Antes de findar a semana largou a escuna Maria dos Prazeres do porto do Salvador, com o dia sereno e mar de bonança, por uma formosa manhã de abril.
Tempo mais de feição para a partida não o podiam desejar os marujos; e todavia despediam-se eles tristes e soturnos da linda cidade do Salvador, e de suas formosas colinas.
Ao suspender do ferro partira-se a amarra, deixando a âncora no fundo, o que era mau agouro para a viagem. Mas Antônio de Caminha riu-se do terror de sua gente, e meteu o caso à bulha.
— Isto quer dizer que havemos de tornar breve a esta boa terra, pois cá nos fica a âncora do navio, e a de nós outros.
Singrava a escuna dias depois com todo o pano, cutelos e varredouras. Estava o sol a pino; os marujos dormitavam abrigados pela sombra das velas.
À proa assomava dentre as ondas um rochedo que servia de pouso a grande quantidade de alcatrazes ou corvos do mar, cujos pios lúgubres ululavam pelas solidões do oceano.
Era a Ilha de Fernando de Noronha.
Ao passar fronteira a escuna, caiu um pegão de vento, que arrebatou o navio e o despedaçou contra os rochedos, como se fora uma concha da praia.
Antônio de Caminha que sesteava em seu camarim, depois de muitas horas, ao dar acordo de si, achou-se estendido no meio de uma restinga sem atinar em como fora para ali transportado, e o que era feito de seu navio.
Só ao alvorecer, quando o mar rejeitou os destroços da escuna e os corpos de seus companheiros, compreendeu ele o que era passado.
Muitos anos viveu o mancebo ali, naquele rochedo deserto, nutrindo-se de mariscos e ovos de alcatrazes, e habitando uma gruta, que usurpara a esses companheiros de seu exílio.
Às vezes branquejava uma vela no horizonte; mas debalde fazia ele sinais, e lançava não gritos já, mas rugidos de desespero. O navio singrava além e perdia-se na imensidade dos mares.
Afinal o recolheu um bergantim que tornava ao reino. Eram passados anos, dos quais perdera a conta. Ninguém já se lembrava dele.
Várias vezes, tentou Caminha a fortuna, que se de todas lhe sorriu, foi só para mais cruel tornar-lhe o malogro das esperanças. Quando ia medrando, e a vida se embelecia aos raios da felicidade, vinha o sopro da fatalidade que de novo o abatia.
Mudava de profissão, mas não mudava de sorte. Afinal cansou na luta, resignando-se a viver da caridade pública, e a morrer quando esta o desamparasse.
Um pensamento porém o dominava, que o trazia constantemente à ribeira, onde suplicava a todos os marítimos que passavam, a esmola de levá-lo ao Rio de Janeiro.
Achou enfim quem dele se comiserasse; e ao cabo de bem anos aportara a São Sebastião. Chegara naquela hora e atravessava a cidade, quando viu o tio à porta da casa.
Deixando o velho Duarte, seguiu além pelo Boqueirão da Carioca, e foi até a abra que ficava nas fraldas do Outeiro do Catete, no mesmo ponto em que trinta anos antes se despedira de Aires de Lucena.
Galgou a encosta pelo trilho que então vira tomar o corsário, e achou-se no tope do outeiro. Aí o surpreendeu um gemido que saía da próxima gruta.
Penetrou o mendigo na caverna, e viu prostrado por terra o corpo imóvel de um ermitão. Ao ruído de seus passos, soergueu este as pálpebras, e seus olhos baços se iluminaram.
A custo levantou a mão apontando para a imagem de Nossa Senhora da Glória, posta em seu nicho à entrada da gruta; e cerrou de novo os olhos.
Já não era deste mundo.