Vês, querida, o horizonte ardendo em chammas?
        Além d'esses outeiros
Vai descambando o sol, e á terra envia
        Os raios derradeiros;
A tarde, como noiva que enrubece,
Traz no rosto um véo molle e transparente;
No fundo azul a estrella do poente
        Já timida apparece.

Como um bafo suavissimo da noite,
        Vem sussurrando o vento
As arvores agita e imprime ás folhas
        O beijo somnolento.
A flôr ageita o calix: cedo espera
O orvalho, e emtanto exhala o doce aroma;
Do leito do oriente a noite assoma
        Como uma sombra austera.

Vem tu, agora, ó filha de meus sonhos,
        Vem, minha flôr querida;
Vem contemplar o céo, pagina santa
        Que amor a ler convida;
Da tua solidão rompe as cadeias;
Desce do teu sombrio e mudo asylo;
Encontrarás aqui o amor tranquillo.....
        Que esperas? que receias?

Olha o templo de Deos, pomposo e grande;
        Lá do horizonte opposto
A lua, como lampada, já surge
        A alumiar teu rosto;
Os cirios vão arder no altar sagrado,
Estrellinhas do céo que um anjo acende;

Olha como de balsamos rescende
        A c'rôa do noivado.

Irão buscar-te em meio'do caminho
        As minhas esperanças;
E voltarão comtigo, entrelaçadas
        Nas tuas longas tranças;
No emtanto eu preparei teu leito ás sombra
Do limoeiro em flôr; colhi contente
Folhas com que alastrei o solo ardente
        De verde e molle alfombra.

Pelas ondas do tempo arrebatados,
        Até á morte iremos,
Soltos ao longo do baixel da vida
        Os esquecidos remos.
Calmos, entre o fragor da tempestade,
Gozaremos o bem que amor encerra;
Passaremos assim do sol da terra
        Ao sol da eternidade.