O Barroso continuava no dique, em Brooklin.
Logo ao regressarmos de nossa viagem a Anápolis tivemos aviso para uma outra excursão não menos interessante e agradável.
West Point era agora o principal objeto de nossa curiosidade – West Point, a bela povoação à margem do Hudson, onde funciona a Escola Militar. Estávamos convidados para assistir a outra festividade acadêmica – um combate simulado entre os alunos do estabelecimento – manejos de armas, exercícios de esgrima, assaltos.
Compreende-se a grande utilidade que necessariamente nos adviria dessas visitas aos estabelecimentos militares no estrangeiro. Sem nos aperceber, íamos conhecendo, de visu, os diversos processos de ensino prático, os métodos mais modernos de educação física, e, quando mais não fosse, lucrávamos com a vista de objetos novos e de novas paisagens.
O viajar é uma necessidade quase imprescindível para o espírito e para o organismo. A alma como que se dilata em presença de estranhas combinações de cor e de luz. A monotonia da vida urbana cansa o espírito, fatiga-o, consome-o lentamente; é preciso o grande ar, o ar livre e temperado dos campos, a natureza em toda sua beleza original, para que não se morra de tédio e desânimo. O tempo é limitadíssimo e inapreciável para quem viaja com desejo de ver e saber.
Muitos há que preferem morar eternamente em Paris ou em Londres, no centro da cidade, asfixiado pela poeira dos boulevards, a gastar economicamente o seu rico dinheirinho vendo a natureza de perto, gozando as inefáveis delícias do campo e das praias, saboreando o clima das montanhas, deliciando a vista com o espetáculo das fontes murmurejantes, dos frescos arvoredos trespassados de luz...
Eu preferirei sempre a paz absoluta e invejável dos subúrbios.
E é por isso que, a cada nova excursão fora da cidade, eu sentia-me bem comigo e bem com o resto da humanidade. Voltava sempre mais consolado e mais leve, como se saísse de um quarto muito escuro e abafado para a claridade larga e bela do dia...
Foi assim que recebi a notícia do passeio a West Point.
Como devia ser magnífico o Hudson lá para as bandas de sua nascente, a qualquer hora do dia, iluminado pelo sol, calmo e radiante, ou coberto de névoa, pela manhãzinha, ou no silêncio da noite, vago e sombrio como um pântano dormente!...
Era o que íamos ver.
Seis horas da manhã...
Caía uma neve friíssima, transparente, e agressiva como alfinetadas.
O Express, pequeno e elegante cruzador americano, espécie de transporte de guerra, esperava-nos de “fogos acesos”, deitando fumo pela chaminé.
Remos n’água e toca pra diante! Pontualidade no caso.
Estamos a bordo.
O Express oferece o belo aspecto de uma galeota imperial que vai suspender ferro...
Fazia gosto ver a ordem e o asseio que apresentavam o convés e a câmara.
Tinha-se acabado de fazer a baldeação matinal. Marinheiros, perfeitamente uniformizados, ocupavam-se em limpar as chapas de metal; outros colhiam cabos à proa; outros lá cima, nas vergas, atavam ou desatavam andarivelos, muito rubros, com os seus bonés de pano azul-marinho onde se lia o nome do navio, em letras cor de ouro: – Express.
A câmara – uma sala espaçosa e clara, elegantemente adornada – ocupava um terço do pontal, a ré, na primeira coberta. Embaixo, na segunda coberta, ficavam os camarotes e a praça de armas.
Servido o fine cognac, que os americanos de bom tratamento não dispensam nos dias invernosos, o captain subiu ao passadiço e deu a voz de suspender. A máquina tocou adiante e o Express começou a singrar o Hudson.
Variadíssimo o aspecto da paisagem. Ora o rio se estreita em curvas caprichosas, ora vai-se alargando, sempre manso, banhando cidades e aldeias, límpido às vezes, outras vezes toldado e sombrio.
West Point fica a duzentas milhas de Brooklin.
Passamos o dia inteiro e a noite em viagem para amanhecermos em nosso destino.
Novas manifestações de simpatia. Oficiais e alunos da Escola Militar esperavam-nos com aquele sorriso afável de gente hospitaleira, que logo se traduz em franca e sincera camaradagem.
A Escola estava acampada perto do estabelecimento, em exercícios práticos.
Inúmeras barraquinhas de lona, alinhadas em simetria, alvejavam, como um acampamento de beduínos, guardadas por sentinelas que rondavam de arma ao ombro, perfilando-se de vez em quando em continência a um oficial que passava.
Cada barraca abrigava cinco a seis alunos que se rendiam pontualmente na sentinela.
Enquanto um rondava, grave e silencioso, de mochila às costas e espingarda ao ombro, os outros divertiam-se a trocar socos, a jogar o dominó, a apostar corridas, até que o tambor ou a cometa os chamasse à forma. Então, com uma rapidez extraordinária, lestos, vivos e fortes, corriam todos a seus postos, e, em menos de um minuto, estava formada a companhia.
Cada aluno era um verdadeiro soldado.
Alegres, o sangue a pular-lhes no rosto, cheios de saúde, tesos, empinados, quadris largos, espáduas amplas, todos se pareciam em robustez física.
Uns rapagões sadios!
Notei mesmo certa propensão dos americanos para o militarismo. Parece que a educação militar, adaptação de princípios rigorosos na disciplina do corpo, é o único meio de obterem-se homens robustos e cumpridores do dever. A Escola de West Point é, sem exagero, um exemplo raro de estabelecimentos desse gênero. E não era sem uma ponta de tristeza que nós, brasileiros – raça degenerada e linfática – víamos criar-se assim uma raça forte e alegre com todos os caracteres de virilidade e independência.
Tive ocasião de assistir a uma luta corporal entre dois alunos, competentemente armados de luvas de camurça, rosto a descoberto. Pegaram-se a socos, um defronte do outro, calmos e convictos, como se estivessem cometendo uma nobre ação.
No fim de alguns minutos, o agressor estava com o rosto inchado, escorrendo sangue, os olhos vermelhos, injetados, e a luta acabava com um abraço entre os dois contendores. O mais forte foi aclamado pelos companheiros, teve o prêmio de sua robustez.
É talvez um duro sistema de educação esse, mas incontestavelmente o mais acertado e eficaz.
Simples questão de raça...