O Escandalo do Petroleo/Depoimento de Hilario Freire
Depoimento
do dr. Hilario Freire
Exmos. Srs. Drs. Presidente e mais DD. Membros da Commissão de Inquerito sobre o Petroleo.
OBJECTIVOS DO DEPOIMENTO
1. — Acudindo ao appello, dirigido por essa illustre Commisão a todos os brasileiros empenhados na solução do problema do petroleo, venho trazer-lhe o meu depoimento de boa vontade. Vou expor factos concretos e analysar diversos aspectos fundamentaes da questão, com os seguintes objectivos precisos: apreciar os fundamentos das accusações articuladas por Monteiro Lobato contra a politica petrolifera do departamento federal; analysar os erros da acção desse departamento, sobretudo a hostilidade injustificavel da sua campanha movida contra as emprezas nacionaes de petroleo; estudar a inconstitucionalidade, os impecilhos, os absurdos, a confusão, o fracasso e o falso nacionalismo do Codigo de Minas, que é uma affronta atirada ao bom senso e á consciencia juridica do paiz; e, finalmente, suggerir os remedios applicaveis aos males existentes.
2. — Devo tambem accentuar que a minha contribuição leva em mira um caracter constructivo. Nas minhas declarações de factos e nas minhas observações, desejo prestar aos poderes publico, quanto possivel, o serviço de indicar os lados fracos da organisação administrativa attinente á materia, as suas falhas, os seus erros, as suas lacunas, as suas imperfeições. Tirante a hypothese, que jamais se verificou entre nós, da occupação da pasta ministerial por especialista em assumptos de subsolo, em geral os ministros são absorvidos pela força irresistivel da burocracia. Os titulares entram a saber sobre o andamento dos negocios da pasta, o que o funccionalismo sabe, ou o que o funccionalismo quer, ou deixa que elles saibam. Mudam os ministros. A administração technica não muda. O technico é vitalicio. Os erros tambem se tornam vitalicios e perpetuos. Se o ministro não consegue libertar-se do circulo burocratico envolvente e de seus tentaculos de polvo, fica adstricto a viver á sombra da arvore do erro, que já creou raizes velhas. E, então, preciso recordar aos detentores das funcções ministeriaes, em derredor e no alto, o resto do universo, com o conceito philosophico de Shakespeare: “Ha mais coisas no ceu e na terra do que sonha a nossa pobre philosophia...”
3. — A philosophia especifica, que anima o relatorio ministerial do eminente sr. Odilon Braga, nas “Bases para o Inquerito sobre o Petroleo”, abrange apenas o angulo visual de uma burocracia. Esse angulo é o mesmo que o actual ministro encontrou nos technicos do ministerio. E’ melhor, entretanto, subir a culminancias mais elevadas, de onde se possam devassar os 360 graus de todo o horizonte brasileiro. Ver-se-á, no decurso das provas exhibidas com este depoimento, como o relatorio menciona uma serie massiça de factos não verdadeiros, cujas informações o honrado ministro recebeu dos orgãos competentes. Uns, filhos da desidia; outros, da má fé. Mas foi confiando nellas, com boa fé, que o egregio titular os articulou, transmittindo, involuntariamente, ao paiz, redondas falsidades, que a sua consciencia honesta, conhecendo-as, repelliria in limine.
Nosso concurso, portanto, valerá alguma coisa para a apuração da verdade, tão necessaria aos estadistas ao nortear a bussola da governação. Dissentindo de muitas de suas premissas, e, portanto de muitas de suas conclusões, somos seus bons amigos. Com effeito, para nós, bem se expressava Ruy Barbosa ao dizer que “não pode haver collaboração sincera, sem dissidencias leaes”.
4. — Estão assim definidos nossos principios e nosso criterio. Dentro delles, somos levados, pela logica natural dos acontecimentos e pela sciencia dos factos que vamos referir, a confessar-nos perfeitamente convictos de que Monteiro Lobato está com a razão. Sua critica á direcção do departamento mineral é procedente. Sua “Carta Aberta” ao probo ministro da Agricultura, é verdadeira. Vejamos por que.
PRIMEIRA PARTE: O NÃO TIRAR PETROLEO
5. — O illustre escriptor allegou, no seu depoimento, como prova do não tirar o seguinte: que, precipuamente, o Departamento Nacional de Produção Mineral não extrahiu petroleo nos 15 annos decorrentes da primeira perfuração até hoje; que, comparativamente com as profundidades dos poços de todos os paizes petroliferos, a insignificancia de nossas perfurações pouco profundas, que se podem classificar de “perfurações de não achar petroleo”, não o tirou no Brasil, não o tiraria nos melhores campos petroliferos da America, ou do mundo; que, como factos exemplificativos de que a descoberta do petroleo vem sendo sabotada, apresentava a copia photographica do livro de perfurações de uma sondagem feita em 1922 no Riacho Doce, na qual na cota 285 o perfurador nota “Shisto muito molle saindo muito oleo; que, entretanto, esse poço foi omittido nos quadros de sondagens annexos ao relatorio ministerial; que, egualmente, foi omittido nesse trabalho o relatorio de 1926 de Eusebio de Oliveira, onde affirmava que “nas sondagens do Riacho Doce fôra encontrado petroleo livre;” que, tendo Eusebio recommendado o aprofundamento desse poço e a necessidade de tubos de revestimento para proseguir na perfuração, os tubos não appareceram, a perfuração foi abandonada, a sonda desmontada e removida, o Estado de Alagôas riscado do rol das zonas petroliferas, preterido pelo longinquo Acre; e, finalmente, Eusebio de Oliveira substituido pelo sr. Fleury da Rocha.
6. — Alem dessas provas circumstanciaes, que Monteiro Lobato assignala, ha a relatar agora outro facto de relevante importancia, occorrido em 1928, e tambem sonegado ao conhecimento do ministro. E’ o impressionante episodio do Tucum.
O EPISODIO DO TUCUM
7. — Em 1928 despertava em S. Paulo um grande borborinho o problema do petroleo. Entrava em execução a lei de 1927, votada pelo Congresso do Estado, em que se ampliaram para tres mil contos as verbas do serviço do sub-solo, habilitando o governo a adquirir materiaes e apparelhamento, contractar pessoal necessario para os estudos, entrar em accordo com o governo federal para um serviço conjugado de exploração, auxiliar quaesquer iniciativas privadas, conceder-lhes subvenção até cem mil reis por metro de perfuração realisada. Deve-se a essa lei a missão Washburne e a acquisição pelo Estado da sonda Wirth, a melhor do paiz, que se acha installada no Araquá. Fui, como deputado, o seu relator. Quando o projecto subiu para o Senado, provocou daquella corporação o seguinte parecer: “Conciso, claro, synthetico no contexto de seus artigos, dispensa commentarios quanto á sua opportunidade e premencia na execução”. Em meus discursos encarei com energia o problema: “Precisamos estabelecer firmemente a organização das pesquizas petroliferas, acabar com o regimen das escaramuças isoladas, travar uma peleja decisiva, con um ataque frontal e directo a todos os obstaculos”. E concluia: “Em qualquer hypothese cumpriremos o nosso dever: se o petroleo fôr encontrado, todos os nossos sacrificios estarão sobejamente compensados; se o petroleo não fôr encontrado, todos esses sacrificios estarão, da mesma forma, plenamente justificados, porque nos darão um esclarecimento definitivo para o rumo de nossas iniciativas”. Ainda guardo em meu archivo parlamentar commentarios, chronicas e artigos de insistentes applausos, que a imprensa me liberalisou. O “Diario Popular” encerrava um editorial, com um conselho e um estimulo: “Que o deputado Hilario Freire não limite á tribuna a sua intervenção no assumpto. S. S. está no dever de não mais abandonar o problema”.
8. — Esta recapitulação de uma pagina esquecida de S. Paulo, eu a faço apenas para mostrar no assumpto a autoridade de meu passado. Era, por esse tempo, representante do povo paulista, sem ligação alguma com qualquer emprehendimento. Hoje, já fóra de qualquer investidura, dir-se-á que sou acionista e desempenho funcções de assistente juridico desta ou daquella empreza. Mas num, ou noutro posto, numa, na outra epoca, uma coisa permanece inatacavel: a consistencia de minhas attitudes, a linha de coherencia inflexivel de minha orientação. Sou hoje, como fui hontem. como pretendo ser amanhã.
9. — Nesse tempo, o poço do Tucuni começou a illuminar o seu proprio campo de pesquizas com as chammas do gaz que delle se escapava. Trabalhava então no “Estado de S. Paulo” um joven de grande intelligencia e ardor patriotico, de um caracter muito altivo e notavel operosidade, hoje dos mais prestigiosos, conceituados e distinctos medicos de S. Paulo, Teixeira Mendes. Vae elle nos contar, na carta tão elucidativa e valiosa que dirigiu a Monteiro Lobato e a mim, (doc. n. ) as peripecias impressionantes, com que se desenrolou o caso do Tucum:
São Paulo, 25 de Maio de 1936.
Prezados patricios srs. Monteiro Lobato e Hilario Freire.
Acompanhando com o interesse de braleiro a lucta em que Vs. Ss. se acham empenhados em pról do petroleo nacional, venho referir um facto de que fui testemunha e que talvez possa ser util ao esclarecimento da questão. Passou-se ha já 8 annos, o que decerto diminue sensivelmente o interesse que possa agora despertar. Em todo caso, ahi vae.
Em 1928 trabalhava eu na redacção de um dos matutinos paulistanos, para o qual fazia, alem de outros serviços, os de reportagem junto á Secretaria da Agricultura. Nessa occasião estavam em fóco as perfurações para pesquiza de petroleo, emprehendidas pelo Governo do Estado e por uma ou duas emprezas particulares. Despertavam maior attenção as pesquizas do governo do Estado, dirigidas por um engenheiro do Serviço Geologico Federal, commissionado para esse fim. Era no tempo em que tinha attingido o seu mais baixo nivel de decadencia a nossa saudosa e outrora brilhante Commissão Geographica e Geologica. A razão de despertarem maior interesse as perfurações do Governo era naturalmente por serem essas, notadamente a de Tucum (S. Pedro de Piracicaba), as que forneciam maiores indicios, á medida do progresso dos trabalhos, conforme as noticias da epoca, feitas por mim para “O Estado” e todas baseadas em informações officiaes.
Nessa actividade de reporter, tive opportunidade de travar relações e fazer boa camaradagem com o engenheiro do Serviço Federal, dr. Bourdot Dutra, que dirigia as pesquizas, no Poço de Tucum. Não apenas como reporter, mas tambem como brasileiro, acompanhava os trabalhos daquelle distincto engenheiro patricio com o maior interesse, partilhando com prazer do seu optimismo sobre o resultado final dos trabalhos, que eram esperados com o mais vivo interesse pelo governo estadoal, como pude muitas vezes verificar.
O ambiente era de grande optimismo e animação na Secretaria da Agricultura, tanto assim que a pedido do dr. Dutra, queixoso da pequena capacidade da sonda em funccionamento e deante dos indicios suspiciosos já verificados, o Secretario, então dr. Fernando Costa, não teve duvidas em providenciar a immediata compra na Allemanha de uma sonda “Wirth” com alcance de, se não me falha a memoria, 1500 metros. Isso se passou em meiados de 1928, numa occasião em que, a pedido do secretario de Agricultura — pedido esse feito em nome do interesse publico — eu e os collegas da imprensa destacados na reportagem tinhamos interrompido todo e qualquer noticiario sobre as pesquizas officiaes de petroleo. Tinha-se a impressão de que alguma novidade grande estava iminente... Contribuia tambem para isso sabermos que em dado momento dos trabalhos, tinha se tornado prudente collocar na abertura do poço de Tucum uma valvula especial, que serve para evitar as surprezas dos factos impetuosos e inesperados, como frequentemente acontece nas perfurações. Lembro-me bem que essa providencia foi tomada quando se tornou particularmente intenso o desprendimento de gazes, que até eram aproveitados para illuminação do acampamento. Se a valvula chegou a prestar serviço, não consegui saber...
Estavamos nessa expectativa, quando um dia, chegando á Secretaria da Agricultura — então installada no predio hoje occupado pela Secretaria da Justiça — encontrei o dr. Bourdot Dutra que, sobre o ultimo degrau da escadaria externa, despachava o conductor de um caminhão. Interrompi o dialogo para cumprimental-o e ao mesmo tempo para bisbilholar, como era do officio. E perguntei-lhe:
— Novidades, dr. Dutra?
—Veja lá dentro, respondeu-me com vivacidade, apontando para o grande hall forrado de marmore da Secretaria.
— Entrei e, a um canto, deparei com dois grandes frascos de vidro transparente, acondicionados em duas armações protectoras de madeira. Approximei-me curioso e examinei os boiões, cada um dos quaes devia conter cérca de 45 litros. Estavam quasi cheios de um liquido denso, esverdeado. Tentei movel-os. Estavam muito pesados. Accudiu-me logo a idea de que eram a “novidade”.
Ardia de curiosidade emquanto o dr. Dutra conversava com o motorista. Afinal elle veiu e, não querendo eu arriscar uma pergunta mais directa, perguntei-lhe interessado:
— Dr. Dutra, que é isto?
— Você então não está vendo?!
— Mas, é petroleo, dr.?!
— Sim, foi colhido em uma pequena bolsa, que é indicio de estarmos muito proximos de um grande lençol. E logo em seguida, em tom muito serio: Mas, olha Mendes, nada de noticias por emquanto. Uma indiscreção neste momento póde causar prejuizos graves. E subiu apressadamente rumo ao gabinete.
Detive-me mais alguns instantes em torno daquelles garrafões mysteriosos e, quando julguei opportuno, procurei falar ao Secretario, para ver se já se podia noticiar alguma coisa. S. Excia. recebeu o reporter após alguma espera. Não estava de bom humor. Fallei-lhe no assumpto e elle respondeu-me com certa impaciencia, dizendo que não sabia de nada daquillo a que eu me referia. Surprehendido, retirei-me na duvida sobre se elle de facto ignorava, por não ter sido ainda scientificado, ou se tinha achado inopportuna a visita do reporter. Nessa duvida ainda estou.
Mettidos num canto do hall, os boiões lá ficaram tres ou quatro dias. Habituei-me a vel-os diariamente. Um dia, ao chegar, notei a sua ausencia. Ninguem sabia informar o que tinha sido feito delles. Ninguem os vira sahir. Senti bastante, senti-me roubado na noticia e lamentei não ter commettido uma indiscreção...
Passaram-se muitos dias e afinal o assumpto do petroleo voltou novamente ao cartaz — tinha sido embarcada na Allemanha a grande sonha que viria substituir a de Tucum, que já não correspondia ás possibilidades reveladas pelo respectivo poço.
Nessa occasião fui procurado pelo dr. Bourdot, que, sem esconder o seu aborrecimento e suas preoccupações, foi-me logo dizendo:
— Meu caro, preciso do seu auxilio para obter algumas informações. Sei que você é um activo reporter e dispõe de meios de informar-se. E fazendo uma pausa continuou: Você sabe que nesta questão de petroleo o jogo de interesses é uma cousa infernal. (E contou-me, por aspectos que eu desconhecia, alguma cousa do que é a lucta pelo petroleo). E continuando: Você é bom brasileiro e poderá comprehender-me. Nós do Serviço Federal temos nosso ponto de vista: “o que possuimos e não podemos explorar, fique guardado na terra, porque é patrimonio das gerações futuras; não temos o direito de desfalcar ou alienar esse patrimonio entregando-o de graça ao extrangeiro”.
Fallava com grande convicção. Eu senti-me movido por esse ponto de vista tão brasileiro e que me tornava ainda mais admirador daquelle distincto technico patricio. Sem mais delongas puz-me à sua disposição, para em que podesse ser util. Elle disse-me então: ”Acabo de ser informado que o governo do Estado vae contractar, para as pesquizas de petroleo, um technico extrangeiro, cujo nome trago aqui anotado — Chester Washburne. Desconfio muito de toda interferencia de extrangeiros nas pesquizas de petroleo e desejava que você e obtivesse uma informação segura sobre a que vem esse homem”.
A informação que acompanhava o pedido surprehendeu-me, pois, bem ao par do noticiario sobre o petroleo andava eu e nada tinha lido nem ouvido sobre o referido technico.
O dr. Dutra não escondia o seu aborrecimento e uma certa irritação nacionalista, que entendo muito louvavel em quem se torna, por força do cargo, depositario de segredos pertencentes ao Estado e da importancia daquelles.
Puz-me á sua disposição e comecei immediatamente a trabalhar, com todo o ardor dos vinte e poucos annos, pesquizando nas fontes de informações de que dispunha e mais em todas que encontrei accessiveis. Quatro ou cinco dias depois, procurado novamente pelo distincto patricio, pude fornecer-lhe a informação seguinte, que, dadas as difficuldades bem conhecidas do assumpto, elle deveria controlar atravez das fontes que naturalmente possuia:
O sr. Chester Washburne vinha ao Brasil trazido pelos interesses da Brazilian Traction, empenhada em ter, de um technico da sua confiança, uma orientação segura sobre as possibilidades de lançar-se ou não no negocio, caso fossem affirmativas as conclusões daquelle reputado geologo. O sr. Washburne seria realmente contractado pelo Estado, graças a demarches feitas junto ao governo, ao qual foi suggerido o aproveitamento dos seus serviços como uma boa opportunidade para se imprimir maior progresso ás pesquizas. Segundos os informantes, que evidentemente o diziam por conclusão, ao suggerirem o contracto ao governo — que o acceitou de boa fé — os interessados visavam apenas facilitar a misão do seu homem, pela posse dos dados e estudos officiaes, colhidos nas diversas perfurações.
Era o que tinha conseguido saber, sem ter os meios de controlar as informações recebidas, como accentuei ao dr. Bourdot. A esta minha observação final respondeu-me elle: “Não é preciso; conférem”. Entendi que pelo menos não estavam em contradicção com o que elle sabia do assumpto e devia ser da melhor fonte.
Emquanto me dizia aquellas palavras, o meu distincto interlocutor ia retirando do bolso do paletot uma folha de papel, que desdobrou e deu-me a ler. Era uma ordem do Secretario da Agricultura para que entregasse ao sr. Washburne, por intermedio de um engenheiro da Prefeitura Municipal da Capital, commissionado para acompanhal-o, todos os dados e perfis das perfurações por elle realizadas.
Evidentemente magoado, passeava de um lado para outro, sem dizer palavra, o engenheiro patricio, até que o tirei do seu mutismo com uma pergunta:
— Então, dr. Dutra, que o sr. vae fazer com essa ordem?
— Sem duvida que elle receberá dados e perfis... E acrescentou com o mesmo tom amargo e ironico: Mas, pelos perfis verdadeiros, que fique esperando...
Não sei se assim foi, mas, é possivel.
“Despedimo-nos logo em seguida, trazendo commigo profunda impressão contra tudo aquillo e principalmente por ver o engenheiro patricio obrigado a appellar para as ultimas consequencias do seu nacionalismo, para defender o nosso petroleo de uma investida tão inesperada, quasi fulminante. Demais, o episodio era uma reproducção pura e simples do que eu assistia com a questão da industria: dos azotados syntheticos — um emprehendimento eminentemente brasileiro destruido á socapa por mãos extrangeiras, interessadas em evitar nossa emancipação economica.
Dias depois, um desastre occorria no poço de Tucum, impossibilitando o proseguimento da perfuração. A sonda foi desmontada. Então, só se fallava, na imprensa, nas maravilhosas perspectivas annunciadas pelo sr. Washburne, após sua excursão pelo interior do Estado. A propria sonda “Wirth”, que foi encommendada para perfurar em Tucum, foi desviada para outro local, na fazenda Pau D’Alho, do municipio de Piracicaba, se não me falha a memoria, em ponto marcado pelo technico anglo-americano.
Não tive mais noticias do dr Bourdot. Desgostoso, naturalmente se retirou para o Serviço Federal. Conservo, porém, em meu poder, algumas photographias interessantes do poço de Tucum, offerecidas por elle.
Esse o facto que desejava narrar a Vs. Ss. Talvez possa ser util na lucta em pról dos interesses nacionaes que, na minha fraca opinião, têm neste momento em Vs. Ss. denodados defensores.
(Assig.) Dr. Francisco A. Teixeira Mendes
AS REVELAÇÕES DO CASO DO TUCUM
10. — Tres são os pontos de rara e fundamental importancia dessa narrativa quasi dramatica: O primeiro, o em que o engenheiro Bourdot Dutra confessa: “Nós do Serviço Federal temos nosso ponto de vista: o que possuimos e não podemos explorar, fique guardado na terra, porque é patrimonio das gerações futuras; não temos o direito de desfalcar, ou alienar esse patrimonio, entregando-o de graça ao extrangeiro”. O segundo, aquelle em que declara: “Sem duvida que elle (Washburne) receberá dados e perfis... Mas, pelos perfis verdadeiros, fique esperando”. O terceiro, finalmente aquelle em que o missivista remata o fecho do incidente: “Dias depois, um desastre occorria no poço do Tucum, impossibilitando o proseguimento de sua perfuração”. Analysemos esses factos dolorosos e suas consequencias para o paiz.
11. — Conhecia o ministro da Agricultura essa divisa professada pelo serviço federal e definida por Bourdot? “O que não podemos explorar, fique guardado na terra, porque é patrimonio das gerações futuras?”
Não o conhecia, porque lh’o sonegaram. Se o conhecesse, s. excia. sem duvida, exponte sua, abriria uma devassa para descobrir onde foram parar aquelles dois boiões, contendo cerca de cem litros de petroleo, colhidos em uma bolsa, pelo departamento mineral, como indicio de um grande lençol, que exactamente se procurava. Esses boiões custaram centenas de contos á nação, e eram um padrão de descoberta e de conquista.
E que se fez delles? Por que desappareceram do hall da secretaria da Agricultura de S. Paulo? Não sairam elles do mesmo poço illuminado do Tucum? Não pertenciam elles ao governo e á Nação?
12. — E’ claro tambem que o ministro ignorava que os perfis fornecidos por Bourdot, por ordem do governo, para os estudos de Washburne, não foram os verdadeiros. Nunca lh’o diriam, porque isso incide em violação manifesta dos deveres de funccionario publico. Se os perfis eram do governo, quando o governo os pediu, não lhe podiam ser occultados. Se era um erro do governo dar-lhe o destino que pretendia, de duas uma: ou o funccionario discordante se demitisse, se via na sua obediencia uma incompatibilidade moral, ou apresentasse uma representação aos seus superiores, demonstrando os inconvenientes e os riscos da medida. Recorrer á fraude de um trabalho official, isso jamais seria a ninguem licitamente permittido. Mas, procedendo como procedeu, o representante do departamento federal subtrahiu a verdade a Washburne e ao governo, faltando á fé de seu cargo e á fé dos documentos de um serviço official. Escarmoteou tambem tudo ao conhecimento do paiz, sob o pretexto de servil-o.
13. — Nada, contudo, induzia, ou justificava o engenheiro federal a proceder dessa maneira. Nenhum risco corria o poço do Tucum, que não estava em ponto de cahir nas mãos de Washburne. A perfuração era do governo e Washburne não ia perfurar. Ia, sim, estudar a geologia do petroleo em S. Paulo. Fornecer-lhe elementos de pesquizas anteriores, favoraveis ao petroleo, não era desservir o nosso petroleo. Seria antes crear difficuldade para o technico americano caso ele viesse a negal-o. De outro lado, os terrenos não estavam alienados a Washburne, nem a qualquer empreza extrangeira. Nem a direcção do poço ia ser confiada a Washburne. Por que, dest’arte, adulterar os perfis do poço do Tucum?
14. — Por brasileirismo? Nesse caso, os boiões de petroleo e os perfis verdadeiros deveriam ter sido postos á disposição das iniciativas nacionaes empenhadas nessa região.
Ou, então, deveriam servir para que se promovesse, sob a egide do patrimonio official, a organização de outro emprehendimento creoulo, que os aproveitasse. Ao contrario, tudo se escondeu de Washburne, das emprezas patricias, do governo e do paiz. Accidente nos boiões. Accidente nos perfis. Accidente no poço do Tucum. Em summa, o que se fez foi praticamente retardar o descobrimento do petroleo, manter a politica do “não tirar petroleo”, reproduzir o amigo urso que, para matar uma mosca, esmaga um craneo; foi, emfim, desservir o Brasil. Esse atrazo de alguns annos representa prejuizo de alguns milhões de contos para a economia do paiz.
15. — Porque, evidentemente, o engenheiro do departamento mineral não somente não tirou, como não deixou tirar o petroleo do Tucum. E’ verdade que elle invoca, para cohonestar seus actos, o axioma patriotico de seu departamento: “Sepultar no seio da terra o petroleo, para não ser explorado pelo extrangeiro”. Ora, o lemma dos trusts mundiaes, que nos escravisam, converge egualmente para o mesmo objectivo: “Suffocar o petroleo no Brasil, para não ser explorado pelos brasileiros”. — Temos, assim, a mais espontanea e decisiva das allianças para nunca se descobrir o petroleo no Brasil...
DEPOIS DO TUCUM, BELLO MONTE
16. — Depois do facto historico do Tucum, sobreveiu em 1930 um acontecimento nebuloso em Bello Monte.
E’ o caso que as pesquizas de Washburne indicaram como um dos principaes anticlinaes, na zona petrolifera de S. Paulo, o Bello Monte, no municipio de Pirajú. Em consequencia de suas recomendações, o governo iniciou uma perfuração na propriedade de Antonio Furlan & Irmãos.
Todas as previsões de Washburne foram confirmadas pelo poço ahi aberto, que attingiu a 350 metros, mais ou menos, depois de haver atravessado uma camada prevista de diabase. No seu relatorio, prophetisava o penetrante geologo: “Pensa-se que um poço localisado neste anticlinal terá de penetrar alguma soleira de diabase. O effeito principal da diabase é antes a sua interferencia com a sondagem, do que a sua influencia na occorencia de petroleo. PROVAVELMENTE NÃO TERIA INFLUENCIA ALGUMA NA OCCORENCIA DE PETROLEO NA PARTE INTERIOR, ABAIXO DAS ZONAS DE INTRUSÃO DAS SOLEIRAS OBSERVADAS NA REGIÃO”.
Na verdade, a perfuração, após cortar uma camada de diabase recomeçou a assignalar testemunhos de petroleo. Eis que, entretanto, em 1930 o poço foi abandonado, com uma tentativa de entupimento por parte do pessoal, justamente quando alimentava as maiores esperanças de um breve exito.
Os irmãos Furlan, proprietarios do terreno onde o poço se rasgou, contar-nos-ão logo o grave incidente.
Mas, tambem digno de nota, é “a corrida dos contractos” que o poço de Bello Monte determinou por parte das companhias extrangeiras. Ainda nesse passo se comprovaram todas as previsões do trabalho de Washburne, quando dizia: “Se o Estado publicar o localisação de todos os anticlinaes, o resultado será que muitas das terras adequadas seriam arrendadas pelos especuladores e outros, que interfeririam com o dominio das companhias sobre o seu campo de pesquizas”. Com effeito, o relatorio de Washburne e o poço de Bello Monte determinaram a corrida disputadissima sobre os anticlinaes de Pirajú, seus arredores, Ribeirão Claro, S. Pedro, Xarqueada e outros.
O como se desenrolaram os incidentes de Pirajú é narrado na seguinte carta, que recebemos dos proprietarios dos terrenos, escolhido para a perfuração:
Illmos. Snrs. Drs.
Monteiro Lobato e Hilario Freire
Attenciosas saudações
Attendendo ao seu pedido, com referencia aos estudos feitos para descoberta de petroleo em minha propriedade, tenho a opportunidade de informar a V. S. o seguinte:
Em 1928, mais ou menos, depois que o engenheiro Washburne, contractado pelo governo paulista para estudos de zonas petroliferas no Estado, esteve na zona de Pirajú, esta foi assediada por agentes de duas companhia de petroleo, agentes esses todos extrangeiros.
Durante esse tempo a propriedade minha e de meus irmãos Mariano, Arcanjo, Luis e Vicente, todos componentes da firma Antonio Furlan & Irmãos, foi objecto de attenção do governo, que iniciou uma perfração. Essa perfuração alcançou a profundidade de trezentos e cincoenta metros mais ou menos.
Durante os trabalhos de perfuração, retirou-se sempre certa quantidade de oleo, chegando mesmo, em certa occasião a reunir dois tambores que foram enviados para S. Paulo afim de ser examinado o material. A tresentos e tantos metros, foi encontrada uma camada de diabase; depois pedras vinham sempre impregnada de um carvão, que se queimava, mesmo humido.
Certa occasião os operarios que trabalhavam na sonda receberam ordens superiores para entupir o poço com ferro e cimento, ao que o signatario e todos os seus irmãos, proprietarios da fazenda, se oppuzeram terminantemente. Em virtude dessa resistencia decisiva por mim e meus irmãos opposta a que se procedesse esse entupimento, os operarios deixaram de cumprir a ordem e lá está até hoje o poço aberto.
Com a revolução de 1930 os trabalhos foram abandonados e, pouco depois a sonda foi desmontada e retirada, finalizando definitivamente as pesquizas em nossa propriedade.
Quando appareceram os agentes extrangeiros que estavam obtendo contractos de sub-solo no município de Pirajú, de maneira alguma quiz entrar, bem como os meus irmãos, em entendimentos com elles. Isso porque, o nosso objectivo era fazer um contracto para uma effectiva exploração do petroleo, e que os extrangeiros desejavam era um contracto que nada nos adeantava, uma vez que tinha uma clausula que declarava que, enquanto não se iniciasse a exploração a companhia nos pagaría dez mil reis por alqueire. Ora, como essa condição podia acontecer, e foi o que aconteceu com os outros, elles preferiam pagar dez mil reis por alqueire e nada explorar. Assim, deixamos de fazer o contracto, apezar das insistencias havidas.
Esses agentes das companhias extrangeiras, cujos nomes não me lembro mas que são muito conhecidos em Pirajú, pois estiveram muito tempo na cidade, para impressionar os proprietarios, afim de obter os contractos, mandaram vir de S. Paulo ou Rio, machinismos enormes, dizendo que iam iniciar logo os trabalhos na zona. O que se viu, porem, foi o contrario; logo depois de obtidos os contractos, esse material foi reembarcado novamente, sem nem siquer ser tirado da estação. Foi simplesmente uma maneira de impressionar os donos de terras.
Tenho tambem certeza de que esses agentes fizeram contractos identicos aos de Pirajú, na zona de S. Pedro de Piracicaba e Ribeirão Claro, no Estado do Paraná.
Até hoje a nossa propriedade, em Pirajú, depois de desmontada a sonda, deixou de ser objecto de attenção ou estudos dos technicos do governo, muito embora nós todos tivessemos sempre, da melhor maneira possivel, facilitado tudo quanto fosse necessario para o prosseguimento dos trabalhos.
Era o que tinha a informar a V. S.
Com a mais alta consideração, subscrevo-me,
De V. S.
Amo. Atto. Obdo.
(a) Antonio Furlan
17. — A missiva, ora transcripta, comporta interessantes commentarios sobre a extensão e o processo de acaparamento de terras petroliferas pelas entidades extrangeiras: a multa de não perfuração para manter o regimen contractual de não perfurar, a segregação do sub-solo petrolifero ás tentativas nacionaes, a comedia de accumular materiaes de sondagem nas estações e reembarcal-os, uma vez obtida a safra dos contractos... Tudo isso será objecto de exame mais detido logo adeante.
No momento, porem, convem accentuar que o documento prova que houve uma ordem e a tenfativa de execução dessa ordem para entupimento do poço. Prova que o entupimento só se não consumou pela resistencia energica, material e decisiva dos irmãos Furlan. Prova e abandono do furo, há já seis longos annos, após despertar as mais bellas perspectivas de sucesso.
Os factos são indiscutiveis. Esse abandono é um acto directamente imputavel á administração publica. E o abandono, é forma indirecta de sabotagem.
MOLESTIA DO DESPISTAMENTO
18. — Embora seja Monte Bello uma nebulosa, quanto á origem da ordem do abandono e do entupimento do poço, outro tanto não succede com o episodio de Tucum. Em Tucum estão definidas, individualisadas e entrosadas todas as responsabilidades de um funccionario e de sua repartição.
O sumiço dos boiões, a modificação dos perfis, a accidentação do poço, com responsaveis ostensivos, constituem symptomas muito graves de uma grave molestia: a praga do despistamento, infestando a suprema direcção dos serviços de petroleo.
Essa, uma infermidade administrativa insidiosa, que proscrastina a economia do paiz na servidão dos comburentes importados.
19. — As modificações dos perfis do Tucum abriram um precedente para mais tarde o technico Victor Oppenheim, arvorado em pontifice do ministerio, truncar todos os perfis de S. Paulo, inculcando a existencia de uma zona rasgada por innumeras falhas. Já no boletim de 1934, o communicado do departamento terminava, com o seu dogmatismo derrotista: “A região de S. Pedro, no Estado de S. Paulo, é do ponto de vista geologico-estratigraphico, francamente negativo para futuras pesquizas de petroleo nessa região”.
Essa conclusão negativista é amplificada a todo o Estado na monographia sobre as “Rochas Gondwanicas e a Geologia do Petroleo do Brasil Meridional”. Washburne, em um magistral trabalho que Monteiro Lobato annexou ao seu depoimento, mostrou a deshonestidade scientifica de Oppenheim, que, em seis mezes de estudos, sem auxiliares, pretende ter pesquizado uma area maior que Washburne em tres annos, coadjuvado de numerosos e idoneos assistentes. Nessas condições de tempo e de pessoal, para Washburne “homem nenhum pode chegar a conclusões definitivas em uma area tão grande”.
Ainda agora observamos no caso de Alagoas outro exemplo. Cinco geologos de nomeada universal, servidos pelo mais completo apparelhamento scientifico moderno, em tres mezes só puderam estudar conscienciosamente uma area bem pequena. Comparativamente, esta area é uma particula infinitesimal da que Oppenheim pretende ter pesquizado em seis mezes no Estado de São Paulo e em todo o Brasil Meridional.
Ninguem, melhor que Joviano Pacheco, eminente membro da Commissão do Inquerito, conhece esse estellionato technico de Oppenheim em relação a S. Paulo, contrapondo-se á probidade scientifica de Washburne, que chegou, por trabalhos proprios, á conclusão positiva da existencia do petroleo neste Estado. D’ahi o situar-nos em frente de um paradoxo: — Washburne, extrangeiro, a affirmar; e ao mesmo passo o serviço federal officialmente a negar o petroleo paulista. O technico americano, bem mais brasileiro, a querer tirar petroleo em S. Paulo, em contraste com o nosso departamento nacional a não querer tiral-o.
20. — De S. Paulo, a mystificação oppenheimica passa para a Bahia. Oppenheim desencadeia uma campanha derrotista contra o sr. Oscar Cordeiro, que emprega esforços ingentes em favor das possibilidades petroliferas do Lobato. Chega a imputar-lhe o crime de falsificação de amostras de suas perfurações. Consegue catechisar para sua these o apoio dos srs. Othon e Henry Leonardos. Estes foram ao extremo de declarar urbe et orbe pela imprensa que o caso do petroleo do Lobato era um caso de policia. Pois bem: que verificou a commissão do Inquerito? Ser falsa a imputação de Oppenheim. Os testemunhos dos illustres engenheiros Fontenelle e Sylvio de Abreu elucidaram definitivamente a questão, patenteando os erros de Oppenheim, quer quanto ás amostras, quer quanto á formação geologica da região. Se o caso é, com effeito, de policia, como o classificaram os srs. Leonardos, não attinge mais o sr. Oscar Cordeiro. Tendo ficado sufficientemente provado que a autoria da falsidade toca ao sr. Oppenheim, este, então, é que deveria ser entregue ás pesquizas da policia, tendo contra si, como corpo de delicto, o seu proprio relatorio, reproduzido nos topicos principaes pelo Boletim de Agricultura de Abril-Junho de 1934, a pag. 93, sob o titulo “A questão do petroleo da Bahia”:
“Esta localidade (Lobato) do ponto de vista da geologia do petroleo é positivamente desfavoravel á presença de hydro-carbonetos... O conjuncto geo-tectonico desse local é absolutamente negativo... Os elementos technicos attestam de um modo formal a não existencia de jazidas petroliferas no Lobato... Está provado à saciedade a inexistencia de depositos petroliferos no logar denominado Lobato na Bahia.”
21. — Em Alagoas não foi menos tendenciosa a attitude de Oppenheim. Alli trabalhou em um poço da Companhia Petroleo Nacional, onde commetteu todas as diabruras contra a empreza de Edson de Carvalho No estudo daquella região embora observasse perfeitamente o cretaceo, occultou-lhe a existencia para cohonestar o novo grito de “Rumo ao Acre”. Deformou todas as varias plantas e perfis referentes áquella zona. Formou, por esse modo, a opinião official, adoptada no relatorio do sr. Odilon Braga, a pg. 89, contraria “a crença no petroleo litoreano, de existencia problematica”. Hoje o assumpto ficou definitivamente esclarecido com os resultados decisivos e positivos dos technicos allemães. Está em Alagoas rectificado o nefasto erro official, como Washburne rectificara um erro identico contra as possibilidades petroliferas de S. Paulo.
22. — Em Riacho Doce, tomando-se, como base de referencia as condições de Clapp, para a caracterisação dos terrenos petroliferos, assignalam-se os seguintes antagonismos entre os trabalhos de Oppenheim e as pesquizas dos allemães: POSSANÇA DAS CAMADAS SEDIMETRARIAS; para aquelle, espessura reduzida, crystallino raso, excluida a possibilidade de quantidade consideravel de petroleo; para estes: plenamente comprovada a possante capacidade das camadas sedimentarias sobre um crystallino profundo alem de mil metros. TEOR ORGANICO NOS SEDIMENTOS: para aquelle, ausencia de fosseis nessas camadas; para estes, fosseis caracteristicas em quantidade. ORIGEM SEDIMENTARIA DAS ROCHAS: Para aquelle, as rochas das camadas superiores são de origem de agua doce; para estes, origem sedimentaria das rochas de procedencia marinha, ou semi-marina. IDADE DOS SEDIMENTOS; — para aquelle, terciaria; para estes, Eocenica, terciaria que corresponde á maior e melhor parte dos campos petroliferos conhecidos no mundo. CAMADAS RESERVATORIAS; para aquelle, improvavel existencia de camadas favoraveis ao accumulo de oleo; para estes, argillas necessarias á formação de reservatorios capazes de reter o oleo. METAMORPHISMO: para aquelle, o metamosphismo das rochas da serie é consideravel, senão excessivo; para estes, nada indica que o metamorphismo da zona tenha sido de modo a prejudicar qualquer reservatorio existente. ESTRUCTURA GEOLOGICA PARA CONCENTRAÇÃO DO PETROLEO : para aquelle, falta de estructura adequada ás accumulações petroliferas; para estes, mais de uma estructura geologica propria para a accumulação de petroleo. EXSUDAÇÕES DE GAZ E OUTROS INDICIOS: para aquelle, nenhuns; para estes, emanações de gazes e outros indicios de lençol de petroleo determinados pelo processo Laubmeyer, que permitte distinguir entre as fracas emanações de rochas betuminosas e as emanações concentradas dos lençóes.
23. — Vemos, desta maneira, ao norte ao centro e ao sul do paiz, a officialização de um systema de embustes, em pontos essenciaes das pesquizas de petroleo. As theses sustentadas por Oppenheim na sua monographia relativa ás rochas gondwanicas, repousam sobre observações intencionalmente erroneas e propositadamente falseadas. A obra é visceralmente uma fraude immensa.
Foi entretanto apoiado nessas adulterações que Oppenheim se julgou com bases para concluir que “no Brasil meridional as rochas gondwanicas deste systema não são geradoras de petroleo, em quantidades e condições exploraveis... No hemispherio meridional não se conhecem sedimentos gondwanicos productores de petroleo exploravel”. Pelo que “para o encontro de jazidas exploraveis de petroleo, as pesquizas devem ser dirigidas para as areas de grande desenvolvimento dos sedimentos devonianos, terciarios e cretaceos nas areas limitrophes com Bolivia e Perú.” (Ob: Cit.)
24 — Se o eminente patricio e ministro sr. Odilon Braga tivesse sciencia de toda essa vasta teia de burlas, desmascaradas por Washburne em S. Paulo, desmascaradas por Fontenelle e Sylvio de Abreu na Bahia, desmascaradas pelos trabalhos magistraes dos technicos allemães em Alagoas, — jamais escreveria os conceitos constantes de suas “Bases para o Inquerito” a pg. 170 de sua edição popular:
“Contractado em 1933, o geologo especialista Victor Oppenheim, este breve ia diffundir entre nós os mais recentes e já seguros principios scientificos relativos ao petroleo, em face dos quaes se deveria prenunciar a mudança de orientação pratica do Ministerio, assentando-o num claro e racional systema de idéas contido na secção I, da parte III da sua, POR TODOS OS TITULOS NOTAVEL MONOGRAPHIA sobre Rochas Gondwanicas e Geologia do Petroleo do Brasil Meridional”, publicada em Dezembro de 1934.”
Notavel monographia ! Notavel, realmente, pela ousadia das claudicações scientificas e pelo desplante com que induziu um ministro de Estado a enxertar, em confiança, os maiores erros de facto e de sciencia, no seu relatorio dirigido ao chefe da nação.
O EPISODIO DE MATTO GROSSO
25. — Não fica, ahi, entretanto, a extensão da obra do despistamento official nas súas manifestações activas. Existem tambem as formas passivas da mystificação : o silencio, ou a occultação, a indifferença, ou a inercia, o descaso ou o desprezo.
Ha que ver, por exemplo, o episodio de Matto Grosso, em que a obstrucção assume a feição inerte da desidia.
Leia-se o relatorio ministerial, na pagina 206. Elle explana a orientação do programma em execução. Estabelece como premissa doutrinaria o seguinte: “Em se tratando dessa pesquiza (do petroleo), duas têm sido as attitudes do homem; a empirica, que produz excellentes resultados NAS REGIÕES EM QUE O PETROLEO OU AFFLORA, ou occorre como accidente em sondagens para outros fins...”
E a seguir fixa, como materia de facto, este ponto: “No Brasil, onde o petroleo ainda não foi descoberto, nem por acaso, nem por exsudação abundante...”
Essa informação preliminar fornecida ao honrado ministro não é exacta. No Brasil já está descoberta e identificada uma exsudação abundante, tambem denominada exsudação activa, oil-seepage, nascente natural do petroleo. E essa descoberta é do conhecimento do director de geophysica, sr. Victor Oppenheim, desde 1935.
26. — Com effeito, aos 28 de Maio do anno passado, portanto dez mezes antes do relatorio ministerial, compareceram perante aquelle funccionario os srs. Alexandre Housding, concessionario de jazidas de diamantes do rio das Garças e encorporador da Mineração Hydraulica de Diamante Chapadinha e Criminosa, com autorização de lavra outorgada por varios decretos federaes; e o engenheiro Torvald Loch, dinamarquez, com as necessarias credenciaes de idoneidade.
E pessoalmente communicaram-lhe, com todos os documentos correlativos, o descobrimento de uma oil-seepage, em local situado á margem direita do rio Mamoré e esquerda do rio Pacanovas, a 70 kilometros da estação Guajará-Mirim, da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, nos limites com a Bolivia, a noroeste do Estado de Matto Grosso.
Taes documentos eram os seguintes: um memorial, um relatorio da descoberta, dois mappas parciaes da zona indicada, determinando a posição geographica da fonte de petroleo a 11.° 10’ de latitude e-64° 60’ de longitude. Juntamos por copia esses mappas e o relatorio do engenheiro Loch.
Historiando a sua invenção, narra Loch, em resumo, o seguinte:
“Estava “montado” em canoa subindo um rio quando achei petroleo boiando n’agúa, beirante á margem. Trilhei o petroleo durante dia e meio, rio acima, até o ponto em que vinha de terra, e depois de abastecer-me de viveres internei-me pela terra a dentro até descobrir donde o petroleo provinha. No quarto dia descobri uma “oil seepage”, ou exsudação ativa de petroleo num dos morros, dando aproximadamente de 500 a 600 litros por dia de 24 horas. Enchi com ele uma das minhas borrachas de agua e tambem colhi amostra das areias que saiam com o petroleo. Era um oleo de cor verde-castanho, de gravidade leve e parafinoso — da mais alta qualidade conhecida. Aquelle campo petrolifero apresenta muita semelhança com os do. Oklahoma e do Texas, nos Estados Unidos. A formação geologica é provavelmente do periodo Paleozoico ou do Siluriano, e tudo ali indica que esse campo talvez seja o maior campo de petroleo da America do Sul.
“A estratificação do petroleo deve estar a uns 500-600 metros. O terreno é um chapadão ondulado, com faixas de vegetação escassa, doentia, aleijada em virtude das emanações de gaz. Ao Norte e Oeste extendem-se planices e vales extensos, de 1200 pés acima do nivel do mar. Ha nas vizinhanças dos rios bastante madeira, propria para construcção de torres de sondagem”.
27. — Accresce a circumstancia de que as amostras de petroleo trazidas por Loch já haviam sido devidamente analysadas pela secção competente do ministerio da Agricultura.
E ha que notar que a vasão do petroleo in natura attingia desde logo quantidade commercial, a saber, 150 barris por mez, ou 1.800 por anno, com o valor approximado de 90 contos.
28. — Essa era uma communicação verdadeiramente sensacional.
A oil-seepage é, digamos, o poço espontaneo, nativo, fluente, é a existencia viva, palpavel, medivel, utilisavel do petroleo. Deante della não se cogita de estructuras, nem de gaz, nem de sedimentos, nem de crystallino, nem de tudo quanto seja possibilidade ou indicio. A oil-seepage não é indicio, é o petroleo na sua realidade. E’ a decisão do problema sobre a existencia, ou não existencia do petroleo no Brasil.
Com uma circumstancia favoravel a mais: o seu estudo immediato não offerecia difficuldade alguma. O local é mais accessivel pelos meios de transporte do que o Acre. Até Porto Velho ha um serviço regular de navegação, cada quinze dias, em embarcações confortaveis, denominadas “gaiolas”. De Porto Velho até Guajará Mirim trafega a estrada de Ferro Maneira-Mamoré. Em Guajará Mirim, o rio permitte a ancoragem de hydro-aviões de carreira. A Condor em breve estenderá por alli uma linha regular entre Matto Grosso e o Amazonas. A 70 kilometros desse ponto, subindo o rio Pacanovas, tambem navegavel, a oil-seepage.
Não era, portanto, um roteiro obscuro, como o das Minas de Prata de Roberio Dias. Era, sim, uma localisação geographica precisa.
29. — Cumpria, pois, ao Departamento o estricto dever de verificar immediatamente e officialmente o conteúdo da communicação. Ella representava a chave mestra elucidativa de toda a tragedia do descobrimento do petroleo no Brasil. Para outra coisa não contractara o Departamento os srs. Mark Malamphy e Victor Oppenheim. Nem missão mais precipua tem sobre os hombros o sr. Fleury da Rocha.
A denuncia da oil-seepage era idonea. Trazia a assignatura de um profissional com a fé de seu grau. Esse profissional apresentava todas as credenciaes de idoneidade, certificadas pela Legação da Dinamarca, seu paiz de origem, e por entidade particulares insuspeitas. A credibilidade de sua palavra, como de todos os profissionaes em egualdade de condições, impõe fé e constitue elemento de prova plena, mesmo em juizo. Elle não emittia uma opinião pessoal, em ponto de doutrina, attestava um facto de existencia permanente, em razão do officio.
Ou o Departamento acceitava o facto como real e verdadeiro, e não podia deante delle cruzar os braços, como cruzou, porque essa indifferença é um crime de lesa-patria; ou reputava o facto duvidoso, sobrepticio, incerto, e nessa hypothese acudia-lhe o dever de desmascarar o impostor, que, baseado na impostura, propunha um negocio ao governo, induzindo-o a erro ou engano para, por esse meio, procurar para si lucro ou proveito. Tão solicito fôra o sr. Oppenheim contra as amostras do Lobato, por julgal-as extranhas ao local; tão solicito fôra o Departamento contra o manifesto da Petroleos do Brasil, por duvidar do petroleo em S. Pedro, quão desdenhosos agora são ambos deante da descoberta da oil-seepage de Matto Grosso!
30 — O alheiar-se a esse caso é o negar a propria finalidade do Departamento Mineral. Sobremaneira para o sr. Victor Oppenheim, que, nas “Rochas Gondwanicas”, reputa como privilegiada a area limitrophe com a Bolivia, por via de suas estructuras favoraveis ao accumulo de petroleo com a mesma latitude e a mesma formação geologica do Territorio do Acre.
Ainda mais, e tambem muito grave: Era sabido na alta administração da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré que elementos ligados ao Departamento Mineral nutriam grandes esperanças na occorrencia de petroleo na zona do rio Guaporé, que, como se sabe, é contribuinte do Mamoré e corta extensos pantanaes, assemelhados aos campos alagadiços do rio Paraguay. Causou-lhes, pois, chocante surpresa o saberem do encaminhamento das pesquizas officiaes para o Acre.
Esse espánto augmenta, quando se considerą que as margens do Pacanovas e do rio Guaporé extendem-se em terrenos devolutos pertencentes ao Estado de Matto Grosso, sem nenhuma possibilidade de litigios internacionaes. E em poder de quem estarão os terrenos recommendados do Territorio do Acre? Pois não é sabido que a Standard Oil, soberana da Bolivia, promoveu a guerra do Chaco para obter uma saida pelo Atlantico, atravez da bacia do Prata? Pois não é notorio no Estado Maior do Exercito que a falta da plena execução do Tratado de Petropolis, ainda pode acarretar complicações internacionaes? Pois não é plausivel que esses attrictos possam ser desencadeados pelos poderes occultos que cubiçam o petroleo? Que lhes custaria convulsionar o Acre a pretexto de concessões de sub-solo e de inadimplemento do tratado petropolitano, para rehaver ao Norte a arca petrolifera que perderam ao sul com o desfecho da guerra entre o Paraguay e a Bolivia?
31. — A verificação da oil-seepage era um direito e um dever. Direito, que se anniqullou, não se exercendo; dever, que se rasgou, não se cumprindo. E em consequencia da falta desse direito e desse dever, o relatorio do Ministro affirma que ainda não se descobriu exsudação abundante de petroleo no Brasil! Mas essa exsudação existe! O descobrimento, ou invenção, do engenheiro Loch está de pé, até que se prove ó contrario. Quem, no entanto, claudicou na informação? O egregio Ministro? Não. Oppenheim e Fleury da Rocha.
Sabotagem, ou omisão, inercia, ou falsidade, negativismo, ou Codigo de Minas, burocracia petrolifera, ou perfurações epidermicas, toda essa profusa synonimia, na copiosa variedade de suas formas, tudo vem sendo a mesma obra do Proteu federal: não tirar petroleo e não deixar que alguem o tire...
MATTO GROSSO: TERRA ESQUECIDA
32. — Toda a historia do petroleo em Matto Groso é uma historia de abandono. A oil-seepage apparece como uma pagina solta dessa indiferença imperdoavel dos poderes federaes pelo grande Estado brasileiro.
Examinem-se as “Bases para o Inquerito”, que são o catalogo official e chronologico do petroleo. Debalde a Commissão do Inquerito rebuscará nelle o nome de Matto Grosso. Percorra-se a sua resenha historica, de pags. 91 a 156. De 1918 a 1919: ali apparecem Alagôas, Bahia, Paraná e S. Paulo. Depois, de 1920 a 1929, — Alagoas, Bahia, Paraná, S. Paulo, S. Catharina, Amazonas, Pará, Minas Geraes. Depois ainda, de 1930 a 1935: Pará, Paraná, Santa Catharina, S. Paulo, Alagoas, Rio Grande do Sul. Nem uma só vez o nome de Matto Grosso.
33. — Igualmente a muito famosa monographia de Oppenheim, o novo evangelho do Ministerio, nem siquer o balbucia. Apenas implicitamente envolve todo o sul de Matto Grosso, com seu Chaco ou pantanal, nas mesmas conclusões das Rochas Gondwanicas”, a saber:
“No Sul do Brasil, as rochas gondwanicas deste systema não são geradoras de petroleo, em quantidades e condições industrialmente exploraveis.
“No hemispherio Meridional não se conhecem sedimentos gondwanicos productores de petroleo exploravel.
“Tambem na America do Sul não foram constatados horizontes productivos de petroleo exploravel”.
Apesar disso, no mais chocante dos contrastes, o Ministerio da Relações Exteriores, no seu Boletim Commercial, trouxe a lume, pelo “Diario Official” de 15 de Maio ultimo, o seguinte communicado:
MINISTERIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
BOLETIM COMMERCIAL
“O nosso pantanal é identico ao Chaco Boreal, no qual o aparecimento do petroleo provocou a recente guerra do Paraguay com a Bolivia. O Chaco, ou o Pantanal, é o remanescente do velho mar do Xaraés, um mediterraneo prehistorico, que enchia todas as terras baixas entre as duas cordilheiras do continente actual. Os ultimos vestigios existem ainda nos innumeros lagos e lagôas de agua salgada. disseminados nos municipios de Porto Murtinho, Corumbá, Aquidauana, Poconé e Caceres. Toda essa região é baixa e calcarea, obtendo-se, com excavações, apenas de um ou dois metros, conchas e agglomerados fosseis. Essa região alaga-se ainda todos os annos, na época da cheia de seus rios. Alem das lagôas de agua salgada, existem por toda parte barreiras ou salinas naturaes. É muito commum tambem encontrarem-se grandes zonas de betume ou lama muito preta. Essa lama secca, em briquetes, é usada como combustivel. Em toda essa região, que é immensa, existem signaes muito evidentes de petroleo, mais do que em qualquer parte do mundo. Nas margens do Rio Appa e do affluente Rio Perdido, existe petroleo efflorescente nas fazendas Amonguijá, das familias Alves de Arruda e Correia da Costa. O gado recusa-se a beber as aguas, que cheiram a kerosene. Na fazenda Barranco Branco e no Rio Tererê, Rio Paraguay, acima de Porto Murtinho, existem salinas, lagôas salgadas e vestigios de petroleo. Proxima da Fortaleza de Coimbra, existe uma caverna calcarea, denominada Soturna, e nas suas proximidades lagôas salgadas e brejos com petroleo efflorescente.
“Mais acima, na margem do Rio Paraguay, existem umas jazidas de marmore, na fazenda Santa Branca, e, proximo dellas, salinas e lama de petroleo. Na Fazenda Vassoural, a 9 ou 10 kilometros de Porto Esperança, ponto terminal da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, todas as cacimbas que se abrem para agua accumulam rapidamente naphta. Mais acima, no mesmo rio Paraguay e abaixo do Rio Miranda, existe um morro isolado no pantanal e conhecido ha muitos annos como Morro do Azeite. Alli os antigos exploradores enchiam os seus corotes de madeira, de um azeite com o qual alimentavam as suas candeias em viagem, ou em suas moradas no sertão. Proximo dessa região existem talvez as paragens mais futurosas em petroleo. Trata-se das zonas conhecidas como Nhecolandia e Rio Negro. Nessa região multiplicam-se os lagos e lagoas salgadas e indicios de toda sorte de petroleo, o sangue da terra. Essa região tem sido visitada seguidamente por extrangeiros curiosos e ambiciosos.
Nas lagôas e bahias que rodeiam a cidade de Corumbá todos informam a existencia de muitas aguas com cheiro de kerozene. Rio Paraguay acima até Caceres, a natureza continúa a mesma e os pesquizadores informam haver grandes indicios nas lagoas Gabiba e Uberaba. No alto S. Lourenço e no municipio de Poconé, onde existe agua salgada, os sertanejos dão noticia do kerozene”.
34. — Se o Chanceller Macedo Soares, não como Ministro de Estado, mas como simples particular, subscrevesse o manifesto de encorporação de uma empreza nacional, para pesquizar e explorar petroleo em Matto Grosso, fundado nos dados que o “Boletim Commercial” publicou, — estaria automaticamente incluido pelo serviço federal no rol dos “aventureiros de má fé”, que sonham com o evento do petroleo no seio da terra brasileira.
Ha que causar extranheza, por certo, que a literatura do petroleo de Matto Grosso se encontre no Ministerio do Exterior e não no Departamento Mineral do Ministerio da Agricultura...
35. — Itamaraty não pode estar embahindo a credulidade do paiz, nem mentindo a outros povos. Se ha um recanto do paiz em que o petroleo é uma certeza estabelecida pela logica racional, — essa paragem é a do pantanal. Tanto é Chaco a Bolivia, como Chaco é Paraguay, como é Chaco Matto Grosso. Na origem geologica, na formação, na contiguidade, na potamographia tudo é um só.
Como explicar-se, pois, que até hoje o Departamento Mineral não haja volvido as suas vistas para aquella região privilegiada? O pantanal offerece outro accesso, outra communicação, outro transporte que não offerece o Acre predilecto. Se contra a oil-seepage do Pacanovas ha que allegar sua situação geographica ainda ingrata aos meios de transporte, pela dependencia da bacia do Amazonas e da via ferrea Mamoré até que se construa um oleoducto via Cuyabá, — o pantanal ao sul conta em seu favor optima rede de communicações: ferroviarias, rodoviarias, postaes, telegraphicas, aereas, fluviaes, portuarias.
O petroleo de Matto Groso, de longos annos, dir-se-ia um abcesso entumecido, vermelho, espontado, febril, o apice branco latejante a convidar um golpe de lanceta. Por isso mesmo, tumor perigoso, que pode responder ao appello da mais leve incisão. No Retiro S. Joaquim, da fazenda Amaguijá, á margem do Rio Perdido, em Porto Murtinho, o explorador Barzaretti, ligado a Anglo Mexican, fez abrir um poço em 1929, com a profundidade de vinte metros. Dá com tal quantidade de materiaes oleosos que teve necessidade de o entupir depressa para evitar o desastre de um jorro de petroleo!
36. — Nem é um abcesso: é um anthraz, uma furunculose generalisada nos sedimentos do mar do Xaraés. Um dos focos por si mesmo estoura a epiderme no Pacanovas e principia a fluir a quinhentos litros por dia, em uma oil-seepage. Escorre pelo solo. Derrama a fetidez na athmosphera. Boia na flôr dos rios.
Comtudo, no relatorio nem uma referencia ao menos ao petroleo de Matto Grosso! Naturalmente, tem muito que fazer o sr. Fleury da Rocha. Não lhe escapa uma unica infracção do regulamento do sello fixo nos papeis que transitam pelo Departamento Mineral, o Grande Departamento do Não Tirar Petroleo. Melhor seria proceder-se ao reajustamento, ou modificação de quadros, valores e serviços, com é do estylo actual: passar o petroleo para o Ministerio do Exterior e o sr. Fleury da Rocha para o Ministerio da Fazenda, como inspector fixo de sellos fixos.
Talvez então deixaria Matto Grosso de ser a terra esquecida que é...
O CASO DE ALAGOAS
37. — Em relação ao “não tirar petroleo”, a sabotagem e o despistamento apresentam tambem formas activas e passivas. As activas se processam contra as legitimas emprezas nacionaes. As inactivas, em beneficio das extrangeiras, com ou sem rotulos nacionaes. Os olhos officiaes se fecham sempre para não ver os interesses occultos.
38. — Monteiro Lobato, em seu concludente depoimento, mostrou como se vem desenvolvendo e operando a hostilidade do departamento mineral contra as companhias brasileiras legitimas. O que se passou com a Companhia Petroleos do Brasil, impedida do levantamento de maiores capitaes pela intromissão derrotista do serviço federal, foi simplesmente revoltante. Um poço modelar. Perfuração até 1070 metros. Applicação honesta e efficiente dos capitaes subscriptos pelo publico. Necessidade de novos recursos. Interferencia do departamento federal para obstar-lhe a obtenção de mais dinheiro, executada mediante um communicado tendencioso do sr. Fleury da Rocha: “A região de S. Pedro é negativa. Não subscreva mais capitaes. Nada de asneira... Seria jogar dinheiro fóra...”
Contra a empreza de Alagoas, a guerra assumiu aspectos multiplos e successivos; suspeita levantada em publico contra o manifesto inaugural dos encorporadores; sabotagem de um poço pelo sr. Oppenheim; occupação militar do Riacho Doce; devassa contra a companhia; opinião dos technicos officiaes contra o petroleo litoraneo; tentativa da retirada da sonda do poço S. João; resistencia aos estudos geophisicos pelos technicos allemães.
39. — A these sustentada pelo departamento mineral definida pelo sr. Odilon Braga, a pag. 61 de seu relatorio é a seguinte: “A technica official deve intervir até na mais intima economia das emprezas particulares para o fim de acautelar interesses de seus accionistas e os da vida social.” Mais de espaço, iremos examinar em face de nossa legislação a duvidosa juridicidade desse thema, que o ministro confessa ser inspirado no plano quinquienal russo e na dictadura da technocracia (“Bases”, pag. 31). Na pratica, ha no thema dois pesos e duas medidas, consoante se trate das malsinadas emprezas nacionaes, ou das bemaventuradas companhias extrangeiras.
No momento, ha que ver como a animosidade ás nossas emprezas, mercê das erroneas informações de seus subordinados se infiltrou até no espirito do proprio detentor da pasta da agricultura.
40. — Pretende o Departamento convencer que justas reclamações contra a incuria official são filhas de interesses contrariados. Intenta-se assim desmoralisar nossas companhias perante a nação, para que a nação as abandonando não possam tirar petroleo. Seriam ellas, por exemplo, que, embora em luta com escassez de recursos financeiros, organisaram uma dispendiosa technica de publicidade demolidora. Leia-se, a proposito, a academica dissertação ministerial, versando psychologia collectiva, com citações de Tarde, Le Bon e Sighele. Seriam ellas, ainda, que teriam dado uma artificial sonoridade ao mal entendido de Alagôas. Todavia, a occurencia alagoana lhes foi inteiramente alheia. No caso de Alagôas houve um choque directo entre dois poderes publicos, o estadoal e o federal. Mas como não se podem imputar ao governo daquelle Estado interesses contrafeitos, arruma-se a carga nas costas das orphãsinhas, abandonadas pelos proprios que se arrogam as funcções de seus tutores e curadores...
41. — Tivesse, ou não tivesse havido um equivoco sobre a devolução da sonda do Riacho Doce, o facto é affirmado e confirmado pelo governador do Estado, no seu depoimento, onde declara: “No. officio com que este (o sr. Bourdot Dutra) se me apresentou, vinha expressa a sua missão, que era precipuamente arrecadar a sonda de que estava o Estado como depositario e cedida por emprestimo á companhia perfuradora do poço”.
Resultou o historico telegramma expedido pelo intrepido sr. Osman Loureiro, então ainda interventor, ao ministro Odilon Braga.
“O enviado do serviço geologico, em logar de trazer a apparelhagem necessaria para examinar a situação do petroleo em Riacho Doce, apresentou um officio reclamando a entrega da sonda cedida ao Estado para aquelle fim. A retirada da sonda no momento actual não seria somente uma decepção, em desabono do serviço official, SENÃO TAMBEM A CONFIRMAÇÃO DOS RUMORES DE QUE INTERESSES OCCULTOS ENTRAVAM O ANDAMENTO DAS PESQUIZAS DO PRECIOSO OLEO”.
Ainda ultimamente, na sua mensagem á Assembléa Legislativa de Alagôas, na installação dos trabalhos da 2.ª sessão legislativa da primeira legislatura, o illustre governador relata no capitulo sobre “O CASO DO PETROLEO”:
“Embora conhecidos, merecem ser relembrados os factos relativos á revelação do petroleo em nosso territorio. Affirmada e logo desmentida sua existencia entre nós, cumpria-nos, antes do mais, esclarecer em definitivo o problema. Eis senão quando se constatou a emanação de gazes de alta pressão no poço S. João, aberto pela Companhia Petroleo Nacional na região do Riacho Doce, municipio da Capital. Pela sua significação, o phenomeno merecia ser devidamente apurado. Na falta de technicos, invoquei o auxilio do serviço geologico federal, O QUAL, DEPOIS DE VARIAS TENTATIVAS INFRUCTIFERAS, enviou um emissario a esta Capital, no objectivo de retirar a sonda que alli se encontrava, cedida á Companhia pelo governo do Estado, que a tomara por emprestimo ao Ministerio da Agricultura. Não desejo reavivar os commentarios provocados POR UMA PROVIDENCIA TAO EXTRANHA QUANTO ESTA. O proprio governo, interpretando o sentimento do povo, SIGNIFICOU O SEU PROTESTO nos devidos termos conseguindo A ANNULLAÇÃO DE ORDEM TÃO EXDRUXULA.
“DEPOIS DE CONVENCIDO QUE NÃO PODIA CONTAR COM A BOA VONTADE DO SERVIÇO FEDERAL, DADAS AS DIFFICULDADES OFFERECIDAS, solicitei dessa assembléa os meios para MANDAR FAZER DIRECTAMENTE OS ESTUDOS RECLAMADOS NA HYPOTHESE, esclarecendo de vez a controversia sobre a existencia de oleo natural entre nós.
“O CERTO E’ QUE O GOVERNO TOMOU A UNICA ATTITUDE COMPATIVEL COM OS GRANDES INTERESSES QUE LHE CABIA ACAUTELAR E DEU AO CASO A UNICA SOLUÇÃO RACIONAL E JUSTA. O FUTURO DIRA’ COM QUEM ESTAVA A VERDADE”.
42. — Esse incidente dramatico, assim desdobrado perante os olhos do paiz, teria necessariamente de ferir a consciencia publica e vibrar na imprensa unanime, livre e desinteressada, com a resonancia com que vibrou. Nenhuma impureza sario a esta Capital, no objectivo de retirar a sonda que alli se encontrava, cedida á Companhia pelo governo do Estado, que a tomara por emprestimo ao Ministerio da Agricultura. Não desejo reavivar os commentarios provocados POR UMA PROVIDENCIA TAO EXTRANHA QUANTO ESTA. O proprio governo, interpretando o sentimento do povo, SIGNIFICOU O SEU PROTESTO nos devidos termos conseguindo A ANNULLAÇÃO DE ORDEM TÃO EXDRUXULA.
“DEPOIS DE CONVENCIDO QUE NÃO PODIA CONTAR COM A BOA VONTADE DO SERVIÇO FEDERAL, DADAS AS DIFFICULDADES OFFERECIDAS, solicitei dessa assembléa os meios para MANDAR FAZER DIRECTAMENTE OS ESTUDOS RECLAMADOS NA HYPOTHESE, esclarecendo de vez a controversia sobre a existencia de oleo natural entre nós.
“O CERTO E’ QUE O GOVERNO TOMOU A UNICA ATTITUDE COMPATIVEL COM OS GRANDES INTERESSES QUE LHE CABIA ACAUTELAR E DEU AO CASO A UNICA SOLUÇÃO RACIONAL E JUSTA. O FUTURO DIRA’ COM QUEM ESTAVA A VERDADE”.
42. — Esse incidente dramatico, assim desdobrado perante os olhos do paiz, teria necessariamente de ferir a consciencia publica e vibrar na imprensa unanime, livre e desinteressada, com a
resonancia com que vibrou. Nenhuma impurezaO CONTRACTO DOS ALLEMÃES
44. — Desde que o governo de Alagoas, “convencido de que não podia contar com a boa vontade do serviço federal”, se metteu a querer tirar petroleo, principiou-lhe tambem a via sacra. Celebrado em 24 de Dezembro de 35 o contracto com a Elbof, entidade especialisada em estudos geophisicos, de autoridade universal, neutra, não ligada a trust algum de petroleo, aquelle governo luctou 23 dias para obter uma cambial de nove mil marcos, — ou sejam approximadamente cincoenta e tres contos de reis, de sua primeira prestação contractual, muito embora se tratasse de operação directamente ligada ao fomento da producção economica do paiz. Vencido o primeiro embaraço, succede o segundo: — o consul geral do Brasil em Hamburgo recusa o visto ao passaporte dos engenheiros allemães, apesar de sua missão de caracter official. Providencias junto ao Itamaraty. Remove-se o obstaculo. Embarcam os technicos.
45. — Estão em travessia, quando rebenta em Maceió um officio do Ministro da Agricultura, solicitando ao governo alagoano adiar as pesquizas dos allemães, porque o departamento federal já tinha um plano para a execução desses estudos. Causa surpreza esse officio. Em nada a iniciativa do Estado collidia com a iniciativa do departamento, como os factos vieram a comprovar. Pelo contrarío, os trabalhos se entrecompletavam. A imprensa inteira do paiz, como era natural, manifesta a sua extranheza. O governo do Estado responde que tinha um contracto a cumprir e cumpril-o-ia, como o cumpriu, sem uma interrupção qualquer.
Mas o ministro estava possuido da boa fé, que transparece no seguindo topico de seu trabalho — (pag. 79). “Provavelmente os que reagiam contra o supposto protesto, ignoravam o modus faciendi da pesquiza geophisica, muitas vezes ensaiada por meio de explosões provocadas no sub-solo para o fim de registrar-se a ondulação de suas repercussões, pois de outra sorte não se comprehende que não percebessem a inconveniencia da simultaneidade dos dois trabalhos”...
Ora, o que se verificou é que essa inconveniencia não foi percebida por ninguem...
46. — Chegam, em seguida, os allemães a Recife. Alviçaras? Ainda não era tempo de arrhas pela nova... A Alfandega de Recife retem as bagagens scientificas dos technicos por vinte e cinco dias, que já estão correndo por conta do governo alagoano, acarretando um prejuízo de dezenas de contos. Era preciso audiencia do Ministerio da Agricultura. Intervenção do Presidente da Republica. Desembaraço dos apparelhos. Despacho para Maceió. Emfim, começa-se a trabalhar...
Digilized by
Google47. — Novo contratempo. O processo sismico exige o emprego de explosivos. Não os ha no norte. Ha que transportal-os do sul. Um milhão de obices para embarcal-os. Licença daqui, licença dalli. Embarcam-se. De novo uma Alfandega. A de Maceió retarda por quinze dias a entrega dos explosivos. O contracto correndo. O tempo correndo...
O governo de Alagôas com a cruz ás costas, com o mesmo madeiro das emprezas nacionaes, purgando o mesmo peccado, subindo o mesmo Calvario do petroleo, para redimir o Brasil...
Isto posto, comprehende-se bem, em todo o seu verdadeiro e profundo sentido, a amarga verdade da ultima mensagem do governador Osman Loureiro:
“Depois de convencido de que não podia contar com a boa vontade do serviço federal, dadas as difficuldades offerecidas...”
CAMPANHA CONTRA AS EMPREZAS
NACIONAES
48. — O sr. ministro confessa abertamente (pag. 43), que a frente dos technicos do Ministerio da Agricultura se tornou inconciliavel com a das companhias nacionaes.
Desse estado de prevenção de espirito nasce no departamento a deturpação systematica de tudo quanto se refere a essas emprezas. Vem dahi a serie enorme de erros de facto historiados nas “Bases para o Inquerito”. São informações viciosas fornecidas ao ministro, visando ferir a Companhia Petroleos do Brasil, de São Paulo, que deu um dos poços mais profundos do Brasil; a Companhia Petroleo Nacional, de Alagôas, que deu a primeira revelação technicamente certificada do gaz de petroleo; a Alliança Mineração e Petroleos, que deu o primeiro contracto de estudos geophysicos do paiz.
49. — Não é exacto que a AMEP — (Alliança Mineração e Petroleos) seja uma nova secção da Cia. Petroleos do Brasil. Não é exacto, como o quer a perfidia official do Departamento, que esteja a serviço de capitaes extrangeiros. Não é exacto que tenha o objectivo subalterno de sustentar campanhas diffamatorias.
O Departamento, antes de falar ao ministro, deveria primeiro consultar os estatutos da AMEP, no “Diario Official”, para conhecer-lhe a largueza e a precisão dos objectivos. Veria que é uma sociedade por quotas, sem qualquer ligação com a sociedade anonyma Cia. Petroleos do Brasil, da qual se distingue na personalidade juridica, nos membros componentes, na orientação, na forma e no fundo.
Na execução de seus fins a AMEP conseguiu inicialmente resolver a questão do concurso extrangeiro, sem interferencia deste na vida interna das nossas emprezas. Ficou com a representação da ELBOF no Brasil, porque esta entidade technica de renome mundial não está ligada a trust algum. E’ puramente scientifica, na sua especialidade de estudos geophysicos. O estudo geophysico é um meio de alcançar um dos fins da AMEP. Sem material, nem pessoal para pesquizas dessa natureza no paiz, sem contar com o apoio official, collimou, na solução adoptada, salvar os melindres do nosso nacionalismo e a autonomia de nossas emprezas. Em razão da consagrada idoneidade da ELBOF, os resultados de suas pesquizas, quando favoraveis, abrem a possibilidade de financiamento, com o pagamento a ser feito com o proprio oleo a extrair-se.
Que provaram os factos? Que a AMEP conseguiu, com o concurso esclarecido do governo alagoano, realisar o primeiro contracto de estudos geophysicos verdadeiramente completos entre nós. Com as investigações dos sabios allemães mostrou-se a deshonestidade scientifica dos Oppenheims e dos Fleurys, que sustentavam que em Alagôas, com as suas estructuras desfavoraveis, poderia ter havido petroleo em outras eras, mas que esse petroleo se evaporara, deixando apenas os residuos pesados em forma de asphalto.
O que se constatou foram todas as condições favoraveis á existencia de um grande e profundo lençol, sem uma unica contra-indicação. Esse largo passo adeante é uma consequencia do impulso inicial da AMEP, com seus fins salutares e honestos e não com aquelle proposito subalterno de campanha diffamatoria, que lhe é imputado pela frente inconciliavel dos technicos do ministerio.
50. — Não é exacto tambem que o engenheiro Winter, representante de Piepmeyer, viesse ao Brasil como enviado especial a serviço de emprezas particulares, para collocação de capitaes. Quem trouxe o engenheiro Winter ao Brasil foi Juarez Tavora, quando geria a pasta da Agricultura. Esse titular pedira ao Itamaraty que lhe informasse qual a organisação do exterior mais idonea para execução de estudos geophysicos no Brasil. O Ministerio do Exterior indicou-lhe a firma Piepmeyer & Cia., a quem foi, por isso, solicitada uma proposta para o governo federal. Afim de attender a esse desejo dos poderes nacionaes é que veiu ao nosso paiz o seu representante, com credenciaes authenticadas do governo allemão ao governo brasileiro. Sua proposta ficou dormindo o somno da burocracia.
Se a sua presença, como technico de petroleo, desperta os pruridos ironicos do nacionalismo official, como supposto agente de collocação de capitaes externos, — as contas devem ser pedidas, não á AMEP, mas ao proprio governo da Republica, que aqui o introduziu. O Departamento, com a sua incuravel burocracia, sustou-lhe a missão, inutilisou a iniciativa official de um plano, em conjuncto, de estudos geophysicos no paiz, sonegou estas informações ao actual ministro e vehiculou, por seu intermedio, tão grosseira intriga xenophoba contra a AMEP.
O engenheiro Winter já estava aqui ha anno e meio á espera da solução dos poderes federaes, quando occasionalmente teve opportunidade de um entendimento com a iniciativa particular. Proveiu dessa circumstancia a chave providencial do problema do petroleo em Alagôas.
E que não existe subordinação nenhuma a interesses externos, ha um acontecimento posterior que o prova.
A companhia alagoana, deante dos horizontes que se lhe rasgaram com os resultados da missão geophysica, acaba de crear o seu Departamento Geophysico, obtendo de Piepmeyer & Cia. a cessão de todos os apparelhos utilisados nas pesquizas daquelle Estado e bem assim os serviços de dois de seus principaes technicos.
51. — Não é igualmente exacto que o contracto do governo de Alagoas com os technicos geophysicos allemães se realisasse depois da incorporação definitiva da Companhia Petroleo Nacional, nem que “a firma Piepmeyer não quiz receber em pagamento as acções do lote 9.900 contos (subscriptos pelo engenheiro Edson da Carvalho), nem que preferiu fazer-se pagar em moeda corrente do paiz, arrecadada pelo Thesouro de Alagôas. (pag. 78)”. Não. O contracto alagoano lavrou-se a 24 de Dezembro de 1935 e a constituição definitiva daquella companhia só se processou em fins de Janeiro e principios de Fevereiro de 1936. A alteração das datas é intencional, para estabelecer confusões pejorativas.
E’ ainda de accentuar-se que a verba de 200 contos desse contracto era destinada inicialmente, no projecto de lei, a subvencionar a Companhia Petroleo Nacional. Foi esta que desistiu da subvenção para que o governo, com a mesma despeza, fizesse obra de alcance collectivo, enriquecendo os archivos do Estado com todo o material dos estudos realizados. E’, pois, patente a perversidade da informação deturpada que foi transmittida ao ministro.
52. — Não é ainda exacta a versão official de que, antes do contracto de Piepmeyer & Cia., SE REGISTRASSE a tentativa dos incorporadores da Companhia Petroleo Nacional, ELEVANDO O SEU CAPITAL A DEZ MIL CONTOS, dos quaes cem deveriam ser cobertos por subscripção livre e 9.900 seriam entregues ao engenheiro Edson de Carvalho. A encorporação processou-se mais tarde e de maneira diversa. O capital não foi elevado, mas sim reduzido de vinte a dez mil contos. O primitivo manifesto, que vae em annexo a este depoimento, foi lançado para um capital de vinte mil contos, isso em 18 de Abril de 1932. Devido á campanha systematica e ostensiva do departamento esse capital não foi totalmente tomado. Os incorporadores encontraram em parte, 4200 subscriptores de acções.
Com o dinheiro entrado àdquiriram-se concessões de terras, abriram-se perfurações, comprou-se material, fizeram-se obras, remuneraram-se serviços, inclusive do technico Victor Oppenheim, custeou-se a vida da empreza durante tres annos e meio, atravez da odysséa de suas difficuldades, como as devassas, as diffamações, a occupação militar. Só Henrique Lage, com o seu espirito emprehendedor e resoluto, concorreu com quinhentos contos de materiaes.
Não seria possivel a constituição immediata da sociedade, se tivessem de ser assignadas suas actas e estatutos por esses 4200 subscriptores, espalhados por todo o paiz. Mas, como a lei organica das sociedades anonymas discrimina nitidamente os actos de responsabilidade dos incorporadores e os da sociedade constituida, adoptou-se o criterio de deixar em poder e guarda do principal incorporador, Edson de Carvalho, todas as acções dos 4200 subscriptores, com o seu valor representado pelos bens componentes do fundo social já existente, ficando a seu cargo como fiel depositario a entrega dessas acções aos seus titulares. Foi, pois, uma formula legitima, commercial, honesta, simplificada, para uma rapida acquisição da personalidade juridica, sem nenhuma subordinação ao financiamento e coordenação de Piepmeyer, & Cia., como declara o relatorio. Tão pouco jamais foi dada a Piepmeyer & Cia opção entre as acções da Nacional e o dinheiro do Thesouro de Alagôas.
Todas as insinuações nesse sentido, partidas do Departamento, são oriundas da má fé, cuja mascara tem que ser arrancada para que a opinião publica se compenetre da perversidade de seus processos.
53. — Pelo simples exposto fica tambem desfeito o falso argumento official de que o contracto alagoano significa “a certeza da inexistencia de petroleo no Araquá, peremptoriamente affirmado pela “Cia. Petroleos” e NEGADO PELOS TECHNICOS OFFICIAES, porque não obstante estivesse o perito da Piepmeyer em S. Paulo, em contacto com a “Petroleos”, preferiu pesquizar em Alagôas” (Bases, pgs. 78-79). O engenheiro Winter não estava em contacto com a “Petroleos”. Estava em contacto com o governo federal. A “Petroleos” interrompeu sua perfuração por falta de recursos e por culpa dos technicos officiaes, que impediram o levantamento de mais capitaes necessarios. Sem embargo, a “Petroleos” continua com a convicção e a certeza inabalavel da existencia do petroleo no Araquá. O que não existe é qualquer nexo, de causa e effeito, ou mesmo de analogia, entre os estudos geophysicos de Alagôas e a inexistencia do petroleo no Araquá.
Evidentemente esse capitulo das “Bases para o Inquerito” carece ser refundido de alto a baixo, para escoimar-se de todos os seus erros e inverdades. Não fica bem a ministro da Republica subscrevel-as. Mas é sempre por meio de deformações desse jaez que o Departamento alimenta o seu fogo sagrado de perseguição e descredito contra as companhias brasileiros.
ACAPARAMENTO DE TERRAS PELOS TRUSTS
54. — O implacavel programma contra as entidades nacionaes está sobejamente provado. Passemos adeante. Monteiro Lobato, ha quatro annos, brada e repete que as organisações externas se vão apropriando, por todos os processos, de nossos terrenos petroliferos, para utilisação futura, quando se exgottarem os campos que ellas exploram em outros paizes. Essa denuncia é a expressão rigorosa da verdade.
Existe por esse pobre Brasil afóra um vasto imperio, bem installado, de interesses extrangeiros, com seus direitos de cidadania assegurados em todo o sub-solo do territorio patrio, para o fim de “não deixar tirar petroleo”.
55. — Em abono de seu asserto, Monteiro Lobato transcreve em seu depoimento uma carta que recebeu da Argentina, subscripta por Harry Koller, ex-geologo da Standard Oil no Rio da Prata e no Brasil, contendo as mais preciosas informações, de fonte isenta de suspeitas. São ellas, em resumo, as seguintes:
1. — Que, como geologo da Companhia Geral Pan Brasileira de Petroleo (que é a mesma Standard Oil of Argentina S/A), localizou, durante quatro annos de trabalhos, para sua empreza, doze estructuras petroliferas em differentes Estados brasileiros;
2.º — Que a Standard Oil, por suas filiadas, desenvolveu um programa methodico e constante de organisação de contractos de sub-solo, sendo que a esse tempo só a Pan Geral Brasileira e outra (veremos adiante que ha varias outras) possuiam mais de dois mil alqueires em anticlinaes de primeira classe em S. Paulo e no Paraná;
3.º — Que as emprezas monopolisadoras são contrarias á abertura de fontes de petroleo no Brasil, em virtude da superproducção mundial, estando todo o seu interesse concentrado em manter a nossa escravisação petrolifera;
4.º — Que “dadas as actuaes condições”, a saber, as circumstancias decorrentes da nova legislação, trataram de acaparar previamente todos os terrenos potencialmente petroliferos, PARA IMPEDIR A EXPLORAÇÃO.
Todo o conteúdo das revelações de Harry Koller é rigorosamente verdadeiro.
56. — Tomemos, por exemplo, duas regiões indicadas pelo geologo americano: a de Pirajú, em S. Paulo e a de Ribeirão Claro, no Paraná.
Tendo Washburne, quando em serviço do governo de S. Paulo, localizado um anticlinal em Bello Monte, na comarca de Pirajú, conforme se verifica das suas conclusões publicadas no relatorio da Secretaria da Agricultura de 1928 (pgs. 298 a 324), para aquella cidade affluiram diversos geologos extrangeiros e dois directores de companhias extrangeiras, baptisadas de nomes nacionaes: o sr. Ivar Hoppe, da Pan Geral Brasileira de Petroleo; e o sr. dr. Luiz Oscar Taves, da Companhia Brasileira de Petroleo. A Pan Geral é Standard. A Brasileira é outro trust. Dentro em pouco iremos identifical-as convenientemente.
Na fazenda dos irmãos Furlan, em Bello Monte, abriu-se um poço com uma sonda do governo federal. Quando o poço principiou a revelar petroleo de um modo positivo, e com violentas explosões subterraneas, foi interrompido. Tentaram obstruil-o com cimento armado, porém os irmãos Furlan a isso se oppuzeram, como nol-o narram na carta já referida. Paralysaram-se os trabalhos completamente em 1930.
Mas os directores das citadas entidades empenharam-se em obter arrendamentos do sub-solo de todos os proprietarios da zona recommendada, mediante as seguintes bases essenciaes; os proprietarios conservariam a liberdade de cultivar a superficie; as companhias deveriam iniciar as perfurações dentro do praso de um, ou dois annos, e emquanto não o fizessem, no praso commum de dez annos de todos os contractos, ficavam obrigadas a pagar uma multa annual de dez mil reis por alqueire contractado.
Offerecemos, em annexo, dois exemplares desses contractos, celebrados por escriptura publica no primeiro cartorio daquella comarca. Um, em 21 de Maio de 1931, entre os srs. Francisco Alves de Almeida e sua mulher, como senhores de um sitio de doze alqueires, e a Companhia Pan Geral Brasileira de Petroleo, representada pelo seu presidente sr. Ivar Hoppe e este pelo sua procurador sr. Leonidas de Carvalho. Outro, em 3 de Junho de 1931, entre os srs. Manoel Joaquim Vieira e sua mulher, como donos de um sitio de cincoenta e quatro alqueires, e a Companhia Brasileira de Petroleo, representada pelo seu procurador dr. Luiz Oscar Taves. Iguaes a esses foram lavrados cincoenta e dois contractos no primeiro tabellionato de Pirajú, sendo quarenta e seis da Pan Geral e seis da Brasileira. Contractaram com a Pan Geral os seguintes proprietarios:
1 — André Martins Crespo e sua mulher.
2 — Lazaro da Silva Leme e sua mulher.
3 — José Anicesio Pena, sua mulher e outros.
4 — D. Leopoldina Mariana de Faria e outros.
5 — João Dall’Agnolo e sua mulher.
6 — Victorio Vecchia e sua mulher.
7 — Pedro Bonametti e sua mulher.
8 — Antonio Alves da Silva e sua mulher.
9 — Joaquim Alves Martins e sua mulher.
10 — Antonio Martins de Araujo e sua mulher.
11 — Benedicto José Gonçalves e sua mulher.
12 — Coronel Joaquim Rodrigues Tucunduva.
13 — João Dias e José Leme de Brito e suas mulheres.
14 — Antonio Ignacio Franco, sua mulher e outros.
15 — José Rodrigues de Camargo
16 — José Pedro da Silva Leme e sua mulher.
17 — João Leme de Oliveira e sua mulher.
18 — Lazaro da Silva Leme e sua mulher.
19 — Dr. Claro Cesar e sua mulher.
20 — Martim Wolf e sua mulher.
21 — José Generoso da Costa e sua mulher.
22 — Elias de Souza Oliveira e sua mulher.
23 — Francisco Alves de Almeida e sua mulher.
24 — Miguel Leonel Ferreira e sua mulher.
25 — José Lopes Olmo e sua mulher.
26 — Mariano Jodar e sua mulher.
27 — Sinibaldo Caramaschi e sua mulher.
28 — Manoel Alher e sua mulher.
29 — José Lucio Ferreira e sua mulher.
30 — Antonio Cestari e sua mulher.
31 — Pedro Leme de Brito e sua mulher.
32 — João Leme de Brito.
33 — D. Rita Maria Francisca.
34 — Matheus Benedicto Dias, sua mulher e outros.
35 — Candido Leme de Brito e sua mulher.
36 — Apparecido Cabral e sua mulher.
37 — João Eiras e sua mulher.
38 — Antonio Ignacio, sua mulher e outros
39 — Francisco Pereira da Silva e sua mulher.
40 — João Domingues de Oliveira e sua mulher.
41 — Ataliba de Castro Negrão e outros.
42 — Thomaz Martos Porcel e sua mulher.
43 — Isaías Assis de Paiva, sua mulher e outros.
44 — Adriano Custodio de Souza e sua mulher.
45 — Lazaro Marcellino da Motta e sua mulher.
46 — Indalecio Fernandes e sua mulher.
Contractaram no mesmo officio com a Companhia Brasileira de Petroleo, os seguintes agricultores;
47 — Jorge Mello e sua mulher.
48 — Jorge A. Jeffery e sua mulher.
49 — Mario Martinelli, sua mulher e outros.
50 — Coronel Antonio Eulalio de Carvalho.
51 — Manoel Joaquim Vieira e sua mulher.
52 — José Gery e sua mulher.
No cartorio do segundo tabellião de Pirajú encontram-se mais sete contractos com a Companhia Brasileira de Petroleo, o que eleva a cincoenta e nove o total das escripturas publicas de concessões do subsolo, incluindo-se mais os seguintes proprietarios:
53 — Maximo Barradas.
54 — Salvador Cortez.
56 — Antonio Maximiano de Godoy.
57 — Carlos Nillo de Moraes.
58 — Justino Francisco da Rocha.
59 — João Severino da Rosa.
E passemos agora á Ribeirão Claro, na visinha fronteira do Paraná, em que Washburne tambem localisou outro anticlinal.
57. — Nessas localidade as duas emprezas contractadoras conseguiram mais sessenta e nove convenios eguaes, tambem por escripturas publicas, passadas nos seus cartorios, sendo vinte e tres da Brasileira e quarenta e seis da Pan Geral, o que perfaz, somente nesses dois municipios, o bello total de cento e vinte e oito contractos de sub-solo. O sr. Taves, da Brasileira, obteve os seguintes clientes:
60 — João Carlos de Faria.
61 — Carlos Stirti.
63 — Fernando Martini.
64 — Francisco de Oliveira Carvalho.
66 — Apparico Alves de Campos.
66 — Desiderio Gavioli e Filhos.
67 — Antonio Thomaz Camillo Ruas.
68 — Joaquim Correia.
69 — Eugenio Minghini.
70 — Maria Delfina de Jesus, Filhos e Genros.
71 — João Pereira da Silva.
72 — Augusto Seraphim.
73 — José Paulino Rodrigues de Aguiar.
74 — Virgilio e Victorio Chiarotti.
75 — Menores Benedicta Pereira da Silva e seus irmãos.
76 — Carlos Campana.
77 — João Baptista Amadeu.
78 — Estevam Callegari.
79 — Pelegrino Piolli.
80 — José Lino de Almeida.
81 — Fortunato Salvalaggio.
82 — Antonio Pedron e outros.
Com o sr. Ivar Hoppe, presidente da Pan Geral, representado pelo sr. Simões de Carvalho assignaram contractos as seguintes pessôas:
83 — Baptista Minghini.
84 — João Rosso.
85 — José Rodrigues de Almeida.
86 — Pedro Ross.
87 — Pedro Amadeu.
88 — Leodor Benedicto da Silva.
89 — Mario Frigieri.
90 — Salvador Frigieri.
91 — José Francisco Adolpho.
92 — Eugenio Antonio Pinto.
93 — Paulo Baccon.
94 — Ricardo Denobi.
95 — Anacleto Campos.
96 — Sebastião Antunes Ferreira.
97 — João Baccon.
98 — Juvenal Antunes Ferreira.
99 — Lourenço Maximiliano da Cunha..
100 — Benedicto Cirelli e outros (menores).
101 — Apparicio Leonel de Carvalho (menor).
102 — Bernardino Pereira Padilha.
103 — Felicio Minghini.
104 — Manoel Alves de Campos.
105 — Antonio Panichi.
106 — Donaria Maria de Jesus.
107 — Salvador de Campos e Joaquim Correia Barbosa.
108 — Giacomo Biagio.
109 — Antonio Cirelli.
110 — Felicio Minghini.
111 — Leopoldina Maria de Jesus e outro.
112 — Giacomo Biagio (outro).
113 — Ruginini Maria e outros.
114 — Pedro de Lorena Neia.
115 — Venerando José da Silva e outros.
116 — Joaquim Roque Teixeira.
117 — Francisco Bernardo Neia.
118 — Anacleto Matavelli.
119 — Benedicto Correia Ferraz,
120 — Alfredo Cirelli e outros.
121 — Sebastião Manoel dos Santos.
122 — José Manoel dos Santos.
123 — Olinda Leonel de Carvalho (menor).
124 — Alvaro Cesar de Camargo.
125 — João Amadeu Baptista.
126 — Frederico Gardi e outros.
127 — Moysés Rahuam.
128 — Sebastião Manoel dos Santos.
PAGAR PARA NÃO PERFURAR
58. — Os contractos de Pirajú e de Ribeirão Claro são a documentação indiscutivel, incontrastavel, peremptoria da verdade das accusações que Monteiro Lobato formulou e da sinceridade da carta que Koller lhe dirigiu. Ha que analysar a extrema gravidade dessa situação. Antes, porém, attentemos bem na technica contractual, maduramente pensada e applicada pelos departamentos especialisados dos trusts.
Elles estatuem uniformemente, por um praso decennal, a exclusividade de prospecção, pesquiza, descoberta, exploração, extracção e producção de oleo. Desde que UM POÇO seja perfurado nesse tempo, será prorogado o praso por egual periodo subsequente de dez annoz, e assim indefinidamente, emquanto não se exgotarem as jazidas. Se pelo menos um poço não fôr iniciado (note-se bem, apenas INICIADO) dentro de um anno, pela Pan Geral, ou dentro de dois, pela Brasileira, as emprezas se obrigam a pagar aos proprietarios annualmente, no decurso do contracto, dez mil reis por alqueire da area estipulada e assim successivamente até o inicio da perfuração do primeiro poço. Na falta de INICIO DE PERFURAÇÃO desse primeiro poço, OU NA FALTA DOS PAGAMENTOS A SEREM FEITOS EM VEZ DO INICIO DA PERFURAÇÃO, os proprietarios terão direito á rescisão do contracto. A esse respeito somos seguramente informados de que os pagamentos vêm sendo effectuados com rigorosa pontualidade. Todos os annos o pagador official de cada empreza corre a sua zona e salda o fôro especial de não perfuração. Isto é, pagam para não furar. Não perfurar é impedir producção. Impedir producção é assegurar o consumo procedente do exterior. Os Cesares do petroleo não haviam mesmo de admittir que de seu imperio escapasse a grande providencia de consumo do Brasil. Habilmente inventaram então a formula do senhor pagar um fôro de beneficio aos servos para que a servidão continue. O que elles acaso dispendam nessas anuidades, ser-lhes-á, se necessario, immediatamente reposto com um pequeno acrescimo de tabella nas bombas de gasolina que nos abastacem. Os donos dos terrenos de S. Paulo, Paraná, Matto Grosso, e outras regiões ganham esse tributo de Cesar para que o Brasil permaneça na escravisação economica do petroleo.
Essa dura escravisação está garantida inicialmente pelo menos por dez annos, dentro dos quaes os proprietarios, mediante uma indemnisação irrisoria, acceitam o jugo dos contractos. Elles não são os culpados directos. Culpado directo é o departamento nacional que os mantem na ignorancia das riquezas de seu sub-solo, com a these official de que em tais zonas não ha possibilidade de petroleo. Não admira, pois, que o proprietario territorial, desilludido pelo orgão technico da administração, aceite a primeira proposta que lhe proporciona uma renda qualquer. A inconsciencia não é delles. E’ das altas espheras dirigentes.
COLLIGAÇÃO E FEDERACAO DOS TRUSTS
NO BRASIL
60. — Que entidades são essas, Pan Geral Brasileira e Cia. Brasileira de Petroleo, com appellidos tão extremamente sympathicos aos pruridos de nosso nacionalismo? Brasileiras? Não. Extrangeiras. Atraz dellas estão os trusts. Como nascem? Nascem dos trusts. Como vivem? Vivem como ovulos, ou embryões das futuras organisações industriaes e commerciaes dos trusts. Ficam por ahi em estado de larvas, devorando contractos silenciosamente, na santa ignorancia do departamento. Um dia, quando os brasileiros cognominados “aventureiros de má fé” arrancarem petroleo do primeiro poço, transformar-se-ão em adultos, de terrivel efficiencia. Hoje, são baterias occultas, que se installam nas posições dominantes da campanha de amanhã.
61. — Para bem comprehender-lhes as missões, cumpre relembrar que os trusts, que se entrematam na competição dos mercados, são, entretanto, sinceros alliados, quando se trata de impedir o aparecimento de novas fontes de producção, que lhes aggravem a superproducção, como é o caso do Brasil. Nesse terreno, reentendem-se e organizam-se em colligação, como bem o descreve Francis Delaisi, no prefacio de Zizchka: “Ha petroleo demais? Deante deste perigo, os grandes trusts adversarios se reconciliam. O triumvirato Deterding, Teagle, Cadman manda embaraçar as prospecções, fechar uma parte dos poços, limitar o “cracking.”
Desta maneira, Standard e Shell estão de pleno acordo em arrolhar o nosso sub-solo pelo maior praso possivel.
Entrementes, ellas se apparelham devidamente para o dia em que vierem a ser os concurrentes de producção no campo brasileiro, isto é, para a hora em que fôr aberta a nossa arena de batalha.
Para isso, cada uma promove e prepara, entre nós, a federação interna de suas sociedades, como elementos de inter-concurrencia, nos mercados de producção e de consumo, na jornada de amanhã.
Está nesse programma a historia da Pan Geral Brasileira, e outras semelhantes.
62. — A Pan Geral, por exemplo, não é senão uma federada da Standard Oil no Brasil. São egualmente federadas a Companhia Maritima Brasileira, a Brasil Patentes Inc. e Empreza Nacional de Petroleo. Discute-se muito a nacionalisação pretendida pela Standard Oil of Brasil, conservando o nome originario de Standard Oil. Essa manobra é alta comedia. De ha muito ella está nacionalisada na sua prole. Iremos agora Conhecer alguns membros conspicuos da familia.
63. — Principiemos pela Companhia Maritima Brasileira. Ella desempenha certamente um papel importante na organização, visto estar sob o controle imediato da Standard Oil of New Jersey, que é a matriz da Standard nos Estados Unidos. (Vide “Diario Official” da União de 27 de Fevereiro ultimo, com a acta da assembléa geral de 31/1/36 assignada por F. C. Rawson, p. p. da Standard Oil of New Jersey). O capital desta empreza é de 500 contos, em acções de 100$000. Maior acionista, a New Jersey. Seus directores são antigos auxiliares da Standard Oil Co. of Brasil. Na praça, a Maritima é effectivamente considerada uma das subsidiarias da New Jersey, que, por sua vez, é a maior acionista da Standard Oil of Brasil.
Suas ligações estreitas com a Pan Geral, com a Brasil Patentes e com a Empreza Nacional de Petroleo estão devidamente comprovadas.
Com efeito. Segundo se verifica das publicações officiaes do “Diario Official” da União, de 27 de Fevereiro cit., de 25 de Abril e de 6 de Maio do corrente anno (documento annexo ns...) — ha intima connexidade de suas administrações, demonstrando communhão de negocios, pelo entrelaçamento e associação de seus directores, a saber:
Por outro lado, o sr. Leighton Clark, da Maritima, é o mesmo que esteve, com o sr. Gerald Sola, em Alagoas, em Dezembro de 1935, procurando obstar o contracto de estudos geophysicos, que o governo daquelle Estado celebrou com a Elbof.
64. — Sobre a Companhia Brasileira de Petroleo, suas ligações são attribuidas á Royal Dutch and Shell. Tinha até ha pouco um capital de 140 contos, dividido em 7.000 acções de vinte mil réis cada uma. Desse capital, 75 contos foram realisados pelo acionista John N. Taves em bens e direitos, constantes de contrastos de opção, compra e arrendamento de terrenos petroliferos. A Companhia tem por objectivo compra e arrendamento, por conta propria ou de terceiros, de terrenos em que haja possibilidade de jazidas de petroleo, afim de fazer estudos, sondagens e desenvolver a exploração da industria extractiva de petroleo, por conta propria, ou contractar a exploração com emprezas extrangeiras. Até 31 de Dezembro de 1935 esta empreza tinha empregado 305 contos em contractos e opções, ou seja uma importancia equivalente a quasi tres vezes o montante de seu capital. Em 15 de Junho o capital foi augmentado para 500 contos, mediante a emissão de 360 contos de acções preferenciaes sobre as anteriores, quer quanto aos juros, quer quanto ao resgate.
Consta do relatorio da directoria, relativo ao exercicio de 1935 (vide “Diario Official” da União, de 6 de Março ultimo — Doc. anexo n.): “Contractamos ainda 253 hectares de terrenos que julgamos petroliferos no Estado do Paraná, MANTENDO EM DIA TODOS OS COMPROMISSOS DA COMPANHIA COM OS PROPRIETARIOS DOS TERRENOS POR NOS CONTRACTADOS, de accordo com os contractos lavrados a nosso favor”.
65. — O presidente da Companhia, sr. Oscar Raywood Taves, é norte-americano e os dois outros directores, srs. Frederico Vieirling e dr. Oscar Luiz Taves, são brasileiros. A respeito de suas actividades informa o sr. Henry Leonardos, filho do sr. Othon Leonardos, do Departamento Mineral, em artigo estampado na “Offensiva” em 28/12/1935, que a actuação desta empreza, que funcciona legalmente desde 1932, consta de tres phases: I — Compra, ou arrendamento de terrenos; II. — Estudos geologicos e geophysicos; III. — Perfurações. Esta ultima phase ainda não foi iniciada. E accrescenta: “Onde quer que o engenheiro Oscar Luiz Taves se metta a procurar petroleo, apparece atraz delle o sr. Birnfeld — (presidente da Pan Geral e da Brasil Patentes). Dahi, os appellidos “O Gordo e o Magro” pelos quaes os dois são conhecidos no Paraná.”
Em Pirajú e Ribeirão Claro quem appareceu ao lado do sr. Taves não foi o sr. Birnfeld; foi o sr. Leonidas de Carvalho, representante do sr. Ivar Hoppe, logo depois nomeado gerente da Standard Oil of Bolivia, quando estourou a guerra do Chaco.
66 — Alem dessa subsidiarias, ou emprezas mascaras, os trusts possuem uma frente invisivel para estudos geologicos e contractos. O sr. Leonidas de Carvalho, por exemplo, agente de Standard, pode fornecer, nesse sentido se o quizer, á Commissão de Inquerito, caso esta lh’o peça, os mais preciosos e copiosos esclarecimentos. Poderá attestar a idoneidade do sr. Harry Koller, autor da carta já conhecida, porque foi seu companheiro no Departamento Legal e de Terras secreto do Brasil, cujo objectivo é o exame dos titulos de propriedade em face da legislação brasileira, a revisão dos terrenos e a realisação dos contractos. E o sr. Leonidas de Carvalho poderá ainda informar que o sr. Koller, antes de ser transferido para o Departamento Legal Invisivel, no Brasil, prestou servivos no Departamento Geologico, como engenheiro especialisado em todos os assumptos de petroleo, geologia, reconhecimentos, ligação de pine-lines, com curso completo de escola de minas e geral de geophysica. Nessa qualidade percorreu em reconhecimentos, durante annos, a zona paulista, Piracicaba, Pirajú, Timbury, todas as carvoeiras da zona mineira, Ribeirão Claro, Jacaresinho, Quatiguá, Colonia Mineira, S. Jeronymo, Guarapuava, no Paraná; Blumenau, em Santa Catharina, e o Rio Grande do Sul.
Koller não é o exemplo individual isolado. Os monopolisadores mobilisam, secretamente, por toda parte, uma equipe formidavel de dezenas, ou centenas de Kollers, um exercito occulto de especialistas eleitos, que se infiltram nos campos, no commercio, nas profissões liberaes, na administração publica, installando em todas as posições as fortalezas de seus interesses, para obstar a abertura e a exploração de fontes de petroleo no Brasil.
Como guarda avançada — o vendedor avulso de gasolina. Não ha cidade, villa ou povoado, em que não exista uma bomba. Não ha bomba, onde não exista um agente dos trusts, industriado e escolarisado, como temos verificado por toda parte, na defesa dos interesses de seus patrões, tudo vendo, ouvindo e informando. Cada qual é o je sais tout, o Pathe Journal e o Sherlock de sua companhia...
A RAÇA DOS ABNEGADOS
67. — Quanto ás operações sociaes das companhias-mascaras, ha aspectos paradoxaes.
O balanço da Pan Geral, de 31/12/35, accusa no seu activo as seguintes parcellas:
applicados em contractos de sub-solo, bem superior ao seu capital de mil contos e com um passivo
de 519 contos de contas a pagar. Como a Pan Geral não está fazendo perfuração alguma, essas verbas indicam exclusivamente applicação no programma de apropriação de terras.
68. — Na assembléa geral da Companhia Maritima de 31/1/36 (Diario Official” cit.),” o sr. presidente (dr. Paulo José Pires Brandão), — tendo EM VISTA OS PREJUIZOS HAVIDOS PELA COMPANHIA no anno social de 1935, conforme balanço annexo da directoria publicado pela imprensa, PROPÕE AOS SRS. ACCIONISTAS NÃO SEJA DISTRIBUIDO DIVIDENDO relativo ao anno de 1935. A moção é secundada e approvada unanimemente.”
Por sua vez a Companhia Brasileira de Petroleo, no seu balanço de 1934, accusa um deficit de 104 contos, e no de 1935 um prejuizo de 131:876$700.
69. — Por outro lado, é certo que todas essas emprezas mantêm seus compromissos em dia, gosam de credito commercial solido, e cumprem suas obrigações com regularidade de chronometros.
Todas dão prejuizos, os accionistas sem dividendos, os directores sem vencimentos, cada vez mais contractos, todos os contractos no regimen das multas moratorias, as multas em dia, nenhuma perfuração — uma raça maravilhosa de abnegados do petroleo brasileiro...
CONTRASTES DE ATTITUDES
70.— E’ evidente que todas essas companhias, manobradas pelos poderes occultos, querem apenas segregar os terrenos petroliferos, porque pretendem exactamente não furar. Qual a extensão de suas conquistas em nosso sub-solo? Ignoramos. Só a estructura de Washburne lhes deu em Pirajú e Ribeirão Claro cento e vinte e oito contractos!
E quantos produziram á Pan Geral as doze estructuras localisadas por um só de seus geologos, o sr. Harry Koller? E as demais companhias? E que succedeu no resto do Brasil?
Simples particulares, por muito que nos ésforcemos nas pesquisas, embebidos pela consciencia de uma causa culminante e nobre, nosso campo e nossos meios de acção são limitados. Vemos entretanto, que somente algumas notas colhidas em publicações officiaes desvendam um mundo consolidado dos interesses occultos. A machina official, que tudo devia saber, ignora tudo. Nem o Departamento, nem o Ministerio, estão ao par de nada. Ou porque não procuram saber, tendo todos os recursos para fazel-o. Ou porque ocultam o que sabem. Ou porque sabem o que occultam.
Ha, entretanto, informes seguros de que, por entre os pinheiraes paranaenses, regorgitam nos cartorios de Garapuava, de Palmas, de Porto Victoria, escripturas identicas. Em todo o extenso valle do Rio Jangada, centenas de pequenos proprietarios, que o povoam, recebem o soldo decennal dos trusts. Em Mato Grosso, em todo o vasto Chaco ou Pantanal, domicilio prehistorico do mar de Xaraés, onde se acamam os sedimentos do extincto mediterraneo da America do Sul — quer nas fronteiras com a Bolivia, quer nos limites com o Paraguay — a infiltração e as tentativas de infiltração se multiplicam pela mesma forma. E, no mesmo estylo, pelo paiz alem...
Todavia, o sr. ministro da agricultura, a pg. 86 das “Bases para o Inquerito” conta-nos, com aquella grande simplicidade official:
“O Departamento Nacional de Producção Mineral não tem conhecimento das acquisições de terras a que allude o missivista (Monteiro Lobato), salvo das que passaram a constituir o patrimonio da Companhia Petroleo Nacional S/A (de Alagoas).
Não fora certo que o peor cego do mundo é aquelle que não quer ver...
71. — E’ de assignalar-se, neste passo, um vivo contraste de attitudes. Emquanto as emprezas extrangeiras timbram em não abrir perfuração, todas as brasileiras só se organisam para perfurar. Desde o primeiro emprehendimento de Eugenio Ferreira de Camargo até o dia de hoje, seja a Cruzeiro do Sul, seja a Petrolifera Brasileira, seja a Petroleos do Brasil, seja a Petroleo Nacional, todas nasceram sob o signo das perfurações — e perfuram até exgottarem os seus ultimos recursos.
Ahi estão, a Petrolifera, com um poço de 1300 e tantos metros, que só se aprofunda lentamente porque lenta é a colheita dos meios necessarios; a Cruzeiro do Sul, com um poço de 430 metros e a Petroleos do Brasil, com outro poço de 1070 metros, anibos paralysados por falta de capitaes — justamente porque o departamento mineral lhes embargou novos levantamentos por subscripção, com a sua intervenção nefasta; a Petroleo Nacional, com um segundo poço de 300 metros em trabalhos, depois de ter perdido o primeiro por sabotagem do pontifice do ministerio, sr. Victor Oppenheim — sempre encarniçadamente guerreada, desde o lançamento do primeiro manifesto.
E onde as perfurações da Pan Geral? da Maritima? da Brasileira de Petroleo? da Brasil Patentes? da Nacional de Petroleo?
72. — Fala-se nas maravilhas do nacionalismo do Codigo de Minas. Mas os seus obstaculos são magnificas maneiras de cooperação com o programma das emprezas extrangeiras, que não querem tirar, nem que se tire petroleo. Seus embaraços algemam apenas as nacionaes. Estas não dispoem de capitaes para immobilisar em contractos, pagando a multa annual moratoria de não perfuração. Todo o dinheirinho que obtêm, empregam logo na abertura de poços. As extrangeiras, ao contrario, manejam largos recursos para paralizar as explorações do sub-solo, visto como a immobilisação desses recursos no Brasil representa a segurança de sua renda no exterior, á custa do Brasil.
O Codigo de Minas, com a sua “selva oscura” de formalismos, de absurdos os mais inacreditaveis, de grosseiro inconstitucionalismo e de centralismo inquisitorial, foi, nestes annos, o maior desastre possivel para o problema do petroleo brasileiro, peiando, com suas amarras, as nossas iniciativas e cooperando, de forma decisiva, para o bom exito dos interesses escravagistas do combustivel liquido.
73. — As Donzellas de Ruão do nacionalismo do sub-solo apregoaram muito cêdo a vinda dessa codificação messianica.
Deante de sua iminencia, antes que fosse extincto o dominio privado do sub-solo para attribuil-o, como se pretendia, á Nação, os interesses secretos lançaram mão de todos os recursos para a politica de acaparamento denunciada por Koller, isto é, para obter os contractos e opções á sombra do direito anterior, convertendo-os em direito adquirido, a tempo e a hora, antes do golpe pseudo-nacionalisador. Esse direito hiberna dentro dos contractos e asphyxia quaesquer iniciativas.
Promulgado o Codigo, cada um desses grupos estava em condições de sorrir: “Je m’en fiche... Minha vida está arumada. Não desejo mesmo tirar petroleo...”
Assim o Codigo, com o pretenso intuito de defender para a nacionalidade o sub-solo, nada mais fez do que servir os interesses invisiveis dos trusts omnipotentes. Nunca tivemos sinistro egual. Catclysmo para nós. Para elles, ouro sobre azul.
Emfim, o Codigo de Minas nada mais é que optima tranca apposta a uma casa despojada. Não lhe resta outra finalidade, actualmente, que impedir a entrada dos seus legitimos senhores e possuidores. As melhores joias DELLA RETIRADAS estão no cofre de aço dos contractos e opções, estylo Pirajú e Ribeirão Claro...
DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS
74. — A lucta das iniciativas nacionaes contra os interesses dos trusts é dolorosamente desegual. Não basta que o Codigo de Minas, creado para interdictar a entrada dos extrangeiros, só lhes viesse beneficiar; não basta que seus entraves tolhessem exclusivamente as nossas actividades, com a politica de difficultar a exploração do petroleo; não basta que,praticamente, aquelle estafermo, eliminando possibilidade de nossa concurnencia, constituisse o melhor feito até hoje realisado pelos escravisadores do combustivel.
A desigualdade ainda mais iniquamente se aggrava com a duplicidade do principio de fiscalisação sobre as emprezas de pura formação nacional.
E’ aquillo que o eminente sr. Odilon Braga chama “a mentalidade technocratica que assegura aos orgãos technicos regularmente constituidos o direito de dictar normas de conducta ás emprezas particulares, com o direito de intervir até no mais intimo de sua economia, para o fim de acautelar os interesses de seus accionistas e os da vida social.”
75. — Esse thema não se encaixa em nossa legislação. As sociedades anonymas dividem-se entre as que precisam e as que não precisam de autorisação do governo para funccionar, entre as que dependem e as que não dependem de fiscalisação para sua vida financeira. As sociedades de mineração e petroleo incluem-se entre as de livre organisação. São seus accionistas os fiscaes dos proprios interesses, pelo jogo de direito e de defesas, que a lei lhes outorga, atravez das assembléas, dos conselhos fiscaes, das administrações e das vias judiciarias. A intervenção, pois, do Departamento na vida financeira das nossas emprezas, na questão das subscripções, do augmento ou reducção de capitaes e outras equivalentes, não tem assento em lei. Não é nesse terreno que se exerce a funcção technica e administrativa do Departamento.
76. — Admittido, porém que fosse esse o criterio legal, deveria applicar-se indistinctamente tanto ás emprezas nacionaes, quanto ás extrangeisas. Mas o furor nacionalista do Departamento só se volta contra a prata de casa, com “aquellas razões que, segundo Monteiro Lobato, lembram as dos inquisidores, que queimavam vivos os herejes com o piedoso intuito de evitar effusão de sangue. O Departamento destruiu a Petroleos de dó dos accionistas da Petroleos...”
Para as emprezas não brasileiras, nada de ter dó dos accionistas. Como vimos, seus directores realisam contractos e não cumprem. Sujeitam-se ás multas. Não abrem poços. Não fazem coisa alguma. Deixam as sociedades paradas. Sem rendimentos. São só despezas. Nada de dividendos. Os directores não ganham. Obter producção do sub-solo não lhes passa pelo cerebro. Tudo ruinoso em materia de administração. Tudo contrario aos interesses dos accionistas...
Uma verdadeira jiga-joga. A Brasileira de Petroleos começa com um capital de 170 contos. Sobe para 330. Depois torna a baixar para 140. Agora, augmenta para 500. Emitte 360 contos de acções preferenciaes com prejuízo das primeiras. Uma anarchia... E o Departamento não se commove com a desgraça de seus accionistas !... Reserva sua compaixão apenas para os accionistas e para os subscriptores da terra. A Petroleo Nacional pede vinte mil contos ao publico para perfurar? Não caiam nessa. Alagoas é um negocio de má fé. A Petroleos do Brasil precisa de mais capitaes para perfurar? Não arrisquem dinheiro nessa impostura. O sr. Oscar Cordeiro quer explorar as minas do Lobato? Como? Pois não sabem que elle falsificou as amostras para inculcar petroleo ? Tudo caraminholas... estellionatos... Não ha estructuras em S. Paulo, nem na Bahia, nem em Riacho Doce... Para que perfurações inuteis ?...
Deixem isso para as sociedades extrangeiras, que podem sacrificar os seus accionistas escandalosamente, com o onus do soldo decennal, e multas sobre multas...
77. — Essa, a incomparavel e dupla acção intervencionista do Departamento. Porque perfuram, as companhias nacionaes são tuteladas, curateladas, perseguidas pelos communicados, boletins e relatorios officiaes. Porque não perfuram, as filhas dilectas dos trusts, delle desconhecidas, gosam da mais desconhecida liberdade.
O Departamento esmiuça o que não podia : a vida intima, recatada e honesta de nossas emprezas. Ignora, porém, o que devia saber : o escandaloso acaparamento de terrenos petroliferos pelas emprezas de fóra.
No fundo, não ha contradicção alguma... São umas aborrecidas, porque querem tirar petroleo; outras despenadas de incommodos, porque não o querem tirar. E’ a logica natural e crystallina do não . deixar que o tirem...
Dois, não. Um só peso e uma só medida.
O ESCANDALO DOS MALOPS
78. — Em face da exposição, devidamente comprovada que acabamos de fazer, comprehende-se muito claramente por que os trusts collocaram os srs. Mark Malamphy e Victor Oppenheim no Departamento Mineral como aquellas “duas peças mestras, a que se refere a “Carta Aberta” de Monteiro Lobato, que estão para o organismo como o cerebro humano está para o corpo.” Elles completam o apparelhamento da machina de sabotagem erguida dentro do paiz. Açambarcando os terrenos, não deixam os particulares explorar o sub-solo. Açambarcando a administração, impedem o poder publico de fazel-o. Em outros termos: para neutralisar as iniciativas privadas, os contractos de não perfuração e o Codigo de Minas. Para despistar a administração, o hierophantismo das “Rochas Gondwanicas”.
79. — Coube a Monteiro Lobato, pela providencia das circumstancias, conseguir a prova das tendenciosas actividades daquelles dois lobulos cerebraes do Departamento. Denunciou-a ao paiz, na sua famosa “Carta Aberta”, de Fevereiro ultimo, intitulada “Porque o Brasil não tem petroleo”. Esse terrivel libello abalou a consciencia nacional, determinou a formação da Commissão de Inquerito e teve larga divulgação em revistas da maior autoridade, na Argentina e nos Estados Unidos.
Não é mister reproduzil-a. Façamo-lhe apenas a summula: dois funccionarios do Departamento Mineral annunciam-se no exterior. Em seguida, consoante a correspondencia conhecida, entram em negocios no estrangeiro, para fornecer elementos relativos ás possibilidades de petroleos, obtidos no decurso de trabalhos technicos por elles contractados com o governo brasileiro.
80. — Posta asim a questão nos devidos termos, analysemos serenamente a carta de Malamphy, tanto sob o ponto de vista juridico, quanto sob o moral e o administrativo. Quanto ao primeiro: por direito civil, nos contractos de locação os serviços executados pertencem ao locatario e não ao locador. Feitos por funccionarios publicos contractados, obedecem á mesma regra: são propriedade do Estado. Utilisando-se desses trabalhos para fins pessoaes e mercantis, incidiram aquelles funccionarios em flagrante violação de contracto. Quanto ao segundo: uma vez realisados os trabalhos, só a administração pode divulgal-os, salvo a todos os cidadãos o direito de obter certidões, conforme dispositivo constitucional, resguardado o caso de sigillo imposto pelo interesse publico. Procedendo de forma diversa, aquelles funccionarios violaram o direito administrativo. Alem do direito civil e do direito administrativo, infligiram o direito penal: cairam em prevaricação, ou abuso de funcções. Sobre o dolo civil, o dolo criminal.
81. — E’ claro que os dois funccionarios não entraram em negociações para declarar que “não ba petroleo no Brasil”. O mutuo entendimento processava-se necessariamente na base da existencia de campos petroliferos. Para exploral-os? Para acaparal-os? Pouco importa. Elles concorriam com o conhecimento da existencia desses campos.
Conhecia-os o Estado? Não. Se os conheces-se, o Brasil os conheceria.
E’, pois, patente o dolo; ou os legitimos resultados dos estudos foram entregues ao Estado ou não foram. Se não o foram, então estariamos em face da mais vergonhosa das prevaricações, com a mais ostensiva das apropriações indebitas. Seria mão baixa, clandestina e sobrepticia, da coisa alheia, occultando-a do dono e deixando de fazer della uso certo e determinado, em razão do emprego que exerciam. Isto é, seria a apropriação indebita, interceptando o conhecimento e a posse da da coisa ao legitimo proprietario.
Se o foram, então os srs. Mark Malamphy e Victor Oppenheim praticam uma parceria, ou communhão sui generis com o Estado. Embora recebessem deste integral pagamento do salario e custeio de serviço, ainda cubiçam a meação da safra, com uma partilha singular: para o Estado só tem tocado o joio, isto é, os resultados negativos do “não-ha-petroleo” e para os segadores da safra sómente o trigo, isto é, os resultados positivos do “ha-petroleo” de valor mercantil internacional.
82. — O corpo de delicto disso tudo é a carta de Malamphy. Uma vez exhibida, patenteou-se a situação juridica dos dois socios da firma Malop, como infractores do direito civil, transgressores do direito administrativo, violadores do direito penal.
A’ administração corria o imperativo de agir com energia, segurança e rapidez. Providencia primeira e immediata: o afastamento dos funccionarios de seus cargos. Elles proprios deveriam ser os primeiros a solicital-o, por um natural movimento de pundonor e para dar liberdade de acção ao governo. Mais tarde, verificada a improcedencia das accusações, obteriam a devida reparação moral e material.
Não o tendo feito, ao eminente titular da pasta da Agricultura convinha determinal-o, como ma cautela elementar nesses casos sempre indicada aos altos dirigentes. E alem do processo adminstrativo, que acaso se instaurasse, seria de bom conselho entregar o facto ao conhecimento da justiça Publica — tal a sua terrivel gravidade perante o problema mais crucial do Brasil.
83. — Houve por bem, entretanto, entender de modo diverso o illustre magistrado administrativo da Praia Vermelha. Afigurou-se a S. Exc., consoante pondera nas “Bases para o Inquerito”, que “os chamados annuncios pareciam não ter intuitos mercantis”. Afigurou-se-lhe mais que “se considerarmos que os contractos do Ministerio são refeitos annualmente, nenhuma segurança havendo de sua continuação, concluiremos por julgar admissiveis que os contractados, sendo extrangeiros, cuidem de prevenir suas futuras collocações”. São dois argumentos discutiveis, duas conjecturas de natureza puramente intima e subjectiva, no mundo inconsistente das intenções. Ora, nós não queremos collocar a questão no terreno da controversia. Preferimos resolvel-a em um terreno absolutamente pacifico.
84. — Ha um principio indiscutivel e expresso de direito commercial, segundo o qual o facto posterior praticado pelas partes é a melhor interpretação dos actos e dos contractos. Sobre isso, que é direito escripto, por certo o exmo. sr. ministro não levantará a menor duvida.
Appliquemol-o no caso em especie. Um interessado, lendo um annuncio, escreve ao annunciante propondo um negocio de petroleo no Brasil. O anunciante responde que está prompto a “offerecer cooperação para qualquer empreza legitima que tiver em vista AS POSSIBILIDADES DE PETROLEO NO BRASIL” Pede aos interessados nessas possibilidades que se communiquem com elle, dando uma ideia geral dos planos, que terá o maior prazer em discutir o auxilio que poderá prestar-lhes.”
Essa carta é o facto posterior ao annuncio, que o interpreta em suas finalidades. Essas finalidades são nitidamente commerciaes e NA VIGENCIA DOS CONTRACTOS DOS FUNCCIONARIOS COM O GOVERNO.
Como não se achavam trabalhando por conta propria, não tinham a faculdade de dispor de seus estudos e pesquizas. Esses estudos e pesquizas eram de caracter a corroborar a existencia das possibilidades de petroleo neste paiz, mas pertenciam ao Estado. Estavam, portanto, os funccionarios lançando mão do patrimonio administrativo, para interesse commercial seu.
O seu afastamento aconselhava-se, portanto, como cautela elementar, até a apuração de suas responsabilidades.
85. — Admitte ainda o digno ministro, que se elles estivessem estipendiados pela Standard não necessitariam de taes propagandas e de taes actividades. A “Carta Aberta” de Monteiro Lobato não individualisa a Standard. Standard é symbolo. Allude, sim, por varias vezes, englobadamente, ás entidades extrangeiras que namoram “o petroleo que officialmente não temos”; á “politica dos grandes trusts de petroleo” etc.
Seja como fôr, o argumento ministerial é de que o annuncio induz que não estavam a soldo da Standard. Essa explicação pecca por nimio simplismo. A missão dos technicos do Ministerio não é prear contractos e opções. Para o acaparamento das terras ha as sociedades especialisadas e organisadas em pleno funccionamento, e com fulgurante successo. O papel dos technicos é despistar, desnortear a administração, afastal-a de S. Paulo, de Matto Grosso, do Nordeste, mandal-a para o Acre...
Os technicos contractados ficam, entretanto, relativamente livres para o arranjo de seus “bicos”. São negociosinhos á parte, á custa das estructuras descobertas no serviço federal. Os interesses occultos, complacentes e generosos, não se dedignam por a firma Malop arrumar tambem a sua estructurasinha, como reforço de bonificação... O sr. Oppenheim, que dispendia em Alagôas varias vezes o montante de seu ordenado, explicava ao sr. Edson de Carvalho que praticava a geologia por esporte, visto como possue solida fortuna pessoal no extrangeiro. Somente fortuna, talvez não.. Naturalmente tambem outros companheiros do mesmo genero de esporte, que é o de impedir a exploração do petroleo no Brasil...
O AÇAMBARÇAMENTO DO MINISTERIO
86. — O açambarcamento da administração pelo sr. Victor Oppenheim está publicamente confessado pelo eminente sr. Odilon Braga, em varios topicos de seu relatorio. Foi o sr. Oppenheim, proclama s. exc., quem mudou a orientação pratica do Ministerio. Foi o sr. Oppenheim, que “a assentou num claro e racional systema de idéas, exposto na sua, por todos os titulos, notavel monographia sobre “Rochas Gondwanicas e Geologia do Petroleo no Brasil Meridional”. Foi o sr. Oppenheim o autor desse “documento fundamental que, neste instante, com o pleno e consciente apoio do Ministro, serve de base á acção official”.
Evidentemente, convertendo ao seu credo technico o titular da pasta da agricultura, o sr. Oppenheim açambarcou a administração, açambarcando-lhe a cabeça.
87. — Mas o honrado ministro foi trahido na sua confiança illimitada. Tanto quanto a famosa carta commercial é um corpo de delicto provindo de Mark Malamphy, — assim as “Rochas Gondwanicas” são outro corpo de delicto fornecido por Victor Oppenheim, ambos como autores de attentados contra os mais sagrados interesses nacionaes.
A Commissão do Inquerito já teve oportunidade de verificar naquella monographia um sem numero de adulterações. Truncaram-se os verdadeiros perfis geologicos de S. Paulo e de Alagôas, para chegar-se a conclusões negativas em relação ás zonas de facil exploração do petroleo, para anniquilar as emprezas nacionaes nellas interessadas e para arredar-nos até ás regiões longinquas, inhospitas e difficilmente accessiveis das fronteiras do Perú.
Quanto á Bahia, visando annullar os esforços do sr. Oscar Cordeiro, Oppenheim informou officialmente, no respectivo processo, que as amostras remettidas por aquelle interessado eram extranhas ao local. Um caso de policia. Mas os depoimentos prestados pelos engenheiros Augusto Fontenelle e Sylvio Fróes de Abreu, com os quaes os srs. Henry e Othon Leonardos se puzeram de accordo, — desmentiram a informação official de Oppenheim. O petroleo era do local.
88. — Neste passo, mutatis mutandis, observa-se a mesma politica do falseamento, praticada na Argentina pelos trusts. Em entrevista á imprensa, á proposito da visita recentemente feita por uma caravana do Instituto de Engenharia de S. Paulo á Republica do Prata, conta-nos o illustre engenheiro paulista Flavio de Carvalho:
“Conversando com um de seus engenheiros e como lhe dissessemos que no Brasil se presumia que grandes empresas petroliferas internacionaes estão difficultando as pesquisas, desmoralizando os esforços honestos que estão sendo feitos para localizar bolsas de petroleo, o referido engenheiro nos disse o seguinte:
“A principio aconteceu a mesma cousa comnosco. As amostras que remettiamos para os Estados Unidos vinham com resultados negativos, até que um engenheiro argentino, estranhando esse facto, se deu ao trabalho de refazer todas as analyses que vinham da America do Norte. O resultado foi surprehendente, porquanto ficou comprovado que as analyses feitas naquelle paiz eram systematicamente falsificadas e adulteradas. Diante disso o governo resolveu interessar-se pelo problema e o resultado é este que ahi temos: o petroleo constituindo uma das grandes riquezas da Argentina”.
89. — Que Oppenheim foi apanhado em falso nos seus trabalhos sobre S. Paulo não resta a menor duvida, deante da replica esmagadora de Washburne, que Monteiro Lobato ajuntou ao seu depoimento.
Com sua indiscutivel autoridade Washburne affirmou as possibilidades do petroleo devoniano no Paraná e em S. Paulo. A impostura de Oppeheim negou-as.
Pois bem: para matar de uma vez para sempre a mystificação de Oppenheim, acaba de intervir nessa questão, com seu contingente, o sr. Eusebio de Oliveira. O ex-director do serviço geologico, na ultima reunião da Academia Brasileira de Sciencia, que se realisou em fins de Junho, fez a respeito uma communicação importantisima.
Relata s. s. que, em recentes investigações a que procedeu no arroio de S. Domingos, affluente do Tibagy, nos arredores da cidade do mesmo nome, acaba de ser verificada “A EXISTENCIA DE ROCHAS PETROLIFERAS NO TERRENO DEVONIANO DESSAS REGIÕES. A HYPOTHESE DE WASHBUERNE FICOU PLENAMENTE CONFIRMADA!” E accrescentou:
“INDUBITAVELMENTE ESTAMOS EM PRESENÇA DE UMA ROCHA MATRIZ DE PETROLEO DE EDADE DEVONIANA.
“ESTA MATRIZ E’ DE ORIGEM FRANCAMENTE MARINHA NÃO HAVENDO SOBRE ESTE PONTO NENHUM MOTIVO PARA CONTROVERSIA, COMO ACONTECE COM O SCHISTO DO IRATY E OUTRAS ROCHAS MATRIZES DE PETROLEO NO BRASIL!”
“ESTA DESCOBERTA VEM FACILITAR MUITO A ELABORAÇÃO DE UM PLANO DE PESQUIZAS DE PETROLEO NO ESTADO DO PARANA”.
Quer isso dizer que a hypothese de Washburne passou a ser uma realidade confirmada pelos factos e a these de Oppenheim uma hypothese por estes desmentida.
90. — Não é esse, entretanto, o unico ponto importante da communicação de Eusebio de Oliveira. Mais importantes, ainda, são as seguintes conclusões:
“...OS TRABALHOS DE GENERALISAÇÕES, COMO FORAM FEITOS HA POUCO PELO SR. VICTOR OPPENHEIM, TEM POUCA SIGNIFICAÇÃO PARA O FIM DE LOCALISAR PONTOS DE SONDAGENS. DE FACTO TAES TRABALHOS NÃO PERMITTEM AMPLIAR OS CONHECIMENTOS DE GEOLOGIA DOS TERRITORIOS, UMA VEZ QUE FORAM FEITOS TENDO POR OBJECTIVO O CONHECIMENTO GERAL DE UMA GRANDE AREA, QUANDO DEVERIAM SER FEITOS TENDO POR OBJECTIVO O CONHECIMENTO DETALHADO DE UMA AREA PEQUENA”.
91. — Ora, as “Rochas Gondwanicas” foram adoptadas no Ministerio como supremo guia de sua orientação. E’, portanto, tambem um guia de sondagens. As sondagens devem desenvolver-se consoante as suas conclusões. Mas, se “os trabalhos do sr. Oppenheim têm muito pouca significação para o fim de localisar pontos de sondagens”, segue-se, de accordo com o parecer de Eusebio de Oliveira, que as “Rochas Gondwanicas” são uma completa inutilidade. Não preenchem os fins a que se destinam.
Por outras palavras: as observações scientificas realisadas por geologo brasileiro, de reconhecida autoridade, demonstram a dupla imprestabilidade da monographia: imprestabilidade doutrinaria e imprestabilidade pratica.
Essa imprestabilidade seria o seu menor' defeito. Uma coisa pode ser imprestavel mas innofensiva e innocua. O peior é a sua nocividade, dentro e fóra da administração. E’ a sua malignidade, o poder immenso de espalhar o mal por todo o Brasil, conduzindo os serviços publicos em caminhos errados e prejudicando todos os surtos da iniciativa particular.
92. — O valor das “Rochas Gondwanicas” deixa, portanto, tudo a desejar. Salvar-se-á, ao menos, a capacidade pessoal e profissional dos dois technicos contractados pelo Departamento Mineral?
O engenheiro Glycon de Paiva, membro titular do Instituto de Engenharia de S. Paulo, que com ambos trabalhou, como funccionario daquelle Departamento, em editorial trazido á lume pelo “Diario de S. Paulo”, de 11 de Março ultimo, assim os julga:
“... dois profissionaes extrangeiros, nem
“peiores, nem melhores que o typo corriquei-
“ro e standard de geologo de qualquer parte
"do mundo, sem renome internacional algum,
"nem mesmo nos proprios paizes de origem,
"QUE AQUI VIERAM APRENDER COM A
"PRIMEIRA ESCOLA BRASILEIRA TUDO
"O QUE ORA SABEM SOBRE GEOLOGIA
"DO BRASIL, até mesmo o nome das forma-
"ções geologicas, para então começarem a
"produzir trabalho util."... pobres technicos, a que me refiro,
"cujo grande merit“ é a boa vontade em
“aprender o que se lhes ensina no que se re-
“fere á geologia do Brasil”...
Já sobre Washburne, outro é o juizo critico de Glycon de Paiva: “Washburne, autor do monumental relatorio “The Petroleum Geology of the State of S. Paulo”, de renome universal, incontestavelmente o maior especialista de petroleo que jamais tivemos”.
(Entre parenthesis: Glycon de Paiva apenas se equivocou ao affirmar que apezar do immenso prestigio scientifico da palavra de Washburne, “mau grado a risonha perspectiva que lançou sobre as possibilidades do petroleo devoniano, apezar das estructuras potencialmente petroliferas que a dedo indicou, apezar dos seis annos já decorridos sobre a “denuncia”, apezar de tudo isso, nem um só dolar foi invertido por extrangeiros no sub-solo de S. Paulo”. O erro de Glycon provem da incapacidade informativa do Departamento. Sobre a estructura localisada por Washburne, não um dollar, mas montões de dollars foram invertidos por emprezas extrangeiras, em contractos constantes de 128 escripturas já ennumeradas neste depoimento, isto somente nos dois municipios de Pirajú e de Ribeirão Claro” — (Aproveito o ensejo para declarar que, quando me refiro á inutilidade do Departamento Mineral, estou me acingindo á sua alta direcção, sem envolver na minha critica auxiliares brasileiros de talento e de valor, que não podem responder pela inepcia, ou pelo impatriotismo de seus chefes de serviço).
93. — Vamos, finalmente, definir um derradeiro ponto:
As “Rochas Gondwanicas” compoem-se de duas partes: uma sadia e de bom estofo, extrahida dos trabalhos anteriores dos grandes geologos nacionaes, da estirpe de Gonzaga de Campos e dos profundos geologos extrangeiros, do quilate de Orville Derby; outra, improvisada e preparada pelo illusionismo do charlatão. Sobre os solidos alicerces antigos, lançados pelos numes tutelares de nossa geologia, — o empreiteiro dos trusts ergueu um edificio disforme, de sarrafos e de papelão. Os soalhos têm alçapões. As paredes têm fundos falsos. Os materiaes não têm resistencia. Nos porões accumulam-se os bolores de todos os interesses occultos. Esse, o notavel monumento do feiticeiro transformado em oraculo do Departamento Mineral no Brasil.
94. — Por certo, a justificativa do eminente sr. Odilon Braga está na sua confissão inicial de que não efectuou obra de inspiração sua, mas de influição dos technicos do Ministerio, a cuja frente apparece o sr. Fleury da Rocha. S. Exc., porem, acolheu de má sombra a justiça que lhe fez Monteiro Lobato, quando lhe reconheceu a virtude da boa fé, nestas palavras:
“Porque num homem tão culto, tão bem formado intellectualmente, como Odilon Braga, unicamente a Bôa Fé das almas limpas pode explicar o facto de vir deixando enganar-se pela camorra manhosa enkystada no Departamento Nacional”.
No entretanto, só a bôa fé o salva ao presidir os destinos dessa portentosa crise de direcção. Está reduzida a escombros a finalidade do Departamento Mineral, onde os prestidigitadores do petroleo illudem a população do paiz com a magia branca de suas monographias e negociam no exterior com a magia negra de suas prevaricações.
Não recuse, pois, o egregio ministro a rocha viva da boa fé, que, ao Norte e ao Sul do Brasil, ninguem lhe nega, nas camadas profundas de seu caracter crystallino.
A MACHINA MARAVILHOSA
95. — Em summa, o engenho dos trusts é uma perfeita maravilha. Por esse vastissimo territorio nacional afóra, tomados, adrede, os contractos do sub-solo, no regimen do direito anterior, constituindo direitos adquiridos contra os proprietarios. Impedidas as perfurações pelas multas moratorias, que são as dadivas do imperadores romanos aos colonos da provincia carthagineza brasileira.
A’ testa do departamento federal, dois technicos extrangeiros, que impõem a sua orientação aos administradores e ministros; que gozam do direito, que se lhes outorga officialmente, de venderem no exterior os estudos de sub-solo feitos pelos serviços publicos; que criam a theoria extra-legal da tutella das emprezas nacionaes; que interferem na vida financeira dessas emprezas, perturbando o seu rythmo, matando o seu credito, afastando os seus elementos vitaes, suffocando a possibilidade de nossa libertação contra o jugo economico dos escravisadores de nosso mercado.
E, coroando tudo, o Codigo de Minas, algemando, com suas peias, os emprehendimentos nacionaes, depois da ocupação previa do sub-solo pelos poderes invisiveis.
Emfim, uma machina authenticamente primorosa de não de não tirar e de não deixar tirar petroleo...
TERCEIRA PARTE: O CODIGO DE MINAS
COICE DE GIRAFA
96. — O Codigo de Minas é, no momento, a barreira de pedra, a muralha viva que tranca os caminhos para a solução do problema de petroleo. E’ o paraiso dos trusts e o inferno das emprezas nacionaes.
Sobra razão, ás carradas, a Monteiro Lobato para affirmar que “o Departamento concebeu um meio indirecto de impedir, da maneira mais absoluta, que alguem tire petroleo no Brasil”. Esse meio é o actual Codigo de Minas, o “capolavoro” de Departamento”. O impedimento é absoluto, tanto pelo lado da impossibilidade de qualquer exploração economica, quanto pelo lado da sua monstruosidade contra o direito.
97. — Essa a questão fundamental para o bom exito da Commissão de Inqucrito e para a salvação do paiz. Sem remover summariamente o paredão vulcanico, que barra a estrada, nada pode a Commissão produzir de util aos seus fins e ás esperanças que nella deposita a patria. Dahi a necessidade imperiosa de provocar-se incontinenti a manifestação do Congresso Nacional.
98. — Sem o direito, nada é realisavel. Contra o direito, tudo é impossível. Fóra do direito, tudo é nada. O Codigo de Minas está sem o direito, contra o direito e fóra do direito. Um pronunciamento therapeutico do poder judiciario, — como o vem de provocar o Estado de São Paulo, — é medicina lenta e restricta á especie e ás partes em juizo. Os tribunaes não decidem em these. E’ de mister a intervenção cirurgica fulminante do Poder Legislativo. Antes de mais nada, extinguir o Codigo de Minas.
Muito pouca gente sabe, porque muito pouca gente lê o “Diario Official” da União, que o Codigo de Minas só foi publicado a 20 de Julho de 1934, quatro dias após a Constituição em vigor desde o dia 16. Nada mais é que um acto inviavel e absurdo da dictadura em pleno regimen constitucional. A lei nasce na data de sua publicação. O proprio Codigo de Minas manda correr o prazo do art. 10 da data de sua publicação.
Mas como o poder dictatorial estava morto desde o dia 16, o Codigo de Minas tambem nasceu morto, como acto de um poder morto. Desde o dia 16 perdera o sopro de vida nas entranhas madrastas da dictadura. A 20 de Julho surgiu á luz, no braço do “Diario Official”, em estado de adeantada decomposição cadaverica. Comtudo, esse cadaver pretende oppor-se, contrapor-se e sobrepor-se á Constituição.
99. — Como explicar-se esse absurdo? Pelo uso do cachimbo, pelo habito inveterado do arbitrio, da violencia do poder discricionario, que não dá satisfação a poder algum. Em relação ao problema das minas e jazidas, houve uma chamada corrente nacionalisadora do sub-solo, tendo como cabecilha o então ministro da Agricultura Major Juarez Tavora. Essa “seita doutrinaria” pleiteou na Assembléa Constituinte o encarte de certos dispositivos radicaes, dentre os quaes o que extinguia o dominio privado do sub-solo, attribuindo-o á Nação, com sacrificio dos direitos dos cidadãos e dos Estados. Suas idéas foram vencedoras no anteprojecto da Nona Sub-Commissão Legislativa.
No plenario da Constituinte cahiram, porém. Ficou de pé o direito antigo, que considera o subsolo um accessorio do solo. Derrotada na Constituinte, a corrente pseudo-nacionalisadora entendeu de ladear ou fraudar a Constituição. Applicou-lhe um codilho, o codilho do Codigo. Era um decreto-lei que já estava feito, esperando que a Constituinte votasse os seus dispositivos. Como a Constituinção o frustou, deliberou recorrer á tentativa frustra do burlar a Constituição. Como? Publicando depois della e contra ella um decreto-lei de data anterior, com a doida illusão de que poderia ficar contemplado entre os actos discricionarios approvados pelo art. 18 das suas Disposições Transitorias.
100. — Eis o Quasimodo juridico, o monstrinho de 20 de Julho, que pretende alterar a sua data de nascimento para o dia 10, quando de facto nasceu no dia 20. E’ um caso typico de fraude no registro civil do nascimento de uma lei... Ou o Codigo foi realmente sanccionado antes da promulgação da Constituição, mas, por desidia, não se publicou antes della, pelo que não adquiriu existencia legal; ou, o que é inadmissivel, as assignaturas da sancção foram posteriores á promulgação da Lei Magna e então o o Codigo seria ostensivamente uma fraude escandalosa, a desafiar a consciencia juridica do paiz. O Codigo consigna doutrina e dispositivos de direito contrarios ás deliberações da Assembléa Constituinte e ao texto constitucional. Admittir a sua viabilidade, ou validade, seria admittir o seu poder superior de revogar summariamente a propria Constituição.
101. — O Codigo de Minas é um documento do poder invisivel dos trusts, que manipulam as idéas dos technicos; que, por sua vez, manipulam as idéas dos departamentos; que, por sua vez ainda, manipulam as idéas dos ministros de Estado. E’ um acinte contra a Constituição. Um desplante contra a cultura juridica brasileira. Um declaração de guerra á exploração do petroleo no Brasil.
Seus grandes golpes reaccionarios ahi se exhibem a ceu aberto: fraude contra o regimen constitucional, como sobrevivencia de um acto da dictadura em pleno dominio da lei; violação dos principios constitucionaes attinentes á propriedade privada dos cidadãos e dos Estados; violação do texto constitucional relativo á autonomia dos Estados; extincção das medidas de conservação de direitos perante o poder judiciario; centralisação burocratica absoluta; formalismo inextricavel e intransponivel dos processos administrativos para pesquizas, e lavras de jazidas e de minas; inexequibilidade absoluta da exploração de quaesquer minas.
102. — Isso com referencia ás minas em geral. Em especial quanto ás de petroleo, accresce ainda a violenta inconstitucionalidade de sua tributação. Dispõe a Constituição, em seu art. 17 que é vedado á União, ao Estado e ao Municipio tribular por qualquer forma os combustiveis produzidos no paiz para motores de explosão. Apesar da clareza crystallina desse texto, o art. 42, n.° IX, letra b do Codigo de Minas manda o concessionario pagar uma quota de producção effectiva ao Governo da União, emquanto durar a lavra. Essa quota, determinada pelo dec. 24.673, que regulou as taxas creadas pelo Codigo de Minas é de um meio até tres por cento da producção effectiva da mina. Mas alem della, os tributos lançados pela União, Estado e Municipio, sobre o concessionario de uma lavra, poderão em conjuncto, subir até 25% da renda liquida da empreza!
Como exemplo de violação do estatuto magno, nada mais rude, nem mais brutal, nada mais aggressivo, nem mais desapoderado.
Os tres maiores golpes de força do mundo animal são o coice da girafa, a patada do leão, a pancada da baleia. O Codigo de Minas é coice de girafa contra a Constituição, patada de leão africano contra a consciencia juridica brasileira, caudejada de baleia contra os mergulhadores abnegados que procuram descer ao fundo de nosso sub-solo para buscar o oceano do nosso combustivel liquido.
103. — Contra elle começa a organisar-se a reacção, que se esboça no paiz inteiro. Quem primeiro o denunciou, no seu aspecto pratico, como o “Sesano, fecha-te” dos Alibabás do petroleo, foi Monteiro Lobato, no prefacio da “Lucta pelo Petroleo” de Essad Bey. Quero, sem immodestia, reivindicar-me a primaria de haver ferido o seu lado juridico, pedindo a sua immediata abrogação, com a restauração da sabia lei de 1921, apenas retocada pelas inovações insignificantes da Constituição de 16 de Julho. Ao Governo do Estado de S. Paulo cabe a prioridade de uma acção juridica contra a sua inconstitucionalidade. A Themistocles Brandão Cavalcanti, procurador da Republica no Districto Federal, toca o ser o primeiro tratadista que nas “Instituições de Direito Administrativo Brasileiro”, obra recem publicada, reconhece, com lealdade, dizendo-o que o faz a contragosto, a victoria, na Constituição, de principios opostos aos do Codigo de Minas, pelos quaes se batera no seio da 9.ª Sub-Commissão Legislativa. Finalmente do consagrado professor Azevedo Marques, ex-ministro de Estado, provem o primeiro parecer, luminoso e claro, de um jurisconsulto contra as aberrações inacreditaveis do Codigo de Minas.
Incumbirá, agora, a nosso ver, á Commissão de Inquerito ouvir, se ainda o julgar preciso, a palavra de Instituto da Ordem dos Advogados, das congregações das Faculdades de Direito ou de outros luminares da jurispericia brasileira, e levar a voz de todos esses autorizados interpretes do pensamento juridico da nacionalidade ao seio do Congresso Nacional, para que delibere de accordo com o seu patriotismo e a sua sabedoria.
BALANÇO JURIDICO
104. — Tratando-se de um Inquerito sobre o Petroleo queremos proporcionar á Commissão a sciencia de todos os dados e de toda a documentação capaz de esclarecimentos sobre o assumpto, para que possa formar julgamento seguro sobre o estado actual do problema.
Vou alinhar alguns desses documentos: o primeiro, é o parecer Azevedo Marques; o segundo, é a lição de Direito Administrativo de Themistocles Calvacanti; o terceiro, é a preliminar de inconstitucionalidade levantada em juizo pelo Estado de S. Paulo.
Valho-me dessas autoridades, para soccorrerem, com suas luzes, a pouquidade da minha.
AZEVEDO MARQUES E O CODIGO DE MINAS
105. — Abordado pela Procuradoria de Terras de S. Paulo, sobre a questão primordial de saber-se se tem qualquer valor juridico o Codigo de Minas em face da Constituição Federal, manifestou-se pela seguinte forma o insigne professor Azevedo Marques, da Faculdade de S. Paulo, cujos meritos excusamo-nos de enaltecer, sobretudo perante a Commissão de Inquerito que tem como presidente um seu antigo companheiro do ministerio Epitacio Pessôa:
“O decreto Federal n.º 24.642, datado de 10 de julho de 1934, que formulou um “Codigo de Minas”, só foi publicado officialmente no “Diario Official” em 20 desses mesmos mez e anno, quando já estava em pleno vigor a Constituição Federal de 16 de Julho de 1934.
Quer dizer que não podia entrar em vigor antes de 20 de julho de 1934. Quer dizer que a sua promulgação só teve nascimento em 20 de julho de 1934, porque a promulgação indispensavel para obrigatoriedade das leis, só começa, só se opera, na data da publicação. Ora, a promulgação é acto visceral das leis, que completa e vivifica a elaboração parlamentar ou discrecionaria e a sancção, tão necessaria como esta ultima. No caso, o Decreto foi sanccionado em 10 de julho, mas só foi promulgado em 20 desse mez.
“Em que consiste, ou o que constitue propriamente o acto de promulgação? Responde Pimenta Bueno: — “Entende-se que ella resulta da publicação, da annunciação official”. (Dir. Pub. pag. 148).
“Mesmo no vernaculo a palavra “promulgação”, que vêm do latim “promulgare”, significa: “publicação”. E as nossas Constituições, quer a de 1891, no art. 37, §§ 3 e 4, quer a de 1934, art. 45, § 4, distinguem claramente a sancção da publicação.
“Do exposto é forçoso concluir que a promulgação é acto legislativo, sem o qual não ha lei, embora votada e sanccionada.
“Ora, no dia 20 de julho de 1934 o Presidente da Republica Brasileira não tinha poderes constitucionaes para dar nascimento, ou vida obrigatoria, a leis não emanadas do poder legislativo.
“Por outra: desde 16 de julho de 1934 não ha lei obrigatoria no Brasil senão as que foram elaboradas e votadas pelo parlamento.
“Eleito o Presidente da Republica, como foi, desde então elle perdeu a attribuição revolucionaria de promulgar leis sanccionadas anteriormente por elle mesmo como dictador. O exposto é sediço e está expresso na actual Constituição Federal arts. 22, 39, 41, 43, 45, § 4.º, 48, 56, n.º I, e nas Disp. Trans. arts. 1 e 2.
O Cod. das Minas, sem querer, o reconhece no art. 10: — “publicação”. — Se mais fosse necessario dizer, bastaria um argumento irrespondivel, que é o seguinte:
“Ninguem sustentará a legalidade constitucional de uma lei feita e assignada, isto é, sanccionada pelo Presidente da Republica dois ou tres annos antes da Constituição, mas promulgada, pela publicação official, um ou dois annos depois da Constituição. Ora, dois ou tres annos, no caso, equivalem a 10 ou vinte dias. Logo, em summa, o “Cod. de Minas” é inexequivel e inconstitucional, nasceu de quem não podia dar-lhe vida, em 20 de julho de 1934, a menos que se queira, teimosamente, crear um precedente perigosissimo e um desrespeito á Constituição, que para a vida nacional deve ser defendida rigorosamente num momento tão delicado como o actual...”
CODIGO DA INJURIA
106 — Ouvido sobre se estaria o Codigo de Minas approvado pelo art. 18 das Disposições Transitorias da Constituição de 16 Julho, o eminente jurisconsulto opinou:
— O art. 18 das Disp. Transitorias da Constituição Federal não tem cabimento no caso da consulta, porque se refere a “actos”, ao passo que o Dec. — Codigo das Minas — não é um “acto”; é uma “lei”, de que cogita o art. 187 da Constituição.
“Com effeito, dizer-se que o Congresso approvou as leis, ou mesmo os actos, que elle desconhecia por terem sido publicados depois da Constituinção, depois da approvação, é um dislate, é até uma injuria aos legisladores brasileiros!... Approvar o desconhecido!... Alem disso, o proprio art. 18 das disposições provisorias conduz a essa solução, porque remata: — “excluida qualquer apreciação judiciaria dos mesmos actos e seus effeitos”.
“Ora, não ha lei alguma do periodo revolucionario que esteja excluida da apreciação judiciaria, que o Poder Judiciario diariamente está fazendo, nem pode deixar de fazer, quando provocado pelo proprio governo, ou por interessados.
“Os actos, a que allude o art. 18, são os administrativos, puramente executivos, ou governamentaes, mas nunca as leis geraes, como um Codigo das Minas, ou das Aguas, que affectam direitos e interesses de caracter privado, sempre apreciaveis pelo Poder Judiciario, mantido pela propria dictadura.
O que rege o caso da consulta é o art. 187, que diz:
“Continuam em vigor, emquanto não revogadas, as leis que explicita ou implicitamente não contrariarem as disposições desta Constituição”.
“Ora, o Codigo das Minas, além de ser uma lei, por sua propria natureza, póde contrariar, e de facto contraria, principios da Constituição, como já vimos, por ter sido promulgado após a Constituição, sem ter sido elaborado e votado pelo parlamento legislador. Por conseguinte, além de não continuar em vigor, póde ser apreciado pelo Poder Judiciario, e, pois, não é a especie actos do art. 18, mas é o genero lei do art. 187. Logo, não está prévia e inconscientemente approvado pela Constituição”.
CODIGO DA BEOCIA
107. — O Codigo de Minas, no seu art. 5.º, estabelece o principio de dominio nacional sobre as minas e jazidas, abrindo uma excepção para as que forem manifestadas no praso estatuido pelo seu art. 10, collidindo violentamente com diversos artigos da Constituição Federal.
Azevedo Marques, com severidade natural, escalpella, em periodos vigorosos, as heresias daquelle Codigo:
O art. 5.º reza:
“As jazidas conhecidas pertencem aos proprietarios do sólo, onde se encontrem, ou a quem fór por legitimo titulo.
§ 1.º — As jazidas desconhecidas, quando descobertas, serão incorporados ao patrimonio da nação, com propriedade imprescriptivel e inalienavel.
§ 2.° — Só serão consideradas conhecidas, para os effeitos deste Codigo, as jazidas que forem manifestadas ao poder publico na fórma e prazo prescriptos no art. 10".
O qualificativo de insensato é muito doce para taes textos, mas não queremos dizer que, ahi, o Codigo das Minas tresvariou. Decretar, como elle faz no § 1.º, que as jazidas “desconhecidas” pertencerão, quando descobertas, á Nação, é contradizer e violar, insensatamente, o bom principio do inciso principal, que respeitava o direito de propriedade, cuja inviolabilidade está assegurada a todos, inclusivemente o relativo ás minas e jazidas, pela Constituição nos arts. 113, 114, 118 e 119. Leiam-se esses textos, que acabamos de alinhar e vêr-se-á o disparate e a inconstitucionalidade daquelle § 1.º do art. 5.
“A insensatez se aggrava quando o Codigo define o que seja “manifestação” da descoberta das jazidas conhecidas no art. 10, dizendo:
“Art. 10 — Os proprietarios das jazidas conhecidas serão obrigados a manifestal-as dentro do prazo de um anno, contado da data da publicação deste Codigo”.
“Si não manifestarem dentro desse exiguo prazo, perdem o direito de propriedade, que a Constituição e o Codigo, no inciso principal, asseguram!!... E se depois de um anno, contado da publicação do Codigo, isto é, depois de 20 de julho de 1935, os proprietarios do solo descobrirem minas em suas terras, adeus o direito, que a Constituição e o proprio codigo lhes reconheciam! Si estivessemos dando parecer para gente da Beocia commentariamos esses dispositivos... Evidentemente elles violam, escandalosamente, a Constituição Federal, art. 113, inprincipio, e seus ns. 3, 17, e arts. 114, 118, 119 e tambem o Codigo Civil, não derogado, nos seus arts. 524 e 526; violam até o bom senso...
CODIGO DE XENOPHONTE E CODIGO
RUSSO
108. — O art. 4.° do Codigo de Minas retirou ao proprietario da superficie o direito ás substancias mineraes, ou fosseis uteis á industria, contra dispositivos expressos da Constituição. Azevedo Marques examina a incompatibilidade de maneira peremptoria:
“Não se concilia com a Constituição Fed. e o Cod. Civil (textos citados) o art. 4.º do Cod. de Minas. Este, arbitrariamente contrariando aquelles monumentos legislativos, exceptua da propriedade privada as “substancias mineraes ou fosseis, uteis á industria”; ao passo que, no mesmo texto, enuncia o bom principio do nosso Direito: — “a propriedade da superficie abrangerá a do sub-solo na forma do direito commum”.
“Assumpto que tem, desde remota antiguidade quasi enlouquecido os legisladores, o da propriedade e exploração das minas e a industria extractiva e metallurgica, entretanto, nas democracias modernas (não extremistas...) é e deve ser regido por normas conciliadoras dos direitos individuaes com os interesses da collectividade, esta controlando aquelles até uma justa medida.
“O Cod. das Minas, que ora nos preoccupa, recuou aos tempos de Xenophonte e do direito regalista ou regalengo, dos romanos, o qual todavia, mesmo elle, restringia-se ás minas de ouro e prata, para depois, sob os Imperadores, extender-se a todas.”
109. — Entra então o egregio mestre no historico juridico do problema mineiro na legislação dos povos antigos, da edade media, da edade moderna e do cyclo contemporaneo, analysando-lhe as instituições e os systemas, para depois dessa revista entre todas as nações do mundo, concluir:
“Tratando das minas, o Código russo “mineiro” prescreve no seu art. 1. — “Les gisementes de metières fossiles inclus dans le sous-sol du territorie de l'Union des R. S. S., constituent la propriété de l'Union des R. S. S.” Pudéra. Isso é na Russia sovietica!...
“Pois é da Russia que o nosso chamado Codigo das Minas mais se approxima, quando no § 1.º do art. 5 diz: “as jazidas desconhecidas serão incorporadas ao patrimonio da nação”!!...
“Não está certo nem louvavel, Os regulamentos da exploração das minas decerto devem e pódem acautelar direitos e interesses superiores da Nação, mas nunca derogando a Constituição e o Código Civil para negar o dominio que os proprietarios do sólo tem e devem ter sobre o sub-solo. O assumpto é vasto e não cabe neste synthetico parecer. NESSE PONTO E’ ESTE CODIGO INDESEJAVEL NO BRASIL...”
VERSUS AUTONOMIA DOS ESTADOS
110. — O Código de Minas esbulha os Estados do seu direito privado sobre o sub-solo das terras devolutas, com os dispositivos §§ 1º e 2º do art. 5.º Estes preceitos offendem, diz o illustre lente de direito, a Constituição Federal e a autonomia dos Estados, pelo fundamentos anteriormente declinados.
111. — Outrosim, em contraste com o texto do art. 119, 3.º da Constituição Federal, que permitte a transferencia aos Estados, sem excepção alguma, de toda a juridiscção sobre riquezas do sub-solo, o Codigo de Minas, em seu art. 81, exceptua systematicamente dessas transferencia os minerios e metaes nobres, os combustiveis solidos, liquidos e gazosos e as substancias betuminosas e pyro-betuminosas.
O preclaro jurisconsulto formula uma resposta frontal:
O art. 81 do Código das Minas é inconciliavel com o art. 119, § 3.º da Const. Federal, porque este dá competencia (que as leis ordinarias não pódem recusar) aos Estados para exercerem nos seus territorios, preenchidas certas condições, a atribuição constante desse artigo 119 da Constituição.
“Ora, a principal attribuição do artigo 119 é a de autorizar, ou ceder, a brasileiros ou emprezas organizadas no Brasil, o aproveitamento industrial das minas e jazidas mineraes, das aguas e energia hydraulica. Portanto, aos referidos Estados compete essa attribuição relativamente a todas as minas e jazidas; e, pois, a excepção, que o art. 81 do Código creou, de metaes nobres, etc., é inconstitucional.
“Excluidas as especies exceptuadas pelo artigo 81, que restaria aos Estados?!... E’ evidente o conflicto entre o Código das Minas, no art. 81, e a Constituição nos arts. 118 e 119.
“O art. 118 não deve passar despercebido, dizendo que as minas e riquezas do sub-solo constituem propriedade distincta da do sólo para o effeito de exploração ou aproveitamento industrial. Significa isso apenas que a mina é propriedade accessoria da do sólo e, portanto, seguindo a condição deste, isto é, pertencendo ao dono do sólo. A Constituição abi não derogou o Código Civil, ao contrario, o confirma quando elle, no art. 526, diz que a porpriedade do sólo abrange a do que lhe está superior e inferior. Ou, na licção do codificador, C. Bevilaqua: — “As minas constituem propriedade imovel, accessoria do sólo, mas distincta delle; é permittido ao proprietario separar a mina do sólo, para o fim de arrendar, hypothecar ou alienar e póde, igualmente, reservando a mina para si, arrendar, hypothecar ou alienar o solo”.
Esse conveniente e são principio foi repetido nos arts. 6 e 8 do Decreto Federal n. 15.211, de 28 de dezembro de 1921, que, com melhor mentalidade, deu regulamento á propriedade e á exploração das minas, assignado pelo illustre engenheiro, ministro da Agricultura, Dr. Ildefonso Simões Lopes, e pelo eminente jurisconsulto, presidente da Republica, dr. Epitacio Pessoa.”
A LIÇÃO DE THEMISTOCLES CAVALCANTI
112. — Agora, após os ensinamentos do professor Azevedo Marques, a lição insuspeita de Themistocles Cavalcanti, o illustre autor do tratado sobre “Instituições de Direito Administrativo Brasileiro”, ed. 1936.
S. s. concorreu para a elaboração do ante-projecto da Nona Sub-Commissão Legislativa, que defendia o systema do direito dominial, ou propriedade do sub-solo pela Nação.
Na sua obra, estudando o regimen de minas deante da Constituição Federal, combate, no terreno da doutrina,” o chamado systema fondiario, ou de accessão, segundo o qual a mina pertence ao proprietario do solo”. Mas, em face do direito expresso, reconhece s. s. que esse systema foi acceito pelo art. 526 do nosso Codigo Civil, como o era igualmente pelo artigo 72, § 17 da Constituição de 1891 e como o é pelos arts. 118 e 119 da actual Carta de 16 de Julho. Depois de transportar para o texto do livro o texto destes artigos, conclúe, a pg. 420:
“Permanecemos, assim, no regimen da propriedade privada”.
113. — E elucida mais amplamente o assumpto, quando trata da propriedade de jazidas, a pg. 425, accentuando:
“No tocante a este asumpto ha divergencias entre a Constituição e o Código de Minas, embora se possa ter como uma transigencia com o principio da propriedade privada o que dispõe o § 1.º do art. 118 da Constituição que attribúe apenas preferencia a este para a concessão da mina ou para a participação nos lucros da exploração.
“Em todo o caso, A NÃO SER NAS HYPOTHESES PREVISTAS NO § 4.º, EM QUE SE VERIFICARA’ A NACIONALISAÇÃO DAS MINAS, O PRINCIPIO DA PROPRIEDADE PRIVADA AINDA CARACTERISA O REGIMEN VIGENTE.
“E’ A CONTRAGOSTO QUE RECONHECEMOS A VICTORIA DESSE PRINCIPIO. E isto. porque sustentámos na elaboração do ante-projecto constitucional, a necessidade da nacionalisação de todas as minas, cuja inscripção no registro competente não se fizesse dentro de certo praso”.
S. PAULO E O CODIGO DE MINAS
114 — Bem apadrinhados em nossos themas pelos documentos já manuseados, — enfileiremos ao seu lado o terceiro, que é a palavra do Estado de S. Paulo.
Tendo a empreza COBRASIL requerido a concessão para explorar jazidas de galena de Guapiára, em Capão Bonito, a Procuradoria de Terras do Estado, representando a sua Fazenda, dentro do praso da reclamação de noventa dias, dos editaes publicados pelo juiz de direito daquella comarca, interveiu na defesa de seus direitos.
Sua impugnação coube ao sub-procurador de Terras, Messias Junqueira, e foi impressa em folheto sob o titulo “INCONSTITUCIONALIDADE DO CODIGO DE MINAS”, que offerecemos com este depoimento.
E’ um trabalho judiciario que honra o talento de um joven e o brilho de uma causa. Ficará como um dos principaes marcos iniciaes desta campanha de reivindicação de nossos direitos constitucionaes, para a restauração da plenitude da propriedade do sub-solo e da liberdade de sua exploração, sem sacrificio, nem dos interesses dos cidadãos, nem dos interesses sagrados da segurança da collectividade e da patria.
Rastreando os fastos legislativos do problema mineiro em todos os povos e em todos os periodos da humanidade, o brilhante arrazoado estuda, atravez dos tempos, o systema regaliano do Brasil-colonia, o systema dominial do Brasil-Imperio e o systema accessionista do Brasil-Republica. Detem-se nos rumos seguidos pelo governo dictatorial de 1930 a 1934, e acompanha, pari passu, no seio da Constituinte, o choque dos principios, a queda do ante-projecto da Nona Sub-Commissão, que preconisava o regimen dominial, e, afinal com a emenda triumphante das grandes bancadas, a manutenção do regimen ou systema anterior da Constituição de 1891. Aponta as idyoniscrarasias discricionarias do Código de Minas, o vicio de seu nascimento em pleno imperio da lei, e o abalroamento brutal de seus textos de encontro á Constituição Federal.
CODIGO FORA DA LEI
115. — E, summariando, afinal, toda a argumentação deduzida na defesa dos imperativos constitucionaes contra o Codigo Fóra da Lei, assim encerra o seu articulado, que é um verdadeiro e irretorquivel libello, o vigoroso defensor da Fazenda de S. Paulo:
“O Decreto Federal n.º 24.642 foi publicado a 20 de julho de 1934;
o legislador constituinte somente podia ter referendado os actos do Governo Provisorio conhecidos em 16 de julho de 1934;
não foi o citado Decreto um acto do Governo Provisorio approvado pelo legislador constituinte de 16 de julho;
a ausencia dessa approvação gera a inviabilidade absoluta do mesmo Decreto;
em relação á propriedade das jazidas desconhecidas, quando descobertas, ha collisão entre dispositivos do Codigo de Minas e a Constituição Federal;
o Codigo de Minas restringe direitos do proprietario do solo, uma vez que transfere para o dominio da Nação a propriedade de jazidas existentes em seu sub-solo;
o direito anterior á Constituição de 16 de julho de 1934, dava ao proprietario do solo o dominio das minas existentes em seu sub-solo;
o Codigo de Minas collide com a garantia constitucional da propriedade, distinguindo as jazidas conhecidas das desconhecidas, para o effeito de incorporar estas ultimas ao patrimonio da Nação;
essa collisão é clara, manifesta e evidente;
a lei que retira aos Estados Federados minas e jazidas a elles legitimamente transferidas, por dispositivo meridiano de Lei, espolia-os em seu patrimonio;
espoliando o patrimonio mineiro dos Estados, existente nas terras devolutas de seu legitimo e exclusivo dominio, o Decreto Federal 24.642 attenta contra a sua autonomia;
atentando contra a autonomia dos Estados, golpea a estructura do regimen;
o Decreto Federal 24.642 desrespeita flagrantemente os artigos 20, 21, 113, n.º 3, 17, 110, §1.º, 3.º, § 4.º da Constituição Federal;
fogem inteiramente á léttra e ao espirito da Constituição de 16 de julho, os dispositivos dos artigos 4.º, 5.º, § 1.º, 6.º, § unico, 7.º, 12.° § 2.° e 81 do Codigo de Minas e todos os seus consequentes;
a Fazenda do Estado de São Paulo, accorrendo a juizo para impugnar a applicação do Decreto Federal 24.642, baseia-se directa e exclusivamente em dispositivo constitucional.
“Aos tribunaes federaes competirá declarar a inconstitucionalidade do Decreto Federal n.º.. 24.642 — Codigo de Minas — por ter sido um acto discricionario não ratificado pelo poder competente; por violar os principios constitucionaes que garantem o direito de propriedade e o direito adquirido; por attentar contra a autonomia dos Estados, restringindo o seu patrimonio.
“E ter-se-á, então, protegido a legislação patria, contra os perigos do Codigo subversivo; resguardado a cultura brasileira, contra os attentados do Codigo grammaticida; abrigado a riqueza dos Estados, contra o appetite do Codigo guloso; gasalhado o patrimonio individual, contra os dispauterios do Codigo scismatico; assegurado a prosperidade economica nacional, com a inutilização do Codigo reaccionario, do Codigo mundéo, do Codigo fóra da lei.”
116. — As conclusões do arrazoado do governo paulista dão-nos a impressão de uma paysagem juridica devastada. Como um tank rolando sobre a sua lagarta rotativa o Codigo de Minas abalrôa aqui um principio, fere acolá uma instituição, derruba aquem um monumento, esmaga alem uma tradição, reduz o panorama ao espectaculo do bello-horrivel: o bello-horrivel dos naufragios e dos desmoronamentos, das innundações e dos terremotos...
A “SELVA OSCURA”
117. — A critica do Codigo sob o seu aspecto juridico propriamente dito ahí está feita. Vejamol-o, a seguir, no seu aspecto pratico.
“Se a Commissão, escreveu Monteiro Lobato, der-se ao trabalho de estudar aquelle cipoal dantesco de embaraços, de exigencias absurdas, de burocracias desesperantes, de centralisação grotesca, verá que a applicação dos dispositivos do mostrengo á praticamente impossivel”.
Monteiro Lobato não exagerou. A inexequibilidade do Codigo assemelha-se a uma pena de condemnação eterna.
118. — Temos a honra de convidar um dos egregios membros da Commissão de Inquerito a penetrar comnosco os meandros do labyrintho. Com o algum tirocinio de nossa profissão de advogado, acceitaremos o encargo de cicerone para visitantes e turistas de tão alta linhagem.
Tomemos, pois, pela mão o corajoso representante da Commissão que deseja prospectar, pesquizar e explorar petroleo.
119. — A primeira coisa a fazer é, ou foi, manifestar a jazida. Digamos que o interessado reside no Acre. Pela antiga lei de 1921 faria o seu registro, ou descoberta, no fôro da comarca de seu domicilio, como medida corriqueira e elementar de conservação de direitos. Hoje, não. Tem de vir ao Rio de Janeiro, ou contractar procurador na Capital da Republica. Principia a complicação. Reclamam-se dois procuradores. Um para processar a justificação da propriedade e dos indicios da jazida no fôro de sua situação, como o exige o art. 10 do Codigo e outra para encaminhal-o no Departamento Mineral.
Perda de tempo. Acrescimo de despezas. Emfim, eis os papeis no Departamento. Quando serão despachados? Quem o sabe? O sr. Edson de Carvalho, por exemplo, no primeiro anno das manifestações, embora tivesse todos os registros de descoberta em ordem perante a justiça de Alagoas, deliberou ad-cautelam manifestal-os no Ministerio. Ingressaram os papeis no protocollo. Oito mezes depois saiu o primeiro despacho: “Complete oito mil réis de sellos”. O despacho se cumpriu. Dois mezes decorridos, o segundo despacho: “Junte taes e taes documentos”.
Se o mesmo acontecer ao membro da commissão do Inquerito, o seu negocio já estará protelado por um anno gasto em manifestar a jazida.
120. — Não basta todavia manifestal-a. E’ mister prospeccionar, isto é, realisar os trabalhos de reconhecimento geologico e mais investigações á superficie.
O nosso nobre constituinte não é dono do solo. Mas o proprietario, pelo art. 15, está obrigado a permittir as medições, os levantamentos de plantas, colheitas de amostras e outros semelhantes, independentemente de indemnisação.
Ora, succede que o proprietario que temos pela frente se recusa a consentir nessas investigações. O art. 16 manda que as autoridades administrativas, a nosso requerimento, prestem mão forte para os serviços de prospecção. Mas isto occorre, figuremol-o, na zona sertaneja da Bahia, de Matto Grosso ou do Acre, onde o sentimento da propriedade é muito vivo. Recorrer á autoridade é uma providencia precaria e innocua. Não temos fôrça armada, nem outros meios de garantir-nos a pelle. Pode ser requisitado um contingente da Capital. Comprehende-se, entretanto, que com uma resistencia dessas, ir adeante seria obra de phantasia. Perderam-se muitos mezes! A memoria comece a contar o tempo. O inicio de negocio vae longe...
Esta, a hypothese pessimista. Examinemos o verso da medalha.
Tudo correu bem e chegou a bom termo. Concluiu-se a prespecção, fosse com o auxilio da autoridade, fosse com a livre annuencia do proprietario. Despontam os primeiros cabellos brancos...
A SOMNÉCA DOS TRUSTS
121. — A phase imediata é a pesquiza. Apresenta varias hypotheses. Primeira: O proprietario invoca o direito de preferencia que lhe outorga o art. 119 § 1.º da Constituição Federal e communica que esse direito está transferido á Companhia Pan Geral Brasileira, ou á Companhia Brasileira de Petroleo, ou a outra qualquer, pelos contractos estylo de Pirajú. Morte violenta do negocio...
Segunda: O dono ainda é dono, mas exige a indemnisação previa do art. 15, que dispõe: “Os proprietarios ou possuidores do solo são obrigados, com reparação integral e previa do damno, a permittir sejam executados os trabalhos de pesquiza...'
O nosso prestigioso contribuinte não consegue
accordo sobre o preço. Como solucionar? Ahi estão os §§ 1.º, 2º e 3º do art. 15 do Codigo, mandando-o ás vias judiciarias, pelo methodo confuso, a saber:
“§1. O damno, não havendo acordo entre as
partes, será fixado por pericia de arbitramento
e só será imputavel ao autorisado quando este
começar os trabalhos de pesquiza propriamente
dita. (A redacção é que é impropriamente dita...)
“§ 2º O arbitramento será regulado na forma do systema instituido (?) no decreto n. 737, de 25 de Novembro de 1850, permittidos, todavia, embargos á sentença que o julgar — (no reg. 737 não ha embargos ao arbitramento...) de qualquer natureza, e especialmente embargos consistentes em ter sido excessiva, ou insufficiente a avaliação, embargos esses que serão processados e julgados conforme o direito commum que rege as praças em execução de sentença (quer dizer, embargos suspensivos), cabendo aggravo da sentença que o julgar e não ficando livre ás partes o recurso á via ordinaria. (Este systema não está instituido no reg. 737...).
“§ 3.° Fixado como cousa julgada o valor da indemnisação e satisfeito o pagamento, ou mediante acceitação delle e quitação dada pelo credor, ou no caso de recusa do credor e em outros que a lei permitte (esses outros casos são complexos e multiplos) mediante o deposito em pagamento da quantia correspondente, feito a requerimento do interessado (poderia sel-o a requerimento de quem não é interessado?) e com citação do credor (poderia sel-o sem essa citação?), os embargos admissiveis a deposito desta especie na forma do direito commum e que forem acceitos, até serem julgados, não terão effeito suspensivo nos trabalhos de pesquiza se o embargado prestar fiança idonea nos autos, á sua responsabilidade...”
122. — Por partes: antes do ingresso em juizo cumpre decifrar a charada da lingua portugueza. Posto isso em syntaxe por um vernaculista, chegamos em ponto de juizo.
Começa a lide, interminavelmente. Citação para a audiencia de louvação, ou escolha de peritos. Louvação. Suspeição de peritos. Impugnação de peritos. Designação de dia para a deligencia. Quesitos. Provas. Laudos unanimes, ou divergentes. Preparo dos autos. Conclusão para sentença. Sentença. Depois? Embargos, não só de excesso ou deficiencia da avaliação, como innumeros outros cabiveis em execução. Recebidos os embargos, nova contestação. E sobre a contestação, a dilação das provas. E sobre a dilação, novas razões do embargante e do embargado. E outra sentença. E outro aggravo da sentença. Processo de aggravo. Minuta. Contra-minuta. Sustentação ou reforma da decisão aggravada. Subida de autos a instancia superior. Emfim, o valor liquido e certo da indemnisação...
Mas o vencido não concorda. Elle é poderoso. Tem um trust atraz de si. Tem um capricho qualquer. Não recebe o pagamento.
O nosso constituinte recorre ao deposito em pagamento. Nova citação. Novos embargos. Nova dilação de prova. Novo arrazoamento da causa, nova sentença... Quanto tempo corrido? Um ou dois, trez ou quatro, cinco ou seis annos? Em uma capital o feito caminhará mais celere. Mas as capitaes não tem petroleo. E’ a demanda em pleno sertão. A morosidade no seu apogeu.
Na galeria do pretorio, como curiosos, os trusts, a gosar, a intervallos, uma somneca tranquilla de bemaventurança codificada!
Emfim, chega-se a um termo. Mas lá se foi o fluir de um tracto precioso da vida. Entrementes, o sub-solo intacto. O Brasil ás contas com a gasolina da Standard ou da Anglo. O Codigo em charola...
D. QUIXOTE E SANCHO PANÇA
123. — Caiu o panno sobre essa phase. Ha que passar ao acto immediato, a lavra.
O preclaro membro da Commissão de Inquerito, generoso D. Quixote de La Mancha que nos assiste em nosso sonho de martyr e de paciente in anima nobilis, depois que tiver a jazida pesquizada com resultado satisfactorio, a juizo do Departamento, requer a lavra, isto é, a concessão necessaria para todos os trabalhos de extracção de substancias mineraes e seu beneficiamento in loco, art. 30 — (Não sendo in loco, não é lavra...)
O Codigo de Minas, prasenteiro e prestimoso como um Sancho, acode-lhe com o art. 33 e manda publicar editaes, no juizo onde estiver a jazida, citando os interessados a quem a concessão possa prejudicar, para que, dentro do praso de noventa dias, apresentem as suas reclamações.
E’ o caso do pedido de concessão da galena de Capão Bonito, que o governo de S. Paulo impugnou, allegando a inconstitucionalidade do Codigo. Aqui ha um interessado evidentemente legitimo. Mas o Codigo fala em qualquer interessado. Encapotado, ou não; legitimo, ou não; de boa ou de má fé — a qualquer delles é licito contestar.
Renasce o pleito. Só e preliminar da constitucionalidade quanto de tempo não irá consumir? Do juiz local para o tribunal local. Do tribunal local para os tribunaes federaes, até a corte Suprema profirir a ultima palavra. E cada feito que ingressa no pretorio supremo exige varios anniversarios dos litigantes. E é a preliminar apenas...
Resolvida a preliminar, reprincipiam as dilações, os termos processuaes, as mortificações da justiça morosa e cara. De juiz para juiz. De Tribunal para Tribunal. E outras preliminares os sophistas, em outros casos, levantarão. E retornam as lides para o julgamento sobre o merito. E o rochedo de Sysipho a rolar da instancia inferior para a superior, e da superior para a inferior. Mas como tudo neste mundo acaba, a demanda um dia acabará. Encontrar-se-á porém, ainda vivo, nessa hora, o honrado membro da Comissão? Viverá ainda o primogenito, que se habilitou como parte legitima na causa para successor do pae? Ou estará o processo na terceira estirpe, como tradição immemorial da familia?
Só uma coisa é certa: o petroleo a esse tempo ainda persistirá inexplorado, no estado cataleptico do sub-solo, á espera do fakir que o desperte do seu profundo somno magnetico imposto pelo Codigo de Minas...
LINHAS RECTAS, QUADRADOS
E RECTANGULOS
124. — Felizmente, os dignos membros da Commissão de Inquerito são dotados de um alto indice biologico, que lhes assegura a longevidade necessaria para attingir a phase immediata do Formalismo do Codigo.
Este, então, prosegue, no art. 35:
“Decorridos tres mezes, depois de resolvidas todas as reclamações, se a pretenção fôr despachada favoravelmente (ainda occore a hypothese de despacho desfavoravel), lavrar-se-á um titulo provisorio, (provisorio ainda!) indicando-se approximadamente os limites da concessão”. “A demarcação fa-se-á por linhas rectas, qualquer que seja a configuração do solo!”
A demarcação dessas areas obedece ás mesmas regras, tanto para pesquizas, como para as lavras. Para bem esclarecer a formalidade das linhas rectas, foi o asumpto regulado pelo dec. 585 de 14 de Janeiro de 1936 da seguinte maneira:
“As areas nunca poderão ser parcelladas e formarão um todo sem descontinuidade em cada autorisação (se é um todo, não pode ser descontinuo; se não é descontinuo não pode ser parcellado...) devendo ser observada a mesma continuidade com relação ás extensões lineares nos leitos dos rios e nas praias do mar (que demonio de extensões serão essas?)
“Ás areas serão delimitadas por linhas rectas, qualquer que seja a configuração do solo, e, tanto quanto possivel, rectangulares, devendo de preferencia, approximar-se da forma do quadrado.(!!!) No caso de rectangulos, o lado maior será egual a cinco vezes o menor”. Quer dizer: a lei exige polygonos o quanto possivel rectangulares; rectan-los, o quanto possivel approximados da forma do quadrado, podendo ser o lado maior egual a cinco vezes o menor, isto é, muito diverso da forma dos quadrados...
Se nosso illustre cliente, depois desta leitura, escapar com o cerebro na sua conformação normal, e delle saccar intacta a intelligencia contra tanto amor ao quadrado, — reconhecerá na creatura o sello do creador.
Ethiope, claudica aquella finestra...
Complete a parte mais oito mil reis de sellos...
CIRCULO VICIOSO
125. — A demarcação da area rectangular, ou quadrangular, será feita, consoante o art. 36, pelo engenheiro que tiver de dirigir os trabalhos da lavra, á vista de um commissario do governo.
Que engenheiro será esse? Cae o carro de novo no atoleiro do pantanal, com a formalidade do art. 39, o qual exige para tal fim um profissional de reconhecida idoneidade, que deve mostrar, com documentos authenticos, já ter exercido as funcções do cargo, dirigindo pelo espaço de dois annos, pelo menos, um estabelecimento de mineração em lavra.”
O circulo é vicioso. O petroleo no Brasil ainda não attingiu a phase da exploração. Não temos um só engenheiro com dois annos de direcção em estabelecimento de mineração do petroleo. Nessas condições, o concessionario não pode installar a mina por falta de engenheiro com dois annos de mineração. Por outro lado, não pode haver engenheiro com esse requisito exactamente por falta de mina em actividade...
Submetteram o commandante de um navio a conselho de guerra porque não dera as salvas do estylo em certa opportunidade. Defendeu-se o acusado declarando que omittira a salva por vinte motivos, o primeiro dos quaes era a falta de polvora... “Não é necessario continuar, obtemparou-lhe o presidente do Conselho de Guerra. Basta esse motivo”.
Tal como para o concessionario da area petrolifera: basta a falta do engenheiro para impedimento absoluto da sua exploração...
121 — Mesmo vencendo-se essa dificuldade inicial, e comprovada a idoneidade do engenheiro director, se o governo, depois de ouvido o Departamento, acceitar algum, não poderá o concessionario admittir outro sem nova licença do governo, procedida de nova informação do Departamento”. Figuremos, então, a hipothese de uma installação de petroleo no Acre, ou outra região remota.
Se o engenheiro enferma, ou fallece, tudo se paralysa. Por quanto tempo? Ninguem o sabe. É preciso ouvir o Departamento. O Departamento está tão distante... E cumpre aguardar que o Departamento processe a informação e a remetta ao ministro. Em seguida, é mister esperar o despacho do Ministro.
126. — Note-se que ainda não saimos do ponto de partida. Estamos comprando um bilhete de entrada. Tratámos até até aqui unicamente do preenchimento de formalidades preliminares, de antemão necessarias á licença para realisar a exploração. Muito longe iriamos se nos apetecesse citar, successivamente, os milhares de entraves oppostos á installação e ao effectivo funccionamento da industria do petroleo. Em cada passo, em cada acto, em cada movimento da empreza industrial, a prodigalidade daquellas travancas attinge as raias do inconcebivel. Só uma obra de tomo exgottaria o estudo, artigo por artigo, do maravilhoso instrumento de torturas, do admiravel systema de martyrios organisado pela Santa Inquisição do Codigo de Minas contra os perigosos herejes do petroleo!
Tal não é necessario. Para formar seguro juizo, é sufficiente a amostra do tecido debaixo do conta-fios. Excusa o desdobrar a peça inteira do panno, de identica contextura.
Bem se vê que a exploração petrolifera outra não é, pelo Codigo de Minas, senão uma corrida tremenda de obstaculos. Primoroso o programma de tropeços disseminados ao longo da pista inteira! Nenhum concurrente pode vencer.
Todos desabam pelo meio do caminho. Desabam pelo desanimo, ou desabam por inanição financeira. Não ha capitaes, mesmo com folego de gato, que resistam a essa prova de resistencia. Nem um só competidor logra levantar o premio. Mas a Pan Geral, ou entidade congenere que se inscreva nessa corrida fal-o com a certeza e a volupia da derrota. Para ellas perder é ganhar...
BAZAR DE FEIRA
127. — Necessitamos concluir estas notas impressionistas sobre o Codigo de Minas.
Na sua substancia constitúe um bazar de feira. Exhibe antiguidades que remontam ao direito de Xenophonte, ou novidades que trescalam ao direito sovietico. Legisla sobre direito commercial, sobre direito de processo, sobre direito civil das pessôas, das coisas, das obrigações e até das successões. Contem principios constitucionaes, pormenores de regulamento e instrucções de portaria.
Um casuismo ennervante. O § 1º do art. 41 especifica o pagamento de sello na via authentica do decreto de concessão.
O art. 38 desce a providenciar sobre rubrica de plantas e até sobre suas escalas de um por mil até um por dez mil...
Na parte formal, nenhuma arte na distribuição das materias. Redacção quasi indecifravel.
O art. 42, por exemplo, considera em seu n. VIII condição geral dos contractos: “não suspender os trabalhos da mina com intenção de abandonar, sem dar antes parte ao governo, e deixar a sustentação dos trabalhos em bom estado...” A grammatica arrastada pelas ruas da amargura. Ao Deus dará, aqui e acolá pedaços de cassange... Uma vergonha da legislação.
128. — Custa a crer, mas é verdade: quasi não ha um artigo livre de culpa e pena e de severa critica. Leiam-se seus titulos e capitulos; os relativos á definição, classificação e aproveitamento das minas e jazidas; os attinentes ao direito de pesquiza, titulos de autorisação, habilitação para lavra, disponibilidade das jazidas, abandono, caducidade, annullação das autorisações, concessão, abandono e suspensão da lavra; os referentes á nullidade, caducidade e extincção da lavra, visinhança e servidões das minas, fiscalisação, transferencia de attribuições aos Estados até os ultimos dispositivos geraes: em toda essa construcção legislativa, a mesma falta de estructura, de technica, de forma e de fundo. Obra disforme, como a mascara engelhada de um buldogue puro sangue que véla, com sua carranca, pela sésta dos trusts.
E dizer-se que esse phenomeno de teratologia juridica está subscripto pelo chefe de Estado e por seu ministerio inteiro!...
TRINDADE NACIONALISTA
129. — O nacionalismo é o leit motif dos defensores do Codigo. Mas, como já evidenciamos, pela sua centralisação absoluta todos os destinos do sub-solo do Brasil ficaram entregues ao Departamento, que, ao seu bel talante, delibera sobre manifestações, sobre autorisações, sobre concessões, sobre pesquizas, sobre lavras, sobre tudo, tudo, tudo. O nacionalismo, para não ser ethereo, para não permanecer nas paragens da rhetorica ou no terreno das ficções, reclama representantes concretos. Verificaremos, nesse ponto, que quando falamos em Nação, propriedade da Nação, concessões da Nação, supremacia dos interesses da Nação, — a Nação está reduzida, materialisada e corporificada na encarnação de uma trindade humana: Fleury da Rocha, Victor Oppenheim e Mark Malamphy. A Patria, em assumpto de petroleo, são esses tres homens: o sr. Fleury da Rocha para fiscalisar a côr, o anno, o valor, e a inutilisação das estampilhas, e, de onde em onde, subscrever alguns communicados contra os aventureiros de má fé. Os srs. Oppenheim e Mark Malamphy, directores da geologia e da geophysica, para fazer annuncios sem caracter mercantil e actuar no extrangeiro, em caracter preventivo. Ha ainda, como sub-representante da Nação, um medico investido nas funcções de consultor juridico, com o encargo de zelar pelo immenso thesouro de nosso sub-solo e opinar sobre o supremo direito de propriedade dos cidadãos e dos Estados.
Dessas creaturas, pelo Codigo de Minas, depende, precipuamente, a sorte e o andamento de tudo quanto se refira á exploração do petroleo no Brasil.
E’ muito preferivel que a Nação e a Patria volvam a ser representadas pelos orgãos de seu poder judiciario, como na lei de 1921, confiando-se aos magistrados todas as medidas de manifestação, de conservação e de defeza dos direitos, como um dos poderes constitucionaes da Republica.
A Patria agradece, dispensa e devolve ao Codigo de Minas o seu nacionalismo suspeito...
O COMMUNISMO DO CODIGO
130. — Pois bem: é esse estafermo, invalido e inconstitucional, esse embuste legal, coactor dá consciencia da nação, que a doutrina official do Ministerio da Agricultura deseja se perpetúe como intangivel.
Foi quando o eminente sr. Simões Lopes terminava a sua brilhante conferencia na Sociedade Nacional da Agricultura. Encerrando a reunião o preclaro sr. Odilon Braga, depois de alludir á tentativa em curso na Camara dos Deputados no sentido de modificar o actual Codigo de Minas, concitou os parlamentares que o ouviam a negar qualquer apoio ao projecto de reforma. Já o honrado e nobre deputado sr. Barros Penteado lhe oppoz curial resposta. Não existe tentativa. Existe sim iniciativa decorrente de uma mensagem do Chefe de Governo. Existe a necessidade do Poder Legislativo completar a obra da Constituinte, mediante a elaboração de leis complementares, dentre as quaes, ainda ha pouco, ao inaugurar a sessão legislativa do corrente anno, o illustre presidente do Senado, sr. Medeiros Netto, nomeou expressamente a reforma da legislação sobre minas decretada pelo poder discricionario.
131. — Dissentimos formalmente do sr. Odilon Braga. Porque, para nós, a perpetuação do Codigo é a perpetuação da tyrannia dos trusts. E’ a asphyxia dos emprehendimentos nacionaes. E’ a mantença de uma codificação coberta de mazelas inconstitucionaes, tomada de defeitos organicos incuraveis, de ulceras grammaticaes, de aleijões na forma e no fundo.
Por certo que s. exc. não examinou maduramente a profundeza e a magnitude da questão. Ha indicios de intervenções perigosas, bem graves neste momento nacional. Foi s. excia. mesmo que, nas “Bases para o Inquerito” confessou a formação, completada em 1934, de uma nova mentalidade nos sectores technicos do Ministerio da Agricultura, devida em parte ao influxo das vulgarisações relativas ao plano quinquienal russo e em parte ás tentativas de implantação da dictadura technocratica. Esse “principio de grande força ideologica”, para usar de suas expressões, tingiu de seu colorido sectario o Codigo de Minas.
Nas allegações de seu culto patrono, a Fazenda de S. Paulo mostrou o ar de familia entre o nosso Codigo de Minas e o direito russo (esse cujo plano quinquíenal entrou na constituição da mentalidade do ministerio da Agricultura) e cuja lei fundamental, segundo as resoluções do 12.° Congresso Pan Russo, prescreve no art. 15:
“Toute la terre, les forêts, le sous-sol, les eaux, appartieent en propre à l’État ouvrierpaysan sur le bases determinées par les lois spéciales de l'Union des Républiques Soviétiques Socialistes et les organes suprêmes de la République Socialiste Soviétique Russe”.
De egual maneira, em seu parecer, em topico que já destacamos atraz, o abalisado professor de direito Azevedo Marques apontou a mesma affinidade entre o codigo brasileiro e o codigo sovietico. Vale a pena recapitular o commentario do mestre, ao texto do Codigo Mineiro Russo, cujo primeiro artigo preceitúa que as jazidas de materias fosseis existentes no sub-solo da URSS constituem propriedade da União da R. S. S.”.
“Pudera! exclama exc. ISSO É NA RUSSIA SOVIETICA. POIS E’ DA RUSSIA SOVIETICA QUE O NOSSO CHAMADO CODIGO DE MINAS MAIS SE APPROXIMA! NÃO ESTÁ CERTO, NEM LOUVAVEL. NESSE PONTO É ESSE CODIGO INDESEJAVEL NO BRASIL...”
O scintillante ministro das Montanhas Alterosas commette um grave erro, com o encastellar-se na intransigencia do “nolli me tangere” para advogar a causa desse aborto da agonia discricionaria, de um sabor tão accentuadamente extremista. Mormente, sendo s. exc. membro de um governo em lucta tenaz contra o perigo das doutrinas subversivas que o pensamento vermelho espalha pelo mundo e que já nos ensanguentou a Patria.
O Codigo de Minas, cuja origem obscura se desconhece, é, na sua essencia, uma cellula communista disfarçada dentro da legislação do paiz.
O fructo identifica a arvore.
Conta-se que o Marechal Floriano, certa feita, mandou prender o cambio, ignorando as causas que o deprimiam. Assim tambem a policia carioca, aproveitando-se do estado de guerra, devia de ha muito ter prendido e deportado o Codigo de Minas, pelo mal consciente que pretendeu fazer e está fazendo: attentar contra a Constituição, abolir a propriedade privada do subsolo e prohibir o aproveitamento e a mobilisação economica de um elemento, como o petroleo, imprescindivel e vital para a segurança nacional, pois só com elle seremos economica e militarmente fortes.
QUARTA PARTE: REMEDIOS E SUGGESTÕES
ABROGAÇÃO DO CODIGO DE MINAS
132. — Nosso pensamento não é demolidor. O alvo deste depoimento é, antes, fundamentalmente constructivo. Por isso mesmo sentimo-nos no dever de suggerir as providencias, que, ao nosso ver, concorrerão para sanear os males que nos affligem.
Em primeiro logar ha que revogar, sem perda de um segundo, o Codigo de Minas, restaurar integralmente o dominio da Constituição, reabrir o solo livremente ao dominio privado, salvas as medidas essenciaes à defesa economica ou militar do paiz. Assim, as regiões de nosso territorio ainda não acaparadas poderão ser entregues aos emprehendimentos nacionaes. Porque, mercê de Deus, nem tudo se açambarcou. Resta muita coisa para os brasileiros. Para isso endereçaremos um appello, repetido por toda parte, á consciencia e ao patriotismo de cada proprietario do solo para que nenhum confie a exploração de seus terrenos senão aos brasileiros reconhecidamente brasileiros.
133. — O meio pratico de corrigir o mal é o que suggerimos, desde o anno passado, em nossas entrevistas pela imprensa: restabelecer de prompto a lei de 1921, adaptada aos novos dispositivos da Constituição Federal de 16 de Julho. Ficaremos, por esse meio, com uma legislação bem apparelhada a resolver todas as questões, sem sacrificio dos direitos, quer da nação, quer dos particulares, quer dos poderes publicos.
Sob esse ponto de vista, com grata satisfação, recentemente acabamos de averiguar que a Fazenda de S. Paulo concorda em genero, numero e caso com a nossa opinião anteriormente expendida. Vimos um magnifico elogio dessa lei desenvolvido no memorial do patrono de S. Paulo. Elle a aprecia em todos os aspectos e pormenores. Depois de salientar que a devemos, originariamente, á inspiração do notabilissimo geologo, de saudosa memoria, Gonzaga de Campos, á clarividencia do então presidente Epitacio Pessôa e de seu ministro Simões Lopes, como “obra realmente digna de nossa cultura”, assim encerra suas considerações:
“Realmente, a lei 4265, de 15 de janeiro de 1921, honrava grandemente a cultura juridica do Congresso que a votára, e a cerebração pujante que a elaborára. Do primeiro ao ultimo dispositivo, percebem-se o senso perfeito de equilibrio e a intenção do respeito aos sagrados direitos do proprietario da mina, conciliando-os com os interesses da industria extractiva. E si em nosso paiz, dahi em deante, é licito affirmar, ainda permaneceu a mineração em estado incipiente, não lhe dando os recursos esperados, foi antes pela retracção dos capitaes necessarios ao desenvolvimento de tal actividade industrial, do que pela defficiencia de nosso systema legal. Este apparelhamento creado pela lei 4265 e seu regulamento, o D. 15.211, era, pode-se dizer, perfeito. Estavam satisfeitos os appellos de quantos dedicavam-se á exploração do sub-solo brasileiro. Nem a intromissão inopportuna dos poderes publicos, nem os exaggeros de um individualismo golpeador da industria mineira. Mas, proporcionada e razoavel protecção do interesse particular que reverteria, enxergou-o claramente o sabio legislador de 1921, em beneficio da collectividade. E tudo isto, sob a orientação traçada pelo constituinte de 1891: "as minas pertencem aos proprietarios do solo, salvas as limitações que forem estabelecidas por lei, a bem da exploração deste ramo de industria". Este preceito, observou-o religiosamente o Codigo que teve a assignatura de um dos representantes mais dignos de nossa cultura: Epitacio Pessôa”.
134. — Para convencer-se a gente de quanto são justos e bem fundados taes conceitos, basta-nos apenas uma leitura comparada. Ver-se-ão na lei de 1921 a harmonia e a clareza, a sobriedade e o senso, o methodo e a logica. Em deploravel contraste, no Codigo de Minas ver-se-ão a nenhuma harmonia e a nenhuma clareza, a nenhuma sobriedade e o nenhum senso, o nenhum methodo e a nenhuma logica.
Entre uma e outro não ha hesitação possivel.
DESCENTRALISAÇÃO ADMINISTRATIVA
135. — Dispõe o art. 119 § 3.º da Constituição Federal:
“Satisfeitas as condições estabelecidas em lei, entre as quaes a de possuirem os necessarios serviços technicos e administrativos, OS ESTADOS PASSARÃO A EXERCER DENTRO DOS RESPECTIVOS TERRITORIOS A ATTRIBUIÇÃO CONSTANTE DESTE ARTIGO”.
Essa attribuição refere-se ao aproveitamento industrial das minas e jazidas mineraes, bem como das aguas e da energia electrica.
Tal descentralisação, urge generalisal-a, no mais breve tempo possivel. Ahi está o eloquente exemplo e o significativo precedente de Alagôas. Desenganado o seu governo de poder contar com a bôa vontade do serviço federal, deliberou agir directamente, para esclarecer o problema do petroleo. O resultado foi que, pela primeira vez, os trusts soffreram uma derrota no Brasil. Contractados os estudos geophysicos com uma firma allemã neutra, independente e de reputação mundial, em quatro mezes o governo alagoano fez mais para a solução do problema, do que a administração federal em mais de vinte annos. Todas as duvidas sobre a existencia do combustivel negro no sub-solo de Alagôas ficaram definitivamente dissipadas.
Uma lei ordinaria, complementar desse dispositivo constitucional, como a que o Congresso o anno passado decretou e o presidente da Republica votou, tambem é de necessidade premente. Que cada Estado assuma a responsabilidade e a iniciativa que lhe competem, avocando-se o encargo que se estiola e atrophia no centralismo do Codigo de Minas. Essa descentralisação não exclue a acção conjugada, o auxilio e a cooperação da União com os Estados, nos seus devidos moldes.
A proposito, ouvi do sr. Governador da Bahia, capitão Juracy Magalhães, em Dezembro ultimo, depois de expor-lhe as minhas observações:
“Fui tambem unionista, antes de ter administrado um Estado. Agora, que já administrei e administro um delles, sou partidario da maxima descentralisação dos serviços administrativos para os Estados. A minha experiencia já me revelou o papel do centripetismo federal. Em these não podemos deixar de concordar que é mais facil uma acção perturbadora sobre um só orgão central permanente, embaraçando a vida do paiz inteiro, que vinte acções separadas e isoladas sobre vinte governos differentes, que se renovam de tempo em tempo”.
Um plano de conjuncto para o desenvolvimento da industria do petroleo deve caber á União; dentro desse plano, a maior amplitude de açção aos Estados.
CONCLUSÕES
136. — Tendo em consideração toda a materia deduzida neste depoimento, chego ás seguintes conclusões:
1.ª — A accusação de Monteiro Lobato é verdadeira. Dedicando-se, com sobrehumano esforço e insuperavel abnegação a esta causa, Monteiro Lobato é daquelles que a formosa cerebração de Marcondes Filho denomina "os abstemios do presente, capazes de se afastarem dos interesses pessoaes, das carreiras faceis abertas á sua frente das posições confortaveis que o talento lhes assegura, para buscarem o facto longinquo, cheio de difficuldades, de risco e de soffrimentos"
2.ª — Necessidade da immediata abrogação do Codigo de Minas, codigo indesejavel pela sua inconstitucionalidade, pela sua inexequibilidade, pela asphyxia de sua centralisação administrativa, pelo seu cunho communista, pelos seus atentados á nossa lingua, pelo seu esbulho á propriedade dos cidadãos, pelo seu assalto á propriedade e á autonomia dos Estados.
3.ª — Restauração immediata da lei n. 4.265 de 15 de Janeiro de 1921, regulamentada pelo dec. 15.211 de 28 de Dezembro do mesmo anno, com as adaptações á Constituição de 16 de Julho de 1934.
4.ª — Solicitar dos governos estadoaes, por intermedio dos representantes do ministerio publico de todas as comarcas, o arrolamento urgente e completo nos respectivos cartorios de registro e tabellionatos, de todos os contractos de arrendamento ou exploração de sub-solo, para a organisação do balanço dos terrenos potencialmente petroliferos acaparados por emprezas extrangeiras, ou suas filiadas, associadas e federadas de nomes nacionaes.
5.ª — Recommendar a todos os proprietarios territoriaes que hajam feito contractos de não perfuração illudidos pela má fé dos trust ou seus representantes, que promovam a sua annullação em juizo, nos termos do art. 92 do Codigo Civil, pelo vicio fundamental do dolo.
Srs. Membros da Commisão do Inquerito:
Eis o depoimento que em minha consciencia, como brasileiro, devia fazer á minha gente sobre o problema do petroleo em minha terra.
Amei, com coragem, a verdade, para servir, com fé, a Patria.
S. Paulo, 20 de Julho de 1936
HILARIO FREIRE
Praça da Sé, 83