Dous dias depois o legado do papa chegava a Coimbra: mas o bom do cardeal tremia em cima da sua nedia mula, como se maleitas o houveram tomado. As palavras do infante tinham sido ouvidas por muitos, e alguem as havia repetido ao legado.
Todavia, apenas passou a porta da cidade, revestindo-se de animo, encaminhou-se direito ao alcacer real.
O principe saíu a recebe-lo acompanhado de senhores e cavalleiros. Com modos cortezes guiou-o á sala de seu conselho, e ahi se passou o que ora ouvireis contar.
O infante estava assentado em uma cadeira de espaldas: diante delle o legado em um assento raso, posto em cima de um estrado mais elevado: os senhores e cavalleiros cercavam o filho do conde Henrique.
"Dom cardeal, — começou o principe — que viestes vós fazer a minha terra? Posto que de Roma só mal me tenha vindo, creio me trazeis agora algum ouro, que de seus grandes haveres me manda o senhor papa para estas hostes que faço, e com que guerreio noite e dia os infiéis da frontaria. Se isto trazeis, acceitar-vo-lo-hei: depois, desembaraçadamente podeis seguir vossa viagem."
No animo do legado a colera sobrepujou o temor, quando ouviu as palavras do principe, que eram de amargo escarneo.
"Não a trazer-vos riquezas, — atalhou elle — mas a ensinar-vos a fé vim eu; que della parece vos esquecestes, tractando violentamente o bispo D. Bernardo, e pondo em seu logar um bispo sagrado com vossas manoplas, victoriado só por vós com palavras blasphemas e maldictas..."
"Calae-vos, dom cardeal, — gritou Affonso Henriques — que mentís pela gorja! Ensinar-me a fé?! Tão bem em Portugal como em Roma sabemos que Christo nasceu da Virgem; tão certo como vós outros romãos cremos na sancta Trindade. Se a outra cousa vindes, ámanhan vos ouvirei: hoje podeis-vos ir."
E ergueu-se: os olhos chammejavam-lhe de furor. Toda a ousadia do legado desappareceu como fumo, e, sem atinar com resposta, saíu do alcacer.