O Escandalo do Petroleo/Depoimento de Monteiro Lobato

Depoimento de
Monteiro Lobato



Exmo. Sr. Dr. Pires do Rio
Presidente da Comissão de Inquerito sobre o Petroleo.

Atendendo ao convite de V. Excia. venho trazer o meu depoimento escrito no qual presumo provar todas as arguições que avancei na “Carta Aberta” ao Sr. Ministro da Agricultura, publicada, sob o titulo “Por que o Brasil não tem Petroleo”, em varios jornais, a 13 de fevereiro deste ano.

Minha primeira afirmação foi que o serviço federal de minas tem como divisa NÃO TIRAR PETROLEO E NÃO DEIXAR QUE O TIREM.


1) NÃO TIRAR...


O “não tirar” provou-se, precipuamente, pelo fato de não o haverem tirado nos 15 anos decorrentes da primeira perfuração até hoje. Graças a isso permanecemos na grotesca situação de unico grande pais das Americas sem petroleo proprio. Mas a prova absoluta do “não tirar” temo-la no programa de perfurações adotado, pois dentro dele tambem não se tiraria petroleo em nenhum outro país do continente. Se não, vejamos.

Pelo “Quadro Geral” das perfurações para petroleo feitas nesse lapso de 15 anos, publicado em apenso nas BASES PARA O INQUERITO, verificamos que elas montaram a 65, somando 16.826 metros, ou seja uma media de 258 metros para cada poço. Houve uma de 768 metros em São Paulo e uma de 723 no Pará. Seis pararam na casa dos 500. Os restantes, muito abaixo disso. E com base nos resultados negativos desses poços, ia ficando assente a não existencia do petroleo nas zonas perfuradas.

Alego que se esse programa fosse executado nas principaes zonas de petroleo dos Estados Unidos, da Argentina ou da Bolivia, tambem lá não seria encontrado petroleo.

Tomemos o caso de Alagoas. A região do Riacho Doce de longos anos vinha sendo considerada petrolifera por todos os geologos que a examinaram. O serviço federal resolve tirar a prova e para isso abre lá 6 poços, respectivamente de 41, 78, 130, 155, 220 e 245 metros. A conclusão apparente, está claro, foi não haver petroleo. Mas se esses 6 poços fossem abertos no Oklahoma, no Texas, na California, no Mexico, na Argentina, na Bolivia ou na Venezuela, bem em cima dos melhores “pools” lá existentes, tambem não teriam revelado petroleo em todos esses paises e distritos. Podemos classifica-las de perfurações de não achar petroleo.

Na Baía foram igualmente abertos 6 poços, o mais profundo com 387 metros. Esses 6 poços collocados sobre o rico “field” de Monterey, na California, tambem seriam negativos.

Inutil prosseguir nesta demonstração. E’ clara demais. E se em vez de 65 apenas, o serviço federal houvesse aberto 65.000 perfurações com essa media de profundidade, os resultados seriam igualmente negativos — negativos aqui e em numerosos dos mais possantes campos petroliferos do mundo. Ora, tal programa de perfurações pouco profundas, e, portanto, inconclusivas, só póde ocorrer a um serviço que tenha como lema não tirar petroleo. Não o tirou no Brasil, não o tirará nunca e não o tiraria ainda nos melhores campos petroliferos da America.


Mas a intenção de não tirar petroleo prova-se tambem com um fato concreto dos mais interessantes. Na minha “Carta Aberta” afirmei que “o petroleo já fôra revelado no Brasil, mas que sua descoberta vinha sendo sabotada”. Vou provar o asserto com a apresentação de dois documentos. O primeiro é um trecho do relatorio apresentado em 1926 ao Ministro Lyra Castro pelo Sr. Eusebio de Oliveira, então Diretor do Serviço Geologico. Diz ele: “ESTADO DE ALAGOAS. O Serviço Geologico até hoje não conseguiu vencer as grandes dificuldades que se têm apresentado nas sondagens de Riacho Doce devido á natureza extremamente friavel das camadas e ás dobras caprichosas, as quais, facilitando o escorregamento das camadas fazem que o furo diminua de diametro, inutilizando a perfuração. Nas sondagens ali executadas (Riacho Doce) TEM SIDO ENCONTRADO PETROLEO LIVRE. Por isso e pela possibilidade de se encontrar outros sistemas geologicos abaixo da conhecida série de Alagoas (cretaceo superior ou terciario), a execução dessa perfuração até atingir as rochas cristalinas é perfeitamente justificavel sendo sem fundamento as criticas que, do ponto de vista cientifico, tem sido feitas á execução desse furo”.


O segundo documento é a copia fotografica das paginas 330 e 331 do “Livro de Perfuração” desse poço, datadas de 5 e 7 de novembro de 1922. Na cota dos 285 metros o perfurador anota o seguinte: SHISTO MUITO MOLE, SAINDO MUITO OLEO (anexo n. 1).

Temos, aqui, portanto, uma pagina do “Livro de Perfuração”, que é a caderneta de campo do trabalho, provando a revelação do petroleo já em 1922; e temos o relatorio do sr. Eusebio de Oliveira afirmando o encontro de PETROLEO LIVRE nos poços de Riacho Doce. Não se trata mais de simples impregnação betuminosa, nem de vestigios de oleo. Trata-se daquillo que se procurava, daquillo para cujo encontro a sondagem estava sendo feita: PETROLEO LIVRE e SAINDO MUITO.

Com esses documentos provo minha afirmativa de que o petroleo do Brasil já foi revelado ha muitos anos. E para provar a segunda parte, isto é, que sua descoberta vem sendo sabotada, basta o fato do estranho silencio que envolve esse poço alagoano. Silencio tão grande que até nas BASES PARA O INQUERITO, que o Ministro organizou para uso da Comissão do Inquerito, nada consta a respeito.

O sr. Eusebio declara que para prosseguir naquela perfuração tinha necessidade de tubos de revestimento (e talvez por não obte-los interrompesse o trabalho); declara que o aprofundamento do poço até alcançar o cristalino era perfeitamente justificavel, não só devido ao encontro de petroleo livre como tambem por outras razões de ordem geologica; declara ainda sem fundamento cientifico as criticas feitas em contrario. Por sua vez o perfurador atesta que o poço estava dando muito oleo. Pois apesar disso 16 longos anos ja se passaram sem que a perfuração fosse retomada. Os tubos de revestimento não apareceram. A sonda foi desmontada e removida. O Estado de Alagoas viu-se riscado do rol das zonas onde vale a pena perfurar. Aquele PETROLEO LIVRE, SAINDO MUITO assustou o Sr. Fleury da Rocha. Daí o seu novo grito de guerra: Rumo ao Acre!


Por que? Por que razão num poço aberto para encontrar petroleo suspende-se o serviço justamente quando o petroleo é atingido? Por que motivo a sonda foi desmontada e retirada a despeito da categorica afirmação do Diretor do Serviço Geologico de que fôra encontrado petroleo livre e era perfeitamente justificavel prosseguir no furo até alcançar o cristalino? Por que não foi dada a esse relatorio de Eusebio de Oliveira a mesma larguissima divulgação que o Departamento dá a tudo quanto nos é desfavoravel em materia de petroleo? Por que esse relatorio não é citado nas BASES PARA O INQUERITO?

Ha mais ainda. Por que misteriosa injunção esse poço de Riacho Doce — o UNICO ABERTO NO BRASIL QUE DEU PETROLEO LIVRE E SAINDO MUITO — não figura na lista geral das sondagens que vem apensa ás BASES PARA O INQUERITO?

No quadro parcial entre as pags. 63 e 64 mencionam-se dois poços em Riacho Doce, ambos com 165 metros, um com o numero de ordem de 42 e o outro sem numero. Já na “Lista Geral” esse poço 42 aparece com 220 metros, um aumento de 55 metros. O segundo poço de 165 metros não figura na “Lista Geral”. No quadro da pag. 64 reaparece o poço 42 de novo com 220 metros mas sem nenhuma indicação na coluna “Perfis e Resultados”. Nada de petroleo livre ainda.

Entre as pags. 75 e 76 temos outro quadro parcial em que se menciona um poço em Riacho Doce sem numero de ordem e com profundidade incerta. Está lá “300 (?) metros”. Quer dizer que o Departamento ignora a profundidade exacta desse poço; não sabe se realmente chegou a 300 metros, o que aliás não o impede de declarar na coluna “Perfis ou Resultados”: “Aos 300 metros ainda occoriam argilitos e folhelhos betuminosos”. Do petroleo livre, nada de nada de nada.

Como explicar esta ausencia, esta desordem nos poços de Alagoas, esta discrepancia com o que afirma Eusebio de Oliveira e confirma o “Livro de Perfuração”, senão como o desempenho fidelissimo do programa de NÃO TIRAR PETROLEO?

O objectivo duma perfuração para petroleo, em todos os tempos e em todos os países do mundos, sempre foi encontrar petroleo — exceto no Brasil. Entre nós, quando se abre uma perfuração para petroleo e se encontra PETROLEO LIVRE SAINDO MUITO, pára-se, fecha-se o poço, desmonta-se e remove-se a sonda —e sonega-se o fato até a um ministro que pede ao Departamento dados para a organização de bases para um inquerito...

Por acaso o depoente se acha em situação de requerer a juntada aos autos desses documentos; se não fôra esse acaso, como poderiam os juizes decidir com acerto? E que segurança têm os juizes de que outros documentos desta ordem, isto é, favoraveis ao petroleo, não foram igualmente sonegados ao Sr. Ministro?


O poço aberto em Xarqueada, S. Paulo, foi o mais profundo dos 65 perfurados. Alcançou 768 metros. No quadro entre as paginas 83 e 84 esse poço figura sem observação nenhuma na coluna “Perfis ou Resultados”. Mas se a Comissão fôr examinar-lhe o perfil verá que deu bastante sinais de oleo depois dos 700 metros. Um acidente impediu-o de ir além. Tudo levava a crer que os indicios encontrados induzissem ou a salvar-se o poço ou a abrir-se outro ao lado. Nada disso aconteceu.


Muitos fatos semelhantes poderia eu aduzir para provar que o lema do Departamento é realmente NÃO TIRAR PETROLEO NEM DEIXAR QUE O TIREM, mas parecem-me suficientes os apresentados. Com a politica de perfurações pouco profundas adotada, o serviço federal não tirou petroleo aqui e não o tiraria no Oklahoma. E com a politica de suspender a perfuração logo que o petroleo se revela em estado livre, o serviço federal não tirará petroleo aqui nem o tiraria no Texas, nem em Baku, nem na California, nem na Persia, nem na Argentina, nem na Bolivia, nem na Venezuela, nem em parte nenhuma deste ou de qualquer outro mundo do nosso sistema planetario ou de todos os outros mundos de todos os sistemas planetarios do universo.


...E NÃO DEIXAR QUE O TIREM


Vejamos agora a segunda parte do lema. Para demonstrar esta segunda parte vou limitar-me á apresentação de dois fatos, um relativo á Companhia Petroleos do Brasil e outro relativo á Companhia Petroleo Nacional.


A Petroleos do Brasil deliberara perfurar na zona de São Pedro de Piracicaba, onde geologos e geofisicos eram unanimes em apontar possibilidades de petroleo. Foi lá que o antigo Serviço Geologico abriu maior numero de perfurações, infelizmente pouco profundas e portanto inconclusivas. Fazia-se necessario naquella zona um poço profundo. A Petroleos resolveu abri-lo. Seria o poço do Araquá. Programando-o para 1.500, 1,800, 2.000 metros (ou mais, se preciso fosse), a Petroleos prestaria com essa sondagem um serviço de extraordinario valor para a nossa geologia, qual fosse tirar a limpo a tese de Chester Washburne, o emerito geologo americano que o governo de São Paulo contratára para estudos geologicos. Em seu relatorio, Washburne sugeria o seguinte:

”Uma possibilidade atraente para o DESENVOLVIMENTO DE GRANDES POÇOS DE PETROLEO DE PRIMEIRA QUALIDADE é dada pela possibilidade da presença do folheto devoneano no centro e no oéste do Estado. Deduz-se isso de considerações especulativas, como o encontro de PETROLEO VERDE LEVE, EM QUATRO POÇOS, e da presença, em todos os flancos da bacia do rio Paraná, dos arenitos devoneanos inferiores, que na Bolivia se sotpõem ao fothelho oleogenico”.

(C. W. Washburne, Petroleum Geology of São Paulo)

Para alcançar o seu objetivo a Petroleos montou um campo de primeira ordem, o mais completo que ainda se viu no Brasil, com acomodações otimas para operários e pessoal tecnico superior, laboratorio quimico, enfermaria, serviço dentario, etc.; entregou a superintendencia dos trabalhos de campo a um engenheiro de alta capacidade, com muitos anos de pratica em Comodoro Rivadavia e assegurou a assistencia continua dum quimico-geologo de renome. Nenhuma precaução foi desprezada.

Pela primeira vez o Brasil ia ter um poço iniciado com 24” de diametro, em condições tecnicas permissoras de um avanço inedito pelo subsolo a dentro. A sonda era das mais potentes, dispondo de grande copia de tubos de revestimento e de excelente oficina mecanica. A direção honestissima. Os diretores haviam desistido dos seus honorarios para que os recursos da empresa se empregassem exclusivamente nos trabalhos de campo.

A abertura do poço de Araquá correu muito bem até 1.044 metros, cóta em que esbarrou numa camada de rocha eruptiva de excepcional dureza — a diabase. O rendimento da perfuração, que no mez anterior ao encontro da diabase fôra de 9 metros por dia, caiu a centimetros. O avanço mensal passou a ser de 3 a 4 metros. As despesas se agravaram. A espessura da camada excedia a todas as espectativas. Meses correram naquela luta até que o capital da companhia chegou ao fim. Tornou-se necessario um refinanciamento.

Reunidos os acionistas em assembleia, foi autorizado um aumento de capital até 500 contos, e a 21 de outubro de 1934 saiu o Manifesto (Anexo n. 1 das BASES) em que eram oferecidos ao publico mais 500 contos de acções. O manifesto teve bôa acolhida. A tomada de ações começou a fazer--se satisfatoriamente. Foi quando o Departamento Nacional interveio maliciosamente, desferindo mais um dos seus venenosos golpes sabotadores. Dias depois de publicado o Manifesto, todos os jornais de importancia estampavam o celebre comunicado do Sr. Fleury da Rocha, transcrito á pag. 27 das BASES. Dizia ele:

1)As transcripções de resultados e opiniões do D. N. P. M. sobre o problema de Pesquisa do Petroleo em São Paulo, feitas pela Cia. Petroleos do Brasil em “Manifesto para Aumento de Capital” de 21 do corrente, no jornal “O Estado de São Paulo”, estão truncadas, não tendo sido interpretadas dentro do espirito geral dos trabalhos de onde foram extraidas.

2)O D. N. P. M. não se pronunciou sobre as opiniões do geologo Washburne, transcreveu-as em retrospecto historico.

3)A fiscalização do D. N. P. M. junto á sondagem de São Pedro I, da Cia. Petrolifera Brasileira, incorporada por Angelo Balloni, não endossa a occorrencia de impregnação de oleo nos horizontes citados, afirmada pela Cia. Petroleos do Brasil.

O D. N. P. M. ainda não tem motivos para se armar do optimismo da Cia. Petroleos do Brasil sobre o grave problema da existencia e pesquisa do petroleo em São Paulo e no Brasil Meridional, conforme longamente tem explanado em pareceres divulgados pelos principais jornais do pais, em abril e maio do corrente ano.

5)Dentro de poucas semanas serão publicados os resultados geofisicos definitivos sobre a região de São Pedro, assim como a opinião do tecnico especialista em petroleo sobre o problema da sua existencia no sul do Brasil.

6)O D. N. P. M. não oculta o alto valor estrafigrafico e geologico que poderá advir com a continuação da sondagem da Cia. Petroleos do Brasil, em Xarqueada, sob a sabia

fiscalização da Comissão Geografica e Geologica do Estado de São Paulo.

Estava desferido contra o poço de Araquá o golpe de morte, apesar do “alto valor que poderia advir da sua continuação, etc”. Facil avaliar a repercussão dessa ducha, á qual o Sr. Fleury deu publicidade inversa á do relatorio de Eusebio de Oliveira, sobre o encontro de petroleo livre em Alagoas. Se a Comissão ler atentamente o Manifesto da Cia. Petroleos e logo em seguida o insidioso comunicado, verá com que má fé foi feito, e que clara era a intenção de ferir a companhia no momento melindroso em que apelava para mais dinheiro. A Comissão verá que o Manifesto se havia baseado nas conclusões dum recentissimo relatorio sobre as pesquisas de petroleo em São Paulo que o Sr. Fleury apresentara ao Ministro Juarez e fôra publicado meses antes no Boletim do Ministerio da Agricultura (Anexo n. II das BASES). Mestre Fleury concluia assim: —

“PETROLEO DEVONEANO. “A pesquisa do petroleo originario e localizado nos sedimentos preglaciais não metamorficos não foi objeto de consideração por parte dos serviços tecnicos (federais), no Estado de São Paulo. Washburne despertou a atenção para o problema com as seguintes palavras: “Uma possibilidade atraente para o desenvolvimento de grandes poços de petroleo de primeira qualidade é dada pela possibilidade da presença do folhelho devoneano no centro e no oéste do Estado. Deduz-se isto do encontro de petroleo verde, leve, em quatro poços e da presença, em todos os flancos da bacia do do Paraná, dos arenitos devoneanos inferiores que na Bolivia se sotopõem ao folhelho oleogenico”. Como tudo está para ser feito, facil será seguir um programa racional e eficiente. Uma fase intensa de reconhecimento estratigrafico, tetonico e magnetometrico deverá ser iniciada para facilitar á Diretoria de Minas um conhecimento que lhe falta sobre o devoneano. Com os dados provenientes dum estudo exhaustivo dessa ordem poderá ser organizado um plano de poucas sondagens profundas, capazes de atingir o arqueano, executadas por sondas combinadas, com o diametro inicial de 24”, “E’ necessario que a Diretoria de Minas disponha de recursos que lhe permitam levar avante um programa racional, CAPAZ DE DAR AO BRASIL A MAIS AGRADAVEL SURPRESA. E não seria justo o que se afastassem por momentos essas indagações, uma vez que se TRATA DE FORMAÇÃO GEOLOGICA COEVA DA QUE NO NORTE DA ARGENTINA E SUDOESTE DA BOLIVIA FORNECE CAMPOS PETROLIFEROS EM FRANCA EXPLORAÇÃO, CONSTITUINDO RENDOSA INVERSÃO DE

CAPITAIS”.

Este homem que na conclusão do seu relatorio cavalga com tanto enthusiasmo sobre a hipotese do petroleo devoneano aventada por Washburne e admite que com prefurações profundas poderia ter o Brasil a mais agradavel das surpresas, é o mesmo que no comunicado sabotador nega que haja encampado as ideias de Washburne e confessa pessimismo quanto ao petroleo do sul do Brasil.

Quem o arrastou a mudar? Quem influiu nesse homem para o levar a tão completo repudio das ideias da vespera? Resposta: o famoso, o celeberrimo Victor Oppenheim, o trampolineiro corrido da Argentina, o judeuzinho de Riga que depois de sabotar o poço São João, em Riacho Doce, recebeu como paga passar a oraculo supremo do Departamento Nacional. Era ele o “tecnico especialista” cuja opinião o Sr. Fleury anunciava para breve no item 5 do seu comunicado.

A opinião anunciada não tardou. Vou reproduzi-la para enlevo d’alma da Comissão, que poucas occasiões terá de deliciar-se como melhor salada russa. Numa comunicação apresentada pelo Sr. Fleury da Rocha ao major Juarez, apareceu a grande peça oppenheimica.

”Em relatorio que oportunamente será apresentado ser-vos-á esclarecida a origem de supostas estruturas definidas pelo geologo Ch. Washburne. Com efeito, foram elas resolvidas em simples deformações locais por injeções lacoliticas ou de falhas e fazem parte, antes, de um processo magmatico do que da deformação estrutural por dobramento da massa continental da crosta terrestre. O processo diastrofico permotriassico e protsriassico não foi, porém, orogenico. O escudo, ou seja, o maciço meridional não se consolidou após o colapso triassico do processo orogenetico, ou mais claramente, por compressões tangenciais que desenvolvessem “stress” ou estados de tensões favoraveis á reconstrução da crosta pela transformação termodinamica do trabalho mecanico em reajustamentos moleculares de ordem fisico-quimica. Dessa forma é o fenomeno de polimerização de substancias hidrocarbonaceas contidas nos sedimentos de que resulta o petroleo. Acontece, porém, que os fenomenos diastroficos, cujos prolegomenos se verificaram na sedimentação permotriassica, tiveram carater disruptivo. O maciço meridional, por efeito isostatico, sofreu deslocamentos verticais, cujo efeito foi o cisalhamento em direções de menor resistencia. A consequencia natural seria um verdadeiro naufragio de blocos continentais no substratum basaltico que se insinuou pelas fendas e se derramou pela superficie. O resultado foi a consolidação do maciço novamente cujos blocos e fragmentos foram soldados pelas injeções e derrames. Não obstante isso, verifica-se um processo em vaso aberto de franca comunicação com o exterior; de tal modo toda a materia volatil distilada do horioznte do Iraty teria escoado e se perdido por combustão em contacto com o ar, ou arrastada em forma de vapores pelas correntes de ar. O que ficou de tal hecatombe ciclopica foi um residuo asfaltico impregnando formações

areniticas”.


E por aí além.

Com base nesse “morceau de roi” que daria a Molière tema ótimo para um “pendent” ás “Precieuses Ridicules”, surge a conclusão fulminante do mestre Fleury: “A região de São Pedro, é, do ponto de vista geologico, estratigrafico e tetonico, francamente negativa para futuras pesquisas de petroleo, confirmando, na estructura local, o carater dumgraben”.


Não entro na apreciação cientifica de tal conclusão; disso se encarregará Chester Washburne na critica publicada no boletim da “American Association of Petroleum Geologists” (anexo n. 2), onde se demonstra a deshonestidade cientifica de Fleury-Oppenheim. Limito-me a produzir o fato como justificativa das minhas arguições. Esse departamento, tão secretivo quando se trata de encontro de petroleo livre, tão lerdo em todos os seus movimentos, sabe correr, sabe espalhar aos quatro ventos as boas peças negativistas que consegue, ainda que cheirem a pilheria geologica como essa de Fleury-Oppenheim. Por que? Porque é necessario sabotar sempre, e porque naquele caso era necessario impedir que fossem por diante as duas perfurações profundas que se faziam em São Pedro — a da Petroleos e da Cia. Petrolifera.

Nunca, em país nenhum do mundo, o conhecimento das convulsões dum subsolo, ocorridas a milhares de seculos atrás, atingiu a exatidão matematica que Fleury & Oppenheim demonstram relativamente áquele trecho do territorio paulista. Dessa exatidão matematica decorre o peremptorio da conclusão final: NÃO EXISTE PETROLEO EM S. PEDRO. E no entanto esses dois homens sabem muito bem que a geologia como a geofisica não dispensam o “fato” da sondagem. Só a sondagem esclarece em definitiva. Só a sondagem diz a ultima palavra. Não tem conta o numero de sondagens que vieram desmentir com o “fato” a pedanteria pernostica dos geologos de encomenda. Numa das ultimas publicações da “American Association of Petroleum Geologists” acentua-se fortemente este ponto — que apesar dos progressos da geologia e da geofisica é ainda a sondagem a suprema esclarecedora.

O “animus sabotandi” do comunicado e do anfiguri do Sr. Oppenheim é manifesto. Aquilo foi arranjado como bomba para arrazar a Petroleos e impedir a continuação do poço do Araquá. Pois, por que motivo, sendo o Brasil, tão grande, o Departamento manda aferventar estudos oppenheimicos justamente em redor daquela sondagem? Por que não os fez no Acre? Se tinha realmente interesse na geologia da zona de São Pedro, por que não esperou que a Petroleos concluisse o poço e com ele fornecesse um ponto de referencia, um córte de subsolo, de valor inestimavel para qualquer conclusão geologica definitiva?


Mas esse golpe — isto é, a condenação formal da zona de São Pedro — não foi bastante para derrubar a Petroleos. O Departamento colocou-se na tocaia, de trabuco em punho, á espera de nova oportunidade. Essa oportunidade veio. Foi o Manifesto da companhia pedindo mais capital ao publico.

A Comissão que leia o Manifesto e em seguida o Comunicado. Ressaltará clarissima a intenção de sabotagem. Era o meio pratico de assustar o publico, de impedir o refinanciamento e desse modo quebrar as pernas á companhia.


O objetivo foi alcançado. O poço do Araquá teve de interromper-se aos 1070 metros. Mas qual a verdadeira vitima do insidiosissimo golpe? O Brasil. A Petroleos tentava solver um problema em que o Brasil era um milhão de vezes mais interessado que ela. Embaraçando-a, impedindo-a de verificar a verdade da hipotese de Washburne, o Departamento sabotou a solução dum problema eminentemente nacional e de extraordinaria importancia para o Brasil. A hipotese de Washburne, graças ao Sr. Fleury, permanece ainda hoje hipotese. Graças ao Sr. Fleury, o petroleo porventura existente naquele ponto não pôde ser produzido. Graças ao Sr. Fleury, mil e muitos contos da pequena economia popular, gastos na perfuração, foram destruidos.

Mas não ha negar que esse homem é profundamente logico. Já que o lema do Departamento é NÃO TIRAR PETROLEO E NÃO DEIXAR QUE O TIREM, como poderia agir de outro modo?


Nas BASES o Sr. Ministro procura defender as "boas intenções" do grande logico. Não havia ali hostilidade, diz santamente o Ministro. O Departamento estava apenas convencido do "erro" da Cia. Petroleos (erro em abrir uma perfuração profunda, dentro do programa do proprio Sr. Fleury da Rocha!). Permitir o refinanciamento seria “sacrificar inutilmente a empresa, prejudicando os seus acionistas", etc..

Estas razões lembram as dos inquisidores que queimavam vivos os herejes com o piedoso intuito de evitar efusão de sangue. O Departamento destruiu a Petroleos de dó dos acionistas da Petroleo...

Mas ter dó de acionistas é lá função do Departamento? Que tem ele com a vida e negocios das empresas particulares? Quem o erigiu em fiscal de sociedade por ações? Que função policial é essa, não prevista na lei das sociedades anonimas, nem em nenhuma outra lei brasileira?


Outra prova da intenção sabotadora daquele comunicado temos no artigo difamatorio que sob o titulo de “Os Mistificadores do Petroleo” andou publicando pela seção livre de varios jornais o Sr. Henry Leonardos, vogal de outro Leonardos que faz parte do Departamento. Diz esse alto-falante no trecho marcado em vermelho do Anexo n. 3:

Mas um dia o dinheiro acabou. Daí novo apelo ao patriotismo paulista. DESTA FEITA, POREM A POLICIA FEDERAL TEVE NO MAJOR JUAREZ TAVORA UM BOM “G-MAN” E A TRAMOIA FOI PUBLICAMENTE DENUNCIADA NUM COMUNICADO DELICADISSIMO DO DEPARTAMENTO NACIONAL. Diante das palavras do Dr. Fleury da Rocha... o publico se retraiu”.

A “tramoia” era o poço do Araquá, o mais perfeito ainda tentado no Brasil, o de maior diametro, o dirigido por maiores competencias tecnicas, o que se enquadrava perfeitamente no programa de perfurações profundas do Sr. Fleury, o que ainda que não désse petroleo seria de valor inestimavel para esclarecer a hipotese da presença do devoneano em São Paulo — hipotese de capital importancia para todas as pesquisas subsequentes.

Ha na Comissão dois membros que visitaram o campo de Araquá e poderão testemunhar o capricho e a seriedade com que eram conduzidos os trabalhos (anexo n. 4). Se esses senhores voltassem áquelle acampamento, hoje transformado em tapéra, sentir-se-iam de coração confrangido. O pai dessa tapera, quem é? O Sr. Fleury da Rocha, piedoso Diretor do Departamento Nacional de Produção Mineral.


Outro exemplo revoltante de sabotagem da iniciativa privada temos no caso da companhia de Alagoas. Desde o dia em que essa empresa foi proposta ao publico no manifesto inaugural dos incorporadores, entrou a sofrer a mais odiosa campanha de imprensa. Os incorporadores ainda não tinham feito nada; haviam apenas proposto ao publico um negocio, qual fosse a abertura de sondagens em Riacho Doce. Apesar disso, era de “scrocs” o minimo de que os acoimavam. Quem promoveu essa campanha? O Departamento Nacional. Não ha jornalista carioca que desconheça o fato.

A despeito, porém, da campanha infamissima, apareceu dinheiro e os trabalhos de campo tiveram inicio. Edson de Carvalho, o chefe, dá começo á abertura dos primeiros poços em Riacho Doce. Ocorrem azares. Perdem-se as sondagens iniciais. Cometem-se todas as faltas proprias da inexperiencia. Mas obstaculo nenhum foi de molde a desviar Edson da realização do seu objetivo. Insistia, persistia, resistia. Todos viram que, com o tempo, a vitoria fatalmente tinha de coroar tamanha tenacidade.

Em dado momento o Sr. Malamphy corre em "auxilio" da empresa alagoana. Insinua a Edson de Carvalho a entrega da direção tecnica dos serviços ao seu socio Victor Oppenheim. Insiste durante oito meses e acaba vencendo a resistencia de Edson. Oppenheim assume a direção dos trabalhos da Cia. Nacional, em Riacho Doce. O que foi a ação sabotadora desse homem na Cia. Petroleo Nacional, a outro compete dizer, não a mim. Limitar-me-ei apenas a produzir um fato que mais uma vez corrobora a minha proposição de que o lema do Departamento é NÃO TIRAR PETROLEO E NÃO DEIXAR QUE O TIREM.

Depois de inutilizar, por desvio do prumo, o poço de São João, que já ia a meio caminho, mestre Oppenheim abandona a companhia e vem ao Rio receber o premio do belo serviço feito. Recebeu-o. É admitido no Departamento Nacional com grandes honras, tornando-se desde esse dia do Oraculo de Delfos do sr. Fleury, o Orientador Supremo, o Homem que Diz a Ultima Palavra. Merecia a recepção que teve. Dera na empresa alagoana um golpe irmão do que ia dar na empresa paulista. Qui ressemble s’assemble. Fleury e Oppenheim passaram a entender-se maravilhosamente.

Mas o golpe do judeu de Riga não fôra suficiente para destruir a teimosissima companhia alagoana. Edson de Carvalho, seu heroico promotor, insiste em salvar o poço São João e, sózinho, desajudado de tudo, já completamente esgotado de recursos financeiros, consegue esse milagre, anulando assim a obra sabotadora de mestre Oppenheim. Salva o poço e continua a perfurar.

Ao verificar isso, o Departamento espumeja de cólera. Era demais. Era desaforo! Era uma infamia — e num conciliabulo secreto Fleury e Oppenheim combinam contra a empresa alagoana um golpe mortal. Oppenheim, representando o Departamento, insinua-se na confiança do capitão Afonso de Carvalho, interventor recem-nomeado para Alagoas, e consegue provar-lhe, entre cochichos, que a Cia. Petroleo Nacional era uma tramoia igual á Petroleos do Brasil. Resultado: o interventor manda fechar a sonda, mete soldados de guarda e abre severissima devassa nos negocios da empresa.

UM ANO E DOIS MESES ficou o acampamento ocupado militarmente, sem que Edson de Carvalho nele pudesse penetrar. Emquanto isso, a odiosa devassa se processava em Maceió. Nada foi apurado contra a honestidade dos incorporadores. Os cochichos de Oppenheim não passavam de mais uma de suas muitas infamias. Nisto o interventor Afonso de Carvalho é substituido e Edson consegue reentrar na posse do acampamento. O resto a Comissão já deve saber pelos informes do governador Osman Loureiro.

Não quero entrar em detalhes. Para a minha tese basta o fato da ocupação militar da sonda durante 14 mezes e da devassa ilegalissima feita nos negocios da Nacional. Quem promoveu isso — esse ato franco de miseravel sabotagem? O Departamento. Por que? Porque a ABERTURA DO POÇO S. JOÃO VIRIA DESMASCARAR A SABOTAGEM FEITA NO TAL POÇO DE RIACHO DOCE QUE DEU PETROLEO LIVRE “SAINDO MUITO”. Esse poço aberto em 1922 está localizado na mesma estrutura, a poucos metros do atual poço São João...

Se os senhores juizes tomarem o depoimento do hoje major Afonso de Carvalho ficarão perfeitamente esclarecidos sobre este ponto.


MAIS UMA PROVA: A LEI DE MINAS

Não contente com a ação direta contra o petroleo, o Departamento concebeu um meio indireto de IMPEDIR DA MANEIRA MAIS ABSOLUTA QUE ALGUEM TIRE PETROLEO NO BRASIL. Esse meio é a atual lei de Minas, o “capolavoro” do Departamento. Se a Comissão se der ao trabalho de estudar aquele cipoal dantesco de embaraços, de exigencias absurdas, de burocracias desesperantes, de centralização grotesca, verá que a aplicação dos dispositivos do mostrengo é praticamente impossivel.

Confessadamente, esses embaraços foram criados "para impedir que os trusts estrangeiros se apossassem das riquezas do nosso subsolo. Mas como para embaraçar os estrangeiros fosse necessario tambem embaraçar os nacionais, resultou o que temos hoje: o trancamento da exploração do subsolo tanto para nacionais como para estrangeiros — exatamente o que os trusts queriam, como demonstrarei mais adiante.

As restrições e limitações que a Lei de Minas estabeleceu com o intuito de barrar a entrada de capitais de fóra, cairam sobre a cabeça dos nacionais: Os trusts estrangeiros riram-se, piscaram o olho e, á sombra da Lei-Cipó, entraram a acaparar as terras potencialmente petroliferas, não para explora-las, o que lhes é impossivel, mas a fim de te-las como reservas para o futuro — para quando o petroleo de outros paises vier a escassear. E esse acaparamento de terras vai segregando da exploração as melhores zonas de petroleo que o Brasil possue.


OS INTERESSES ESTRANGEIROS

Mas será verdade que os trusts estrangeiros não querem, no momento, tirar petroleo no Brasil, nem querem que o nacional o tire? Vou provar este ponto. E, provado esse ponto, a Comissão verá que a Lei de Minas de tal modo se ajusta ao interesse declarado dos trusts que até parece uma lei de encomenda. O Departamento do Sr. Fleury inspirou ao major Juarez Tavora uma lei sob a medida exata do que os trusts que nos abastecem de petroleo queriam. Como não hão de rir-se os americanos da nossa infinita ingenuidade!


Em 1934, estando eu na direção da Cia. Petroleos, recebí uma carta da Argentina, assinada por Harry Koller, ex-geologo da Standard Oil de lá. Depois de contar a sua situação naquela companhia, da qual vinha de afastar-se por motivos que expunha, Koller oferecia seus serviços profissionais. E com a inocencia propria aos cientistas, desdobrou inteiro o panorama da politica de petroleo que a Standard adotara em relação ao Brasil. Diz ele em certo ponto: “Depois de servir quatro anos nos serviços geologicos da Companhia Geral Pan-Brasileira de Petroleo (Standard Oil Cº. Argentina, S/A) durante os quais percorri todas as possiveis zonas petroliferas (potenciais), localizando mais de doze estruturas nos diferentes estados do Brasil), tenho a perfeita convicção da primordial necessidade de uma prolixa investigação magnometrica nas zonas de interesse. Tenho já os suficientes conhecimentos estratigraficos para seguir nos trabalhos de localização, coisa de muito interesse, VISTO A CAMPANHA DE ORGANIZAÇÃO E CONTRATOS ATUALMENTE EXECUTADOS PELA COMPANHIA, considerando que só a Cia. Geral de Petroleo Pan-Brasileira e OUTRA já possuem mais de 2.000 alqueires de terras sobre anticlinais de primeira classe em São Paulo e no Paraná, muito especialmente na famosa Paraná Arch. É OBVIO QUE AS COMPANHIAS IMPORTADORAS NÃO TEM INTERESSE NO DESENVOLVIMENTO DAS FONTES DE PETROLEO QUE O BRASIL INDUBITAVELMENTE POSSUE, INTERESSANDO-LHES MAIS, DADA A ATUAL SUPERPRODUÇÃO DOS DIVERSOS FIELDS EM EXPLORAÇÃO, A ESCRAVIZAÇÃO PETROLIFERA DO BRASIL. E’, PORÉM EVIDENTE QUE, DADAS AS ATUAIS CONDIÇÕES, AS EMPRESAS AMERICANAS TEM QUE ACAPARAR O SOLO POTENCIALMENTE PETROLIFERO PARA ASSIM DEFENDER OS SEUS NEGOCIOS DE IMPORTAÇÃO, DO QUE RESULTA O INTERESSE QUE DEMONSTRAM EM IMPEDIR A EXPLORAÇÃO”.


A despeito da má redação proprią dum estrangeiro mal seguro da nossa lingua, essa carta tem o extraordinario valor de abrir o quadro inteiro da politica petrolifera dos trusts em relação ao Brasil. Para melhor compreensão vou reproduzi-la com esclarecimentos e interpretações entre parentesis.

“Depois de servir quatro anos no Brasil (SÓ ESTE GEOLOGO TRABALHOU AQUI PARA OS TRUSTS DURANTE QUATRO ANOS. QUANTOS MAIS NÃO FIZERAM O MESMO?) nos serviços geologicos da Companhia Geral de Petroleo-Pan-Brasileira (Standard Oil Co. Argentina, S/A). (AQUI ELE DENUNCIA QUE ESSA CIA. GERAL NÃO PASSA DUMA TESTA DE FERRO DA STANDARD OIL DA ARGENTINA, O TENTACULO DA STANDARD OIL CO. QUE CONTROLA OS INTERESSES DO POLVO NO BRASIL) durante os quais percorri todas as possiveis zonas petroliferas (potenciais), localizando mais de doze estruturas nos differentes estados do Brasil — (KOLLER CONFESSA QUE SÓ ELE LOCALIZOU MAIS DE 12 ESTRUTURAS PETROLIFERAS EM DIFERENTES ESTADOS. QUANTAS MAIS NÃO FORAM LOCALIZADAS POR OUTROS GEOLOGOS? E A QUEM PERTENCERÃO HOJE AS TERRAS ONDE FORAM LOCALIZADAS TAIS ESTRUTURAS ? ESTA CLARO QUE OS ESTUDOS E LOCALIZAÇÕES NÃO FORAM FEITOS POR SPORT. O OBJETIVO, COMO KOLLER DECLARA ADIANTE, ERA ACAPARAR O SOLO POTENCIALMENTE PETROLIFERO). tenho a perfeita convicção da primordial necessidade de uma prolixa investigação magnetometrica nas zonas de interesse. Tenho já os suficientes conhecimentos estratigraficos para seguir (ELLE QUERIA DIZER PROSSEGUIR nos trabalhos de localização, coisa de muito interesse (PARA A CIA. PETROLEOS Á QUAL ESTAVA OFERECENDO OS SEUS SERVIÇOS), visto a campanha de organização e contratos atualmente executados pela companhia (QUER DIZER QUE ISSO TINHA MUITO INTERESSE PARA NÓS BRASILEIROS EM VIRTUDE DA CAMPANHA DE ORGANIZAÇÃO DO ACAPARAMENTO DO SOLO POTENCIALMENTE PETROLIFERO E DE CONTRATOS DE SUBSOLO FEITA PELA “COMPANHIA”, ISTO É, PELA PAN-BRASILEIRA, TESTA DE FERRO DA STANDARD) considerando que só a Cia. Pan-Brasileira e outra (TALVEZ A CIA. PAN-AMERICANA DE PETROLEO, CUJA VIDA É MISTERIOSA) já possuem mais de 2.000 alqueires de terras sobre anticlinais de primeira classe em S. Paulo e no Paraná, especialmente na famosa Paraná Arch. É obvio (PARA ELE É OBVIO; SÓ NÓS NÃO VEMOS ISSO) que as companhias importadoras (REFERE-SE AS COMPANHIAS AMERICANAS FILIADAS AOS TRUSTS DE PETROLEO, AS QUAIS SE CONSTITUEM AQUI DE ACORDO COM AS NOSSAS LEIS PARA SEREM INTERMEDIARIAS NA DISTRIBUIÇÃO DO PETROLEO AMERICANO) não têm interesse no desenvolvimento das fontes de petroleo que o Brasil indubitavelmente possue (SÓ O BRASILEIRO TEM DUVIDAS , SOBRE O PETROLEO DO BRASIL) interessando-lhes mais, dada a superprodução dos seus diversos “fields” em exploração, a escravização petrolifera do Brasil — (ISTO É, A PERPETUAÇÃO DO BRASIL COMO COMPRADOR DE PETROLEO. DE FATO, UM COMPRADOR QUE GASTA NISSO MAIS DE MEIO MILHÃO DE CONTOS POR ANO NÃO É FREGUES DE DESPRESAR. ACHO COMERCIALISSMO QUE OS TRUSTS ESTRANGEIROS TENHAM ESSA POLITICA DE ESCRAVIZAÇÃO PETROLIFERA DO BRASIL. MOSTRA QUE SÃO BONS NEGOCIANTES. O RIDICULO, O TRAGICO É DEIXARMO-NOS EMBAIR E IRMOS NOS PERPETUANDO NA IDIOTISSIMA SITUAÇÃO DE UNICO PAIS DA AMERICA SEM PETROLEO PROPRIO, ENQUANTO OS TRUSTS NOS ACAPAREM AS TERRAS PETROLIFERAS POTENCIAIS). É, porém, evidente que, dadas as atuais condições (ISTO É, O MOVIMENTO PRO-PETROLEO QUE ALGUNS PIONEIROS NACIONAIS ANDAVAM A PROMOVER EM S. PAULO E ALAGOAS, PODENDO DAR PETROLEO DUM MOMENTO PARA OUTRO) as empresas americanas têm que (SÃO FORÇADAS A) acaparar o solo potencialmente petrolifero (COMPRAR AS TERRAS OU FAZER CONTRATOS DE SUB-SOLO) para assim defender os seus negocios de importação (ISTO É, PARA MANTER O BRASIL COMO MERCADO COMPRADOR DE PETROLEO AMERICANO), do que resulta o interesse que demonstram em impedir a exploração (KOLLER TOCA NUM PONTO VITAL AQUI. O INTERESSE DESSAS ENTIDADES INTERESSADAS EM NOSSA ESCRAVIZAÇÃO PETROLIFERA MANIFETA-SE DE MIL MODOS, SEMPRE EM FORMA DE EMBARAÇO A TODAS AS TENTATIVAS NACIONAIS DE PESQUISA DE PETROLEO E NADA COINCIDE MAIS COM ESSE INTERESSE DO QUE A POLITICA DO “NÃO TIRAR E NÃO DEIXAR QUE TIREM” DO NOSSO DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO

MINERAL).


Harry Koller ingenuamente confessa tudo que ha quatro anos venho afirmando pela imprensa. Confessa o programa dos trusts, nossos abastecedores de petroleo, de manter o Brasil em estado de escravização petrolifera. Confessa a campanha de organização e contratos para o acaparamento das bôas estruturas com o fim de impedir que os nacionais as explorem. Confessa a intensidade com que estudam nossa geologia e adquirem terras. Confessa o interesse que demonstram em impedir a exploração do petroleo brasileiro. Confessa tudo quanto, qual Cassandra em terra de surdos, vivo proclamando por todos os meios.

A Lei de Minas, poderão alegar, prevê o caso e dispõe as coisas de modo que o dono da terra não pode impedir a exploração do subsolo por outrem que o queira fazer. Teoricamente é assim. Teoricamente é possivel, com a lei na mão, explorar terra alheia. Mas na pratica é irrealisavel. De modo que os acaparadores do nosso subsolo potencialmente petrolifero riem-se da Lei de Minas e continuam a monopoliza-lo, adquirindo imensas extensões por preços irrisorios para quem joga com moeda ouro em país de papel super-desvalorizado.


MELAMPHY & OPPENHEIM


Na minha "carta aberta" declarei que os chefes contratados da geofisica e da geologia do Departamento Nacional, Malamphy e Oppenheim, negociavam lá fóra informações geologicas e geofisicas colhidas durante os trabalhos de campo. Mostrando o ridiculo desse temor, um dos tecnicos do Departamento, Sr. Glycon de Paiva, diz pelo "Diario de São Paulo" que estudos dessa ordem não constituem segredo, sendo reunidos em livros e postos ao alcance de quem quer que por eles se interesse. Perfeitamente. Foi o que sucedeu com os estudos geofisicos e geologicos de Malamphy & Oppenheim na zona de São Pedro. Cumpre, todavia, observar que esses estudos feitos em 1934 somente apareceram no Boletim do Ministerio da Agricultura divulgado em março deste ano da graça de 1936. Ora, nesse intervalo de dois anos entre os estudos e a publicidade dos mesmos, ha tempo de sobra para a negociação de qualquer informe util por parte dos seus detentores.

E que esses dois tecnicos contratados entram em negocio de informes petroliferos de que são detentores em primeira mão, acho que ficou exuberantemente provado com a carta de Melamphy a que dei publicidade (anexo n. 5). Essa carta é a resposta a uma consulta de certo cidadão de New York, que desejava, com outros, adquirir terras petroliferas no Brasil (anexo n. 6). Lendo o anuncio de Malamphy & Oppenheim em revistas tecnicas americanas, a eles se dirigiu. Malamphy responde por si e seu socio, com o qual mantem endereço telegrafico internacional comum — MALOP, declarando-se pronto para entrar em entendimento com os interessados. Que se apresentem, que digam que planos têm na cabeça, que ele, Malamphy, dirá o auxilio que lhes podera prestar. Quanto ao socio Oppenheim, naquele momento a descobrir petroleo no Acre, Malamphy responde por ele em genero, numero e caso.

Acho tudo isso claro demais, e apesar da bela defesa que desses homens faz o Sr. Ministro nas BASES, parece-me que a unica resposta que decentemente poderiam dar para Nova York, seria: “Como tecnicos contratados, não podemos entrar em entendimentos com ninguem para o negocio proposto. Os interessados que se dirijam ao governo brasileiro.


— Nas BASES o sr. Ministro estranha a minha atitude em face da technica e das empresas estrangeiras, acoimando-me de incoerente.

Ha aqui um erro de apreciação. Não sou chauvinista, nem inimigo da tecnica e das empresas estrangeiras. Reconheço a nossa absoluta incapacidade de fazer qualquer coisa sem recurso ao estrangeiro, á ciencia estrangeira, á tecnica estrangeira, á experiencia estrangeira, ao capital estrangeiro, ao material estrangeiro. Tenho olhos bastante claros para ver que tudo quanto apresentamos de progresso vem da colaboração estrangeira. E nesse caso do petroleo nada faremos de positivo. se insistimos em afastar o estrangeiro e ficarmos a mexer na terra com as nossas colheres de pau.

Mas estou tambem convencido de que os trusts estrangeiros de petroleo querem manter-nos em escravização petrolifera, e em consequencia agem cá de mil maneiras para acaparar as boas estruturas com o unico fim de pô-las fóra do alcance da exploração. Desconfio, pois, sistematicamente de todas as entidades estrangeiras que se metem em petroleo no Brasil, já que a intenção confessada não é tira-lo, sim impedir que o tiremos. Acho, entretanto, que do seu ponto de vista comercial essas entidades estrangeiras estão certas. Estão agindo como bons e sabios negociantes, dos que enxergam longe e preveem o futuro. Quem não está agindo com inteligencia somos nós, fechando os olhos a isso, duvidando disso, permitindo que isso se vá fazendo indefinidamente. Não os denuncio e combato por serem estrangeiros, mas apenas por estarem seguindo uma politica contraria aos nossos interesses.

Mr. Oppenheim, por exemplo, em artigo de defesa que publicou num jornal do Rio, diz, com desespero de vitima: “Tudo isso, todos esses ataques, só porque sou estrangeiro!”

Engana-se Mr. Oppenheim. Os ataques de que tem sido vitima não passam da naturalissima reação das companhias nacionais que ele tem procurado destruir. Não o combatemos por ser estrangeiro. Combatemo-lo por ser safado.

O que ele fez contra a Petroleos — induzindo o sr. Fleury a subscrever uma conclusão geologica tão formal quanto destituida de base, e os golpes sabotadores que desfechou contra a companhia de Alagoas, não depõem contra a sua nacionalidade — sim contra o seu safadismo. Não nos iludamos nesse ponto.

Sobre este Oppenheim chamo a especial atenção dos senhores juizes, convencido como estou de que vem agindo dum modo extremamente nocivo aos interesses das companhias nacionais, interesses que coincidem com o Interesse Nacional, visto como a vitoria dessas companhias significará a vitoria do Brasil.

Depois da sabotagem do poço São João o Sr. Oppenheim foi contratado pelo Departamento como cientista de notabilissimos meritos, a ponto de com sua obra “Rochas Gondwanicas e Geologia do Petroleo do Brasil Meridional” haver revogado velhas concepções geologicas e imposto ao Departamento novas diretrizes praticas. A critica, no entanto, que. Chester Washburne fez desse trabalho no “Bulletin of American Association of Petroleum Geologists”, de 11 de novembro de 1935, redu-lo ás suas verdadeiras proporções.

Washburne extranha que Oppenheim, em seis meses de estudo, sem dispor de auxiliares, haja coberto uma área tres vezes maior que a que ele Washburne cobriu em tres anos, ajudado por varios assistentes. Suas palavras textuais são estas:


“The State of São Paulo has approximately the area of Texas, but Washburne could spend only 3 years in it, not more than 2 of which could have been devoted to actual field work. Oppenheim spent only 6 months within an area about three time as great. Washburne had most capable associates, especially Drs. Joviano Pacheco, Guilherme Florence and Domicio Pacheco e Silva, the first two of whom had spent most of their adult lives in studying the geology of the region. In his report Oppenheim mentions no assistents. This seems to give Washburne some advantage, but none of his associates is to be considered responsible for any of his published conclusions, regardless of the extent to which he drew upon their knowledge. In spite of this, Washburne admits that, within the time involved, NO MAN IS CAPABLE OF JUDGING THE ULTIMATE MERITS OF AN AREA SO GREAT.


Washburne acha que HOMEM NENHUM PODE CHEGAR A CONCLUSÕES DEFINITIVAS NUMA AREA TAO GRANDE, em tão pouco tempo e tão desajudado de assistencia. Homem nenhum!... É que Washburne não conhece Oppenheim nem o Sr. Fleury da Rocha. Na sua ingenuidade de cientista honesto, o grande geologo não imagina de que são capazes homens que fazem geologia politica, com o fim expresso de dar tombo em empresas nacionais.

Em outro ponto da sua analise mostra Washburne a deshonestidade cientifica de Oppenheim no preparo das razões geologicas que iriam condenar a região de S. Pedro. Diz ele: "Oppenheim. in desagreement with Washburne, believes the country to be highly faulted and unliked to contain oil fields. He does not present any convincing evidence of the existence of faults in the petroliferous region, his main argument being what he considers large difference in stratigraphic elevation between some adjacent wells. In this matter one easily may be misled by a hasty examination of Oppenheim’s cross section (Folhas 5-17) in which he uses a vertical scale 40 times the horizontal, and in which he draws the formation pattern of each plotted log to a width of about one kilometer. To the eye of the reader this gives the appearance of sudden change in depth, suggesting faults, yet if the reader were to draw lines through identical horizons in adjacent wells, he would find that none slopes more than 5.° a common dip on the small folds of the region, etc.”.


Despistamento geologico...


Mais adiante Washburne declara: “Even should many faults exist in the interior of the states of S. Paulo and Paraná, and if the rocks were higly jointed, which they are not, experience elsewhere shows that these condition do not prevent the retention of oil in profitable pools, nor do they necessarily cause any seepage of oil. Thus in most of the highly faulted fields of the Rocky Mountains, oil seepages are lacking, even in places where productive sands lie within 1.500 feet of the ground surface; and in the Salt Creek field, Wyoming, numerous faults have not permited recent communications between a great area of salt water in the First Wall Creek sand, and oil in the Second Wall Creek sand only a few hundred feet below it. Not merely do faults fail to destroy many oi fields, but commonly they fail even to create surficial seepage. Oppenheim’s statement that the lines of chapopoteras in Mexico occur along faults, is open to question, for wells fail to reveal corresponding displacement in the shallow strata”. Etc.

Na furia de negar, Oppenheim põe em duvida as amostras de petroleo verde e leve que Washburne menciona. Eis como o geologo americano atende a este ponto: In few words Oppenheim dismisses the sugestion of Washburne that the small traces of lighter oil found in the Itararé (glacial) beds of doubtful Permian age, seem to represent a type distinct from the black oil in the higher Permian an Triassic strata, and that the oil of the former type, possibly paraffinic, may have risen from Devonian or other concealed strata. Oppenheim (pg. 113) seems to doubt the accuracy of Washburne´s description of one of these oils from a well at S. Paulo, as “light green Yellowish”, possibly because Washburne failed to write that Dr. Eugenio Dutra, then in charge of governamental drilling, showed him a sample of this color. If a laboratory report on this oil called its color “red” or “chesnut”, one may suspect that the sample was held not against a black opaque object, but was held so that light could pass through it. Of similar significance in regard to the possibility of deeper oil, is Oppenheim’s doubt concerning the validity of the green highly fluid oil in well n. 1 of the Cia. Cruzeiro do Sul, at Bofete, S. Paulo. Presumably he failed to appreciate the description by Washburne (pg. 220) of the intimate penetration of this oil throughout a sample of saturated typical tillite, a degree of penetration that hardly could be imitated artificially, indicating beyond reasonable doubt that the green oil occurs in glacial beds. Oppenheim’s remark that I. C. White reports no oil in earlier wells in the same vicinity has no bearing on this matter, because the older wells were much shalower. Oppenheim is right in saying, indirectly, that Washburne presents only meager evidence of the occurrence of a distinct type of oil in the lower horizons (Itararé formations), and Washburne admits that his sugestions was hardly more than “grasping at a straw” in the hope of finding better oil a greater depth in the undrilled central parts of the Paraná basin. Yet even meager evidence seems more valuable than unsupported opinion to the contrary. That deeper source beds of dark marine shales of the Devonian, and possibly marine Carboniferous strata, may exist under parts of the Paraná basin, seems quite possible, not only because of the presence of Devonian shales in Paraná and of marine Carboniferous in southern Paraguay e Uruguay, but also because of general frequency with stratigrafic lacunae at the margins of other great basin are filled at least partly by other intervening strata in central parts of the basin”. Etc.

Bastam essas citações para mostrar o valor cientifico da maravilhosa obra que Oppenheim lançou como o Novo Testamento da Geologia Nacional e que tão fundo calou no animo dos basbaques, a ponto de dar orientações novas ao D. N. P. M. Por que? Porque constituia a consagração scientifica, iniludivel, indestrutivel, inexpugnavel, do programa negativista desse serviço federal. Porque importava na condenação e destruição das pobres companhias nacionais. Porque seria a morte da Petroleos, da Petrolifera, da Cruzeiro do Sul. Porque era o que convinha aos tais trusts que, piscando o olho, acaparam quanto podem dessas terras “negativas para futuras explorações de petroleo”...


CONCLUSÃO


Nada tem feito tanto mal ao nosso país como a tendencia para resolver problemas só pelo lado teorico, com despreso absoluto do lado pratico. Na fatura de certas leis, o nosso legislador parte duns tantos pontos de vista abstratos, esquecendo-se de levar em conta o meio, a gente, as condições locais especialissimas, o momento — isto é, as realidades iniludiveis. Daí o partejamento de monstruosidades dignas de museus teratologicos — leis inaplicaveis, leis que tudo entravam, leis paralisantes de todas as iniciativas, leis que desgraçam esta pobre terra, embaraçando-lhe, impedindo-lhe o desenvolvimento economico.

A nova Lei de Minas, ao aparecer, foi dada pelos seus promotores como o “Sezamo, abre-te!” das riquezas do subsolo nacional. Mas os que praticamente tentavam mobilizar essas riquezas, os que trabalhavam no campo, viram logo tratar-se de um “Sezamo, fecha-te!” Impossivel dar um passo dentro daquela maranha de entraves criados pela mais inepta das burocracias. E regredimos. Empresas em via de formação dissolveram-se. Outras já com trabalhos iniciados, desistiram de ir além. Outras ainda em germe, goraram. Tudo se paralizou — e paralizados ficaremos ab eterno, impedidos de tocar nas riquezas do subsolo, enquanto essa lei concebida por parasitas burocraticos, dos tais que “imaginam coisas mas não nas sabem”, não fôr substituida por uma lei decente, clara, viavel, pratica, que não antagonize o interesse particular com o publico.

Ha quatro anos mergulhado neste problema do subsolo, tenho elementos para afirmar que não foram os obstaculos criados pela natureza os que mais nos consumiram energias, a mim e aos meus companheiros — sim os obstaculos artificiais, filhos da burocracia, não só os que ela embrechou nas leis, como os que ela sistematicamente antepõe á execução dos dispositivos monstruosos dessa leis.

Se a intenção do governo federal é de vedar que os particulares toquem no subsolo, parece-nos muito mais simples, muito mais honesto que essa proibição se faça ás claras. “Não póde mexer no subsolo, acabou-se”. Os que hoje perdemos tanto tempo e trabalho nessa faina, iriamos cuidar de outra coisa. Mas apresentar leis, como a de Minas, qual um “Sezamo, abre-te!” quando não passam de ultra-maquivelicos ferrolhos, chega a ser sadismo. Castigar aos que, tentando uma arrancada rumo ao subsolo, trabalham para a grandeza do Brasil, castiga-los com a má vontade dos Fleurys, com as sabotagens dos Oppenheims, com os empeços de toda a ordem que esses homens e outros, fortes nos cargos que ocupam, criam incessantemente, não passa duma indignidade.

A Comissão de Inquerito poderá prestar ao Brasil um beneficio imenso, abrindo de par em par as portas á nossa redenção economica, se concluir os seus trabalhos com a unica sugestão que a logica impõe: “O que ha a fazer, é fazer justamente o contrario do que se tem feito”. Só isso.

Abriam-se poços de escassa profundidade? Pois abram-se poços profundos. Perseguiam-se as companhias nacionais? Pois que sejam auxiliadas. Amontoaram-se nas leis mil entraves para a pesquisa do petroleo? Pois sejam criadas mil facilidades.

Tão simples o remedio!

Com a organização existente, com as leis-cipós, com o “dar-para-trás”, com Fleury e Oppenheim mantidos como batoques, o petroleo não saiu e não sairá nunca. Pois inverta-se a organização, modifiquem-se as leis em sentido contrario, arquivem-se os dois batoques — e o petroleo jorrará aqui, como jorrou nos Estados Unidos, no Mexico, na Trinidad, na Venezuela, na Colombia, no Peru, na Bolivia, na Argentina.

Mas se porventura Fleury com sua filha a Lei de Minas, e Oppenheim com a sua Gondwana, têm mais importancia para o Brasil do que o petroleo a jorrar de mil poços, então que o governo o confesse logo. Os atuais petroleiros desistirão do grande sonho, indo plantar couves ou batatas. Representa muito mais para a economia da nação um humilde plantador de couves ou batatas do que um escavador de poços de um petroleo que, por misteriosas razões acima do nosso alcance, está proibido de aparecer — ainda quando se revela “em estado livre e saindo muito”...


(a) MONTEIRO LOBATO
Praça da Sé, 83-S. Paulo

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.