Sala em casa de BORGES; portas envidraçadas; no fundo, o jardim; do lado esquerdo, o interior; ao lado direito janelas de peitoril com bambinelas. São seis horas da tarde.
CENA PRIMEIRA
editarPACHECO, BORGES, OLIVEIRA, MACEDO, GUIMARÃES, HIPÓLITO, OLÍMPIA, JULIETA, CRISTINA e D. ANTÔNIA
(Todos saem da sala de jantar pelas duas portas, e espalham-se pela cena; uns acendem charutos; outros chegam às janelas, ou passeiam no fundo.)
GUIMARÃES (a D. OLÍMPIA) - V.Ex.a pode ter um orgulho: que no Rio de Janeiro ninguém sabe melhor fazer as honras de sua casa.
OLÍMPIA - Ora, Sr. Guimarães...
GUIMARÃES - Um jantar magnífico, servido com toda a delicadeza; uma sociedade encantadora...
OLÍMPIA - Faltaram algumas pessoas... (Voltando-se) Hipólito!
HIPÓLITO - D. Olímpia. (Chega-se.)
OLÍMPIA - Seu amigo me enganou. Nunca esperei!
HIPÓLITO - Rodrigo?
OLÍMPIA - Sim.
HIPÓLITO - Admira-me com efeito!
JULIETA - Talvez receasse encontrar pessoas de quem não gosta.
CRISTINA - Ele disse-me ontem à noite que não podia assistir ao jantar; mas prometeu passar a tarde conosco.
JULIETA - Ah!... Não pode tardar então! (Com ironia.)
OLÍMPIA - Manda trazer café e sorvetes, Cristina.
CRISTINA - Sim, mamãe. (Sai.)
BORGES - Aqui têm charutos, meus senhores.
PACHECO - Isto é para os moços.
GUIMARÃES (a JULIETA) - Minha senhora, ainda não felicitei a V.Ex.a. Sou amigo íntimo de seu irmão e dou-me muito com o Oliveira. É uma bela pessoa...
JULIETA (secamente) - Obrigada. (Volta-lhe as costas.)
OLÍMPIA (a BORGES) - Borges, leva os senhores para o jardim, é mais agradável. Já mandei servir o café. D. Antônia, D. Julieta, vão... (Vai saindo.)
D. ANTÔNIA - E a senhora?
OLÍM PIA - Logo; tenho algumas ordens a dar.
CENA II
editarMACEDO e OLÍMPIA
MACEDO - Brilhou, D. Olímpia. Deu-nos um jantar soberbo! (Sorrindo) Deve ter gasto um dinheiro louco!
OLÍMPIA - Nem me fale nisto!
MACEDO - Mas não há prazeres completos!...
OLÍMPIA - Por quê?
MACEDO - Faltou sempre uma pessoa.
OLÍMPIA - Que importa? Não faltou o senhor..
MACEDO - Obrigado; não mereço tanto; isto é para aqueles a quem se fala ao ouvido, e com quem se passeia no jardim nas noites de luar.
OLÍMPIA - Não entendo! (Entra na sala de jantar.)
MACEDO - Ou não quer entender.
CENA III
editarBORGES e MACEDO
BORGES - O quê?
MACEDO - Falávamos do Rodrigo.
BORGES - A que propósito?
MACEDO - Acho que não faz bem em recebê-lo.
BORGES - Por que motivo?
MACEDO - Por muitos; mas o principal é aquele projeto...
BORGES - Qual?
MACEDO - O casamento de Cristina.
BORGES - Ah!...
MACEDO - Notei hoje muita frieza da parte de Hipólito, e a causa é o tal Sr. Rodrigo.
BORGES - Como?
MACEDO - Não reparou ainda na intimidade que existe entre ele e sua filha?
BORGES - Tem razão; vou falar a Olímpia.
MACEDO - Não envolva nisto o meu nome! Aviso-lhe por causa dos nossos interesses comuns. (Sai.)
CENA IV
editarBORGES e OLÍMPIA
BORGES (chega-se à porta da sala de jantar e chama) - Olímpia!
OLÍMPIA - Que queres?
BORGES - Quero prevenir-te de uma coisa.
OLÍMPIA - Depois.
BORGES - Não; é preciso que saibas já.
OLÍMPIA - O que é?
BORGES - O Rodrigo faz a corte a Cristina e...
OLÍMPIA - É falso!... Quem te disse?
BORGES - Em segredo: foi o Macedo.
OLÍMPIA (sorrindo) - Não creias.
BORGES - Contudo acho bom que o afastes pouco a pouco. Cristina pode vir a gostar dele e o nosso projeto fica destruído.
OLÍMPIA - Não faço isto.
BORGES - Mas, Olímpia, que te custa?
OLÍMPIA - Não sei; nem quero saber. Não posso tratar mal uma pessoa que vem à minha casa...
BORGES - E se Cristina o amar?
OLÍMPIA - Minha filha?... Não é possível!...
BORGES - É muito! E tu sabes que este casamento é toda a nossa esperança. (Entra RODRIGO.)
OLÍMPIA - Está bom, deixa-me.
CENA V
editarRODRIGO e OLÍMPIA
OLÍMPIA - A esta hora?
RODRIGO - Apesar de todo o meu desejo...
OLÍMPIA - Não tem desculpa.
RODRIGO - Então sujeito-me à repreensão; eu a mereço.
OLÍMPIA (estende-lhe a mão) - Prefiro perdoar.
RODRIGO - É a melhor vingança...
OLÍMPIA - É o melhor prazer daqueles que sofreram. Todo o jantar estive aborrecida; não sei o que me faltava.
RODRIGO (rindo) - Faltava-lhe um convidado.
OLÍMPIA - Só?...
RODRIGO - É sempre um desgosto perdermos uma testemunha da amabilidade com que costumamos tratar os nossos hóspedes.
OLÍMPIA - E maior desgosto ver que rejeitam uma prova de estima que desejamos dar.
RODRIGO - Como está D. Cristina?
OLÍMPIA - Boa, não a viu no jardim?
RODRIGO - Não, apenas encontrei o Sr. Macedo.
OÚMPIA - Ainda estão passeando.
RODRIGO - Vamos ter com eles?
OLÍMPIA - Tem tanta pressa assim? Por que não ficamos aqui?
RODRIGO - Como quiser.
OLÍMPIA - Se é um sacrifício, não exijo.
RODRIGO - Não; e quando fosse, fá-lo-ia com prazer.
OLÍMPIA - Duvido.
RODRIGO - Não tem razão.
OLÍMPIA - Se eu merecesse um sacrifício de sua parte, não teria vindo jantar comigo?
RODRIGO (sorrindo) - Não fale mais nisso, já perdoou.
OLÍMPIA - Perdoei, mas não esqueci. Ao menos diga-me o motivo.
RODRIGO - Para quê?
OLÍMPIA - Quero saber.
RODRIGO - Que interesse tem nisto?
OLÍMPIA - Pergunta?
RODRIGO - Decerto; porque ignoro. (Pausa.)
OLÍMPIA - Então não me diz?
RODRIGO - O quê?
OLÍMPIA - O motivo por que não veio? Diga-me que não foi por minha causa!... Sim?...
RODRIGO (depois de olhá-la um momento) - Pois foi justamente por sua causa.
OLÍMPIA - Eu adivinhava!
RODRIGO - Não vim ao seu jantar porque me repugna sentar-me a uma mesa onde se serve aos convidados em pratos de porcelana a reputação de uma família; porque quando o champagne fumegasse nos copos, julgaria que meus lábios tocando-o para beber à sua saúde, bebiam em vez de vinho as lágrimas que ele há de custar.
OLÍMPIA - Sr. Rodrigo!
RODRIGO - Sei que estas coisas não se dizem; mas a senhora deu-me o direito de falar. Passava o meu caminho tranqüilamente, sem me importar com o que via, deixando o mundo como ele é. Desde porém que me provocam, que me querem fazer representar um papel nesta comédia, é justo que eu diga: - "Não, minha senhora; não posso aceitar o papel que me destina."
OLÍMPIA - Não sei o que pretende dizer.
RODRIGO - Cuida que eu não vejo o que se passa aqui? O que era este jantar senão um jogo, no qual cada um dos convidados formava um parceiro? Um jogava ao casamento; alguns à amizade, outros ao amor; eu devia jogar ao ciúme. Era preciso excitar a paixão decadente de um velho namorado; irritar-lhe a vaidade; então deu-se um sorriso ao primeiro que se encontrou, e prometeu-se-lhe as migalhas desse amor já dividido entre um amante e um marido.
OLÍMPIA - Para que ofender-me assim? Não é mais natural pensar que em vez de calcular, o coração dessa mulher seja arrastado por um sentimento irresistível? E se ela não sabe reprimir a sua paixão, não se lhe deve perdoar porque é fraca?
RODRIGO - Então esse amor é real?
OLÍMPIA - Se não fosse, ouviria as palavras que acaba de dizer-me?
RODRIGO - Pois bem!... Dê-me outra prova!
OLÍMPIA - Qual? Fale!
RODRIGO - Tenho receio...
OLÍMPIA - De quê? Pensa que lha recusarei?
RODRIGO - Tenho receio de ofendê-la.
OLÍMPIA (sorrindo) - O coração desculpa tudo.
RODRIGO - Pois bem! (Tomando-lhe a mão) Não me queira mal pelo que lhe vou dizer. Suponha que é um irmão que lhe fala.
OLIM PIA - Para quê? A realidade não vale a suposição?... É o senhor quem fala.
RODRIGO - Não me quer por irmão?
OLÍMPIA - Se não o amasse...
RODRIGO - E devo eu aceitar esse amor?
OLÍMPIA - Por quê?
RODRIGO - A mulher que ama realmente um homem, não o obriga a corar por sua causa, não o associa a certos atos que podem lançar uma dúvida sobre seu caráter. Não quero que alguém julgue que a afeição que recebo, é um roubo feito àquele que diz ter direito a ela; não quero que se pense que é por mim que uma senhora mantém um luxo superior a suas posses e sacrifica seu marido com despesas loucas.
OLÍMPIA - Ah!...
RODRIGO - Bem vê que este amor só pode ser aceito por aqueles que especulam com ele. Pelo Sr. Macedo, por exemplo.
OLÍMPIA - Por piedade!... Não me fale desse homem!
RODRIGO - Ele passa por seu amante.
OLÍMPIA - Nunca o foi!
RODRIGO - Entretanto a senhora sabe o que se diz, e parece querer confirmá-lo pelas maneiras com que o trata. Quanto a ele, tem também interesse em passar pelo que não é; porque uma mulher pobre que ostenta um luxo imenso, dá uma idéia favorável da riqueza do seu amante.
OLÍMPIA - Meu Deus!... Que vergonha!...
RODRIGO - Para ele a senhora não é senão um anúncio, ou um artigo de jornal, espécie de gazetilha que elogia a sua generosidade e atesta a sua fortuna. Custa-lhe isto naturalmente o presente de alguma flor, e um pequeno empréstimo feito de vez em quando a seu marido. O resto pagam os credores iludidos. (Quando RODRIGO fala em flor, OLÍMPIA arranca a camélia que tem nos cabelos, e esmaga-a com os dedos, deixando-a cair.)
OLÍMPIA - Oh! Tem razão! Eu mereço o seu desprezo!
RODRIGO - Não desprezo a mulher que cometeu uma falta na sua vida, lastimo-a; e se ela quer apoiar-se ao meu braço para reerguer-se, não sou daqueles que lhe voltam as costas, e a deixam só e ao desamparo.
OLÍMPIA - Assim, se eu rejeitasse o passado, se esquecesse o que fui, podia esperar?
RODRIGO - O quê?
OLÍMPIA - Ser amada um dia?...
RODRIGO - Não sei. Eu lhe pedi uma prova: quer dar-ma?
OLÍMPIA - Sim!
RODRIGO - Quer tornar-se o que uma mulher deve ser: uma providência para sua família, um anjo da guarda que Deus deu ao homem? Faz-me este sacrifício?
OLÍMPIA - Juro pela memória de minha mãe, que o farei.
RODRIGO - Bem. Agora que tenho a sua promessa, diga-me: este sacrifício que faz de bom grado ao amor, por que não o fará a seu marido e a sua filha? Não vê que essa aparência de riqueza é uma confissão tácita da vergonha de seu esposo; porque o público sabe que o ordenado de um empregado não chega para tanto, e por conseguinte pensa, e com razão, que este dinheiro vem de uma origem imoral? Não vê que todos esses amores de salão que a senhora aceita por divertimento recaem sobre sua filha e mancham sua inocência?
OLÍMPIA - Por eles também! Eu farei tudo para apagar a lembrança dessas loucuras. Mas, eu lhe peço, não me abandone! Sinto que as suas palavras me darão forças. E se eu tivesse ao menos uma esperança que me salvasse nos momentos de dúvida!...
RODRIGO - É impossível!
OLÍMPIA - Por quê?
RODRIGO - Porque amo a outra mulher.
OLÍMPIA - A quem?
RODRIGO - É uma pergunta a que não se responde.
OLÍMPIA - Perdão! Fui indiscreta! Mas é que há pouco me disseram...
RODRIGO - O quê?
OLIM PIA - Que o senhor amava a...
RODRIGO - Diga!
OLÍMPIA - Não! Não é possível que seja ela...
RODRIGO - Ela quem?
OLÍMPIA - Cristina!
RODRIGO (admirado) - Disseram-lhe que eu amava Cristina?
OLÍMPIA - Sim, mas é falso, não é? Responda! Eu lhe suplico!
RODRIGO (friamente) - É verdade!
OLÍMPIA - Minha filha! (Deixa-se cair sobre um sofá e enxuga as lágrimas.)
RODRIGO - Eis a primeira punição da mãe que esqueceu o seu dever! (Entra MACEDO.)
CENA VI
editarOs mesmos e MACEDO
MACEDO - Oh! Sr. Rodrigo! (Cumprimentam-se.)
OLÍMPIA (enxugando as lágrimas, à parte) - Ah!
MACEDO - Que tem, D.. Olímpia?
OLÍMPIA - Nada!
MACEDO - Parece que acabou de chorar!
OLÍMPIA - Por uma coisa atoa...
MACEDO (com ironia) - A conversa do Sr. Rodrigo foi assim tão triste?
RODRIGO - É verdade, Sr. Macedo; não falamos de dinheiro nem de especulações.
MACEDO - Falaram de amor naturalmente... RODRIGO - Quando assim fosse... Os nossos cabelos brancos não teriam direito de rir-se das nossas palavras. (Afasta-se.)
MACEDO (apanhando a camélia) - A senhora deixou cair a sua flor, D. Olímpia?
OLÍMPIA - Não tinha reparado.
RODRIGO - Caiu decerto com o peso.
MACEDO - O senhor está brincando! O peso de uma flor!
RODRIGO - Por que não? Uma camélia pesa o que custa; e há algumas que custam tanto! (Dirige-se para a porta.)
MACEDO - Não quer deitá-la outra vez?
OLÍMPIA (recebendo a flor) - Sim; esta flor agora é uma recordação para mim!
MACEDO - Obrigado!
OLÍMPIA (a RODRIGO, suplicante) - Espere!... (RODRIGO volta.) Sr. Macedo, meu marido deseja falar-lhe.
MACEDO - Como? Se agora mesmo estive com ele!
OLÍMPIA - É que talvez esquecesse o que lhe pedi; mas vou lembrar-lhe.
MACEDO - De que se trata? Não posso saber já? Economizaremos o tempo.
OLÍMPIA - Eu lhe digo. Hoje, Borges falando a seu respeito, contou-me os obséquios que o senhor lhe tem feito, emprestando-lhe algum dinheiro por várias vezes...
MACEDO - Ora, uma ninharia!
OLÍMPIA - Não importa! É sempre um incomodo e eu não desejo incomodar ninguém; muito menos a uma pessoa a quem devemos já muitos favores, e que nos trata com tanta amizade.
MACEDO - Deixemos isto, D. Olímpia. Quando estivermos sós...
OLÍMPIA - Por quê? O Sr. Rodrigo pode ouvir-nos; não me envergonho de confessar os obséquios que recebo...
MACEDO - Não vale a pena falar disso agora. Eu me entenderei com o Borges.
OLÍMPIA - Sim, é mesmo o que eu desejo. Pedi a meu marido para que combinasse com o senhor a maneira de pagarmos estas dívidas que me contrariam; amanhã...
MACEDO - Mas não tem pressa, D. Olímpia.
OLÍMPIA - Eu é que tenho pressa de poder recebê-lo em minha casa como um amigo e não como um credor.
MACEDO - A senhora vexa-me realmente com isto.
OLÍMPIA (dirigindo-se a RODRIGO que está do lado oposto, a meia voz) - Está satisfeito?
RODRIGO - Sim; mas como pode pagar essas dívidas? (Entra OLIVEIRA.)
OLÍMPIA - Tenho as minhas jóias. (Afasta-se.)
MACEDO - Porém, D. OLÍMPIA, não posso consentir!
OLÍMPIA - É escusado, Sr. Macedo: as senhoras têm caprichos que se devem respeitar. (A RODRIGO) Dê-me o seu braço, Sr. Rodrigo; vamos ver Cristina. (Saem.)
CENA VII
editarOLIVEIRA e MACEDO
OLIVEIRA - Que história é esta?
MACEDO - Um fenômeno mercantil! Um devedor que quer pagar à força!
OLIVEIRA - Ah! Ah! Ah! (Rindo-se) Mas então dissolveu-se a firma social e procede-se à liquidação!
MACEDO - Pois não! Manha de corretor que quer fazer subir as suas ações! Mas perde o seu tempo. (Senta-se.)
OLIVEIRA - Por falar em ações: sabe que de ontem para cá tenho refletido?
MACEDO - Fez mal. Atualmente não se reflete, calcula-se.
OLIVEIRA - Quero dizer que pensei...
MACEDO - Pior! O pensamento é um inimigo do progresso e da felicidade humana. Se um homem pensasse antes de entrar num vapor, lembrava-se da caldeira e não embarcava, se pensasse nos desastres dos caminhos de ferro, não viajaria senão a pé; se pensasse nos prejuízos, não comprometia seus capitais em transações. Todo homem que pensa é estúpido; porque não há estupidez maior do que ser pobre, podendo ficar rico em um momento.
OLIVEIRA - Concordo; não se deve hesitar no momento de empreender; mas não é possível deixar de refletir sobre os seus atos; e então nesses momentos vem uma dúvida... Se aquilo que praticamos é bom...
MACEDO - Ora! Já lhe expliquei antes de ontem o nosso plano; e o senhor entusiasmou-se. Vendemos vinte mil ações a três meses de prazo, por trinta mil-réis; inundamos a praça. Elas baixam necessariamente; compramos a cinco mil-réis. Ganhamos quinhentos contos de pancada.
OLIVEIRA - O cálculo dos dividendos também era magnífico; porém lá se foram as letras do Pacheco no valor de setenta contos; e não sei como as havemos de pagar.
MACEDO - Não se inquiete; antes disso teremos recursos. O seu casamento está espalhado e em vésperas de fazer-se; o Pacheco considera-o já como marido de sua filha e não consentirá que o genro sofra uma vergonha.
OLIVEIRA - Seu genro, sim! Mas quererá ele que sua filha case com um homem quase falido?
MACEDO - Que remédio? Antes isso do que fazer a desgraça de Julieta!
OLIVEIRA - Contudo não sei o que me parece isto! Iludir esta menina; enganar esse velho! A nossa honra, Sr. Macedo.
MACEDO A honra do negociante é pagar com pontualidade! Não conheço outra.
OLIVEIRA - Sim; mas essas especulações não são uma espécie de jogo?
MACEDO - E o que é a vida senão um jogo? que fazemos nós neste mundo? Levamos todo o tempo a baralhar as cartas e a jogar com a fortuna; às vezes ganhamos a parada e ficamos ricos; outras perdemos e fazemos bancarrota. O casamento é um jogo em que o homem aposta a sua liberdade contra um dote; o amor e um jogo em que o homem aposta seu tempo contra algumas horas de prazer. Quanto à honra é um verdadeiro lansquenet; há parceiros que pagam toda a noite, à espera do chorrilho.
OLIVEIRA - Nem todos consideram assim; e para alguns o que fazemos e...
MACEDO - O quê?
OLIVEIRA - Uma imoralidade.
MACEDO - Imoralidade!...[immoralidade] Palavra muito grande que nada exprime. Tire-lhe duas letras e muda-lhe o sentido.
OLIVEIRA - Que tem isso?
MACEDO - Então, pensa que um homem que calcula as mais vastas operações, importa-se com duas letras? Se ao menos fossem duas cifras!...
OLIVEIRA - O senhor não quer tomar ao sério as minhas palavras? Pois confesso-lhe uma coisa. Ontem, quando vi Julieta hesitar em marcar o dia do nosso casamento, conheci que a amava. Pensei que era unicamente esse sonho de ser rico que me atraía; mas não! Gosto dessa menina! E tenho medo de perder a sua afeição, praticando uma ação má.
MACEDO - Tem um bom meio de não praticar ações más.
OLIVEIRA - Qual?
MACEDO - Venda as más e compre boas.
OLIVEIRA - Ah! quer divertir-se?...
MACEDO - Ora, que lhe hei de responder? Há seis meses que nos associamos; durante este tempo, o senhor que apenas tinha de seu uma boa porção de dívidas, gastou como um barão. Para as dançarinas de teatro, e as belezas da noite, realizou o ideal do amor sob a forma de uma pulseira de brilhantes. As moças solteiras o querem para marido, e as casadas para amigo dos maridos. Dá jantares; oferece camarotes da segunda ordem; faz presentes; tem carros; cavalos do Cabo; todos lhe querem vender, e ninguém lhe pede dinheiro. Não está contente; julga que por perdermos cento e tantos contos vamos pela água abaixo? Pois bem; o dito por não dito!
OLIVEIRA - Não, Sr. Macedo; não me arrependo do que fiz. Queira desculpar se o ofendi; mas bem vê que às vezes sem querer se pensa de um modo diferente...
MACEDO - O senhor ainda está muito moço. Quando conhecer o mundo, verá que todos nós não somos senão algarismos, e por conseguinte devemos tratar de ir somando e multiplicando os outros, antes que eles nos façam o mesmo. (Entra JULIETA apressadamente e senta-se no sofá.) Por exemplo! (Ri-se. Entra CRISTINA.)
CENA VIII
editarOs mesmos, JULIETA e CRISTINA
OLIVEIRA - Sr. Macedo...
CRISTINA (a JULIETA) - Que tens, Julieta?
JULIETA - Nada! Deixa-me!
OLIVEIRA (a JULIETA) - Está incomodada?
JULIETA (secamente) - Não, senhor!
OLIVEIRA - Pensei; fugiu do jardim..
JULIETA - Gosto de estar só.
MACEDO (a CRISTINA) - É significativo!.. (Sai.)
OLIVEIRA - Não quero então contrariá-la. (Sai.)
CENA IX
editarCRISTINA e JULIETA
CRISTINA - Por que nos deixaste?
JULIETA - Porque... não quis ver...
CRISTINA - Ver o quê?
JULIETA - Não sei.
CRISTINA - Não me queres contar...
JULIETA - E tu me contaste o que te pedi outro dia?
CRISTINA - Mas que interesse tinhas nisso?
JULIETA - O que foi?
CRISTINA - Não me lembro já.
JULIETA - Pois eu sei tudo!
CRISTINA - Ele te contou? (com vivacidade.)
JULIETA - Eu adivinhei.
CRISTINA - É impossível!
JULIETA - Não procures ocultar, Cristina! Eu tenho olhos... Tu gostas dele..
CRISTINA - Eu! Eu gosto do Sr. Rodrigo!
JULIETA - Sim; e ele gosta de ti.
CRISTINA - Que idéia! Dou-te minha palavra...
JULIETA - Não creio.
CRISTINA - Eu minto, Julieta!
JULIETA - Não dizes o que sentes.
CRISTINA - Mas não sou fingida.
JULIETA - Só te acredito com uma condição.
CRISTINA - Qual?
JULIETA - Conta o que ele te disse naquela noite em minha casa a primeira vez que conversou contigo.
CRISTINA - Não disse nada.
JULIETA - Contas ou não?
CRISTINA - Não posso!...
JULIETA - Adeus!... (Volta-se e dá com RODRIGO) Ah!... (Chega-se de novo a CRISTINA) Ele te procura.
CRISTINA (baixo) - E por que não a ti?
JULIETA - Por quê?... Tu sabes! (sai rapidamente.)
CENA X
editarRODRIGO e CRISTINA
RODRIGO - Sabe, D. Cristina, vou deixar de vir a sua casa.
CRISTINA - Que motivo tem para isso?
RODRIGO - Hipólito pensa que eu sou a causa de sua mudança.
CRISTINA - E pensa a verdade.
RODRIGO - Mas ele não pensa a razão, julga que a senhora gosta de mim.
CRISTINA - Ele também?
RODRIGO - Ah! Alguém já lhe disse o mesmo.
CRISTINA - Há um momento.
RODRIGO - Julieta!... Ela estima o irmão, deve dizê-lo.
CRISTINA - É por outra razão ainda.
RODRIGO - Hipólito me acusa. Ele ignora que as nossas conversas são sempre a seu respeito; que falamos dele.
CRISTINA - E deve ignorar; o senhor deu-me a sua palavra!
RODRIGO - Tenho-a cumprido. Mas agora prefiro retirar-me, essas suspeitas injustas me incomodam.
CRISTINA - E fazem sofrer os outros.
RODRIGO - A Hipólito...
CRISTINA - E a ela, também, a Julieta...
RODRIGO - Sim, por causa dele.
CRISTINA - Por causa do senhor.
RODRIGO - Não a compreendo. (Entram D. OLÍMPIA e D. ANTÔNIA.)
CRISTINA - Tem razão. A nossa amizade não deve perturbar o sossego daqueles que amam. (Entra JULIETA.)
CENA XI
editarOs mesmos, D. ANTÔNIA, OLÍMPIA, HIPÓLITO, PACHECO e JULIETA
(OLÍMPIA entra com D. ANTÔNIA, deixa-as na sala e vai à varanda de jantar. CRISTINA sobe a encontrar-se com D. ANTÔNIA, JULIETA senta-se. HIPÓLITO entra e desce para falar com RODRIGO. PACHECO aparece depois e desce à cena.)
OLÍMPIA (a D. ANTÔNIA) - Espere um momento, D. Antônia. (Entra na sala de jantar.)
CRISTINA (a D. ANTÔNIA) - Já quer ir? Tão cedo!
D. ANTÔNIA - Julieta não está bem, e D. Olímpia também parece-me incomodada. (Entra HIPÓLITO.)
CRISTINA - Mamãe?... Não me disse nada!...
D. ANTÔNIA - Talvez seja fadiga simplesmente.
HIPÓLITO (a RODRIGO) - Conta-me a tua nova conquista!
RODRIGO - Deves saber melhor do que eu.
HIPÓLITO - Não queiras fazer-te de inocente! Já me disseram...
RODRIGO - O quê?
HIPÓLITO - D. Olímpia está loucamente apaixonada por ti, no jantar todos notaram o efeito da tua ausência; e agora o Macedo acabou de comentar o negócio. Ela chorou! Parece que temos um amor tragicômico!
RODRIGO - Não zombes nunca da afeição de uma mulher, Hipólito: tudo que vem do coração é sempre bom.
HIPÓLITO - Por exemplo, o amor de uma mulher casada! (Entra PACHECO.)
RODRIGO - Sim: porque o amor é a razão da mulher.
HIPÓLITO - Não te entendo.
RODRIGO - Algum dia entenderás. (Passando à direita) Sr. Pacheco!
PACHECO - Ainda hoje não tivemos tempo de conversar.
RODRIGO - É verdade; mas sempre podemos trocar uma palavra. Ainda deseja a ocasião que lhe prometi?
PACHECO - Decerto; estou à espera.
RODRIGO - Pois não é mais preciso esperar: já achamos.
PACHECO - Muito bem!
RODRIGO - Está aqui mesmo.
PACHECO - Oh! admira-me...
RODRIGO - O Borges acha-se endividado; o seu ordenado está hipotecado em casas de desconto que lhe tomam um juro de 36% ao ano.
PACHECO - Apre! É de esfolar!
RODRIGO - Se o senhor o libertasse desse ônus mediante um prêmio razoável, podia dentro em pouco tempo ser reembolsado do seu dinheiro, recebendo metade do ordenado.
PACHECO - Mas por que endividou-se ele desta maneira?
RODRIGO - Porque o senhor e outros entendem que não devem emprestar o seu dinheiro senão aos ricos que não têm necessidade dele. Borges foi obrigado a dirigir-se a um usurário, descontou o ordenado de um mês; dado o primeiro passo, os outros não custam. Hoje, estou certo que ele deve mais de prêmios do que de principal.
PACHECO - Bem; não vejo no que o senhor me propõe senão uma objeção.
RODRIGO - Qual?
PACHECO - Se o Borges morrer antes de pagar?
RODRIGO - E se o senhor morrer antes de emprestar?
PACHECO - Deixarei a meus filhos.
RODRIGO - Que de bom grado dariam essa parcela de sua fortuna para honrar o nome de seu pai com uma bela ação.
PACHECO - Tem razão, Sr. Rodrigo.
RODRIGO - Em todo o caso, Sr. Pacheco, eu garanto a dívida.
PACHECO - Não é preciso; conte comigo. (Entram BORGES e MACEDO.)
RODRIGO - Lembre-se, porém, que um amigo não empresta dinheiro unicamente; dá a sua experiência e os seus conselhos. (Entram OLIVEIRA e GUIMARÃES.)
PACHECO - Percebo.
CENA XII
editarOs mesmos, MACEDO, OLIVEIRA, BORGES, GUIMARÃES
(D. OLÍMPIA volta-se e senta-se no sofá; BORGES e MACEDO vão-se aproximando; OLIVEIRA e GUIMARÀES vêm sentar-se; OLIVEIRA conversa com JULIETA.)
D. ANTÔNIA - Vamos, Pacheco.
PACHECO - Quando quiseres.
OLÍMPIA - Ora, Sr. Pacheco, há pouco na mesa estavam todos curiosos por saber o motivo deste jantar.
PACHECO - É verdade.
GUIMARÀES - Eu ainda sustento que é um aniversário.
HIPÓLITO - Eu creio que foi uma demonstração especial dada a alguém. Que diz, Sr. Macedo?
MACEDO - Para mim, foi um projeto.
GUIMARÃES - Como?
MACEDO - Quero dizer uma ocasião.
D. ANTÔNIA - Tem razão, Sr. Macedo; não é preciso um motivo para dar um jantar; D. Olímpia quis reunir os seus amigos...
OLÍMPIA - Mas houve realmente um motivo, D. Antônia; não foi, é verdade, nem um dos que esses senhores pensam.
GUIMARÃES - Qual foi então?
OLÍMPIA - Uma despedida.
D. ANTÔNIA - Que quer dizer?
OLÍMPIA - Vou deixar S. Clemente; volto para S. Domingos, e depois creio que tomarei uma casa no Engenho Velho!
BORGES - Não me tinhas dito nada!
CRISTINA - Nem a mim!
OLÍMPIA - É que não te lembras.
OLIVEIRA - Ao menos há de assistir ao meu casamento! Julieta lho pede!
D. ANTÔNIA - Mas por que nos deixa assim?
OLÍMPIA - Sinto-me doente; quero viver tranqüila.
D. ANTÔNIA - Que mais tranqüilidade do que se tem aqui... longe da cidade?
OLÍMPIA - Há ainda outra razão.
HIPÓLITO - Qual?
RODRIGO (baixo a OLÍMPIA) - Quer afastar-me de Cristina?
OLÍMPIA (baixo a RODRIGO) - Quando assim fosse não me perdoava? Mas enganou-se! Custa a dizer...
MACEDO - Essa outra razão, D. Olímpia?
OLÍMPIA - Ah! O senhor deseja saber?
MACEDO - Se não é indiscrição.
OLÍMPIA - Não. O bairro de S. Clemente é muito aristocrático, e não serve para mim que sou pobre; quem mora aqui precisa gastar muito!
MACEDO (admirado) - Assim é por economia que se muda?
OLÍMPIA - Sim, senhor; meu marido é apenas um empregado.
D. ANTÔNIA - Mas, D. Olímpia, cada um vive como pode.
PACHECO - E demais a carestia é geral, não se pode viver hoje no Rio de Janeiro: tudo está por um preço...
GUIMARÃES - Também por isso faz-se fortuna com uma rapidez espantosa.
OLIVEIRA - Quando se tem habilidade e não se quer vegetar num emprego mesquinho!
GUIMARÃES - Justamente. Conheço moços que há pouco tempo eram mais pobres do que eu; e que hoje estão ricos e numa bela posição.
RODRIGO (erguendo-se) - E o senhor não sabe como se faz a maior parte dessas fortunas?
GUIMARÃES - Negociando.
RODRIGO - Não; é doutra maneira. Muitos dos nossos moços são atacados aos vinte e cinco anos pela febre do dinheiro, que se tem tornado endêmica no Rio de Janeiro. Alguns escapam da moléstia; outros, porém, querem ser ricos à força, e sem trabalho. Enquanto ela não chega o aspirante a moço rico vai à casa do seu alfaiate e veste-se à última moda. O alfaiate é o ente mais perigoso da sociedade.
HIPÓLITO - Não sabia. Por quê?
RODRIGO - Porque com a sua tesoura e um pedaço de pano, nivela todos os indivíduos, e faz que o homem de bem se confunda com o especulador. Vestido no grande tom, o moço rico (de esperanças) toma um par de luvas, alguns charutos de Havana, uma bengalinha e vai ao cabeleireiro. Tudo isto custa dinheiro, mas quem é que desconfia de um moço elegantemente vestido que diz com um certo ar de milionário: - "Assente na minha conta"? - Penteado, frisado, passa na cocheira, aluga um carro, e vai jantar no hotel. Em que hotel janta, Sr. Guimarães?
GUIMARÃES - É a mim que pergunta?
RODRIGO (sorrindo) - Naturalmente para saber o hotel mais freqüentado. Porém, não importa. Qualquer serve... Os pobres como eu, vendo-o entrar, perguntam - "Quem é"? - "Um moço rico!" responde o criado pensando na gorjeta. Daí a pouco o sujeito levanta-se, acende o charuto e deixa cair dos lábios a palavra mágica: "Assente na conta..."
PACHECO - E o dono do hotel o que faz?
RODRIGO - O dono do hotel fica satisfeitíssimo, porque adquire um freguês constante; os outros aspirantes à riqueza que se acham ali, na esperança de um dia jantarem à custa do homem, fazem dele os maiores elogios. Não os tens ouvido algumas vezes, Hipólito?
HIPÓLITO - E tenho-os pago também!
RODRIGO - Isto dura um certo tempo. Por fim um pai de família que deseja casar a filha, ouve falar do moço rico, recebe-o em casa apresentado por um amigo. As moças que se parecem com as mariposas iludem-se com o brilho; faz-se o casamento no meio de satisfação geral; e o que era uma mentira, torna-se uma realidade. O sujeito está rico, o pai feliz, a família contente. Apenas às vezes sucede um pequeno incidente em que ninguém repara.
CRISTINA - Qual?
RODRIGO (sorrindo) - A mariposa queima as asas!
JULIETA - Ah!
RODRIGO - Eis como se faz fortuna rapidamente, Sr. Guimarães, sem trabalho, nem privações; alguns não passam dessa riqueza de contas e acabam por viver à custa dos amigos. Aqueles, porém, que têm habilidade e não querem vegetar no trabalho, conseguem o seu fim, não é verdade, Sr. Macedo? Não conhece alguns. moços que enriqueceram desta maneira e devem sua fortuna à tesoura de seu alfaiate?. .. (Vai tomar o chapéu.)
MACEDO - Nunca indago de ninguém a razão por que tem fortuna, Sr. Rodrigo; a riqueza é uma coisa que se prova por si mesma
RODRIGO - E às vezes pelo dinheiro dos outros. (Cumprimenta.) Meus senhores... (Aperta a mão a D. OLÍMPIA.)
OLÍMPIA - Vá nos ver algumas vezes em S. Domingos, sim?
RODRIGO - Eu lhe prometo.
OLÍMPIA - Obrigada. (RODRIGO sai.)
PACHECO -- Sr. Borges.
BORGES - Que deseja?
PACHECO - Se não lhe é incômodo, vamos passeando até a casa; temos que lhe falar.
BORGES - Com muito gosto; deixe-me tomar o chapéu. (Os homens vão descendo a cena e grupam-se no fundo; CRISTINA e JULIETA chegam-se uma para a outra; D. ANTÔNIA aproxima-se de OLÍMPIA.)
D. ANTÔNIA - É sério? Sempre nos deixa?....
OLÍMPIA - Pois duvidava?
D. ANTÔNIA - Julguei que estava brincando. Não vá sem dizer-me adeus.
OLÍMPIA - Não sei se terei tempo. Desejo ir amanhã.
D. ANTÔNIA - Amanhã? Que pressa é essa? Uma mudança repentina!...
OLÍMPIA - A casa em S. Domingos está preparada; não me causa o menor desarranjo.
D. ANTÔNIA - Demore-se alguns dias.
OLÍMPIA - Não posso.
D. ANTÔNIA - Ao menos quando passar lembre-se de se despedir de mim.
OLÍMPIA - Sim; entrarei um momento... (Vão saindo.)
JULIETA (de repente) - Tu vais me deixar, Cristina?
CRISTINA - Que remédio?
JULIETA - Oh! Tu não sentes!
CRISTINA - E tu?
D. ANTÔNIA (na porta) - Vem, Julieta!
JULIETA - Sim, mamãe! (A CRISTINA) Adeus!
CRISTINA - Adeus!
JULIETA (sai e volta) - Não; não posso... Apesar de tudo! Não é tua culpa!... Deixa-me abraçar-te! (Abraçam-se.)
CRISTINA - Julieta! Se eu pudesse dizer-te!
JULIETA - Não quero! (HIPÓLITO tem-se chegado.)
HIPÓLITO - As amigas custam a separar-se!
CRISTINA - As amigas só?... (Afasta-se.)
HIPÓLITO (dá dois passos para ela, depois volta a JULIETA) Aperta-lhe a mão por mim! (Afasta-se.)
D. ANTÔNIA - Vamos, minha filha!
JULIETA - Adeus! (CRISTINA corre a ela; tomando-lhe o rosto nas mãos, JULIETA beija-a na fronte) Por mim! (Beija-a outra vez) Por... ele!...
CRISTINA - Ah!... (Beija-a na face.)
(JULIETA sai correndo. CRISTINA a acompanha. OLÍMPIA cumprimenta na porta e desce. Vê-se na porta as pessoas que se despedem. BORGES vem do interior de chapéu na cabeça e sai fazendo um gesto a OLÍMPIA.)
BORGES - Até já.
CENA XIII
editarOLÍMPIA e CRISTINA
(OLÍMPIA senta-se no sofá. CRISTINA entra do jardim, chega à janela, faz um gesto de adeus a JULIETA, e chega-se à mãe.)
CRISTINA - Sente alguma coisa, mamãe?
OLÍMPIA (sobressaltada) - Não é nada, não te inquietes. Isto passa.
CRISTINA - Vá se deitar.
OLÍMPIA Sim; já vou.
CRISTINA - Boa noite! (Beija-lhe a mão.)
OLÍMPIA - Escuta! Tu me queres bem, Cristina?
CRISTINA - Que pergunta, mamãe!
OLÍMPIA - Tu te admiras. (Com fogo) É preciso que tu ames muito a tua mãe, para que ela tenha a coragem de fazer o sacrifício...
CRISTINA - Que sacrifício?
OLI'MPIA - Eu disse sacrifício... sim... sim... Vamos deixar de ir a divertimentos porque somos pobres. E tu hás de sentir... Vais te separar de tua amiga, de Julieta...
CRISTINA - Eu sinto, porém mamãe quer...
OLÍMPIA Ele quer! (Com expressão.)
CRISTINA - Ele quem?
OLÍMPIA (confusa) - Ele... ele... O dever, minha filha!... Boa noite! (Beija-a.)
CRISTINA - Se tiver alguma coisa me mande chamar, sim?
OLÍMPIA - Vai descansada. Sinto-me melhor! Até amanhã.
(CRISTINA sai. OLÍMPIA segue-a com os olhos e ergue as mãos como fazendo uma prece.)