Estava terminada a nossa estação de quase dois meses em Nova Iorque.

No dia 30 de julho o Barroso deixou aquele porto em direção a Newport, outra cidade dos Estados Unidos, refúgio da população aristocrática nos quentes dias de verão. Uma perfeita cidade balneária, muito fresca e saudável, à beira-mar, olhando para o largo oceano e recebendo-lhe as emanações salinas, com um Cassino e um Passeio Público.

Os banqueiros e a gente rica de Nova Iorque costumam fazer aí o seu ninho de verão, e, de vez em vez, para amenizar a vida monótona que se leva nesse pequeno mundo de simplicidade e conforto, promovem regatas na esplêndida enseada que orla a cidade e que nesses dias de festa marítima toma uma feição ridente e característica de aquarela inglesa, com os seus cutters à vela, com os seus iates de recreio bordejando ao largo como um bando de gaivotas pousadas n’água...

Apostam-se milhões de libras. De França e de Inglaterra príncipes e lordes vêm assistir e tomar parte no jogo.

A regata é um dos divertimentos prediletos dos americanos. Todas as cidades marítimas e fluviais dos Estados Unidos têm pelo menos um clube de regatas.

Nota curiosa: em Newport não se bebe álcool. É proibida a im­portação de bebidas que contenham espírito, ou qualquer outra substância nociva. Não se encontra um só botequim na cidade. Para tomarmos um refrigerante, uma simples limonada, fomos bater a uma farmácia! Garantiram-nos que esse preceito contra o álcool é escrupulosamente observado naquela cidade. Custávamos a acreditar, mas, enfim, não havia jeito senão ser delicados...

De resto, uma cidadezinha elegante e sossegada, Newport. O comércio aí é quase nulo.

No fim de oito dias o Barroso deixava de urna vez o país dos ianques, fazendo-se de vela para os Açores.

Já agora não nos doía muito a saudade desse belo e prodigioso país. O regresso à pátria, depois de uma ausência de quase um ano, enchia-nos o coração de alegria.

Não fora a perda de um companheiro em Nova Orleans e voltaríamos todos, sem faltar ninguém, sadios e fortes, cheios de impressões novas e cheios de esperança.

Voltávamos, sim, mas tínhamos deixado atrás, em terra estrangeira, num cemitério de Nova Orleans, um dos nossos camaradas.

Trazíamos uma convicção, e é que nenhum povo sabe compreender tão bem o problema da vida humana como os americanos dos Estados Unidos. A idéia da morte não os preocupa: um ianque triste é coisa rara e toma proporções de fenômeno.

Eles, os americanos, são geralmente alegres, bem-dispostos, amigos do trabalho, compenetrados de seus deveres, e, acima de tudo, amam a sua pátria mais do que qualquer outro povo.

A pátria e a família são os seus principais objetivos. Menos egoístas que os ingleses, enérgicos e resolutos, sobra-lhes tempo e dinheiro para se divertirem.

Esse povo verdadeiramente democrático não pede lições a país nenhum: engrandeceu à custa de seus próprios esforços e dia a dia prospera, assombrando o mundo com as suas empresas colossais.

Se a Alemanha representa no século XIX a pátria das ciências morais, aos Estados Unidos compete o primeiro lugar na ordem dos países que têm concorrido grandemente para o aperfeiçoamento e bem-estar humanos.

Enquanto as nações da Europa digladiam-se numa luta contínua, perdendo na guerra o que dificilmente acumularam em poucos anos de paz, a grande nação americana deixa-se estar quieta e desarmada, sem exército e sem marinha, confiada no seu próprio valor, no patriotismo de seus filhos, certa de que, num dado momento, cada cidadão, cada americano saberá cumprir com heroísmo o seu dever e honrar as suas tradições de povo independente e forte.

Go ahead! never mind! help yourself! – eis a máxima de todo ianque. Eles não a esquecem nunca e marcham desassombradamente na vida, como quem tem absoluta confiança no próprio valor.

Ceará, 1890.