POLITICA DE 2228
— Nessa mesma reunião ministerial, proseguiu miss Jane, o presidente Kerlog teve palavras de fazer reflectir os ouvintes.
— "O nosso predominio vejo-o ameaçado, sinão de ruina, pelo menos de fundas transformações. Avoluma-se a onda negra e a ella resistiriamos se a scisão elvinista não viesse enfraquecer o nosso peso politico. Mas o eleitorado branco está scindido e agora mais que nunca vae funccionar a massa negra como o fiel da balança dos destinos da America. Venceremos, pois o concurso de Roy, embora negaceado para nos extorquir concessões, virá infallivelmente á ultima hora. Imagino com que horror não verá elle os progressos do sabinismo ! Mas havemos de confessar que é precaria a situação do nosso partido, com a vida assim dependente da boa vontade de um manhoso leader negro...
— Que concessões queria Jim Roy? perguntei.
— Essa mesma pergunta fez ao senhor Kerlog o ministro da Selecção Artificial.
— "Quer, respondeu o presidente, uma entente no terreno selectivo. Insiste na attenuação da lei Owen.
Os rigores desta lei tinham-se aggravado no anno anterior, com o fim muito claro de fazer cahir o indice do crescimento negro. Isso contrariava a politica racial de Jim Roy, toda resumida em favorecer a expansão do seu povo até ponto que lhe permittisse forçar o branco á divisão do paiz.
Por cousa nenhuma queriam os brancos transigir no terreno restrictivo — seria um suicidio. Mas a situação mettera a politica naquelle buraco: ou ceder ás exigencias de Jim Roy ou assistir á victoria das mammiferas rebeldes.
Quando o presidente terminou a sua exposição, calaram-se os ministros por algum tempo, de queixo preso. Qualquer das hypotheses não agradava ao macho branco. Mas como a sabedoria pragmatica consiste em acudir primeiro ao perigo proximo, foi accordado ceder as exigencias do leader negro.
Os ministros retiraram-se dessa reunião de tal modo apprehensivos que não viram, no quadro onde se estampavam, de minuto em minuto, as communicações dos agentes informativos do governo, um radio que naquelle momento acabava de inscrever-se em letras luminosas — Miss Astor está em conferencia com Jim Roy.
O presidente Kerlog fixou os olhos no quadro informativo e permaneceu uns instantes a mordiscar uma espatula de vidro, flexivel como aço.
— "Não a entendi, murmurou, não nos entendemos em nossa conferencia. Mas com Jim vae ella falar a velha linguagem intelligivel...
Mordiscou ainda por algum tempo a espatula. Depois ergueu-se, risonho.
— "Mas não vencerá o orgulho sexual de Roy. E' homem e vê como eu o perigo da victoria sabina...
— Que curioso devia ter sido esse encontro de dois seres tão distantes ! disse eu.
— Realmente. O vel-os um defronte do outro, no gabinete de trabalho da grande elvinista, lembrava acareação de garça do Amazonas com raposa branquicenta da Siberia. Eram dois seres sem a menor approximação de apparencias externas, formando um quadro proprio como nenhum outro para illustrar a theoria de miss Elvin. Parecia até inconcebivel que por tanto tempo fossem as duas creaturas classificadas na mesma especie pela sciencia macha. A radiosa belleza da sabina mutans (assim classificava a zoologia de miss Elvín a ex-femea do homo-sapiens) irradiava um verdadeiro halo de fascinio. Creatura nenhuma, envolvida por essa aura, conseguia libertar-se dos seus amavios magnetizadores. Miss Astor, si falava, não era por necessidade de falar, porque convencia pela presença. Mas achava-se naquelle momento em face do unico representante da especie antagonista, talvez, immunizado contra a acção catalyzadora da belleza. Jim Roy valia pelo symbolo da força. A raça espezinhada confluira-se toda nelle, transformando-o num feixe de energias indomaveis. Em toda a sua vida publica jamais esse negro déra um só passo ou pronunciara uma só palavra que se não norteassem pela grande idéa que trazia imbutida no cerebro. Não era um individuo, Jim. Era a propria raça negra, por um milagre de compressão, posta inteira dentro de um homem.
Miss Astor o sentiu immediatamente. Percebeu que tinha deante de si uma força insubornavel e inseduzivel. E, comprehendendo o inutil dos volteios de onda em torno de rocha tão dura, abordou de frente o assumpto.
— "O choque das raças vae dar-se. Precipita-se. Será um conflicto tremendo — mas só no caso de estar no poder o homem branco, creador do odio ao negro. Tudo mudará se em vez desse implacavel inimigo commum estivermos nós.
Jim Roy franziu os sobrolhos.
— "Inimigo commum, sim, proseguiu miss Astor. Inimigo da raça negra e inimigo de nós "mulheres. Ambas somos suas escravas, mas si a escravização dos teus, Jim, data de seculos, a nossa data de millenios. Caso o poder supremo venha ter" ás nossas mãos, o choque se attenuará, porque saberemos ser conciliantes, e haverá enorme economia de soffrimento futuro, si operar-se sem demora a alliança politica do elvinismo com o elemento negro. Accresce uma circumstancia : são os negros conhecedores dos processos do macho branco e sabem muito bem o que delle podem esperar. Mas desconhecem os nossos processos e, dada a contradicção de idéas e sentimentos que hoje extrema as sabinas do gorilla evoluido, só teem que esperar vantagens da victoria elvinista.
E foi por ahi alem miss Astor. Mostrou-se palavrosa e abundante, visto que sentia falhar, ante a firmeza do grande leader, o prestigio da sua acção pela presença.
Ouviu-a Jim Roy com serena impassibilidade, sem que um sorriso ou ruga de apprehensão lhe quebrasse a calma das feições, e ao responder limitou-se a promessas ondeantes, fechado em formulas vagas e de duplo sentido.
Finda a conferencia miss Astor permaneceu immovel na sua poltrona, a reflectir.
— "Como este diabo bem assimilou a lingua da velha diplomacia, a lingua que, parecendo dizer alguma cousa, não dizia nada! pensava ella. E quando naquelle mesmo gabinete se reuniram as suas amigas e collaboradoras, ansiosas por conhecerem os resultados da entente, foi com o olhar scismarento que miss Astor murmurou :
— "Qualquer cousa me diz que o leader negro incuba um plano secreto...
— "Contra quem?
— "Ignoro-o. Nada ha a deduzir das suas palavras, perfeitas palavras de diplomata. Mas o meu senso devinatorio não mente. Jim vae trahir...
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.