Logo depois que voltou à cidade, o dr. Antero teve cuidado de escrever a seguinte carta aos seus amigos:
O dr. Antero da Silva, recentemente suicidado, tem a honra de participar a V. que voltou do outro mundo, e se acha ao seu dispor no hotel de ***.
Encheu-se-lhe a sala de gente que correra a vê-lo; alguns incrédulos supuseram simples caçoada de algum homem amigo de pregar peças aos outros. Foi um concerto de exclamações:
— Não morreste!
— Pois quê! estás vivo!
— Mas que foi isto!
— Aqui houve milagre!
— Qual milagre, respondia o doutor; foi simplesmente um meio engenhoso de ver a impressão que causaria a minha morte; já soube quanto quisera saber.
— Oh! disse um dos presentes, foi profunda; pergunta ao César.
— Quando soubemos do desastre, acudiu César, não quisemos crer; corremos à tua casa; era infelizmente verdade.
— Que marreco! exclamava um terceiro, fazer-nos chorar por ele, quando talvez se achasse perto de nós... Nunca te hei de perdoar aquelas lágrimas.
— Mas, disse o doutor, a polícia parece que chegou a reconhecer o meu cadáver.
— Disse que sim, e eu acreditei.
— Eu também.
Nesse momento entrou na sala um novo personagem; era o criado Pedro.
O doutor rompeu por entre os amigos e foi abraçar o criado, que entrou a derramar lágrimas de contentamento.
Aquela efusão em relação a um criado, comparada à frieza relativa com que o doutor os recebera, incomodou aos amigos que ali se achavam. Era eloqüente. Saíram os amigos pouco depois declarando que o contentamento de vê-lo lhes inspirava a idéia de lhe dar um jantar. O doutor recusou o jantar.
No dia seguinte, os jornais declararam que o dr. Antero da Silva, que se julgava morto, se achava vivo e aparecera; e logo nesse dia recebeu o doutor a visita dos credores, que, pela primeira vez, viam ressuscitar uma dívida já sepultada.
Quanto ao folhetinista de um dos jornais que tratara da morte do doutor e da carta que ele deixara, encabeçou o seu artigo do próximo sábado assim:
Dizem que reapareceu o autor de uma carta com que me ocupei ultimamente. Será verdade? Se voltou não é autor da carta; se é autor da carta não voltou.
A isto respondeu o ressuscitado:
Voltei do outro mundo, e apesar disso sou o autor da carta. Do mundo de que venho trago uma boa filosofia: ter em nenhuma conta a opinião dos meus contemporâneos, e em menos ainda a dos meus amigos. Trouxe mais alguma coisa, mas isso importa pouco ao público.