame no Lyceu; já se não chama bébé, já não tem aquelles annellados cabellos de ouro que eram o meu orgulho e as minhas unicas joias, os seus bellos olhos escuros já não tem a doçura pensativa, o pasmo encantador da alma que se busca e que se ignora; usa jaquetinha e calças, e hontem dei a uma vizinha pobre uma blusa que era d’elle, a sua ultima blusa de ha dous annos.

Que tolice! Sabes que lh’a dei a chorar?

O meu Luiz é quasi um homem.

É bom, é meigo, é d’uma deliciosa innocencia, de uma expansão de vida que assombra!

Não é meditativo, nem poeta; nada d’isso. É d’uma alegria impetuosa; d’uma actividade sem limites.

Gosta de estudar para me satisfazer a mim, mas tenho a certeza que gosta de brincar para se satisfazer a si.

Não sabe muito; ao pé dos nossos sabichõesinhos em miniatura, creio mesmo que passará por um ignorante; mas a verdade é que está apto e preparado para aprender tudo.

Suppõe tu um lavrador que fizesse as suas sementeiras antes de preparar a terra com os convenientes adubos, e aqui tens parte dos educadores de hoje.

No meu filho — perdôa-me este santo orgulho — nenhuma qualidade foi atrophiada, todas estão no pleno desenvolvimento que lhe é proprio, n’aquella florescencia opulenta no fim da qual já se antevê sazonado e saboroso o promettido fructo.

Tem o corpo d’um pequeno atleta. Capaz de resistir ás longas viagens, aos estudos complicados da sciencia moderna, aos trabalhos complexos do luctador d’este seculo estranho e poderoso.

Até os seus recreios e distracções foram dirigidos com desvelo.

Desenvolvem-lhe o corpo dia a dia, a natação, a gymnastica, a equitação, todos os exercicios physicos que tendem a duplicar e desenvolver o vigor natural do homem, a creal-o mesmo se elle originariamente não existe.

Vivemos muito no campo, durante a sua risonha infancia. O amor e o conhecimento intimo da natureza, das plantas e dos bichos, das cousas inanimadas e das cousas mudas, o espectaculo grandioso ou suave dos campos e das montanhas, dos tempestuosos mares, ou das placidas e fartas lezirias, entra como um elemento fortalecedor, vivificante, cheio de ensinamentos praticos na educação das creanças. Nunca uma arvore ensinou uma acção má; nunca uma flôr ou um ninho de aves crearam um pensamento abjecto.

Não poz nunca o pé n’um collegio. Não conhece nem as alegrias nem as lastimas d’essa intimidade que tem decididamente mais resultados funestos do que vantagens conhecidas.

Aprendi quanto me foi possivel, não para lhe ensinar, mas para estudar com elle, e comprehender antes d’elle o que era preciso que elle comprehendesse.

Diante dos seus bellos olhos limpidos e curiosos não consenti nunca que passassem os abjectos quadros que polluem tanta imaginação infantil.

Não me cancei inutilmente a prégar-lhe sermões de moralidade abstracta; pratiquei o bem para que elle o praticasse; em minha casa só tem visto exemplos dignos.

Mais tarde, quando os maus, rindo lugubremente, lhe disserem que o bem não existe, elle não acreditará n’essa blasphemia porque pensará em mim!

Não é ainda um homem, mas promette vir a sel-o!

Está quasi cumprida a minha tarefa.

Hoje quando elle voltar contente de haver sido premiado — porque estou certa de que o será — acceitarei ainda os seus beijos como uma recompensa.

D’aqui ávante é a seu pae que pertence a direcção suprema d’aquelle espirito que desabrocha para todas as altas curiosidades da vida.

Choro porque as mães são fracas, Magdalena, mas para que choro eu?

Já nada, nada na terra nem mesmo a minha morte nos póde separar.

Todas as virtudes que elle tiver, serão simplesmente o fructo das flores que eu tenho cuidado com tanto amor, assim como essas flores veem dos germens que eu semeei cheia de susto, de delicias, de ambições, de louco anceio!

Fui eu que o conduzi pela mão, ao mesmo tempo tremula e confiante, até ao limiar da sua pura adolescencia.

Sinto orgulho é verdade, mas tambem sinto saudades!

Saudades do tempo em que o embalava nos meus braços, em que elle só de mim vivia, como eu vivia só para elle.

Foram as minhas alegrias mais superiores e mais completas.

D’ora ávante é preciso que elle se emancipe um pouco da minha tutella extremosa, que elle se vá robustecendo ao contacto rude dos homens e das cousas.

Fui eu que o formei. Sinto que pertencerá ao numero dos fortes, e que não succumbirá na lucta da vida...




Como estou velha, minha querida amiga de outros dias!

Lembrei-me tanto de ti, hoje, na igreja onde fui assistir ao casamento do meu Luiz!

Tem 24 annos, realisou as doces promessas que eu sonhara e sahiu hoje de casa de seus paes para outra casa que vae ser d’elle.

Tu não sabes a nuvem de tristeza que obumbra a minha alma, não sabes como todos os egoismos humanos se revoltam em mim, e ameaçam fazer-me naufragar na sua formidavel tempestade!

Oh! deixa-me desabafar comtigo!

Quem é que ainda revelou ao mundo o martyrio que crucifica as mães!

Foi para outra que eu andei formando aquelle divino thesouro com todas as riquezas que pude juntar dentro da minha alma!

Tantas noites que velei a pensar, a estudar, a pedir á voz intima da consciencia que esclarecesse e fortalecesse e guiasse o meu fragil coração de mulher!

Tantos annos de abnegação profunda, de abnegação sem nome, de todas as horas, de todos os instantes, esquecida de tudo que não fosse aquella alma pequenina que andava a crear e a robustecer.

N’esse empenho me fugiu a mocidade. Por elle, pelo meu adorado ingrato me esqueci de tudo que fôra meu!

E hoje elle partiu; partiu risonho, triumphante, orgulhoso como um rei, sem se lembrar que onde vira até alli sua mãe, deixava uma triste condemnada!...

E ha quem falle por ahi em ciumes romanescos, em ciumes ephemeros, em ciumes d’um instante! Qual ciume poderá comparar-se a este que me está dilacerando o peito?

Oh! Luiz! oh! meu amor! oh! minha solidão!...



Na ultima vez que te escrevi estava louca, minha velha amiga.

Nunca está só quem ama, e espera, e crê em Deus, e semeou o bem no seu caminho.

Veio lembrar-me tudo isso n’essa hora de amarga revolta que passou, o querido companheiro de toda a minha vida, o meu honesto guia, aquelle que partilhou commigo todas a sublimes responsabilidades que ha no amor dos paes.

Já sou avó minha amiga, o meu Luiz é já pae.

Nas alegrias d’elle vejo reflectidas as alegrias extinctas, cujo aroma vago perfuma a minha alma de uma saudade ineffavel.

Não se esqueceu de mim, o meu querido filho; tem presentes todas as minhas licções, o laço mysterioso que um dia nos uniu conserva-se inquebrantavel, e hoje não deixa ainda de vir consultar-me a cada instante como nos dias em que a sua alma e a minha trocavam incessantemente confidencias mutuas.

Estou consolada!

Vejo descer a velhice sobre mim como uma noite calma, tranquilla e cheia de estrellas!

Não é nunca infructifera a obra das mães.

O meu sacrificio, se o foi, será continuado, e desatar-se-ha em flores bemditas de geração em geração.

Felizes todas as que puderem adormecer como eu no seio de um filho a quem deram tudo que tinham de melhor, de quem receberam tudo que n’este momento levanta a minha alma para além da vida terrestre, e me faz antever o somno tranquillo e doce das consciencias justas.





FIM.