Hoje é segunda-feira. Passei-a mais entediado do que nunca. Li o Plutarco, mas não tive ânimo de acabar com a leitura da vida de Pelópidas. Mais ou menos, releio esta célebre obra, porque aos dezoito anos fiz uma leitura dela apressada e salteada. Não tem o mesmo sabor, a que faço agora, como tinha de delícia a primeira. Observo que Plutarco põe muito a intervenção dos deuses, nas proezas felizes dos seus heróis; há relações de predicações ingênuas que, apesar de tudo, nos fazem rir, mesmo a mim que sou supersticioso.

No almoço se deu um caso que me fez passar mal o dia. Há aqui um louco que não parece ser profundamente alterado das faculdades mentais. É aleijado das pernas e chamam-no até Caranguejo, porque, aqui, como em todas as coleções de homens que vivem juntos, há o gosto pela alcunha depreciativa. Há o Gato, há o Tetéia, etc.

Há muito que um certo doente o perseguia com chufas e gestos. Hoje, no refeitório, ao receber um destes do seu perseguidor, o Caranguejo atirou-lhe uns copos na cara. Não pegou, mas ele, apesar de seu aleijão, saiu atrás do adversário, que se cobriu de pavor e tremia. O pobre do bom Caranguejo, com quem eu jogo bisca calmamente, teve um ataque de nervos, rasgou as vestes e, quase a chorar, dizia:

— Eu não sou nada! Nada! Ponha tudo isto fora!

Deram-lhe uma injeção e ele dormiu, não podendo ir jantar.

O tal que o persegue, eu já lhe passei uma corrida. Não é positivamente louco. É antes um débil mental de um fundo perverso e de uma covardia sem nome. Só persegue os velhos, aleijados e os doentes mais imbecis que ele.

Ele foi preso e, tendo que ir até às proximidades do dormitório dele, de lá, muito de longe e com a fuga garantida, deu em fazer-me gestos imorais.

Não o temo, mas me aborreci o dia inteiro, em imaginar que alguém estaria na obrigação de se atracar com semelhante idiota.

É uma triste contingência, esta, de estar um homem obrigado a viver com semelhante gente. Quando me vem semelhante reflexão, eu não posso deixar de censurar a simplicidade dos meus parentes, que me atiraram aqui, e a ilegalidade da polícia que os ajudou.

Caído aqui, todos os médicos temem pôr logo o doente na rua. A sua ciência é muito curta, muito prevê; mas seguro morreu de velho e é melhor empregar o processo da Idade Média: a reclusão.

Leio com relativa minúcia os jornais. Até os crimes de repercussão, eu leio. Por estes últimos dias, houve um nefando. Um oficial do Exército matou a mulher em circunstâncias abomináveis. De uns tempos para cá, estão os oficiais a fornecer matéria para essa espécie de noticiários dos jornais. Tenho, para mim, que há nisso uma grande desilusão por parte das mulheres e uma ralação dos maridos, quando sentem as mulheres esfriar. A moça, a nossa moça casadoira da classe média, vê, nos dourados da farda do cadete ou do alferes, uma vida de delícia, de luxo, de importância. Casada, não é assim. O soldo, se bem que não seja mau, não dá para custear a metade do seu sonho de solteira. O marido, querendo conservar as boas graças da mulher, faz empréstimos, os vencimentos diminuem. Está aí a desgraça feita. Dificuldades, em casa, credores, mau humor da mulher, rompantes do marido, descomposturas, casas de tavolagem, álcool, etc.

Aqui, no hospício, há dois oficiais uxoricidas, e o tal engenheiro, em quem não desculpo a arrogância, apesar de sua insânia, o é também. Dos oficiais, um é positivamente louco. Delira, e o seu delírio é típico, passa das coisas mais opostas e sem intermédio algum logo, presente ou oculto. É muito difícil reproduzir um delírio de louco, principalmente o deste, que é de uma incoerência inacreditável. Eu quis segui-lo e guardá-lo, já de memória, já por escrito; mas nada pude conseguir, mesmo aproximadamente. Ele acaba em casas de alugar, passa para o curso dos rios, história da guerra do Paraguai, etc., etc.

Além do delírio em voz alta, a sua loucura se revela pela necessidade em que ele está de quando em quando fazer o maior barulho possível. Ele dá murros nas mesas, bate com estrondo as portas, levanta as cadeiras e fá-las cair sobre o assoalho com toda a força, e assim por diante, tudo entremeado de palavras escabrosas e porcas. É geral nos doentes essa necessidade de pornografia e de terminologia escatológica. O F. P. imita a parte brilhante da demência do tenente. Haverá contágio na loucura? Ouvi sempre falar que alienistas notáveis atribuíam a loucura de velhos guardas à ambiência dos hospitais; aqui, contaram-me vários casos. A imitação, que é um poderoso fator de progresso social útil, positivo, pode bem ser contada em sentido contrário, um fator de regresso do indivíduo, e aqui sobra inteligência débil de modo a fazê-la copiar gestos e coisas dos loucos que a cercam.

Lembro-me agora do Silvestre, um pequeno caibra que eu ensinei a ler e me chamava de tu e você. Era um objeto perfeito para estudar a força da imitação sobre os indivíduos. Ele era feio, desengonçado, escanifrado, mas se tinha na conta de namorador. Um dia de calor e de gazeta (ele iniciava a cansar-se), ele julgou que ficava muito elegante se calçasse luvas. Calçou umas de tecido de meia, brancas, sapatos brancos, e correu as ruas dos subúrbios debaixo de vaias e chufas.

Além do fato que narrei, da imitação aos gestos do Tenente C. B. por parte do F. P., este ainda imita um português, Pereira, moço, cuja mania é simular com a boca uma deflagração baixa, muito baixa, e fazê-la seguir com expressões esquisitas. Não é só F. P. que o copia, outros muitos.

Com espírito normal, nós imitamos, temos sempre modelos. Citam-se nas rodas literárias desses tipos que imitam em tudo Artur Azevedo e Joaquim Nabuco, este mesmo já imitava não sei que parlamentar inglês, que ele conheceu em Londres, na sua primeira mocidade.

Conhecendo a vida dos guardas e pequenos empregados dos hospícios, que convivem familiarmente com os loucos, que, com eles, trocam chufas e familiaridades, é bem possível que alguns gestos, manias e caprichos os impressionem de tal forma, lhes dêem desejo de imitá-los, no começo por troça, habituam-se, a impressão se grava, e a exteriorização se segue e se desdobra com tempo.

Não sou psicólogo, nem psiquiatra, nem coisa parecida; mas tenho para mim que não é toda estúpida essa hipótese. É preciso levar em linha de conta a capacidade e a resistência mental dos guardas e enfermeiros. Lembro-me que a Romualda não se capacitava de que meu pai estivesse sofrendo das faculdades mentais: "Não vejo nada. Sempre o conheci assim, zanga-se às vezes; foi dessa forma sempre e logo passa".

O outro uxoricida militar parece-me não ter nada. Creio que ele está aqui para fugir a cárcere mais duro. Não se pode compreender este homem assassino; é polido, culto, gosta de leitura e de conversar coisas superiores.

Nestes últimos dias, houve na cidade um assassinato de uma mulher, perpetrado por um tenente. Evitei falar nisto a ele; e a custo tenho me contido. Quisera a sua opinião. O engenheiro, que me parece ter sido sempre muito burro, matou a mulher, num acesso de loucura, e o filho. Este é francamente e permanentemente doido. Não lê coisa alguma, a não ser a Gazeta de Notícias, de cabo a rabo. É insuportável de arrogância. Ninguém conversa com ele, a não ser um imbecil R. (que pena! é moço, simpático e parece ter recebido educação). Ambos cochicham. Há perguntas e respostas.

Deve haver outros nestas condições; mas eu os não conheço; mas simples assassinos me apontaram três; um, na Seção Pinel, e os dois restantes aqui.

O da Seção Pinel é um velho, que anda sempre irrepreensivelmente vestido, muito limpo, engravatado, e foi empregado na Central, não sei com que título. Matou um colega, não me disseram por que motivo; mas o certo é que a sua aparência calma, de homem normal, causa um engano à primeira vista.

Passa assim dias, meses; mas lá vem um minuto, à noite ou de dia, em que ele sai da seção, fazendo gestos de fúria, de raiva e raivosamente a exclamar referindo-se à sua vítima:

— Dá-me um descanso, miserável!

O outro é um pensionista de primeira, que tem curiosos hábitos. Delira à meia voz, tem o seu quarto muito limpo pelas suas mãos, cuida dos gatos, das plantas, chegou até a plantar batatas e colhê-las, gosta de agarrar camundongos, esfolá-los e conservar as peles.

Este homem está no hospício há cerca de trinta anos; entrou muito moço, e a sua entrada, ao que dizem, foi motivada pela loucura que se seguiu ao assassinato de um rival, que disputava a moça de quem ele gostava.

O outro é muito velho e é um fratricida. Está mudo ou quase mudo. Certas formas de loucura têm esse efeito, e manifestações dela são as mais díspares possíveis. Debruçar sobre o mistério dela e decifrá-lo parece estar acima das forças humanas. Conheço loucos, médicos de loucos, há perto de trinta anos, e fio muito que a honestidade de cada um deles não lhes permitirá dizer que tenha curado um só.

Amaciado um pouco, tirando dele a brutalidade do acorrentamento, das surras, a superstição de rezas, exorcismos, bruxarias, etc., o nosso sistema de tratamento da loucura ainda é o da Idade Média: o seqüestro. Não há dinheiro que evite a Morte, quando ela tenha de vir; e não há dinheiro nem poder que arrebate um homem da loucura. Aqui, no hospício, com as suas divisões de classes, de vestuário, etc., eu só vejo um cemitério: uns estão de carneiro e outros de cova rasa. Mas, assim e assado, a Loucura zomba de todas as vaidades e mergulha todos no insondável mar de seus caprichos incompreensíveis.

Ver o F. P. falar na sua inteligência formidável e V. O. na estrambótica engenharia me parecem coisas semelhantes que assistir aquele preto da Seção Pinel não querer dormir na cama do dormitório, para o fazer na proximidade da latrina, ou sorrir dolorosamente, quando vejo os trejeitos beatos do F., antigo dono de casa de pasto, e as suas rezas estapafúrdias. Todos eles estão na mão de um poder que é mais forte do que a Morte. A esta, dizem, vence o amor; a Loucura, porém, nem ele.